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A circulação dos primeiros ritos maçônicos manuscritos e impressos no Brasil (1810-1836)

Resumo:

O presente artigo oferece uma análise da produção e circulação dos primeiros ritos maçônicos no Brasil. Incialmente, por meio de manuscritos ultracopiados ou por impressos clandestinamente introduzidos na América portuguesa, os ritos maçônicos circularam entre pedreiros-livres iniciados nas capitanias do norte, especialmente na Bahia e Pernambuco, ao tempo em que as primeiras lojas maçônicas estabeleceram influência política (1810-1817). Com a introdução de tipografias no Brasil, os ritos passaram a ser impressos no Rio de Janeiro, mantendo sua produção e circulação restrita durante o Primeiro Reinado (1822), mas tornando-se mais acessíveis ao público com a expansão das tipografias dirigidas por uma nova geração de impressores na Regência (1831-1840).

Palavras-chave:
História do livro; Livros clandestinos; Maçonaria

Abstract:

This article offers an analysis of the production and circulation of the first masonic rites in Brazil. Initially, by means of heavily copied manuscripts or clandestinely printed pamphets brought into Portuguese America, Masonic rites circulated among freemasons, starting in the northern captaincies, especially in Bahia and Pernambuco, at the time when the first Masonic lodges established political influence (1810- 1820). With the introduction of printing presses in Brazil, these rites began to be printed in the Rio de Janeiro, maintaining their production and circulation restricted during the Primeiro Reinado (1822), but becoming more accessible to the public with the expansion of printing propelled by a new generation of printers in the Regency period (1831-1840).

Keywords:
History of the Book; Clandestine Books; Masonry

Os primeiros rituais (1810-1822)

Na América portuguesa a circulação de rituais maçônicos dos Graus Simbólicos e dos Altos Graus, tanto do Rito Adonhiramita quanto do Rito Francês (ou Moderno), os únicos que foram utilizados por pedreiros-livres brasílicos antes de 1822, e continuariam a ser até o início do período regencial (1831-1840), ainda é uma incógnita. A historiografia, tanto maçônica quanto acadêmica, não conseguiu avançar nesse tema, devido às dificuldades de encontrar documentação que possibilite maior segurança aos estudos. A história do livro e da leitura na América portuguesa ignora completamente os textos de natureza maçônica, mas isso se justifica pelo elevado nível de discrição com que esses rituais eram produzidos e repassados.

Acerca da metodologia aqui empregada, a observação do aspecto material dos impressos é condição para este estudo. A história do livro é orientada, aqui, para compreensão da produção impressa, das técnicas editoriais, bem como para as especificidades da circulação de um livro no contexto social que o produziu. Desse modo:

Manuscritos, impressos, imagens e comportamentos se constituem em fontes valiosas nessa abordagem historiográfica, contemplando as práticas literárias, editoriais e ampliando seu alcance para estudos sistemáticos que visam identificar e analisar, com enfoque histórico, atuações de agentes produtores do impresso e correlações de suas ações com os circuitos da leitura (Magalhães, 2018aMAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. A revista “O Campeão Brazileiro”: imprensa, unidade constitucional e sociabilidade maçônica na província da Bahia (1830-1831). Tempo, v. 24, n. 3, p. 567-594, 2018a., p. 571).

É necessário, ainda, considerar e aplicar a perspectiva da história do livro a partir da apreensão do seu uso, o que implica “reconhecer o vínculo essencial entre o texto em sua materialidade, que suporta os textos, e as práticas de apropriação, que são as leituras” (Chartier, 2001CHARTIER, Roger. Cultura escrita, literatura e história: conversas de Roger Chartier com Carlos Aguirre Anaya, Jesús Anaya Rosique, Daniel Goldin e Antonio Saborit. Porto Alegre: ArtMed, 2001., p. 29), perspectiva da materialidade dos objetos culturais e de sua participação nos processos sociais, analisando assim aspectos materiais do livro e das suas condições de produção. A análise da materialidade do texto requer o exame dos aspectos físicos do livro, contemplando a disposição do texto, o tipo de impressão, escolha do suporte, a encadernação e o tamanho do livro. Sublinha-se que ilustrações, elementos simbólicos e gráficos agregam também informações relevantes para quem investiga o livro, ainda que isso não seja tratado no presente estudo. De acordo com Roger Chartier, os livros “não existem fora de uma materialidade”, e essa materialidade “geralmente é um objeto, um manuscrito ou um impresso, mas também pode ser uma forma de representação do texto sobre o palco, uma forma de transmissão vinculada às práticas da oralidade: recitar um texto, lê-lo em voz alta”. Todos esses elementos materiais, corporais ou físicos, pertencem ao processo de produção de sentido para o livro (Chartier, 2001CHARTIER, Roger. Cultura escrita, literatura e história: conversas de Roger Chartier com Carlos Aguirre Anaya, Jesús Anaya Rosique, Daniel Goldin e Antonio Saborit. Porto Alegre: ArtMed, 2001., p. 30).

As questões acerca dos elementos materiais do livro, pelas razões acima indicadas, ocupam “um lugar central no campo da história cultural aos saberes mais classicamente eruditos: por exemplo, os da bibliography, da paleografia ou da codicologia” (Chartier, 1991CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, v. 5, n. 11, p. 173-191, 1991., p. 179). Eles possibilitam delinear rigorosamente os dispositivos materiais e formais pelos quais os impressos atingem os leitores, que se constituem em recurso fundamental para uma história cultural. Nesse sentido, identificar e compreender a produção dos rituais maçônicos, considerando os aspectos materiais dos seus livros, permite avançar significativamente na compreensão da cultura letrada na transição da América portuguesa para o Brasil imperial.

Diferente de livros proibidos ou censurados por instituições que restringiam a circulação de informações, a exemplo do Tribunal do Santo Ofício (1536-1821), Real Mesa Censória (1768-1787), Real Comissão Geral para Exame e Censura de Livros (1787-1794), Desembargo do Paço no Rio de Janeiro (1808-1821) e Comissão de Censura da Bahia (1811-1821), ultracopiados e acessíveis às elites intelectuais luso-brasílicas, os rituais maçônicos circulavam apenas entre os iniciados, portanto, de modo muito mais restrito do que outras peças literárias. Em situação de ameaça política, contra lojas ou maçons, esses documentos eram destruídos, para resguardar tanto o sigilo dos rituais quanto a integridade física dos iniciados, evitando prisões e, até mesmo, execuções. Destruição de documentos maçônicos ocorreu, por exemplo, na cidade de Cachoeira, na capitania da Bahia, após o episódio da Revolução Pernambucana (1817) (Felner, 1846FELNER, Rodrigo José de Lima. Almanak do Rit:. Esc:. Ant:. e Acc:. em Portugal para o Ano de 5846 Offerecido ao Synhedrio de Beneficencia pelo Ir:. R. Felner. Lisboa: Typographia de O. R. Ferrer, 1846., p. 66-71).1 1 A fonte de Lima Felner foi o pedreiro-livre baiano José Mendes da Costa Coelho, que enviou para o cronista português uma carta e dois impressos, possivelmente de sua autoria. Um dos impressos pode ter sido o Discurso recitado no 3 o dia do sétimo mez do anno 1837 da V. L. Cap. Humanidade em o acto da posse do presidente, referenciado por Sacramento Blake. Pouco se conhece sobre José Mendes da Costa Coelho, mas era natural da Bahia e serviu na Guerra de Independência em 1822, sendo condecorado com a medalha da campanha da Independência do Brasil na Bahia, onde serviu o cargo de oficial da Secretaria do Governo Provisório.

O tema, apesar da dificuldade acima indicada, recentemente começou a ser estudado, a partir de exemplares de rituais maçônicos introduzidos clandestinamente na América portuguesa, particularmente na capitania da Bahia. Os exemplares dos referidos rituais foram localizados em 2016, no Freemason Museum, em Londres (Magalhães, 2017MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. A cabala maçônica do Brasil: o primeiro Grande Oriente Brasileiro: Bahia e Pernambuco (1802-1820). Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, v. 70, p. 73-138, 2017.). A esses rituais, dos graus simbólicos (Aprendiz, Companheiro e Mestre), pode-se juntar as informações que emergem de um processo contra um pedreiro-livre, apreendido no contexto da Revolução Pernambucana de 1817. Esse conjunto de informações torna-se relevante para iluminar tanto a história do livro e das ideias quanto da maçonaria no Brasil.

Não há registros precisos do uso de rituais nas primeiras lojas existentes no Rio de Janeiro (c.1801), Bahia (1802) e Pernambuco. Não foram encontrados exemplares impressos ou traduções manuscritas dos rituais dos catecismos utilizados na América portuguesa antes de 1810. É factível, não obstante, que rituais franceses tenham sido clandestinamente introduzidos por maçons estrangeiros ou brasílicos. Somente para a década seguinte há notícias seguras da circulação de rituais nas principais capitanias brasílicas.

Os primeiros rituais introduzidos na América portuguesa foram impressos em Londres, por volta de 1810, por diligência de HipólitoCOSTA, Hipólito José da. Compendio das instrucções maçonicas para uso do G.: O.: B.: Recopilado por hum cavalliero (sic) de todas as ordens maçonicas. Maçoneria Adonhiramita, Azul. [Londres]: Impressão do Silencio, Anno L. 3v.José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823), cuja biografia, em linhas gerais, é bem conhecida. Nascido na Colônia do Sacramento, então domínio da Coroa portuguesa (território atualmente pertencente ao Uruguai), Hipólito José da Costa fez os seus primeiros estudos em Porto Alegre, ingressando na Universidade de Coimbra, onde concluiu os cursos de Leis, Filosofia e Matemática (1798). Foi enviado pelo governo português para os Estados Unidos da América, onde viveu entre fins de 1798 e 1800, observando e recolhendo informações sobre produtos agrícolas e manufaturas norte-americanos e mexicanos. Foi iniciado na maçonaria na Filadélfia, em 1799, e após retornar para a Europa, se aproximou da maçonaria inglesa, sendo perseguido e preso por diligência do corregedor José Anastácio Lopes Cardoso.

Após fugir dos cárceres do Santo Ofício, passou a Gibraltar de modo furtivo e em seguida embarcou para Londres, onde se aproximou do grão-mestre Augusto Frederico, duque de Sussex (1773-1843). Na capital inglesa editou O Correio Braziliense ou Armazém Literário, impresso de 1 de junho de 1808 até 1823, contando 29 volumes. Apesar de ser mais conhecido pelo periódico, Hipólito José da Costa utilizou os prelos para imprimir obras de natureza maçônica, incluindo os rituais introduzidos clandestinamente na Bahia.

Todos os autores que escreveram sobre Hipólito da Costa duvidaram da existência dos catecismos impressos. Segundo Rubens Borba de Moraes, o renomado conhecedor de impressos sobre o Brasil, “o catecismo impresso em português em Londres não me consta que tenha sido publicado, nunca vi um exemplar mencionado e nem os biógrafos de Hipólito da Costa citam a existência de algum” (Moraes, 1968MORAES, Rubens Borba de. Bibliografia brasileira do período colonial. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968., p. 244-245).

Apesar de Moraes, Carlos Rizzini e Mecenas Dourado duvidarem da existência do “catecismo” foi possível localizar uma coleção completa dos três volumes no The Library and Museum of Freemasonary, em Londres (Works..., 1882WORKS relating to freemasonry preserved in the Reference Department of the Wigan Free Public Library. Wigan: Platt, 1882., p. 10). Trata-se do COMPENDIO // DAS INSTRUCÇOENS MAÇONICAS // PARA USO // DO // G.: O.: B.: [insígnias maçônicas] // RECOPILADO POR HUM CAVALLEIRO DE // TODAS AS ORDENS MAÇONICAS. // [fio] VOLUME I // MAÇONERIA ADONHIRAMITA AZUL. // [fio] // Impressão do Silencio // Anno L. Além de contemplar os graus iniciáticos da maçonaria adonhiramita, traz em seu terceiro volume um surpreendente ritual para a “MAÇONERIA ADONHIRAMITA ADOPTIVA”. Os três volumes não apresentam data de impressão, registrando apenas “Anno L.”, ou Ano Lucis (Ano da Luz), em conformidade com o tipo de calendário usado pela maçonaria. A Impressão do Silêncio era a casa tipográfica de Wright, em Saint John Square, mesma oficina em que se imprimia o Correio Braziliense.

Quanto à autoria desse conjunto de três volumes, o mais importante da maçonaria do Brasil, não resta dúvida de que foi feito em Londres por diligência de Hipólito José da Costa, redator do Correio Braziliense. Isto, o próprio Hipólito da Costa revela em carta datada de 5010 [1810] para dirigentes da loja maçônica Virtude e Razão. Documento da maior importância para história da maçonaria, assinala o momento em que as lojas do Brasil, sendo duas na Bahia e uma em Pernambuco, passam para a esfera de influência da maçonaria inglesa. Essa carta foi em 2022 transcrita, pela primeira vez, na íntegra (Magalhães, 2022MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. A Guerra do Madeira: a participação dos prisioneiros pernambucanos na Independência do Brasil na Bahia (1817-1823). In: SOUZA, George F. Cabral de (org.). Pernambuco na Independência do Brasil: olhares do nosso tempo. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2022. p. 299-330., p. 225-230), sendo necessário trazer aqui trechos que comprovam o protagonismo de Hipólito da Costa na produção e circulação clandestina desses Compêndios Adonhiramitas:

Se com effeito vos resolveis a dar este acertado passo; eu terei muito gosto de os enviar daqui o livro das constituiçoens da Gr.: Ingleza e outras obras interessantes que ha impressas tanto em Inglez como em Francez; as quaes servirão para vos ajudar a ilustrar em vossos trabalhos. [...] E por agora vos peço que aceiteis como pequeno signal da veneração e amor que vos tributo, as duas obrinhas que vos serão entregues com esta: uma he o compendio das instrucçoens massonicas, que eu escrevi e fiz imprimir, com summo trabalho, ja com o designio que servisse ao Gr.: Or.: Br.: a outra he uma serie de cartas que escrevi durante a minha prisão na Inquisição, e fiz imprimir, ajudado das offertas de alguns amigos, com o unico fim de as espalhar, e fazer lêr aos profanos; para que tenham alguma idea justa da M.: pois não ha em Portugal cousa nenhuma, que para isto sirva; assim não so dis cousa nenhuma nessas cartas que possa tender a revelar segredo algum dos nossos aos profanos; ao mesmo tempo q’ se lhe da uma justa idea idea [sic] da instituição. [...] Sem duvida desejareis formar no archivo da vossa G.: uma biblioteca massonica; e em couza nenhuma podereis na m[inh].a opinião empregar melhor uma parte dos fundos da vossa G.:; eu so não vos lhe remetterei daqui as obras que quiseres para esse fim; mas com muito gosto eu encarregarei de escrever os estatutos dessa biblioteca; declarando as pessoas que terão acesso a ella, as condiçoens com que se emprestam os livros para fora; e um estabelecimento desta natureza o podereis atender até a outras obras que não sejam maçonicas; de maneiras, que G.: tenha uma uma [sic] especie de livraria circulante, para o uso dos massons; o que seria de um beneficio incalculavel nesse paiz. .:2 2 Cruz Patriarcal, ou Cruz de Lorena ou, ainda, Cruz de Caravaca. É posta no início das assinaturas dos maçons Grandes Inspetores do Grau 33 do REAA [Rito Escocês Antigo e Aceito]. Em fim contar comigo p.[ar]a tudo quanto as minhas debeis forças puderem alcançar. [...] O G[rande].: A[rquiteto].: vos guarde e felicite como deseja o vosso Ir[mão]. que m[ui].to vos ama e respeita.3 3 Carta de Hipólito José da Costa Furtado de Mendonça para o Venerável da Loja Virtude e Razão, na capitania da Bahia. Londres, Post. a 16 mar. 1810. Biblioteca e Museu da Grande Loja Unida da Inglaterra (Londres), Dossier Brasil, cota 25/B/5. Fl. 2v.

A partir dessa correspondência de 1810, a relação entre Hipólito José da Costa e os círculos intelectuais e maçônicos da Cidade da Baía foram estreitados. Em 1811, uma imprensa clandestina foi enviada à Bahia por diligência do próprio Hipólito da Costa, mas interceptada pelas autoridades portuguesas. Naquele mesmo ano, outra imprensa clandestina, enviada para a mesma capitania, transportada secretamente por Domingos Borges de Barros, a partir dos Estados Unidos, também foi denunciada às autoridades. A interceptação desses dois parques tipográficos clandestinos, que certamente não submeteriam seus impressos à recém-criada Comissão de Censura da Bahia, pode ter abortado um plano de produzir documentos maçônicos, dentre outros de natureza política. Os ritos maçônicos impressos precisariam, portanto, ser trazidos da Europa, particularmente de Londres.

Em 1812, foi criada a Loja Luzitana n. 184, ligada ao Grande Oriente de Londres, tendo como seu venerável o próprio Hipólito José da Costa. Os estatutos foram impressos na oficina de L. Thompson, e naquele mesmo ano o redator do Correio Braziliense teve a iniciativa de convidar portugueses influentes, na política e na imprensa, chegando até mesmo a acenar aos antigos adversários políticos para ingressarem naquela sociedade. A partir da Loja Luzitana n. 184, a maçonaria inglesa aumentou ainda mais sua presença na Bahia e em Pernambuco, notadamente por meio de um dos seus sócios fundadores, o negociante Domingos José Martins (1781-1817). Martins viajou para Salvador em princípios de 1812, possivelmente para articular as duas lojas baianas então existentes, Virtude e Razão (1802) e Humanidade (1808), ao projeto autonomista para o Brasil, agenciado na imprensa inglesa por Hipólito da Costa. Martins seguiu, em 1813, para o Recife, também com o objetivo de se articular com as lojas daquela capitania.

Apesar da interceptação do equipamento tipográfico enviado por Hipólito da Costa, bem como do trazido por Borges de Barros, os primeiros ritos maçônicos impressos em língua portuguesa foram introduzidos clandestinamente com sucesso, em alguma medida por diligência de Domingos José Martins, para uso dos membros do primeiro Grande Oriente do Brasil (1813-1817), em Salvador e no Recife.

Em Salvador, o padre Ignacio José de Macedo (1774-1834) (Magalhães, 2013MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. Ignacio José de Macedo: da Idade d’Ouro ao Velho Liberal do Douro (1774-1834). Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, v. 108, p. 221-262, 2013.) e o ex-professor régio José Francisco Cardoso de Moraes (1761-1841), amigo do poeta Manoel Maria Barbosa du Bocage, foram denunciados ao governo por certo frei Amador da Sancta Cruz, em 1817, porque “Explicão o cathecismo, e Ritual das funçoes massonicas, cujo livro foi impresso em Londres com o titulo = Compendio p.a o Oriente da Bahia = na Impressão de Segredo” (Pereira, 1956CRUZ, Amador da Santa. Carta (1817). PEREIRA, Ângelo. D. João VI, Principe e Rei. Volume III, A Independência do Brasil. Lisboa: Empresa Nacional de Publicações, p. 251-252, 1956., p. 251-252). Desde 2017, a existência desses rituais da “Impressão do Silêncio” já está comprovada, com a descoberta de exemplares no Freemason Museum (Londres), apesar de ainda não terem sido devidamente examinados (Magalhães, 2017MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. Ignacio José de Macedo: da Idade d’Ouro ao Velho Liberal do Douro (1774-1834). Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, v. 108, p. 221-262, 2013.).

Figura 1
Compendio das Instrucçoens Maçonicas para uso do G.: O.: B.:

Esses impressos também foram utilizados por maçons pernambucanos antes e durante da Revolução de 1817. Em carta escrita pelo pedreiro-livre e notável dicionarista Antônio de Moraes Silva para seu tio, dr. Rodrigues de Miranda, datada de Pernambuco a 11 de julho de 1817, ele assinala que “vi os catecismos que se acharam em casa do infame Martins” (Documentos..., 1953DOCUMENTOS Históricos da Biblioteca Nacional, v. CII(Revolução de 1817). Rio de Janeiro, 1953., p. 40-41). Muito possivelmente, exemplares dos catecismos de Hipólito da Costa impressos em Londres.

Mesmo após o fiasco da Revolução de 1817, com violenta repressão, e o desaparecimento do Grande Oriente do Brasil, Hipólito José da Costa continuou remetendo impressos para a Bahia. Era representado pelo negociante português José Joaquim da Silva Maia (1776-1832), estabelecido naquela capitania desde 1795 e que alcançou a função, segundo o cronista Emílio Maia, de Venerável da Loja Humanidade, restabelecida em 1820.

Para além dos impressos clandestinos feitos por diligência de Hipólito José da Costa, a ampliação de redes intelectuais de pedreiros-livres fez crescer também a demanda e circulação dos rituais maçônicos, por meio de cópias manuscritas, na América portuguesa. Da maior importância foi a identificação, em razão de interceptação pelas autoridades, de um conjunto desses manuscritos que estavam sendo transportados da capitania do Maranhão para a Cidade da Bahia em 1817.

Em 1817, na sequência da agitação causada pela Revolução Pernambucana, o capitão Dionísio Barreto Lima apreendeu, na Vila de Pilão Arcado, então comarca do Sertão de Pernambuco, nas margens do rio São Francisco, certo Manoel Ferreira Lima da Silva (? -1822), que, sob nome falso de Manoel dos Anjos, transportava de São Luís do Maranhão para Salvador “nove quadernos no mesmo masso em que vinha a proclamação [dos rebeldes pernambucanos]” (Magalhães, 2018bMAGALHÃES, Pablo A Iglesias. O processo contra o pedreiro-livre Manoel Ferreira Lima da Silva (1817). Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, v. 113, p. 169-192, 2018b.). Esses nove cadernos apreendidos constituem seguro registro da circulação de ritos maçônicos no Brasil colonial, sendo formados por traduções manuscritas do Recueil Précieux de la Maçonnerie Adonhiramite (Compilação preciosa da maçonaria adonhiramita), cuja autoria é atribuída a Louis Guillemain de Saint-Victor. O Termo da Achada, incluso nos autos do processo, conservado no Arquivo Público do Estado da Bahia, descreve tudo o que foi encontrado nos pertences do suspeito:

na Papellada avulça e em maçada achou-ce hum rascunho, que parece vir da letra do mesmo signado prezo conferidas e comfinada com outras muitas delle, que na mesma Papellada se achou cujo rascunho he feito com pena de lapis, e he huma proclamação dos Infernais Conspirados de Pernambuco contra a Sagrada Pessoa, e puder de Sua Magestade Fidelissima El Rei Nosso Senhor e o dito Juiz mandou emcorporar hesse mesmo rascunho a Devassa que vai proceder; E exzaminando mais acharão-se nove quadernos no mesmo masso em que vinha a proclamação referida principiando o primeiro quaderno nestes termos = Grande Deos Architeto do Oniversso = o segundo principia = Abertura de Loje de Companheiro, o terceiro diz = Abertura de Loje de Mestre = o quarto comessa por = Abertura de Loje de Mestre perfeito = o quinto diz = Primeiro Eleito, ou Eleito dos nove = o sexto principia = Segundo Eleito = o setimo = terceiro Eleito chamado dos quinze = o oitavo = Cathecismo de Eleito perfeito, e nono finalmente pricipia [sic] = Sam João tendo cido levado [fl.05] levado por hum nofragio a Ilha de Patmos cujos quadernos mandou odittoJuis, que fossem apinçados por linha a ditta Devassa. Achou-ce mais hum Papelito no mesmo maço com hum rol de nomes, e as sim mais hum quarto de Papel, que tinha no alto, quatro riscoscruzados com varios pontos e por baicho hum A.b.c. com varios giogrificos de diferentes carateres correspondentes a cada huma das letras do A.b.c.4 4 Arquivo Público do Estado da Bahia (Salvador). Seção Colonial/Provincial; Fundo: Governo Geral/Governo da Capitania. Série Justiça; Livro 583-1, Revolução Pernambucana 1817, fls. 4-4v.

Esses cadernos foram apensados ao processo, junto com outros manuscritos encontrados, mas a localização deles atualmente é desconhecida. Não há dúvida de que o ritual maçônico copiado nos cadernos era o Adonhiramita, formado por uma hierarquia com 12 graus. Os três primeiros eram compostos pelos graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre. O conjunto alcançava até o sétimo grau. Eles são, sem dúvida, cópias extraídas dos dois volumes do Recueil Précieux de la Maçonnerie Adonhiramite, publicada em quatro partes, possivelmente em 1781. A incerteza da data de impressão é decorrente de não declarar o ano e apresentar falsa atribuição de local, indicando a Filadélfia, quando é notório que o mesmo foi impresso em território francês. A coleção, em seguida, foi reimpressa em 1783, 1785, 1786, 1787 e mesmo em 1803 e 1809. É impossível saber qual edição serviu para fazer as traduções apreendidas em posse de Manoel Ferreira Lima da Silva.

A primeira parte do Recueil apresentava os três graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre, além de Mestre Perfeito. A segunda parte da obra apresentava os graus de perfeição: Primeiro Eleito ou Eleito dos Nove, Segundo Eleito Nomeado de Pérignan, Terceiro Eleito Nomeado eleito dos Quinze, Pequeno Arquiteto, Grande Arquiteto ou Companheiro Escocês, Mestre Escocês, Cavaleiro da Espada Nomeado Cavaleiro do Oriente ou da Águia, Cavaleiro Rosa Cruz e O Noaquita ou Cavaleiro Prussiano. As partes terceira e quarta da obra eram compostas por La Vraie Maçonnerie d’Adoption e uma coleção de Cantiques Maçonniques Dédiés aux Dames. A descrição do Termo da Achada indica que Manoel Ferreira Lima da Silva possuía apenas a tradução das duas primeiras partes da obra, relativa aos graus maçônicos.

Quadro 1
Comparativo entre os manuscritos descritos no manuscrito 513-A do Arquivo Público do Estado da Bahia e o Recueil Précieux, na edição de 1783

A maçonaria brasílica após março de 1817, mesmo a perseguida pelo ministro Thomas Antonio de Villa-Nova Portugal e oficialmente condenada pelo Alvará Real de 30 de março de 1818, manteve seus quadros. Grande parte dos maçons pernambucanos, contudo, foram aprisionados nas cadeias baianas entre 1817 e os primeiros meses de 1821. O eixo central das agremiações maçônicas, contudo, migrou de Salvador e Recife para o Rio de Janeiro. Essa mudança se materializou na criação das três lojas fluminenses a partir de 1821, a saber, a Commercio e Artes, União e Tranquilidade, Esperança de Nictheroy, que congregavam 95 membros e originaram o segundo Grande Oriente, com sede na Corte, a 17 de junho de 1822. Em razão dessa mudança, o Rio de Janeiro se tonaria, gradualmente, o centro de agitação intelectual da maçonaria. Naquele contexto, o Rito Adonhiramita perdia espaço para o Rito Francês ou Moderno.

Data de 1822, imediatamente em seguida ao processo de Independência, o primeiro registro de um ritual maçônico impresso em território brasileiro. Trata-se do Cathecismo dos pedreiros livres dos grãos de apprendiz, companheiro e mestre, contendo mais huma noticia da sua porsição [sic] que executarão em Inglaterra. Rio de Janeiro, na Impr. Nac., 1822. In-8°. Alfredo Valle Cabral, nos Annaes da Imprensa Nacional, assinalou que se tratava de uma “reimpressão” (Cabral, 1881CABRAL, Alfredo do Valle. Annaes da Imprensa Nacional do Rio de Janeiro de 1808 a 1822. Rio de Janeiro: [s.n.], 1881., p. 247). É, decerto, reedição de obra publicada naquele mesmo ano pela Typographia Maigrense, em Lisboa. O bibliógrafo baiano, contudo, não encontrou exemplar da edição fluminense, apenas registros de um que havia na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, desaparecido antes de 1881. Uma das fontes de Valle Cabral, além dos registros da própria Biblioteca, foi o Diário do Rio de Janeiro, de 1 de outubro de 1822, que anunciou:

Sahio á luz: Cathecismo dos Pedreiros Livres dos graos de Apprendiz, Companheiro e Mestre, contendo mais huma noticia da sua procição que executarão em Inglaterra, Obra que todos devem ler, que serve de confuzão aos servis, e desemgano para os incautos. O segredo da sociedade he a pedra de escandalo dos seus antagonistas, desta Obra se prova que aquella sociedade não he inimiga do trono nem do Altar, e que sua base consiste no desempenho de todas as virtudes sociaes e Religiozas. Vende-se na loja de Paulo Martin, Rua da Quitanda N. 33 por 800 reis.5 5 Diario do Rio de Janeiro, n. 1, 1 out. 1822, p. 2.

A demanda pela tradução dos graus simbólicos do Rito Francês aumentou, na medida em que seu uso se expandira no Rio de Janeiro, ao tempo da Independência. Apesar da notícia acima, não há, contudo, qualquer indício maior de traduções impressas dos graus superiores no Brasil àquela época, onde devem ter continuado a circular manuscritos. As turbulências políticas que recaíram sobre as lojas fluminenses, após 1822, abortaram qualquer projeto de prosseguir com a impressão de documentos maçônicos. O reforço do aparato institucional absolutista em Portugal e no Brasil, com a proibição por d. Pedro I das sociedades secretas no país recém-independente, em 1823, limitou a produção e circulação de impressos maçônicos. A “década proibida” da maçonaria no Brasil, excelentemente estudada por Pilar Ferrer Gomez (2022GOMEZ, Pilar Ferrer. A vigilância da pátria: a ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831). Dissertação (Mestrado em História Social), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2022.), fez os maçons brasileiros retornarem às práticas de circular seus documentos por meio de manuscritos.

Figura 2
Caderno manuscrito com a tradução dos Altos Graus

A tradução, em língua portuguesa, dos rituais impressos na França ou Inglaterra, copiados em discretos cadernos manuscritos, era a maneira mais segura de registrar e difundir, apenas entre iniciados, os procedimentos necessários para uso nas lojas, entre 1823 até pelo menos meados de 1832. A cópia manuscrita, realizada em foro privado, evitava maior exposição decorrente do uso da imprensa. Em relação ao Reino de Portugal, foi possível identificar um caderno manuscrito com 39 páginas, dos anos de 1820, que contém a tradução dos Graus Simbólicos e Altos Graus. Reproduz as “Thuileur”.6 6 Um “Thuileur” consiste na compilação dos Segredos (Palavras, Sinais e Toques) de cada Grau, utilizados no reconhecimento maçónico. De acordo com o artigo de Joaquim Graves dos Santos, esse caderno traz uma tradução livro Maçonnerie Symbolique suivant le Régime du G.: O.: de France, a qual agrega uma parte relativa aos Altos Graus (Maçonnerie des H.: Grades, suivant le régime du G.: O.: de France), impresso na primeira edição em 1804, seguidas por reedições em 1808, 1811 e 1822. Essa obra também chegou ao mundo maçónico lusófono, tendo sido editada uma tradução, no Brasil, com o título MAÇONERIA / SYMBOLICA, / e dos Altos Gràos / Gravura alegórica / RIO DE JANEIRO. / TYP. IMP. e CONST. DOS II.: SEIGNOT-PLANCHER e C. / rua d’Ouvidor, n. 95. / 1833 / 40,[1] pag.; 16 cm., da qual subsistiu um exemplar, que se encontra na Biblioteca Nacional, sob o registro S.C. 14233 // 12. P. As filigranas do papel “trapo”, revelam que ele foi produzido em Góis, na fábrica inaugurada em 1822. Esse documento mereceu um estudo à parte, que não cabe nas linhas do presente artigo (Santos, Magalhães, 2021SANTOS, Joaquim Grave dos; MAGALHÃES, Pablo Iglesias. As fontes das primeiras traduções portuguesas de elementos rituais dos Altos Graus do Rito Francês (1804-1834). Revista de Maçonaria, v. 2, Lisboa, 2021.).7 7 Coleção particular do autor. O caderno manuscrito contendo os Altos Graus foi adquirido na cidade do Porto, em Portugal, no ano de 2020. Não está datado, mas foi feito com papel de linho oriundo, conforme as filigranas, da fábrica de papel de Góis (ou Goes), inaugurada em 1821. O caderno traz o ex-libris de Danilo Barreiros (1910-1994).

Os rituais impressos a partir de 1832

No Brasil, a partir de 1832, com a Regência possibilitando maior flexibilidade política, os prelos das tipografias de Seignot-Plancher, Rene Ogier, Pierre Gueffier e Jean Soleil Saint-Amant começaram a abarrotar de impressos maçônicos o mercado editorial fluminense. A primeira oficina foi criada por Pierre René François Plancher de la Noe (1779-1844), livreiro e editor que chegou ao Rio de Janeiro em 9 de fevereiro de 1824, acompanhado do impressor Justin Victor Cremière, que estabelecera uma loja de livros e a Typographia de Plancher, na rua do Ouvidor, n. 80. Em 1832, o também impressor e maçom Rene Ogier, no seu Manual de Typographia Braziliense, enumera nove oficinas de impressão no Rio de Janeiro: a Tipografia Nacional, de Nicolau Lobo Vianna, de Émile Signot-Plancher, de Torres, de Ogier, de Souto, de Lessa e Pereira, de Pierre Gueffier e de Thomas B. Hunt. O impressor afirmou, contudo, que “Além das tipografias acima citadas existe uma ou duas que não enumeramos por serem muito pequenas, e mais particulares que públicas” (Ogier, 1832OGIER, Rene. Manual de Typographia Braziliense por R. Ogier. Rio de Janeiro: Typographia de R. Ogier, 1832., p. 34). Essas duas oficinas “mais particulares do que públicas” possivelmente eram para uso de agremiações maçônicas, mas não há maiores informações sobre nenhuma delas.

Com exceção do Rio de Janeiro, era quase nula a presença de tipógrafos franceses nas demais províncias do Império do Brasil. Diferente do Rio de Janeiro, na Bahia, por exemplo, não se consolidaram oficinas tipográficas administradas por franceses. Houve, em Salvador, uma efêmera tentativa de estabelecer filial da Typographia de Pierre Gueffier (outubro de 1833), comprada por Precourt e C.a (maio de 1834) (Tavares, 2009TAVARES, Luís Guilherme Pontes(ed.). Estabelecimentos de oficinas de impressão (1833-1927). Salvador: Nehib, 2009., p. 11). Essa firma era propriedade de Camille Leschevin de Précourt, personagem oriundo da aristocracia, ex-oficial do exército, foi obrigado a “abandonar a França para vir procurar azilo na terra de Santa Cruz”.8 8 Correio Mercantil, n. 108, 6 set. 1836. Camille Leschevin de Précourt nasceu em Dijon, França, filho de Philippe Xavier Leschevin de Précourt e Elisabeth Delaporte. Seguiu, primeiro, para o Rio de Janeiro, de onde partiu para a Bahia em 10 de novembro de 1832.9 9 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Polícia, Legitimações, Passaportes, Cód. 423, vol. 6, f. 207 e Cód. 381, vol. 2, fl. 52 v. Estabeleceu, em Salvador, a Typ. do Correio Mercantil, mas morreu na referida cidade em 4 de setembro de 1836, legando a tipografia para a Viúva Precourt, que manteve a propriedade até fins de 1836. Não há, contudo, registros de que imprimissem documentos maçônicos na Cidade da Bahia.

Foram os livreiros franceses que efetivamente impulsionaram, na Corte, a partir de 1832, a produção de impressos maçônicos, notadamente guias e rituais. Exemplo disso é um livro intitulado SENDA MAÇONNICA, // OU CONDUCTOR DAS LOJAS REGULARES, // SEGUNDO O RITO FRANCEZ REFORMADO. // TRADUZIDA DO HESPANHOL POR J. B. B. . . . C. . . R. . . +. . . P. . . A. . . // [fio] // RIO DE JANEIRO, // Typ. de Gueffier e Ca., rua da Quitanda, 79. // 1832.10 10 São conhecidos apenas dois exemplares, um na coleção do prof. Pablo Magalhães e outro na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, em São Paulo, que pertenceu a Rubens Borba de Moraes. Contém 216 páginas e mede 15,7 x 9,6 cm, publicado na oficina tipográfica de Pierre Gueffier. O historiador Kurt Prober, estudioso da maçonaria brasileira, não conheceu esta obra. Trata-se de uma tradução da obra Senda de las luces masónicas por J. Cerneau. New York: En la Imprenta de J. Kingsland & Co., A:. L:. 5821 [1821]; 236 p., [1] f.. Joseph Cerneau, nascido na França em 1765, imigrou para San Domingo, e se tornou o Mestre de La Reunion Desiree Lodge, ali estabelecendo um Supremo Conselho em 1801 e seguindo para os Estados Unidos em 1806 (Cerneau, 5821CERNEAU, Joseph. Senda de las luces masónicas por J. Cerneau. New York: En la Imprenta de J. Kingsland & Co., A:. L:. 5821 [1821]; 236 p., [1] h. de lám. Disponível em: Disponível em: http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000086489&page=1 . Acesso em: 1 out. 2022.
http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=000008...
[1821]). A influência do “Cerneuarianismo” na maçonaria brasileira passou despercebida, possivelmente pela suma raridade do livro em tela, de que só foi possível localizar dois exemplares.

Figura 3
Senda Maçonnica

O nome do tradutor, escondido sob as iniciais J. B. B. - C. . . R. . . +. . . P. . . A. . . pode ser o de José Bernardino Baptista Pereira de Almeida Sodré, cujo ápice da carreira foi ocupar as pastas dos ministérios da Fazenda e da Justiça no governo de Pedro I. Filho de Manuel Baptista Pereira e dona Anna Joaquina (Campos, então pertencente à capitania do Espírito Santo, a 20 de maio de 1783 - Fazenda da Boa Vista, Niterói, 29 de janeiro de 1861), bacharelou-se em Leis pela Universidade de Coimbra. Após retornar para o Brasil, serviu na magistratura nos cargos de juiz de fora de Santo Antônio de Sá e da vila de Magé, de provedor da fazenda dos defuntos e ausentes, e de capelas e resíduos, abandonando essa carreira em 1821. Foi eleito deputado pelo Espírito Santo nas duas primeiras legislaturas e fez parte do Gabinete de 18 de junho de 1828, ocupando a princípio a pasta da Fazenda e depois a da Justiça, integrando o Conselho de Sua Majestade, sendo dignitário da Ordem da Rosa e comendador da Ordem de Christo. A introdução da tradução brasileira, contudo, é assinada por D. . . V. . . M. . . A. . . E. . . S. . . L. . ., cuja identidade ainda não foi possível precisar.

A Senda Maçônica, não obstante, traz apenas os graus iniciáticos para uso do Rito Francês. Somente no ano seguinte, 1833, foi publicado o Livro S.:. contendo a Maçoneria Symbolica, segundo o Regulamento do G.:. O.:. de França, e a Maçoneria dos Altos Gráos, ou Explicação dos Sinaes, e Symbolos dos sete Gráo. Foi possível encontrar exemplar desse folheto, que conta com 39 páginas, na Biblioteca Nacional de Lisboa.11 11 Agradeço a Joaquim Graves dos Santos, por ter franqueado cópia, permitindo análise bibliológica. Foi anunciado para venda ainda no primeiro semestre do referido ano:

Sahio á luz, e vende-se na mesma casa [Seignot-Plancher] LIVRO S.:. contendo a MAÇONERIA SYMBOLICA, segundo o Regulamento do G.:. O.:. de França, e a MAÇONERIA DOS ALTOS GRÁOS, ou Explicação dos Sinaes, e Symbolos dos sete Gráos; hum volume com estampas.... Preço 640 rs.12 12 Jornal do Commercio, n. 105, 4 maio 1833, p. 3.

Outro elemento a ser observado é a impressão dos guias para o Rito Escocês Antigo e Aceito, o terceiro introduzido no Brasil, em 1832, por diligência do baiano Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (1794-1870), que fundou o Supremo Conselho, no Rio de Janeiro. Em linhas gerais, instalação e desenvolvimento do Supremo Conselho foi estudada por Kurt Prober (1982PROBER, Kurt. O Supremo Conselho 33. Paquetá: [s. n.], 1982.). Decerto, as tipografias fluminenses buscaram responder à nova demanda de rituais, decorrente da instalação de uma nova potência maçônica na Corte. Inocêncio Francisco da Silva (v. VII, p. 416) registra um “Cathecismo dos três primeiros graus do R:. Escocez, precedido de instrucções etc. etc. Rio de Janeiro, Typ. do I.:., R. Ogier 5833 [1833]. 8.° de 64 pag.”. Parece haver aqui alguma confusão por parte do bibliógrafo português. Em 1832, Rene Ogier imprimiu um Cathecismo do aprendiz maçon, seguido da abertura e encerramento da Loge, e instrucção de Meza. Para uso do G. Oriente do Brasil, com 62 páginas, mais uma folha em branco, de que só conheço um exemplar, que pertenceu a Rubens Borba de Moraes.

Os três volumes dos guias do Rito Escocês, contemplando as funções de Venerável, 1.o Vigilante e 2.o Vigilante, foram impressos, a bem da verdade, na tipografia de Seignot-Plancher em 1834. Sobre eles, há uma questão a observar, na medida em que:

O primeiro ritual do Rito Escocês Antigo e Aceito, do nosso país, foi impresso em 1834 [sic], na citada tipografia [de Seignot-Plancher], por sua própria iniciativa. Naquele mesmo ano, ela imprimiu uma segunda edição, encomendada pelo Grande Oriente Brazileiro, que viria a ser mais conhecido por “Grande Oriente do Passeio”. No primeiro ritual Rito Escocês Antigo e Aceito impresso em nosso país (em 1834, por iniciativa particular da Typ. Imp. e Const. de Seignot-Plancher & Cia.), localizada na Rua do Ouvidor, nº 95, Rio de Janeiro, o Candidato, imediatamente após a Obrigação (não era usado o vocábulo juramento), beijava a Bíblia, três vezes. No segundo ritual do citado Rito (igualmente impresso em 1834, na mencionada gráfica, não por iniciativa própria, mas por encomenda feita pelo Grande Oriente Brazilico, conforme também já foi visto em páginas anteriores), o Candidato, no referido momento ritualístico, beijava a Constituição (e não a Bíblia), por três vezes. Que Constituição? O texto não esclarece! Seria a Constituição do Império do Brasil, isto é, a Carta da Lei outorgada por D. Pedro I em 25 de março de 1824? Seria a Constituição do Grande Oriente Brazilico, de 1832? (Cavalcante, 2011CAVALCANTE, Sérgio Roberto. Rito Escocês Antigo e Aceito: Rituais de 1804. Rio de Janeiro: Clube de Autores, 2011., p. 292).

Os três exemplares que examinamos, incluindo o da nossa coleção, trazem a palavra “Bíblia” e não nos foi facultado encontrar exemplares com a palavra “Constituição”. Tratar-se-ia de edições diferentes ou a mesma edição apenas com essa variante? O Rito Escocês foi impresso também no Recife em 1841, indicando sua rápida aceitação nas províncias do norte do Brasil (Ch’an, 1993CH’AN, Isa. O 1o ritual “escocês” do Supr:. Cons:. de “Montezuma” - 1834. Coletânea A Bigorna, v. 4, n. 148, p. 231-238, 1993.; Grande Oriente Brasileiro, 1996GRANDE ORIENTE BRASILEIRO. Guia dos Maçons Escossezes ou Reguladores dos três graos symbólicos do Rito Antigo e Aceito. Rio de Janeiro: Seignot-Plancher, 1834. In: PIRES, Joaquim da Silva. O simbolismo das viagens do recipiendário. São Paulo: Arca da Aliança, 1996. s.p., p. 9 e 17).

Figura 4
Guida dos Maçons Escocezes

Acerca do Rito Francês, entre 1833 e 1834, coube a Seignot-Plancher publicar os rituais. De seus prelos saíram as INSTRUCÇÕES MAÇONICAS, // OU // Cathecismo e Regulamento Geral // do Gráo de Companheiro, // SEGUNDO GRÁO DA MAÇONERIA AZUL; // ORGANIZADOS // SEGUNDO O ORIGINAL FRANCEZ, A TRADUCÇÃO // E ANNOTAÇÕES DE HYPOLITO (LONDRES), E // ADOPTADOS AOS TRABALHOS // DA LOJA BRAZILEIRA COMMERCIO // E ARTES, // PELO SEU VENERAVEL J. DA C. B. CAV.:. R.:. +.:. // [insígnias maçônicas] // RIO DE JANEIRO, // NA TYP. DOS IIRM.:. SEIGNOT-PLANCHER E C.a // rua d’Ouvidor, N. 95. // [fio] // 1833. Esse conjunto, em três volumes, foi feito por iniciativa de Januário da Cunha Barbosa (1780-1846), sobre os primitivos supracitados Compendios enviados por Hipólito José da Costa, ainda no período colonial.

Figura 5
Instrucções Maçonicas da Loja Brazileira Commercio e Artes

Além dos três volumes com as Instrucções, no ano seguinte, em 1834, Seignot-Plancher preparou pequenos guias com os reguladores dos Graus Simbólicos e dos Graus Misteriosos. São os REGULADORES // DOS // GRÁOS MYSTERIOSOS, // OU DAS // QUATRO ORDENS SUPERIORES // do Rito Francez, com volumes dirigidos às funções de Mestre, 1.o Vigilante e 2.o Vigilante.

Sahirão á luz e achão-se á venda e casa de Seignot-Plancher e Comp., OS REGULADORES DOS GRÁOS SYMBOLICOS E MYSTERIOSOS DO RITO FRANCEZ, Com a explicação circunstanciada de todas as obrigações dos Grandes Officiaes em Loja, acompanhada de instrucções e cathecismos appropriados a cada hu dos sete Gráos do Rito Moderno, etc., etc. 8 Folhetos, em brochura - 8,000 Rs. A Obra annunciada he a traducção dos Reguladores que ha poucos mezes se publicárão na França, os mais completos e perfeitos dos que até agora têem servido de base aos trabalhos das lojas do Rito Francez. Sobre esta materia nada ainda se havia publicado no Rio de Janeiro que preenchesse a expectação dos iniciados mais instruidos na Ordem da Maçoneria: os REGULADORES que hoje se offerecem ao Publico, recommendão-se tanto pela importancia de assumpto como que pela clareza das explicações, a pureza da linguagem, e a nitidez da impressão.13 13 Jornal do Commercio, n. 225, 8 out. 1834, p. 4.

Figura 6
Reguladores do Rito Francez

Ao tempo em que a Seignot-Plancher reduziu a impressão de rituais maçônicos, por volta de 1835, surgiu no Rio de Janeiro outra oficina tipográfica que se encarregou de suprir essa demanda: a Typographia Austral (1836-1846). Ignorada pelos pesquisadores da imprensa fluminense, essa casa de impressão permanece obscura, e o seu proprietário, desconhecido. Graças a uma nota no Pequeno Almanack, de 1843, foi possível identificá-lo: “Typ. Austral - proprietário Antonio Luiz Fagundes, beco de Bragança n. 15” (Pequeno Almanak, 1843PEQUENO ALMANAK do Rio de Janeiro, para 1843. Rio de Janeiro: Typ. da Viuva Ogier e Filho, 1843., p. 64). Sobre Antonio Luiz Fagundes (? -c.1846), nem Inocêncio Francisco da Silva ou Sacramento Blake têm notícias seguras sobre ele. Foi possível apurar que traduziu um livro de música em 1824, impresso por Pierre Plancher, e faleceu em 1846, o que levou sua oficina a encerrar as atividades:

Quinta-feira, 27 do corrente, será arrematada ás portas da residencia do meritissimo doutor juiz de orphãos, a typographia Austral pertencente ao espolio do finado Antonio Luiz Fagundes, com prelos, typos novos e de pouco uso, e todos os mais pertences, pois que esta montada; quem a pretender póde ir vel-a na rua de S. Pedro n. 57.14 14 Diário do Rio de Janeiro, 1846, n.7289, p. 4.

É da Typographia Austral a tradução dos ritos Adonhiramita. Existe a notícia de uma tradução impressa do referido rito em língua portuguesa, datada de setembro de 1822, em Lisboa, que ainda experimentava os influxos da Revolução Constitucional de agosto de 1820.15 15 Diario do Governo, Lisboa, Supplemento n. 50, 14 set. 1822, p. 2 [anexo ao n. 217]: “O Traductor da importante Obra do 1.o Tomo do Compendio da Maçonaria Adonhiramita, que ha pouco sahio á luz, a qual se vende na Praça do Rocio na Casa de Cambio n. 61, desejando que chegue ao conhecimento de todos os de bom senso diminuiu-a em preço, até para facilitar a sua prompta extracção, e fazer a todos os participantes dos luminosos, e verdadeiros principios, que nella se comprehendem. O seu preço de hoje em diante he de 360 reis”. Não há, além do anúncio no Diario do Governo, outra referência a esse impresso e não foi possível localizar nenhum exemplar ou descobrir quem foi seu tradutor.

O rito Adonhiramita no Brasil era o único usual no período colonial. Em consonância com os Compêndios de Hipólito José da Costa e a apreensão dos cadernos em Pilão Arcado, em 1817, o sardenho José Estevão Grodona afirmou seis anos depois, em 1823, que “Por Pedreiro Livre, entendemos os Membros da Maçonaria, e como disto podemos fallar ex cathedra, asseveramos, que os Maçoens em toda a Hierarchia simbolica e ate ao decimo oitavo gráo (que he o que havia, e há de Maçoens no Brasil)” (Barata, 25 out. 1823BARATA, Cipriano. Materias politicas do redactor. Sentinella da Liberdade a’ Beira Mar da Praia Grande, n. 27, 25 out. 1823., p. 125). Ele se refere, sem dúvida, ao rito Adonhiramita, apesar de que então o referido rito só alcança o décimo segundo grau, sendo o de Cavaleiro Rosa Cruz o nec plus ultra.

Acerca da impressão desse rito no Brasil, Kurt Prober diz que “Só no ano de 1836 é que a Tipografia Austral, Rio [de Janeiro], imprimiu o primeiro ritual em nossa língua ‘Coleção Preciosa da Maçonaria Adonhiramita’, em 11 fascículos”. Marco Morel também diz que “Sob a responsabilidade de uma Maçonaria Adonhiramita foram impressos nove folhetos no Rio de Janeiro entre 1836 e 1840, com a descrição detalhada de ritos e simbologias, mas sem nenhuma menção a pessoas, lojas ou datas”. Morel consultou o exemplar da Biblioteca Nacional, que está incompleto (Morel, 2005MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial, 1820-1840. São Paulo: Hucitec, 2005., p. 274). Há equívocos, portanto, nas afirmações de ambos. Para corrigi-los, inicialmente, é necessário assinalar que a primeira iniciativa, registrada até o presente, de se imprimir o ritual Adonhiramita no Brasil data de 1833. Foi Seignot-Plancher que adquiriu os direitos de propriedade sobre a obra:

COLLECÇÃO PRECIOSA DA MAÇONERIA ADONHIRAMITA, por hum C... de todas as Ord.:. Maç.:. traduzida do Francez, por Sartorio, a vol. - 2$000 rs. [...] Seignot-Plancher e Comp. fazem publico, que tendo comprado ao Autor a propriedade da COLLECÇÃO PRECIOSA DA MAÇONARIA ADONHIRAMITA, e recolhido todos os exemplares que restavão da primeira Edição, esta Obra d’hoje em diante vender-se-ha, somente na sua Casa da rua do Ouvidor, N. 95, pelo preço anunciado, e para prevenir qualquer reimpressão illicita, fazem esta declaração, e poem os seus direitos debaixo da protecção das Leis. [...] A Obra há de ser continuada: o terceiro tomo já está no Prelo, e brevemente sahirá á luz.16 16 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 221, 28 set. 1833, p. 4.

O anúncio de Plancher afirma que foram “recolhidos todos os exemplares que restavão da primeira Edição” da Coleção Preciosa da Maçoneria Adonhiramita. De acordo com o anúncio, em setembro de 1833, parece que os dois primeiros tomos haviam sido impressos e o terceiro estava no prelo. Essa primeira edição teria sido concluída?

Seu anúncio também assevera que essa tradução foi obra de “Sartorio” ou Sertório. Esse é o nome iniciático de José Rodrigues Gonçalves Valle (Barata, 2006BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência do Brasil. Juiz de Fora: Editora UFJF; São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006., p. 309). Membro da Loja Esperança de Nictheroy, uma das três que deram origem ao Grande Oriente, pediu a 12 de julho de 1822 para “constar, na Grande Loja, que havia assegurado pela sua cabeça, em algumas ocasiões, que os nossos trabalhos se dirigiam ao fim augusto da Reunião, Conciliação e Independência do Brasil, sob os auspícios de seu Augusto Defensor”.17 17 Arquivo Histórico do Museu Imperial (Petrópolis). Casa Imperial do Brasil. Atas (minutas) de sessões maçônicas, 1822. (com anexos). II - POB - 1822 - Mac. at 1-10. Não foi possível localizar exemplares do Rito Adonhiramita feitos por Plancher, se é que foram realmente impressos.

Em 1836, a Tipografia Austral efetivamente começou a imprimir a edição mais completa que nos foi possível encontrar para o rito Adonhiramita, não em 11 ou 9 folhetos, como afirmado por Kurt Prober e Marco Morel, mas em 16 fascículos, cujo frontispício foi posteriormente impresso, em 1837, para se enfaixar com os competentes volumes. Uma nota do anônimo editor (e tradutor) revela que

Quando eu me empregava na tradução da obra Recueil Precieux de la Maçonnerie Adonhiramite, felizmente me veio ás mãos o Compendio das Instrucções Maçonicas para uso do G.:.O.:.B.:.; e convencido da sua identidade, e melhor disposição em alguma das suas partes, não hesitei em me aproveitar de hum trabalho já feito; mas sem perder de vista o original Francez, e ainda mais colhendo o que necessario me foi, do que a respeito consta da obra Tuilleur de l’Écossime, tenho conseguido reunir a esta edição a vantagem de ser mais completo do que aquella, ou pelo aperfeiçoamento de alguns pontos, ou em fim pelo additamento do Gráo Noachita ou Cavalleiro Prussiano, bem como de Caderno Secreto dos treze Gráos de que he composto o Rito que se trata. Esforcei-me para enriquecê-la com as formalidades rituais dos tres primeiros Gráos, mas, a meu pezar, não os pude conseguir. Sendo rarissima a precitada, e antiga edição do Compendio das Instrucções Maçonicas, a actual edição muito mais digna se faz de hum favoravel acolhimento.

Figura 7
Collecção Preciosa da Maçoneria Adonhiramita

José Rodrigues Gonçalves Valle deve ter se referido, na citação cima, aos Compêndios impressos por Hipólito José da Costa, em Londres, duas décadas antes, indicando que ainda circulavam pelas lojas fluminenses mesmo na Regência. Precisavam, de acordo com o tradutor, ser ampliados. Isso demonstra, inclusive, a perenidade e importância dos primeiros rituais impressos em língua portuguesa, por diligência de Hipólito José da Costa, em Londres.

Considerações finais

Essas breves linhas encerram um estudo sobre a circulação e produção dos ritos maçônicos no Brasil, mas não se pretendem definitivas. Antes, é uma tentativa de identificar livros, bem como os agentes que os produziam e que, em grande medida, o fizeram sob anonimato.

Algumas conclusões, não obstante, podem ser alcançadas. Primeiro, o aumento dos rituais e do número de papéis que orientavam os iniciados nos graus maçônicos revela que, em apenas três décadas, a maçonaria saiu da condição de uma sociedade clandestina e perseguida na América portuguesa para o centro do poder político no Império do Brasil. Segundo, essa centralidade é perceptível também por meio da edição desses rituais, na medida em que foram feitos por diligência de sujeitos que, antes perseguidos, passaram a exercer grande influência nos governos e no Estado, a exemplo dos citados José Bernardino Baptista Pereira de Almeida Sodré, José Rodrigues Gonçalves Valle, Francisco Gê Acaiaba de Montezuma e Januário da Cunha Barbosa, dentre outros.

Em relação ao suporte material dos ritos, eles foram se tornando cada vez mais sofisticados. De rústicos cadernos de papel trapo, com traduções manuscritas, passaram, a partir de 1832, a ser produzidos com elevado apuro técnico e gráfico, particularmente pelos tipógrafos franceses radicados no Rio de Janeiro.

O período regencial oferece, portanto, uma perspectiva singular sobre a produção dos três ritos maçônicos (Adonhiramita, Francês e Escocês) então usados pelos pedreiros-livres no Brasil, na medida em que, exclusivamente naquela conjuntura, foram anunciados amplamente em jornais e acessados também por leitores não iniciados, mas curiosos nos mistérios da maçonaria. A partir do início do Segundo Reinado (1840-1889), que gerou um período de estabilidade interna, a produção de rituais maçônicos foi continuada, mas de maneira mais discreta e pouco acessível aos leitores não iniciados.

Referências

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  • MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. A revista “O Campeão Brazileiro”: imprensa, unidade constitucional e sociabilidade maçônica na província da Bahia (1830-1831). Tempo, v. 24, n. 3, p. 567-594, 2018a.
  • MAGALHÃES, Pablo A Iglesias. O processo contra o pedreiro-livre Manoel Ferreira Lima da Silva (1817). Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, v. 113, p. 169-192, 2018b.
  • MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias. A Guerra do Madeira: a participação dos prisioneiros pernambucanos na Independência do Brasil na Bahia (1817-1823). In: SOUZA, George F. Cabral de (org.). Pernambuco na Independência do Brasil: olhares do nosso tempo Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2022. p. 299-330.
  • MORAES, Rubens Borba de. Bibliografia brasileira do período colonial Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968.
  • MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial, 1820-1840 São Paulo: Hucitec, 2005.
  • OGIER, Rene. Manual de Typographia Braziliense por R. Ogier Rio de Janeiro: Typographia de R. Ogier, 1832.
  • PEQUENO ALMANAK do Rio de Janeiro, para 1843 Rio de Janeiro: Typ. da Viuva Ogier e Filho, 1843.
  • PROBER, Kurt. O Supremo Conselho 33 Paquetá: [s. n.], 1982.
  • SANTOS, Joaquim Grave dos; MAGALHÃES, Pablo Iglesias. As fontes das primeiras traduções portuguesas de elementos rituais dos Altos Graus do Rito Francês (1804-1834). Revista de Maçonaria, v. 2, Lisboa, 2021.
  • TAVARES, Luís Guilherme Pontes(ed.). Estabelecimentos de oficinas de impressão (1833-1927) Salvador: Nehib, 2009.
  • WORKS relating to freemasonry preserved in the Reference Department of the Wigan Free Public Library Wigan: Platt, 1882.
  • 1
    A fonte de Lima Felner foi o pedreiro-livre baiano José Mendes da Costa Coelho, que enviou para o cronista português uma carta e dois impressos, possivelmente de sua autoria. Um dos impressos pode ter sido o Discurso recitado no 3 o dia do sétimo mez do anno 1837 da V. L. Cap. Humanidade em o acto da posse do presidente, referenciado por Sacramento Blake. Pouco se conhece sobre José Mendes da Costa Coelho, mas era natural da Bahia e serviu na Guerra de Independência em 1822, sendo condecorado com a medalha da campanha da Independência do Brasil na Bahia, onde serviu o cargo de oficial da Secretaria do Governo Provisório.
  • 2
    Cruz Patriarcal, ou Cruz de Lorena ou, ainda, Cruz de Caravaca. É posta no início das assinaturas dos maçons Grandes Inspetores do Grau 33 do REAA [Rito Escocês Antigo e Aceito].
  • 3
    Carta de Hipólito José da Costa Furtado de Mendonça para o Venerável da Loja Virtude e Razão, na capitania da Bahia. Londres, Post. a 16 mar. 1810. Biblioteca e Museu da Grande Loja Unida da Inglaterra (Londres), Dossier Brasil, cota 25/B/5. Fl. 2v.
  • 4
    Arquivo Público do Estado da Bahia (Salvador). Seção Colonial/Provincial; Fundo: Governo Geral/Governo da Capitania. Série Justiça; Livro 583-1, Revolução Pernambucana 1817, fls. 4-4v.
  • 5
    Diario do Rio de Janeiro, n. 1, 1 out. 1822, p. 2.
  • 6
    Um “Thuileur” consiste na compilação dos Segredos (Palavras, Sinais e Toques) de cada Grau, utilizados no reconhecimento maçónico. De acordo com o artigo de Joaquim Graves dos Santos, esse caderno traz uma tradução livro Maçonnerie Symbolique suivant le Régime du G.: O.: de France, a qual agrega uma parte relativa aos Altos Graus (Maçonnerie des H.: Grades, suivant le régime du G.: O.: de France), impresso na primeira edição em 1804, seguidas por reedições em 1808, 1811 e 1822. Essa obra também chegou ao mundo maçónico lusófono, tendo sido editada uma tradução, no Brasil, com o título MAÇONERIA / SYMBOLICA, / e dos Altos Gràos / Gravura alegórica / RIO DE JANEIRO. / TYP. IMP. e CONST. DOS II.: SEIGNOT-PLANCHER e C. / rua d’Ouvidor, n. 95. / 1833 / 40,[1] pag.; 16 cm., da qual subsistiu um exemplar, que se encontra na Biblioteca Nacional, sob o registro S.C. 14233 // 12. P.
  • 7
    Coleção particular do autor. O caderno manuscrito contendo os Altos Graus foi adquirido na cidade do Porto, em Portugal, no ano de 2020. Não está datado, mas foi feito com papel de linho oriundo, conforme as filigranas, da fábrica de papel de Góis (ou Goes), inaugurada em 1821. O caderno traz o ex-libris de Danilo Barreiros (1910-1994).
  • 8
    Correio Mercantil, n. 108, 6 set. 1836. Camille Leschevin de Précourt nasceu em Dijon, França, filho de Philippe Xavier Leschevin de Précourt e Elisabeth Delaporte.
  • 9
    Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Polícia, Legitimações, Passaportes, Cód. 423, vol. 6, f. 207 e Cód. 381, vol. 2, fl. 52 v.
  • 10
    São conhecidos apenas dois exemplares, um na coleção do prof. Pablo Magalhães e outro na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, em São Paulo, que pertenceu a Rubens Borba de Moraes.
  • 11
    Agradeço a Joaquim Graves dos Santos, por ter franqueado cópia, permitindo análise bibliológica.
  • 12
    Jornal do Commercio, n. 105, 4 maio 1833, p. 3.
  • 13
    Jornal do Commercio, n. 225, 8 out. 1834, p. 4.
  • 14
    Diário do Rio de Janeiro, 1846, n.7289, p. 4.
  • 15
    Diario do Governo, Lisboa, Supplemento n. 50, 14 set. 1822, p. 2 [anexo ao n. 217]: “O Traductor da importante Obra do 1.o Tomo do Compendio da Maçonaria Adonhiramita, que ha pouco sahio á luz, a qual se vende na Praça do Rocio na Casa de Cambio n. 61, desejando que chegue ao conhecimento de todos os de bom senso diminuiu-a em preço, até para facilitar a sua prompta extracção, e fazer a todos os participantes dos luminosos, e verdadeiros principios, que nella se comprehendem. O seu preço de hoje em diante he de 360 reis”.
  • 16
    Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 221, 28 set. 1833, p. 4.
  • 17
    Arquivo Histórico do Museu Imperial (Petrópolis). Casa Imperial do Brasil. Atas (minutas) de sessões maçônicas, 1822. (com anexos). II - POB - 1822 - Mac. at 1-10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2022
  • Aceito
    30 Jan 2023
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