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Recursos críticos: história da cooperação técnica Opas-Brasil em recursos humanos para a saúde (1975-1988)

RESENHAS

Maria Lúcia de Barros Mott

Instituto de Saúde de São Paulo, São Paulo, Brasil <cucamott@uol.com.br>

Recursos críticos: história da cooperação técnica Opas-Brasil em recursos humanos para a saúde (1975-1988). Fernando Antônio Pires-Alves e Carlos Henrique Assunção Paiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006, 204 p.

A preocupação com a formação de recursos humanos para a saúde no Brasil por meio de cooperação com organizações internacionais percorre grande parte do século XX. O tema tem uma bibliografia importante, particularmente com destaque para a atuação da Fundação Rockfeller e da Fundação Sesp. Recursos críticos: história da cooperação técnica Opas-Brasil em recursos humanos para a saúde (1975-1988), livro de autoria de Fernando Antônio Pires-Alves e Carlos Henrique Assunção Paiva, amplia a discussão ao tratar das origens e desenvolvimento do Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (Preps), resultado de um acordo entre a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) e o governo brasileiro.

Refere-se a um passado recente, polêmico e de muitas mudanças na história brasileira, entre meado dos anos 1970, período da vigência do 'milagre econômico' brasileiro da ditadura militar, e os anos 1980, quando inicia e floresce a redemocratização e a reforma sanitária.

O livro é dividido em três partes que se complementam: a primeira analisa a gênese, as transformações, os resultados, o alcance e o legado da cooperação técnica em recursos humanos para a saúde Opas-Brasil (1975-1988); a segunda apresenta depoimentos de profissionais que participaram do processo; a terceira traz esboços das trajetórias de vida desses profissionais, nomeados de 'pioneiros'. Além dos depoimentos, utiliza como fontes documentos institucionais produzidos pelo governo brasileiro e pela Opas, que integram acervos de instituições públicas e documentos pertencentes a acervos privados dos entrevistados.

Segundo os autores, na década de 1970, uma conjunção de fatores propiciou o acordo. A assinatura foi feita num momento em que o governo autoritário brasileiro passava por um contexto de crise política e buscava legitimidade. Foram então implementadas mudanças na área social, com destaque para a atenção primária em saúde. Essas propostas - o aumento do alcance da cobertura dos serviços médicos, especialmente nas áreas rurais, e a regionalização da atenção e da assistência médica de forma descentralizada e hierarquizada - estavam em consonância com o programa da Opas, interessada em ampliar sua atuação no Brasil e experimentar novos modelos de cooperação técnica. Desde a gestão do chileno Abraham Hoekwitz (1959-1975), a organização tinha como prioridade desenvolver ações voltadas para a atenção primária em saúde nas Américas. Entre essas ações incluíam-se o aumento da cobertura dos serviços de saúde para as populações que viviam em regiões distantes dos grandes centros, favorecendo a formação de médicos e demais profissionais de nível superior e técnico, bem como o treinamento e capacitação de pessoal auxiliar, recrutado junto à comunidade.

O Preps tinha como meta a formação de qualidade e em 'em massa' de pessoal técnico e auxiliar, ambos de nível médio, e de pessoal de nível elementar, para cobrir as necessidades dos serviços de saúde, que resultasse no fortalecimento do recém-criado Sistema Nacional de Saúde (1975). Tinha por objetivo dar conta de um universo populacional de largo espectro, com melhor distribuição de recursos humanos no território nacional, que beneficiasse as regiões consideradas mais carentes do país. A formação foi concebida de forma descentralizada, envolvendo serviços de saúde, instituições formadoras e prestadoras de serviços. Visava à formação na unidade de atenção à saúde e a integração entre a docência e a assistência à saúde.

O acordo mobilizou instituições federais, estaduais e de gestão intersetorial, com destaque para alguns departamentos do Ministério da Educação voltados para assuntos universitários, ensino médio, supletivo e alfabetização de adultos (Mobral); Ministério da Previdência e Assistência Social, Ministério do Trabalho, do Interior, Secretaria de Planejamento, Sudene, secretarias estaduais de saúde e Universidades. Mobilizou também a sociedade civil de diferentes matizes políticos, preocupada com os rumos do país e a reforma sanitária.

Ao fazerem um balanço da cooperação técnica, os autores assinalam que os resultados vão além da proposta inicial, visto a capacitação de recursos humanos não ser concebida no estrito senso, mas nas suas relações com o funcionamento dos serviços, a ampliação da cobertura, o compromisso com a racionalidade e a reforma, a reorganização dos sistemas e serviços de saúde. Em plena ditadura, o grupo conseguiu agregar profissionais engajados com uma nova visão de estado, progressistas, a maioria deles brasileiros, implantar e implementar projetos inovadores com longo alcance. Ressaltam, porém, que foi uma experiência tipicamente brasileira, visto a proposta de desenvolvimento de recursos humanos não ter sido incorporada por outros países latino-americanos.

Deve ser destacado que o conteúdo e a estrutura do livro informam e permitem (re)pensar questões muito mais amplas do que a cooperação técnica, como as mudanças das políticas de saúde nas décadas de 1970 e 1980, a criação da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e dos núcleos de saúde soletiva nas universidades, a gênese da reforma sanitária, as edições da VI, VII e VIII Conferência Nacional de Saúde. A estrutura do livro - cinco capítulos de análise e um contendo 'depoimentos dos pioneiros' - foi extremamente feliz, pois possibilita aos leitores estabelecer um diálogo entre a reflexão dos autores e dos atores sobre diferentes temas, como a formulação e a gestão de políticas de recursos humanos no Brasil e na agenda da Opas; o papel da saúde no processo de redemocratização, inclusive do próprio grupo envolvido no acordo; a natureza dos acordos do Brasil com as agências internacionais. Esse capítulo, organizado por Francisco Lopes (e colaboradores), reúne depoimentos, colhidos em 2005, dos médicos: Alberto Pellegrini, Carlyle Guerra Macedo, César Vieira, Danilo Prado Garcia, José Roberto Ferreira, José Paranaguá de Santana e Roberto Passos Nogueira; e da enfermeira Izabel dos Santos, este feito em 2002.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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