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APRESENTAÇÃO

Reunindo, como sempre, uma variedade de abordagens teóricas e metodológicas, o volume número 49 (1) de Trabalhos em Lingüística Aplicada abrange artigos de temas diversos sobre tradução, análise de diferentes discursos, ensino-aprendizagem de língua portuguesa, ensino-aprendizagem de língua estrangeira, formação de professores e avaliação. Os autores são de doze universidades brasileiras, compreendendo seis estados, além de outros dois países - Espanha e Portugal. A heterogeneidade deste volume não para por aí: além de textos escritos em língua portuguesa, há um escrito em espanhol e outro em inglês. Procedamos à síntese de cada um dos dezoito artigos que constituem o presente volume.

São três os artigos que analisam diferentes discursos. O primeiro, de autoria de Carlos Renato Lopes, da Universidade Paulista (UNIP, SP), aborda lendas urbanas em arquivo, presentes no imaginário social, que se transformam conforme o contexto e o enunciador. O autor analisa um conjunto de narrativas em torno do tema da contaminação e os riscos de contágio do HIV nas sociedades contemporâneas.

O segundo, de autoria de Rodrigo Borba, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aborda o tema da construção discursiva de identidades na prevenção de DST/ AIDS entre travestis que trabalham em zonas de prostituição e sofrem discriminação da sociedade hegemônica. Para esse artigo, o autor acompanhou, em suas práticas diárias, a equipe da ONG Liberdade, da Cidade do Sul, gravando-as e, posteriormente, transcrevendo-as. Procedeu da mesma forma com relação às sessenta interações entre interventores e travestis, totalizando 10 horas de gravação. A ONG Liberdade foi criada e é dirigida por travestis, embora duas mulheres que se dizem heterossexuais de classe média trabalhem nessa ONG, desempenhando funções burocráticas.

O terceiro, de autoria de José Luís Landeira, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), gira em torno da repetição na poesia de Manoel de Barros, que se manifesta em todos os níveis da produção do texto como um procedimento básico que participa na construção do sentido. O artigo busca compreender como o jogo de reiterações promove re-significações na linguagem e na visão de mundo.

São dois os textos sobre tradução. O primeiro, de autoria de Cristiane Carvalho de Paula Brito, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), tem por objetivo principal analisar as representações dos tradutores sobre si mesmos e acerca da tradução, com base nos princípios teóricos da Análise de Discurso. Foram investigadas quatro notas do tradutor no início de quatro obras traduzidas. Em todas elas, os tradutores se veem como intérpretes do texto de partida, embora afirmem que consideram a tradução como mera transposição de significados, o que aponta para a contradição constitutiva da identidade do tradutor.

O segundo texto, de autoria de Márcia Regina Terra, doutoranda no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (IEL/ Unicamp), considera o uso da tradução como estratégia para a aprendizagem de língua estrangeira. Foram analisadas as respostas de quarenta e sete estudantes do ensino fundamental e médio de duas escolas da rede particular de ensino a um questionário especialmente elaborado para a pesquisa. A conclusão da pequisa é que, em geral, o aluno vê a tradução como uma atividade que promove a aprendizagem da língua em estudo e a ela recorre, frequentemente, como uma estratégia de compreensão e apreensão dessa língua. A concepção de tradução que vigora no imaginário dos mesmos alunos é a de mera transposição de uma língua para a outra, a partir da equivalência termo a termo. Entretanto, a reflexão sobre a prática coloca em dúvida tal representação.

O artigo seguinte apresenta uma análise do gênero entrevista pingue-pongue, utilizado pelo jornalismo de revista, e discute sua metodologia para captar o papel social do entrevistado. De autoria de Nívea Rohling da Silva, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fundamenta-se na teoria de gêneros do discurso e da análise dialógica do discurso do Círculo de Bakhtin. Os discursos outros sobre o objeto do discurso (o próprio entrevistado) definem ressonâncias ideológicas, tensas e intensas.

Inaugurando a série de artigos que contemplam a língua portuguesa e o seu ensino/ aprendizagem, o texto de Giselle Rodrigues Ribeiro, mestranda da USP, trata das representações do afro-brasileiro em duas coleções didáticas. Na conclusão da autora, a presença dos afro-descendentes nesses livros é do tipo ficcional, oriundo da literatura infanto-juvenil do folclore brasileiro. De resto, o texto aponta para preconceitos e estereótipos que precisam ser combatidos no espaço escolar através de discussões e de problematizações.

O artigo "Padrões de organização textual e lexicogramatical do gênero acadêmico resumo de tese", de autoria de Flaviane Faria Carvalho, da Universidade de Lisboa, utilizou o modelo proposto por Bhatia no que diz respeito à descrição dos padrões textuais, e o modelo de campo, proposto por Halliday, para a análise lexicogramatical. Foi possível, assim, mapear os "resumos de tese" como um gênero particular, além de registrar características predominantes em cada domínio do saber, embora sem referir-se a "modelos", uma vez que é observada certa flexibilidade na escolha das estratégias disponíveis para os pesquisadores/produtores do texto. A grande contribuição do trabalho é o uso pedagógico desse gênero, e também estimular outras pesquisas a respeito de gêneros acadêmicos.

O artigo de Mirian Santos Cerqueira, da Universidade Federal de Tocantins (UFT), versa em torno da questão da atividade vs exercício na prática da produção textual no ensino de língua portuguesa. Discute a distinção entre os dois termos a partir de dados de observação de sala de aula de uma escola pública do ensino fundamental. Sua conclusão é de que, na escola, ainda predomina o exercício, o que atribui a uma visão de língua fragmentada e normativa, já que a produção escrita do aluno parece não ter nenhuma função social. A professora se preocupa mais com os "erros" ortográficos do que com o endereçamento e a apropriação de um gênero textual pelo aluno.

Dando prosseguimento aos textos sobre ensino-aprendizagem, Ana Flávia Lopes Gerhardt e Diego da S. Vargas, ambos da UFRJ, propõem-se a discutir problemas relacionados à leitura nas aulas de língua materna e estrangeira, defendendo a posição dos estudos sobre a cognição segundo a qual quanto mais o aluno souber acerca do funcionamento de sua própria mente e de como pode utilizá-la satisfatoriamente para a realização das atividades de leitura, melhor será o seu desempenho dentro e fora da escola.

O artigo seguinte, de autoria de Marília dos Santos Lima, da UNISINOS, e Patrícia da S. Campelo Costa, da UFRGS, aborda o diálogo colaborativo como ação potencial para a aprendizagem de línguas, a partir de uma investigação que teve como informantes duas duplas de aprendizes de português como segunda língua e duas outras de aprendizes de inglês como língua estrangeira. Os diálogos estabelecidos, gravados em áudio e, posteriormente, transcritos, apontam para um resultado benéfico no que diz respeito à aprendizagem, porque permitiram que os aprendizes refletissem, reformulassem, testassem hipóteses, enfim, que buscassem soluções para os problemas de língua que se apresentaram. Além disso, possibilitaram a observação e a avaliação da aprendizagem da língua.

Os dois artigos seguintes tratam da formação do professor de línguas. O primeiro deles discute o percurso da formação pré-serviço à formação em serviço, investigando como dezoito sujeitos representam, em língua inglesa, sua competência oral-enunciativa e a de seus colegas em aulas de conversação na universidade. Com base em uma abordagem transdisciplinar - Lingüística aplicada, Análise do Discurso de linha francesa e Análise Dialógica do Discurso, a autora, Maria de Fátima F. G. de Castro da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), observou a mesma competência em situações diversas após a conclusão da licenciatura. Foi possível observar o lugar imaginário que os participantes da pesquisa revelam não ter alcançado ou que acreditam alcançar um dia, idealizando, assim, uma competência oral-enunciativa, legitimando um discurso que circula na esfera educacional sobre a necessária competência do professor de língua estrangeira.

O segundo artigo aborda a formação reflexiva do professor com base nas crenças que, segundo as autoras, Valdicea Moreira e Dirce C. Monteiro, da UNESP (Araraquara), influenciam suas percepções, decisões e ações. Assim, a reflexão sobre as práticas e sobre suas crenças levaria os professores a alterá-las. A metodologia utilizada se ancora no pensamento qualitativo-interpretativista de natureza etnográfica, que permitiu observar as crenças dos professores sobre o ensino e aprendizagem e sua reflexão sobre elas, com contribuições para a formação do professor de línguas.

"I cut my hair" e "I did my nails" constituem exemplos de enunciados analisados por Ana Carolina Vilela e Fernando Luiz P. de Oliveira, ambos da UFMG, como resultantes do estágio interlinguístico em que se percebe, fortemente, a intervenção da L1 na aprendizagem de inglês como língua estrangeira. Utilizando-se do referencial teórico proposto por Jarvis, o estudo conta com a participação de trinta e oito informantes de três níveis de proficiência. A forma ativa predominou no nível intermediário, enquanto nos grupos avançado e proficiente predominou a estrutura causativa-passiva. Embora tal resultado sugira a influência da L1 do falante-aprendiz, Jarvis propõe outras explicações, o que constitui o maior interesse desse artigo.

Adair V Gonçalves, da UFGD (Dourados, MS) e Elvira L. Nascimento, da UEL (Londrina, PR), após revisão crítica de procedimentos de avaliação, defendem, em seu artigo, a avaliação como um processo integrado à aprendizagem, aliando-a à pesquisa-ação, o que, segundo os autores, "implica entender o ensino como um processo contínuo, em espiral, de ação-observação-reflexão-nova ação". O texto se propõe a analisar a produção textual de um estudante, mediante fichas de monitoramento das capacidades de ação e das capacidades discursivas, que orientam a observação da elaboração de duas versões do mesmo texto.

Ainda a respeito de avaliação, o artigo de Isabel Gretel M. E. Fernández e Daniela S. K. Kanashiro, ambas da USP, relatam resultados de uma pesquisa sobre provas de vestibular de espanhol como língua estrangeira, propostas por instituições da região sudeste. Foram analisadas vinte e três provas, que levaram à constatação de que mesmo quando as questões referem-se a um texto, são as regras gramaticais e o léxico que ainda são avaliados. Partindo da constatação de que os documentos oficiais que regulam o ensino médio orientam-se para o trabalho com textos, é possível observar um descompasso entre tais documentos e os exames de vestibular em língua estrangeira.

Os dois últimos artigos abordam questões relacionadas à web. O primeiro, de autoria de Jesus Garcia Laborda, da Universidade Alcala de Henares (Madrid, Espanha), traz à baila um instrumento valioso para professores e estudantes: os webquests, que podem promover a comunicação oral em âmbitos profissionais. Esse artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada entre 2006 e 2007 com estudantes do curso de Turismo da Universidad Politécnica de Valência. A avaliação do uso dos webquests foi levada a efeito a cada três meses e mostrou benefícios para a aprendizagem da língua.

O último texto do presente volume, fundamentado nos preceitos da análise semiótica, trata dos discursos sobre a web 2.0 e a educação. De autoria de Daniervelin R. Pereira e Ana Cristina Matte, ambas da UFMG, o artigo analisa textos extraídos da web com o objetivo de verificar o que se diz da própria web em textos verbais (artigo), imagéticos (charge) e sincréticos (vídeo). Apesar da sensação de liberdade e individualidade, as ferramentas tecnológicas baseadas na internet mostram limitações, que devem ser discutidas com os estudantes para evitar a falsa ideia de liberdade absoluta e promover a consciência crítica em tempos de globalização.

Para finalizar, gostaríamos de informar aos leitores de Trabalhos em Lingüística Aplicada que, para nossa satisfação, o periódico, indexado no Scielo há mais de um ano, foi classificado na categoria A na última avaliação da Capes. Não poderíamos deixar de agradecer aos autores, que têm escolhido nossa revista para a publicação de seus artigos, e aos pareceristas, nossos parceiros nesta empreitada.

Matilde V. R. Scaramucci

Maria José F. Coracini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010
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