APRESENTAÇÃO
Neste volume 44(1), primeiro de 2005, trazemos nove artigos, dos quais seis abordam questões relativas ao ensino e aprendizagem de língua estrangeira (LE) - alemão, espanhol, inglês e francês -, área essa de grande importância para os estudos da Lingüística Aplicada (LA), e três sobre outras questões igualmente relevantes para a área, dois dos quais voltados para o ensino.
No primeiro deles, Moraes (professora aposentada do Departamento de Lingüística Aplicada da Unicamp) apresenta um percurso histórico do ensino de Inglês Instrumental dessa Universidade, seguido de uma reflexão sobre as implicações de aspectos teóricos, metodológicos e ideológicos dessa metodologia para a formação do professor de língua inglesa.
O artigo de Ramos (doutorando, Universidade Federal de Santa Catarina) também focaliza o contexto universitário, desta vez analisando expressões modais utilizadas por alunos brasileiros, armazenados em formato eletrônico, comparando-as, em termos de variedade e freqüência, com aquelas produzidas por falantes nativos de inglês. Os resultados apontam para um uso exagerado de expressões modais por parte desses alunos, o que o autor explica como decorrente do estágio atual de desenvolvimento em que se encontram e das características de sua interlíngua. Interferências de registro, em que padrões de uso do inglês falado são transferidos para a escrita são encontradas, assim como um alto grau de sensibilidade ao tópico no uso de certos modais.
O artigo seguinte (Baptista et al.), de autoria de um grupo de professoras e de pós-graduandas da Universidade de São Paulo, apresenta uma reflexão sobre o ensino e aprendizagem de expressões idiomáticas em espanhol no Brasil, reflexão essa que vem acompanhada de um quadro teórico que considera a definição conceitual dessas expressões assim como sua necessidade e relevância para a sala de aula, dentre outros. O artigo ainda apresenta uma análise de seis manuais de espanhol de diferentes níveis e propostas metodológicas, publicados na Espanha e no Brasil nos anos 90, que revela serem essas expressões mais freqüentes em níveis avançados e não haver preocupação em estimular os aprendizes a usá-las.
Fernando Afonso de Almeida, da Universidade Federal Fluminense apresenta os resultados de um trabalho de observação da incorporação da imagem por livros didáticos destinados ao ensino do francês como LE, procurando estabelecer relações entre o verbal e o não verbal (icônico), além de buscar compreender como e em que medida o uso da imagem se torna produtivo para a aprendizagem da LE. Partindo da definição de noções advindas da teoria interacionista, procede à análise de dois textos, acompanhados de uma representação icônica, e conclui que, embora de modos diferentes, os livros didáticos constituem um espaço de encenação da língua-alvo e um discurso desencadeador de atividades voltadas para o processos de ensino/aprendizagem da LE, reforçadas pelas utilização das imagens em cooperação com o verbal, o que parece aproximar, segundo o autor, as pesquisas lingüísticas e a didática de línguas.
O texto de Fábio Madeira (aluno de doutorado em Lingüística Aplicada da Unicamp), também centrado na análise de materiais didáticos, volta-se para o ensino de LE em cursos de conteúdo. Depois de trazer importantes Referências Bibliográficas a respeito desse tipo de curso, o artigo discute os materiais utilizados em cursos que participam do programa de extensão cultural oferecido por uma universidade pública do Estado de São Paulo, além dos critérios que nortearam a sua preparação. A partir de testemunhos dos próprios autores do material didático, foi possível perceber que a ênfase continua no conteúdo, apontando, segundo o autor, para a falta de um tratamento pedagógico de aspectos lingüísticos da língua-alvo, baseados numa criteriosa análise de necessidades.
Ruth Bohunovsky (pós-doutoranda no IEL, Unicamp), apoiada em reflexões teóricas da Análise de Discurso e da Lingüística Aplicada Crítica (Pennycook, 2003), discute o papel da ideologia no ensino de alemão como LE no Brasil. A análise de livros didáticos para o ensino do alemão exibe um olhar ufanista sobre os países e aponta para representações positivas, pouco realistas, do povo e da cultura estrangeira. Abordando questões relacionadas à interrelação entre língua, história e ideologia no material de ensino, enfatiza o interesse em estudar as especificidades das relações de contato entre membros de duas culturas específicas, além de defender a idéia de que estudar a imagem de um país e seus habitantes em livros didáticos constitui um passo importante para a identificação e desconstrução de estereótipos criados ao longo dos séculos, muitas vezes responsáveis pelas dificuldades de relacionamento entre os povos.
Trazendo à baila a teoria da carnavalização de Mikhail Bakhtin, Míria Gomes de Oliveira (doutoranda da Universidade Federal de Minas Gerais) analisa algumas peças shakespereanas e as interações ocorridas em aulas de leitura dessas mesmas peças em escolas municipais de ensino fundamental, situadas na periferia de Belo Horizonte. Defende a idéia de que uma prática educativa politicamente comprometida, além de reconhecer a importância das relações entre professores, vida cotidiana, escola e vida cultural pública, em que o professor assume um papel ativo no processo de ensino/aprendizagem, deve estar aberta aos conflitos constitutivos de todo processo interativo. Conclui que um posicionamento crítico articulado à teoria bakhtiniana da carnavalização pode constituir uma forma de questionar e discutir a hegemonia cultural tanto nas peças shakespereanas quanto em aulas de leitura, conforme apontam os registros analisados.
Procurando definir o hipertexto e nos lançar no mundo novo do contexto informatizado, o texto de Dinorá Fraga e Tânia Flores (Unisinos, RS) se propõe a analisar "o processo de referenciação hipertextual através do estudo da natureza dos links associativos em sua função coesiva, a partir dos estudos de George Landaw e Ingedore Koch, tendo reportagens online como universo interpretativo". Concluem as autoras que os links não têm a função de retomada linear como no texto impresso, mas a função de continuidade semântica como um fenômeno de abertura e de independência, tornando o (hiper)texto um documento aberto. Entretanto, declaram, para finalizar, que "independentemente do suporte que potencialize a leitura, é através do processo tradicional que a leitura se realizará".
Lima-Lopes, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, traz um estudo, fundamentado em Halliday (1994), em que um corpus de 104 cartas de venda de produtos e serviços é analisado para investigar se os movimentos e passos possuem diferenças na distribuição dos processos e função. Ferramentas computacionais como programas de concordância foram utilizados na análise, que mostra "que o movimento responsável pelo propósito comunicativo das cartas é o que carrega o número mais alto de processos e o mais completo sistema de escolhas".
Como tem acontecido em todos os volumes, também neste, se fazem presentes as diferentes posturas teóricas e metodológicas, além dos temas que apontam para preocupações variadas, fazendo emergir a constituição heterogênea - e por isso mesmo academicamente produtiva - da LA que constitui, indubitavelmente, uma área de produção de conhecimento no âmbito dos estudos da linguagem.
Maria José R. F. Coracini
Matilde V. R. Scaramucc.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Nov 2013 -
Data do Fascículo
Jun 2005