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O negócio das migrações: empresários, agentes e colonização no Brasil do século XIX

The Migration Business: Entrepreneurs, Agents, and Colonization in 19th-Century Brazil

El negocio de las migraciones: empresarios, agentes y colonización en Brasil en el siglo XIX

RESUMO

No século XIX, o Império do Brasil implementou políticas de imigração para atrair famílias camponesas europeias visando à colonização de terras consideradas devolutas. Com o objetivo de diversificar a produção agrícola e promover o “branqueamento” da nação, foram estabelecidos contratos com empresários para a criação de colônias públicas e privadas. Nesse contexto, analisaremos as ações do franco-italiano Sabino Tripoti em seu projeto colonizador na província do Paraná, utilizando o seu livro de memórias, escrito em 1877, em confronto a outras fontes, como jornais, relatórios e documentos diplomáticos. Por meio do estudo da trajetória de Tripoti, investigaremos os diferentes atores envolvidos no movimento migratório, as dinâmicas daqueles que viabilizaram a vinda de famílias italianas, bem como as críticas dos que se opunham a esse processo. O sucesso ou o fracasso das colônias destinadas aos italianos no Brasil dependeram de fatores que passavam pelas políticas mutáveis adotadas pelo Império, que incentivou a concorrência entre as colônias públicas e privadas.

Palavras-chave:
imigração italiana; política migratória; colonização subsidiada; estudos de trajetórias; redes migratórias

ABSTRACT

In the nineteenth century, the Empire of Brazil implemented immigration policies to attract European peasant families for the colonization of lands considered vacant. With the aim of diversifying agricultural production and promoting the “whitening” of the nation, the government established contracts with entrepreneurs for the creation of both public and private colonies. In this context, this article analyzes the actions of the Franco-Italian Sabino Tripoti in his colonization project in the province of Paraná, using his memoir written in 1877, in comparison with other sources such as newspapers, reports, and diplomatic documents. Through the study of Tripoti’s trajectory, we will investigate the various actors involved in the migratory movement, the dynamics of those who facilitated the arrival of Italian families, as well as the criticism from those who opposed this process. The success or failure of the colonies designated for Italians in Brazil depended on factors related to the changing policies within the Empire, which encouraged competition between public and private colonies.

Keywords:
Italian Immigration; Migration Policy; Subsidized Colonization; Trajectory Studies; Migration Networks

RESUMEN

En el siglo XIX, el Imperio de Brasil implementó políticas de migración para atraer familias campesinas europeas con la intensión de colonizar tierras consideradas desocupadas. Con el objetivo de diversificar la producción agrícola y promover el “blanqueamiento” de la Nación, fueron establecidos contratos con empresarios para la creación de colonias públicas y privadas. En este contexto, analizaremos las acciones del francoitaliano Sabino Tripoti en su proyecto colonizador en la provincia de Paraná, utilizando su libro de memorias, escrito en 1877, en cruce con otras fuentes, como periódicos, informes y documentos diplomáticos. Por medio del estudio de la trayectoria de Tripoti, investigaremos los diferentes actores involucrados en el movimiento migratorio, la dinámica de los que movilizaron la venida de las familias italianas, bien como las críticas de los que se oponían a ese proceso. El éxito o fracaso de las colonias destinadas a los italianos en Brasil dependieron de factores que pasaban por las políticas mutables adoptadas por el Imperio, que incentivó la concurrencia entre las colonias públicas y privadas.

Palabras Clave:
inmigración italiana; política migratoria; colonización subsidiada; estudios de trayectorias; redes migratorias

Introdução

Uma questão que continuava a preocupar as autoridades brasileiras, ao menos desde a Independência em 1822, era a de dar sequência à colonização do extenso território nacional, algo, aliás, que não era inédito visto que há séculos a administração portuguesa tinha o mesmo objetivo. Contudo, o século XIX teria novos estímulos para implementar uma política eficaz de ocupação, entre eles a consolidação das fronteiras com os países vizinhos, em um tempo que amplos territórios estavam em litígio por Estados ansiosos em aumentar suas dimensões. Uma das primeiras experiências de colonização em massa organizada pelo Estado brasileiro se deu com a introdução de imigrantes alemães na década de 1820, momento em que foi fundada a Colônia São Leopoldo na província do Rio Grande do Sul. Pode ser entendida como uma política de ocupação de terras públicas através da concessão de lotes coloniais a famílias de agricultores europeus, com o objetivo de propiciar o desenvolvimento de determinadas regiões através da formação de comunidades rurais e produção agrícola.1 1 Para entendimento da colonização italiana no Sul do Brasil, bem como a emigração da península para os espaços rurais e urbanos do território brasileiro, destacam-se: Grosseli (1987), Alvim (1986), Vangelista (1991), Franzina (2006), Gonçalves (2012) e Vendrame (2016).

No ano de 1867, o Império editou um decreto que deveria reger a criação de colônias de Estado e organizar a chegada e instalação de colonos europeus.2 2 BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 3.784, de 19 de janeiro de 1867. Aprova o Regulamento para a criação de Colônias de Estado. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3784-19-janeiro-1867-553854-publicacaooriginal-72121-pe.html. Acesso em: 4 maio 2023. Verdadeira política pública de imigração, o Brasil buscava atrair famílias camponesas que passassem a se dedicar à produção agrícola. Para tal, precisou firmar contratos com empresários com o objetivo de ocupar com imigrantes áreas de “terras devolutas” que necessitavam de gente “laboriosa”, “morigerada” e “honesta” para trazer a “prosperidade”. Foi o início da montagem de um grande mecanismo que movimentaria altas somas de recursos financeiros e envolveria milhões de pessoas de um continente ao outro a partir da década de 1870.

Os italianos acabaram sendo a opção das autoridades brasileiras após as negativas do recém-criado Estado Alemão que proibiu a emigração de seus cidadãos. Frente a isso, é importante ressaltar que o fator racial continuava a determinar a política de Estado,3 3 A literatura a respeito desse tema garante que o aspecto racial era determinante nas políticas do Estado brasileiro, a exemplo da Lei de Terras e a “proibição” de escravos em colônias de imigrantes. As discussões promovidas pelo Senador Vergueiro, ainda nos anos 1840 e 1850, também tinham forte conotação racial. Como sugestão para quem deseja se aprofundar no assunto, indicamos: Ribeiro (2020). fazendo com que houvesse uma preferência pelo europeu branco e não o “amarelo oriental”, muito menos os negros ou indígenas, para a ocupação de terras e produção de alimentos. A implantação de núcleos coloniais a partir da década de 1870, em diferentes províncias do Brasil, estava em consonância com os debates sobre miscigenação, raça, imigrante ideal e política de branqueamento. Nesse sentido, o apoio e financiamento à atração de trabalhadores de origem europeia era entendido como algo fundamental para tornar o país civilizado e garantir o progresso da nação, algo que seria alcançado com a importação de estrangeiros percebidos como portadores de virtudes morais e étnicas (SEYFERTH, 2020SEYFERTH, Giralda. A colonização e a questão racial nos primórdios da República. In: LIMA, Antônio Carlos de S.; SANTOS, Miriam de O.; SANT’ANA, Raquel (orgs.). O beneplácito da desigualdade: breve digressão sobre o racismo e outros textos sobre questões etnicorraciais. Rio de Janeiro: 7Letras, 2020. p. 194-211.). Esse era, portanto, o caso dos imigrantes italianos que deram início a um movimento de massa nos anos setenta do oitocentos.

A política migratória no século XIX tinha caráter racializado, o que estava em sintonia com os princípios raciais hegemônicos no período, apoiada pela elite brasileira. Assim, questões de raça, cor e grupo social marcariam as discussões acerca do imigrante desejado, bem como o financiamento público dispendido em relação a atração, transferência, estabelecimento e assistências aos estrangeiros nas regiões coloniais. Tais aspectos iriam influenciar as relações entre os trabalhadores, bem como famílias estrangeiras e nacionais em diferentes contextos. O branqueamento estava na pauta das discussões e precisava ser efetivado para, em algumas gerações, superar e fazer desaparecer as “raças” menos aptas ou indesejadas (SCHWARCZ, 1995SCHWARCZ, Lilia. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.).

A presença de imigrantes europeus era entendida como um símbolo do progresso e do trabalho livre, enquanto os negros e mestiços representavam o atraso, a falta de disciplina e de valores morais, sendo vistos, portanto, como incapazes de desempenharem determinadas atividades e propiciar o desenvolvimento da nação. Logo, os europeus deviam ser agentes moralizadores, referência de comportamento ético e moral, entre a população nacional, conforme pensavam grupos da elite brasileira (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia M. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites (século XIX). Rio de Janeiro: Annablume, 1987.). A ideia de nação era pensada como um desdobramento da civilização europeia, ligada à presença do homem branco e europeu (GUIMARÃES, 1998GUIMARÃES, Manoel L. S. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 5-27, 1998.). Negros e indígenas eram vistos como fatores que impediam o progresso do país como civilização, sendo, portanto, primordial o incentivo à miscigenação, uma vez que propiciaria o branqueamento da população.

Nesse sentido, a política migratória da segunda metade do século XIX se encontrava em total sintonia com o projeto de branquear os brasileiros, algo que iria ocorrer através de investimentos públicos na vinda de famílias camponesas europeias, dando início a um movimento de massa da Itália para as três províncias do Sul do Brasil - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, como também para as províncias de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. A presença de trabalhadores considerados desejáveis e a ocupação de terras públicas do Império provocou um processo de marginalização da população negra, mestiça e indígena, conforme apontam estudos que analisam a situação dos negros no oeste paulista no pós-abolição da escravatura (TRUZZI, 2021TRUZZI, Oswaldo. M. (org.). Migrações internacionais no interior paulista. São Paulo: EdUFSCar, 2021.). Em diferentes espaços, seja urbano ou rural, as disputas entre imigrantes europeus e negros irá ocorrer como um resultado de embates para garantir vantagens, direitos, reconhecimento e uma posição privilegiada na hierarquia social4 4 Sobre os conflitos no oeste paulista entre imigrantes e negros no período do pós-abolição, destacam-se as pesquisas de Karl Monsma (2007; 2016), em que utiliza as fontes criminais para perceber as relações entre os estrangeiros de origem europeia e os negros. Investiga a maneira como os primeiros buscavam garantir posição e reconhecimento perante a população negra. . Isso marca processos de constituição de territórios racializados, onde os estrangeiros procuram garantir o reconhecimento de estruturas organizadoras e valores morais que são referências como constituintes do ser branco (VENDRAME, 2020VENDRAME, Maíra I. “Não tinha medo dos gringos”: violência e crime nas regiões de colonização italiana do Sul do Brasil. História Unisinos, v. 24, n. 3, p. 502-5015, 2020. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/hist.2020.243.13/60747966. Acesso em: 20 mar. 2023.
http://revistas.unisinos.br/index.php/hi...
; 2021VENDRAME, Maíra I. Spazio di diritti. Violenza e pratiche di giustizia nei luoghi di colonizzazione europea del Brasile meridionale tra la fine del XIX e l’inizio del XX secolo. Quaderni Storici, n. 167, v. 2, ed. Il Mulino, p. 537-565, 2021.; ROSA, 2019ROSA, Marcus Vinícius de F. Além da invisibilidade: história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição. Porto Alegre: EST, 2019.).

Além do que foi mencionado, para compreender como a imigração italiana começou a ser organizada para o Brasil, faz-se necessário estudar o papel dos empresários,5 5 Entendemos empresários aqueles que efetivamente possuíam uma logística privada da imigração, que tinham agentes e subagentes recrutadores na Europa e recebiam terras do Estado para levar adiante a colo-nização. No entender de Bosenbecker e Truzzi (2022, p. 744-745), havia outras modalidades de empresários, como os que não se envolviam com o recrutamento de imigrantes, mas promoviam o loteamento de terras para colonizar certas áreas. Esses podiam ser fazendeiros, grandes comerciantes ou até mesmo políticos. dos agentes e dos subagentes da emigração.6 6 Os subagentes podiam ser padres, professores e, às vezes, um camponês que sabia ler e escrever. O mais importante é que era alguém que tinha a confiança dos camponeses. Sobre o papel dos subagentes nos campos italianos, consultar: Brunello (1983, p. 138-174) e Vendrame (2016, p. 103-156; 2017, p. 23-42). Isso é fundamental para avançar no entendimento sobre as maneiras como as migrações transoceânicas eram organizadas e as motivações e expectativas que moviam as pessoas que decidiam partir para a América. Analisar a atuação destes “promotores” da emigração permite aproximar os locais de saída com os de chegada.

No presente artigo, iremos analisar a trajetória do empresário franco-italiano Sabino Tripoti em seu envolvimento com o Império do Brasil para a vinda dos europeus; vamos acompanhar seus esforços para a constituição de uma colônia privada na província do Paraná, bem como entender o processo que levou tal iniciativa ao fracasso. O recorte temporal abrange a década de 1870, uma vez que, em 1871, Sabino Tripoti assinou contrato com o governo brasileiro para introdução de imigrantes europeus no Paraná, conforme veremos na sequência. O Império concedeu extensões de terras para que sujeitos como Sabino Tripoti criassem colônias e construíssem benfeitorias para atender os estrangeiros recém-chegados. Além disso, foi concedido aos empresários o direito de explorar as riquezas naturais nos lugares onde seriam fundadas as colônias. Nesse sentido, os contratos para fomentar a imigração faziam parte de um empreendimento complexo, uma parceria público-privada que tinha grandes chances de resultar em negócios bem-sucedidos.

Partindo de fontes de natureza variada, como reportagens de jornais, relatórios, livro Memorial da Colônia Alessandra7 7 Essa é uma das principais fontes do presente artigo, e trata-se de um memorial escrito pelo italiano -Sabino Tripoti, em 1877. O material, composto por 106 páginas, encontra-se publicado na integra na obra de -Cavanha (2012). e documentos diplomáticos, o presente artigo busca analisar o funcionamento dos mecanismos que movimentaram as migrações, identificando os atores envolvidos no processo e as dificuldades encontradas para garantir o sucesso das iniciativas ligadas à colonização. A ideia é esclarecer o momento inicial da empresa de Colonização e Imigração levada adiante por empresários e o Império brasileiro nos primeiros anos da década de 1870, com destaque às ações do empreendedor franco-italiano Sabino Tripoti na fundação da Colônia Alessandra na província do Paraná. Entendemos que tomar um percurso particular e uma iniciativa como foco da análise permite apreender aspectos negligenciados em outras abordagens, uma vez que torna possível acessar contextos e problemas de pesquisas para repensar processos mais amplos como os ligados à ocupação das áreas destinadas à colonização europeia no Brasil.

Agentes da imigração

Assim que o Império começou a propagandear seu ambicioso plano de colonização com imigrantes italianos, nomes de empresários começaram a surgir: Joaquim Caetano Pinto -Júnior, Sabino Tripoti, Miguel Maria Franzini, Adelina Malavasi, entre tantos outros e outras, a maior parte italianos, logo passaram a frequentar as salas da Corte no Rio de Janeiro em busca da aprovação de seus projetos de importação de colonos europeus. Um grande negócio aos olhos de muitos, movidos pelos objetivos já expostos: ocupar e colonizar territórios, produzir alimentos, branquear a população, explorar a flora para alcançar riqueza e garantir o progresso, algo desejado pela grande parte da elite brasileira do século XIX.

Nas últimas três décadas do século XIX, o Brasil recebeu mais de três milhões e seiscentos mil imigrantes europeus, sendo que a maior parte era de italianos. Planejado como uma política de Estado por parte do Império, em 19 de janeiro de 1867 foi divulgado o Decreto n. 3.784, que estabelecia regras para a criação das colônias de Estado.8 8 BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 3.784, de 19 de janeiro de 1867. Aprova o Regulamento para a criação de Colônias de Estado. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3784-19-janeiro-1867-553854-publicacaooriginal-72121-pe.html. Acesso em: 11 fev. 2023. Segundo Paulo Pinheiro Machado, os regulamentos que passaram a reger as colônias do Império são resultados “de um acúmulo de experiências em colonização” pelo “número de artigos e no grau de especificidade e detalhe dos problemas a serem evitados”. Para mais detalhes do Regulamento, consultar: Machado (1999, p. 83-123). Em 1875, comprovando o sucesso da medida, já existiam 66 colônias públicas de um total de 89 existentes em todo o território do Império (TRENTO, 1988TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel, 1988., p. 19). No início dos anos de 1870, contratos passaram a ser firmados com empresários para que a importação de imigrantes se tornas-- se possível. Importante observar que os primeiros acordos foram com estrangeiros que já se encontravam em terras brasileiras, como Pietro Tabacchi, Sabino Tripoti, Adelina -Malavasi e Miguel Maria Franzini.9 9 Informações sobre atuação de algumas dessas pessoas que estabeleceram contratos com o Império brasileiro são mencionadas por Emilio Franzina na introdução do livro que publicou o Diário do italiano Enrico Secchi (FRANZINA, 1998, p. 14-45). Ver também: Gandini (2000). O primeiro, a título de exemplo, trouxe 388 camponeses trentino-austríacos, tendo como destino a Colônia de Santa Leopoldina, no Espírito Santo. No Trento, o próprio Pietro Tabacchi havia convidado e auxiliado as famílias emigrantes a chegar até o local de destino (FRANZINA, 1998FRANZINA, Emilio. Introduzione. Un sogno: la Merica! I miei 56 anni di Brasile. Diario di Enrico Secchi. Modena: Baraldini, 1998., p. 31).

Em junho de 1874, o governo imperial firmou um dos maiores contratos que se teve notícia, com o empresário brasileiro Joaquim Caetano Pinto. Esse assumiu o compromisso de importar para o Brasil 100.000 europeus no período de 10 anos, uma quantia de fato grande. Os imigrantes desse contrato deveriam ser inseridos em províncias do Brasil meridional, podendo ser de origem alemã, austríaca, suíça, belga, basca, sueca, dinamarquesa, francesa e italiana do norte da Itália. A preferência era por estrangeiros que fossem “agricultores, sadios, laboriosos e moralizados, nunca memores de dois anos, nem maiores de 45, salvo se forem chefes de família”.10 10 BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 5.663, de 17 de junho de 1874. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5663-17-junho-1874-550343-publicacaooriginal-66255-pe.html. Acesso em: 12 dez. 2022. A política de atração pagava por imigrante, portanto, e dependendo do caso e contrato assinado, não pagava por pessoas inseridas fora da faixa etária ou característica determina. Esses pagamentos em geral eram chamados de “prêmios”. Tal política deveria ser bastante eficiente, pois os comissionados do processo queriam garantir o pagamento pelo trabalho realizado. Joaquim Caetano Pinto ficou responsável tão somente pela introdução de imigrantes em colônias públicas no Brasil, isto é, ele não se tornou diretor e administrador de colônias privadas, ao contrário de outros empresários como Sabino Tripoti.11 11 Há uma questão recorrente na literatura do tema: a diferença entre proprietários de colônias, diretores, empresários, engajadores e subagentes (aqueles que atraem os imigrantes diretamente do país de origem). Antes de 1870, boa parte dos “colonizadores” do país eram proprietários de colônias, mas não recrutavam imigrantes fora do país, pois o Estado fazia esse papel. Essa será uma das importantes alterações da política nacional de migração na década de 1870, fazendo surgir proprietários de colônias que recrutavam seus próprios imigrantes em países de destino (BOSENBECKER; TRUZZI, 2022, p. 740-756), como o sujeito aqui analisado, Sabino Tripoti.

Na Província do Paraná, em terras públicas localizadas no litoral, Tripoti fundou a Colônia Alessandra, tornando-se seu diretor. A trajetória deste franco-italiano enquanto empresário é bastante interessante e elucidativa, pois sua atuação permite pensar a política de colonização subsidiada pelo Império brasileiro, acompanhar a dinâmica migratória, o funcionamento das redes e conexões que viabilizaram o deslocamento de famílias da Itália para diversas regiões coloniais do Brasil. Além disso, possibilita analisar os projetos fracassados e as dificuldades surgidas em relação à colonização nas décadas que marcaram este processo em específico, no caso, a transferência em massa de famílias italianas para o território brasileiro,12 12 Temos ciência de que a política de colonização patrocinada pelo Império brasileiro não é o único processo de transferência em massa de europeus para o Brasil. Porém, nos parece inegável que será a partir dela que milhares de italianos/as chegarão, de forma espontânea ou patrocinados pelos cofres públicos, ao Brasil. para bem como as tensões diplomáticas surgidas por conta de dificuldades ligadas às migrações.

Sabino Tripoti, um empresário da colonização

Nascido na França em 1840, Sabino era filho de Antônio Tripoti, um ardoroso defensor da Unificação da Itália que, por conta da instabilidade política do período, era forçado ao exílio uma vez ou outra. Apoiadores da República italiana e em sintonia com as ideias de Giuseppe Mazzini,13 13 Giuseppe Mazzini (1805-1872) foi um pensador e político italiano, um dos principais defensores da Unificação da Itália no século XIX. Ele foi o fundador da organização secreta “Jovem Itália” e defendia a Unificação italiana através da luta armada e da criação de uma República Democrática. Suas ideias foram influentes na formação do movimento risorgimental italiano. Sabino e o irmão herdaram a ideologia paterna e logo se tornaram garibaldinos. No ano de 1859, quando estudava em um colégio em Paris, Sabino Tripoti escapou para se alistar nas tropas de Giuseppe Garibaldi, tornando-se, posteriormente, sargento na campanha contra a Áustria. Antes mesmo da morte do pai, os jovens irmãos, em diferentes datas, transferiram-se para a América, possivelmente escapando de perseguições políticas. Sabino Tripoti imigrou para a Argentina onde, em seguida, ficaria sabendo sobre os projetos colonizatórios do Império brasileiro.14 14 As informações sobre a trajetória de Sabino (muitas vezes grafado Savino) Tripoti enquanto empresário das migrações foram obtidas de um livro de sua autoria intitulado Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná. É importante destacar que Sabino escreveu tal obra, em 1877, como forma de defender sua honra e solicitar ressarcimento ao Império brasileiro após o fracasso da Colônia Alessandra, no Paraná. Interessante nesse livro é que ele trouxe inúmeros documentos primários, como relatórios técnicos de autoridades do Império, cartas e reportagens de jornais. O material foi usado em artigo para analisar a trajetória de dois imigrantes italianos no Paraná, Sabino Tripoti e Pietro Colbacchini (MACHIOSKI, 2021). Em território argentino, envolveu-se na fundação de duas colônias agrícolas: a Colônia Emília, na província de Santa Fé, na qual era “diretor”, e a Colônia Ausonia no Chaco, na função de “diretor comandatário” (TRIPOTI, 1877, p. 3).

Qualquer empresário que quisesse acessar as verbas prometidas pelo Império para a importação de imigrantes deveria, primeiro, elaborar um projeto e apresentar ao Ministro da Agricultura. Porém, para chegar até a referida autoridade, o candidato teria de ter contatos que o introduzissem ao centro do poder: no caso de Tripoti, foi o Cônsul brasileiro em Buenos Aires, Sr. Comendador Carvalho Borges, e o Cônsul italiano na corte, Barão A. -Cavalchini, os responsáveis por abrirem as portas ao empresário franco-italiano. Devido à sua experiência com as colônias na República argentina, Tripoti teve seu projeto lido e aprovado pelo Ministro da Agricultura, Sr. Theodoro Machado Freire Pereira da Silva, em junho de 1871.

O contrato do Império colocava uma série de exigências a Sabino Tripoti, como o depósito de um valor alto como caução antes da Fazenda liberar parte da verba estabelecida: 30 contos de réis. Para levantar tal quantia, o empresário poderia hipotecar suas terras, encontrar sócios, fazer empréstimos bancários ou, ainda, usar seus próprios recursos.15 15 Tripoti (1877) afirmou em seu memorial que utilizou recursos próprios para essa primeira despesa. Ultrapassada esta primeira fase, o próximo passo para a criação de uma colônia era escolher o lugar. Para isso, Tripoti viajou para as províncias do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná a fim de escolher o local para a fundação do seu empreendimento. Entendeu que as terras devolutas do município de Paranaguá, no litoral paranaense, eram as mais propícias, pois elas tinham tudo o que considerava importante: regadas por rios, com área diversificada de matas, planícies, zona portuária próxima e vizinha de mercados consumidores. As estradas de ligação, contudo, não existiam, sendo necessário criá-las. Concedidas tais terras devolutas para a fundação da Colônia Alessandra, Tripoti adquiriu terrenos adjacentes, para ampliar a colônia. Segundo o contrato estabelecido com o Império do Brasil, caberia ao empresário construir benfeitorias - como prédios públicos e administrativos, escolas, hospitais -, ficando as estradas sob a responsabilidade das províncias.16 16 A escolha pelo Paraná rendeu um segundo contrato, agora firmado com o governo paranaense, assinado em 22 de agosto de 1871, que garantia a construção, com recursos provinciais, de uma estrada de rodagem entre Paranaguá e Morretes que passaria pelo centro da colônia. Assim, “no dia 10 de fevereiro de 1872, principiarão os trabalhos coloniaes, e desse mesmo dia data a fundação da Colônia Alessandra” (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 8-9).

Enquanto a colônia era erguida (ainda sem a presença dos imigrantes), em 1873 Tripoti fez viagem para o Rio de Janeiro a fim de conseguir a liberação das verbas prometidas e renovar o contrato de 1871.17 17 Como os repasses do governo imperial não estavam no prazo, Tripoti ia frequentemente à Corte para solicitar o cumprimento do contrato. Em 1872, pediu pequenas modificações no contrato original: Decreto nº 5.153 assinado em 5 de dezembro de 1872. Pelo mesmo motivo de atrasos por parte do governo imperial, o contrato passou por uma nova revisão: Decreto nº 5373, de 6 agosto de 1873. Por esse último decreto, Tripoti obrigava-se a: “I. transportar para o Imperio e a estabelecer dentro do prazo de seis anos, contados da data do presente decreto, quinhentas familias ou dous mil e quinnhentos immigrantes da Allemanha e Italia para a fundação de uma ou mais colonias agricolas e industriaes. II. Os immigrantes serão escolhidos entre agricultores e trabalhadores ruraes que se recommendem por sua dedicação ao trabalho e moralidade, e se achem em boas condições de saude, prefedindo-se os que possuirem algum capital. Será permittido comprehender no número indicado, em proporção de 10% indivíduos que não sejam lavradores”. BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 5373 de 6 de agosto de 1873. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5373-6-agosto-1873-551513-publicacaooriginal-68041-pe.html. Acesso em: 17 fev. 2023. Ao mesmo tempo, precisava que seus agentes iniciassem a propaganda nas comunas italianas, buscando atrair e contratar camponeses, em um processo que foi denominado como “engajamento de imigrantes” (GONÇALVES, 2012GONÇALVES, Paulo C. Mercadores de braços: riqueza e acumulação na organização da emigração europeia para o Novo Mundo. São Paulo: Alameda, 2012.). Para isso, utilizou-se de seu irmão, Vicente Tripoti, e um amigo, chamado Giacomo Grassi. Atuando em diferentes frentes, Sabino estabeleceu contrato com companhias de navegação europeias para o envio de emigrantes. Faltava, agora, o dinheiro previsto no contrato com o Estado brasileiro - o que permitiria a viagem gratuita dos imigrantes italianos, o transporte até a Colônia Alessandra, a alimentação, as ferramentas para o trabalho, a compra das sementes para o cultivo. Enfim, o dinheiro público era o principal combustível para que tudo funcionasse bem. O contrato previa um investimento total de 200 contos de réis por parte do Império, com aporte inicial de 30 contos de réis logo que o depósito caução fosse feito pelo empresário.18 18 Contrato do Império do Brasil com Sabino Tripoti, 7 de junho de 1872. Memorial sobre a Colônia Alessandra (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 2-5).

Em 1874, com a Colônia Alessandra quase pronta para receber os imigrantes, Tripoti foi ao Rio de Janeiro a fim de solicitar à Fazenda imperial a segunda parcela do investimento de acordo com o contrato. Seus agentes na Itália, o irmão Vicente e Giacomo Grassi, já arregimentavam camponeses da região de Abruzzo, que eram considerados pelo empresário os melhores colonos para o trabalho (TRIPOTI, [1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 22). Porém, como o governo não liberou o valor em tempo hábil, as 100 famílias arregimentadas, que estavam à espera no porto de Gênova, acabaram desistindo por não conseguirem embarcar. Como haviam vendido os seus pertences e não tinham mais como se sustentar, julgaram-se enganados, abandonados, dispersando-se pela região de Gênova à procura de subsistência, segundo argumentou Tripoti ([1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 23-24).

Após ouvir tal relato, o Ministro da Agricultura autorizou a liberação de 20 contos de réis para ser aplicado no transporte de emigrantes, à razão de 50 mil réis por indivíduo, valor que estaria disponível no Consulado Geral do Brasil em Gênova. Com isso, no dia 23 de dezembro de 1874, saía de Gênova a Galera (Navio) Anna Pizzorno, trazendo, por conta de Tripoti, 313 imigrantes e mais 200 agenciados pela italiana Adelina Malavasi (TRIPOTI, [1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 24-25). Essa empresária também havia estabelecido contrato com o governo brasileiro para a fundação de uma colônia imperial na província de Santa Catarina.

Nesse grupo de 313 imigrantes, Vicente Tripoti, o irmão de Sabino, conseguiu agenciar alguns colonos do Abruzzo, porém, vieram também outros da Basilicata, região sul da Itália, de costumes distintos e que não faziam parte dos preferidos pelo empresário. Um problema surgido no embarque em Gênova foi que as autoridades não queriam permitir a saída dos 200 emigrantes agenciados por Adelina Malavasi sem prévio pagamento de certas despesas. Naquele momento e para não atrasar ainda mais a viagem, o agente Vicente Tripoti acabou por pagar as despesas de todos, ou seja, dos 313 que estavam sob a sua responsabilidade e dos 200 que tinham como destino as colônias imperiais.19 19 Disputas pelos imigrantes chegados ou em vias de chegar pareciam ser bastante comuns, já que envolviam, quase sempre, “direitos” por quem “verdadeiramente” engajou (contratou) os imigrantes. Ao que parece, certos agentes, tanto nas localidades de destino quanto nos portos de embarque, trabalhavam para mais de um empresário ou governo ao mesmo tempo, e isso certamente confundia ainda mais a situação.

Quando por fim chegaram ao Brasil, 303 colonos foram transportados à Colônia Alessandra.20 20 Tripoti afirma que, dos 313 que estavam sob a sua responsabilidade, um faleceu na viagem, e outros nove ficaram no Rio de Janeiro (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 26). Após algumas semanas, os imigrantes da Basilicata - conhecidos por “lucanos”21 21 Lucanos é como são conhecidos os habitantes da região da Basilicata, que fica no sul da Itália, entre a Puglia e a Calábria. - começaram a dar problemas. Acostumados a práticas culturais próprias, alguns chefes de família se negavam a trabalhar, preferindo, como seu costume, viver da “extorsão” dos demais.22 22 Sabino Tripoti declarou que esses italianos eram adeptos da prática da “camorra”, acusando-os de quererem viver sem trabalhar a partir da extorsão de seus conterrâneos. É provável que o termo tenha sido usado para se referir aos italianos do sul. Ou também pode ter sido utilizado genericamente para indicar comportamento violento e extorsivo, o que realmente pode ser encontrado no século XIX. Sobre esse assunto, temos a indicação do livro recentemente lançado: Storia delle camorre (SALES, 2022). Há um capítulo intitulado “Il significato della parola camorra” (2022, p. 89-104) que explica as origens do termo e bem se aplica à situação narrada por Sabino Tripoti. Porém, seria interessante entender melhor o conflito por meio de outros documentos, uma vez que situações de chegada de grupos etnicamente diferentes tendiam a causar conflitos, geralmente desprezados por autoridades nacionais e, especialmente, por empresários. O Estado tentava separar etnias diferentes ou até quem praticava religião distinta, mas, nas colônias particulares, tal questão não era necessariamente avaliada, pelo menos até os conflitos surgirem. Para aprofundar o entendimento a respeito, sugerimos a leitura de: Seyferth (1999). É importante ressaltar que as “acusações” do empresário Tripoti aos imigrantes “lucanos” por questões étnicas podem estar imersas em preconceitos e senso comum da época. Frente a isso, Sabino Tripoti afirmou ter tentado impedir que tal “tradição” se perpetuasse ([1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 26-27), causando a primeira revolta entre os colonos que passaram a insuflar outros a abandonar a Colônia Alessandra - o que de fato ocorreu. Quando esse problema chegou aos deputados do Paraná, esses aprovaram um auxílio financeiro de 6 meses aos colonos revoltosos, além do pagamento de transporte para outra colônia. Essa postura dos deputados da Província deixou o empresário com a sua autoridade moral abalada. O episódio deu início a uma relação pouco amistosa entre Tripoti e os deputados paranaenses.

As colônias privadas, como a administrada por Tripoti, recebiam a concorrência das colônias do Império. Uma situação exemplifica bem essa competição: em Gênova, no ano de 1875, estava tudo pronto para o embarque de 250 famílias, mais ou menos mil pessoas, para a colônia Alessandra. Por telégrafo, Sabino Tripoti foi surpreendido por uma ordem da Diretoria Geral de Imigração do Brasil, que afirmava que tais pessoas não iriam para a sua colônia, mas para as do Estado (TRIPOTI, [1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 30). Indignado, o empresário protestou junto às autoridades competentes na corte argumentando que havia feito investimento para agenciar tais famílias, mobilizado esforços do irmão, mas, por ordem do Diretor Geral de Imigração do Brasil, os imigrantes não viriam para a Colônia Alessandra. Suas solicitações foram ignoradas.

Em outro caso, em julho de 1876, 350 famílias haviam sido agenciadas por Giacomo Grassi, que trabalhava para Tripoti na Itália, e aguardavam o embarque em Gênova. Para que o embarque se efetivasse, faltava por parte do governo brasileiro as garantias para a viagem e posterior transporte para a Colônia Alessandra. Enquanto o valor não era autorizado pelo Império, os emigrantes aguardavam no porto, gastando seus recursos e sujeitos a assédios variados, como aquele de embarcar para a América por meio de outro contratante que os destinaria para colônias públicas no Brasil. As 350 famílias não foram destinadas à Colônia Alessandra (TRIPOTI, [1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 36-37). Não é preciso muita análise para constatar que Sabino acumulava perdas com tantos contratempos.23 23 Ao todo, Tripoti perdeu 449 imigrantes para o empresário brasileiro Joaquim Caetano Pinto, além de 575 tomados pelos empresários Chiodini e Cittadini que enviaram aqueles para os Estados Unidos e parte para a Argentina (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 37). Além de prejuízos materiais, o empresário começava a sofrer oposição na imprensa italiana, que denunciava as ações de agentes e subagentes da emigração, acusando-os de pensarem apenas nos lucros advindos do arrolamento de famílias camponesas para emigrarem.

Além dessa concorrência entre colônias públicas e privadas, a espera demorada dos emigrantes nos portos italianos acabava causando problemas de ordem social, por vezes envolvendo polícia. Esses “tumultos” serviam de argumentos para os opositores da emigração, contrários à saída de súditos italianos da recém-criada nação. Os jornalistas italianos que davam cobertura à emigração acabavam por ter fatos concretos para atacar as empresas migratórias, fornecendo material abundante para que as autoridades tomassem medidas cada vez mais restritivas à emigração dos italianos.

De acordo com o advogado Giovanni Florenzano (1874FLORENZANO, Giovanni. Della emigrazione italiana in America comparata alle altre emigrazione europee. Napoli: Giannini, 1874., p. 169), contemporâneo dos fatos, mediadores e agentes iludiam os camponeses com falsas notícias, eram “instigadores” que apresentavam “as riquezas americanas, promessas de salários exagerados, rápida fortuna e abundância de alimento, cegando os olhos dos miseráveis camponeses” que se deixavam enganar. Empresários e seus agentes obtinham “lucros financeiros com a emigração”, verdadeira “árvore da Cocanha a que todos acessam impunemente”. Os “incitadores” da emigração estavam propiciando a “la malattia dell’emigrare”, segundo Florenzano (1874FLORENZANO, Giovanni. Della emigrazione italiana in America comparata alle altre emigrazione europee. Napoli: Giannini, 1874., p. 173-179).

Entre os críticos havia consenso em acreditar que os camponeses estavam em “transe”,24 24 O historiador Adriano Prosperi afirma que, no século XIX, havia entre a “classe burguesa” italiana um medo em relação aos camponeses, vistos como uma “classe perigosa”. Entre intelectuais, havia um debate se os camponeses eram uma “classe social” ou uma “raça”, discussão que se dava no contexto da aceitação da ideia de “Homem delinquente” de Cesare Lombroso (PROSPERI, 2019, p. 315-320). Independentemente do conceito, parecia haver uma unanimidade: os camponeses estavam mais aptos a serem iludidos pelas promessas de riqueza fácil na América. atingidos por uma febre ou doença migratória que fazia com que muitos abandonassem suas comunas de origem e se dirigissem, sem qualquer planejamento, para o porto genovês, causando aglomeração, tumultos e trazendo preocupações às autoridades daquela cidade. O motivo desta “febre” estaria ligado aos panfletos amplamente distribuídos nos campos italianos por agenciadores, prometendo viagens, terras e casas de graça e subsídios para quem fosse ao Brasil. Quando enfim chegavam, e talvez “iludidos” com tantas promessas, os camponeses não queriam ficar em colônias privadas (como a Alessandra), pois acreditavam que nas colônias do Estado poderiam obter mais vantagens e ter tudo gratuitamente.

Mesmo tendo sido subsidiados por empresários como Sabino Tripoti ([1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 61), muitos colonos se revoltaram e começaram a dizer que haviam sido enganados. As queixas pareciam ser um subterfúgio para deixarem uma colônia e irem para outra, cobrando do próprio empresário as despesas de transporte e se negando a ressarci-lo pelo investimento feito. Independentemente da condição das áreas coloniais, os contratos para a distribuição de lotes de terras aos imigrantes eram similares entre as públicas e privadas, devendo em ambos os lugares os italianos pagarem pelas propriedades recebidas. Porém, aos imigrantes parecia conveniente acreditar que nas públicas tudo era facilitado e gratuito.25 25 O que desejavam os imigrantes era permanecer em espaços onde tivessem liberdade para viver de acordo com normas próprias, garantirem a maior autonomia possível para gerirem as próprias vidas, viverem seus próprios costumes sem quaisquer interferências externas - leia-se, diretores de colônias ou autoridades públicas. Ao optarem pelo caminho da emigração, a expectativa dos italianos era de que nos espaços de colonização no Brasil pudessem ter livre-arbítrio e independência, ideia essa que pode ser resumida na frase “na Itália éramos servos, aqui, no Brasil, queremos ser senhores”!, declarou Paulo Rossato em carta para sua família no ano de 1884 (DE BONI, 1977, p. 59; VENDRAME, 2007, p. 25).

No ano de 1877, os ânimos ficaram mais exaltados na Colônia Alessandra. Com a chegada de novos imigrantes e imbuídos de um ardente desejo por garantir determinados benefícios e direitos, alguns colonos principiaram um motim. Liderados por nove tiroleses (oriundos do Tirol, região norte da Itália, mas que ainda pertencia, no século XIX, ao Reino católico da Áustria), começaram uma greve e até ameaçaram incendiar um armazém que guardava ferramentas e provimentos (TRIPOTI, [1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 72). Os revoltosos tiroleses queriam ir para colônias públicas de Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, onde acreditavam que não pagariam por nada. Esse comportamento, de acordo com Sabino Tripoti ([1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 67-68), se devia ao teor de uma circular que se difundiu na Itália por meio de um panfleto, que anunciava ser tudo gratuito para quem viesse ao Brasil. Porém, Tripoti argumentou que muitos italianos “fingiam acreditar” em tais promessas de gratuidade apenas para “reivindicar direitos que não estavam na lei” ([1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 68).

Tais problemas fizeram com que o empresário ficasse com a saúde abalada. Após recuperar-se, tentou tomar as rédeas da administração da Colônia Alessandra. Porém, mesmo após fazer concessões aos camponeses para que eles voltassem ao trabalho, nada surtiu efeito. Além disso, viu-se atingido por sérias acusações, gastando energia para refutar as graves afirmações feitas por um ex-deputado italiano que veio até o seu empreendimento colonial para averiguar pessoalmente a situação.26 26 Sabino Tripoti respondeu às críticas do livro de Marcone em um artigo publicado no Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 4 out. 1877, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_06/16892. Acesso em: 17 fev. 2023. Entendemos que a publicação do livro27 27 O ex-deputado Nicolò Marcone veio ao Brasil em 1876 para averiguar especificamente a situação dos colonos italianos. Suas impressões foram publicadas no livro Gli italiani al Brasile, publicado em Roma pela Tipografia Romana (MARCONE, 1877). de Nicolò Marcone na Itália, em 1877, foi um duro golpe à empresa e à pessoa de Tripoti, já que o ex-deputado teceu críticas à personalidade do empresário. Por fim, após prejuízos e agravamento da saúde, Tripoti enviou pedido ao governo do Paraná e ao Império para que o Estado tomasse para si a administração da Colônia Alessandra - o que de fato ocorreu em 13 de abril de 1877, com a rescisão do contrato entre o empresário e o Império brasileiro.28 28 BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 6.550, de 13 de abril de 1877. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-6550-13-abril-1877-548860-publicacaooriginal-64073-pe.html. Acesso em: 13 fev. 2023. A publicação da rescisão foi em 17 de maio de 1877 no Jornal Oficial do governo. O decreto da encampação é de n. 6.550, assinada pela princesa regente e Thomás José Coelho de Almeida (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 103).

Um mês antes, porém, o inspetor geral de Terras Públicas e Colonização, sr. Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves, fez uma visita à Colônia Alessandra. Logo após, a rescisão do contrato foi publicada, cabendo ao inspetor fazer uma proposta para a encampação da Colônia: 30 contos de réis, logo elevada a 50 contos. Sabino Tripoti não tinha como aceitar tal proposta, sendo que somente a dívida que tinha com bancos e outros empresários era de 105 contos de reis. Pediu, então, 70 contos de réis de indenização mais um valor por imigrante trazido para sua colônia conforme o contrato firmado em 1871: 80 mil réis por “cabeça”.29 29 Cláusula 16ª do Contrato firmado com o governo Imperial estipulava o valor de “80$000 por colono importado” (TRIPOTI, [1877] 2012). Cerca de 2 mil colonos teriam sido importados da Itália para a Colônia Alessandra.30 30 Segundo dados do governo e do próprio empresário, foram introduzidos na Colônia Alessandra 2.071 colonos entre 1874 e 1877. Tripoti recebeu do governo imperial a quantia total de 61:5000$000 (sessenta e um contos e quinhentos mil réis). Fazendo uma comparação com as demais colônias privadas do Paraná, o jornal O Cruzeiro, em 1878, chegaria à constatação de que o empreendimento de Sabino Tripoti foi o que menos custou aos cofres públicos, e apresentava melhores condições se comparado a outras colônias, inclusive as do Estado. Jornal O Cruzeiro, n. 202, 22 jul. 1878, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/238562/1064. Acesso em: 23 fev. 2023. De acordo com informação presente em seu livro Memórias sobre a Colônia Alessandra, o Império lhe devia o valor de 400 contos de réis (TRIPOTI, [1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 97, 107). A solicitação, levada ao Ministro da Agricultura, obviamente não foi aceita sob a alegação de que o empresário, “por carência de recursos e inobservância das obrigações contraídas”, não estava conseguindo cumprir com as cláusulas do contrato. Na sequência, o ministro ordenou que fosse realizada a hipoteca das propriedades de Sabino Tripoti para garantir o atendimento aos compromissos assumidos.31 31 BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 6.550, de 13 de abril de 1877. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-6550-13-abril-1877-548860-publicacaooriginal-64073-pe.html. Acesso em: 13 fev. 2023.

O fracasso da colônia Alessandra

É importante destacar que parte do sucesso dos empresários dependia de seus contatos na Itália, e não poucos acionaram ou criaram uma teia de relações capaz de arregimentar camponeses que estavam interessados na emigração. A serviço do empresário estavam seus agentes, também chamados de “prepostos”, que atuavam como propagandistas da emigração nas vilas e povoados e que mantinham contato com autoridades nas cidades e companhias de navegação com o objetivo de preparar tudo para o embarque dos emigrantes. Havia ainda os subagentes, mais ligados às comunidades e que mantinham uma relação de proximidade com os camponeses, gozando da confiança desses. O subagente podia ser um camponês alfabetizado, que escrevia para o agente ou mesmo para o diretor de uma companhia de navegação tentando organizar a partida da parentela e/ou vizinhança; podia ser um professor, um advogado, o prefeito e até o sacerdote da paróquia. Além da propaganda local, esses subagentes criavam listas de pessoas desejosas de emigrar; agentes e subagentes organizavam o transporte da vila de origem até o porto, davam assistência aos emigrantes até o momento do embarque; o subagente que se colocava como incentivador da emigração não poucas vezes partia junto com os camponeses. O trabalho dos referidos personagens foi essencial para que os deslocamentos para a América se tornassem um movimento de massa.

Autoridades italianas denunciavam as atividades de agentes e subagentes da emigração nas comunas da região do Vêneto, norte da Itália, acusando-os de “enganarem com falsas informações e fraude os camponeses”. Muitos deles se tornaram réus em processos-crime, e, por meio dessa documentação policial e judicial, foi possível perceber como os deslocamentos eram organizados, a atuação dos subagentes em contextos migratórios específicos, a importância das relações de confiança entre as pessoas que se colocavam como subagentes e as famílias que tomavam a decisão de emigrar (VENDRAME, 2016VENDRAME, Maíra I. O poder na aldeia: redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre os camponeses italianos (Brasil-Itália). São Leopoldo: Oikos, 2016.; 2017VENDRAME, Maíra I. Em busca da República de Deus: revoltas camponesas e agentes de emigração no norte italiano (século XIX). Revista Tempo, v. 23, n. 1, p. 23-42, jan./abr. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tem/v23n1/1980-542X-tem-23-01-00022.pdf. Acesso em: 19 jun. 2023.
http://www.scielo.br/pdf/tem/v23n1/1980-...
).32 32 Para pensar a atuação dos agentes e subagentes da emigração em território italiano, especialmente para compreender o que garantia o sucesso das ações de muitos desses no que se refere aos deslocamentos das famílias camponesas, ver: Brunello (1983, p. 138-174); Vendrame (2016, p. 103-156; 2017, p. 23-42).

O empresário Sabino Tripoti, através do trabalho de seus agentes, difundiu notícias sobre as vantagens oferecidas na Colônia Alessandra para as famílias camponesas. Em 1876, Giacomo Grassi intensificou a propaganda na região de Mântua, na Lombardia, fazendo com que muitos se organizassem para partir. Ao ser informado das iniciativas do referido promotor da emigração, um Ministro italiano escreveu para o prefeito de Mântua ressaltando positivamente “as condições daquela colônia [Alessandra]”, afirmando que “são bastante prósperas” e que o agente “Giacomo Grassi havia provado ter procuração regular de Tripoti para fechar contratos com indivíduos que desejam se deslocar para a mesma colônia”. Por conta disso estava disposto a não impor obstáculos à saída de camponeses. Os passaportes para o exterior deviam ser concedidos pelo prefeito de Mântua “para os camponeses que haviam firmado contrato para emigrar”33 33 Trad. livre dos autores: “Le condizioni di quella colonia sono abbastanza prosperose. L'agente Giacomo Grassi aveva dimostrato di avere una procura regolare da Tripoti per chiudere contratti con individui che desiderano trasferirsi nella stessa colonia. Di conseguenza, sono disposto a non imporre ostacoli alla partenza dei contadini. I passaporti per l'estero dovevano essere concessi dal sindaco di Mantova ai contadini che avevano stipulato un contratto per emigrare.” (GANDINI, 2000GANDINI, Marco. Questione sociale ed emigrazione nel Mantovano - 1873-1896. Mantova: Associazione Mantovani nel Mondo; Sometti, 2000., p. 33).

Após essa permissão, novos contratos foram estabelecidos com as famílias camponesas de Mântua para se dirigirem à Colônia Alessandra. Nos jornais era comunicada a partida das famílias, consideradas todas elas compostas por pessoas “sem doenças e robustas”. Uma “mania de emigrar ao Brasil”, provocada pela atuação de Giacomo Grassi, fez com que algumas autoridades passassem a coibir o alistamento de emigrantes por parte do representante de Sabino Tripoti (GANDINI, 2000GANDINI, Marco. Questione sociale ed emigrazione nel Mantovano - 1873-1896. Mantova: Associazione Mantovani nel Mondo; Sometti, 2000., p. 35-36). Frente a esse cenário, muitas famílias, organizadas em pequenos grupos, partiram para Gênova sem firmar contrato com o referido agente, esperando que lá pudessem receber assistência dele para embarcar com destino à Colônia Alessandra.

Por outros meios, camponeses buscavam se informar sobre as maneiras e momentos certos de fazer a travessia atlântica, deslocando-se de suas comunidades para o porto genovês. Nem sempre havia passagem gratuita para aqueles que desejavam emigrar, o que fazia com que, muitas vezes, um número grande de camponeses ficasse no ócio, demandando vigilância das autoridades. Em pouco tempo, prefeitos pararam de emitir passaportes, fazendo com que os camponeses saíssem das comunas sem a documentação necessária ou garantias de que conseguiriam o almejado embarque para a América. E esse movimento se dava, principalmente, por portos de fora do território italiano, uma vez que os camponeses não possuíam passaporte ou autorização para a viagem a partir do porto de Gênova (GANDINI, 2000GANDINI, Marco. Questione sociale ed emigrazione nel Mantovano - 1873-1896. Mantova: Associazione Mantovani nel Mondo; Sometti, 2000., p. 40-41). Embora existente por outros motivos, a “emigração clandestina” parece ter alcançado novos patamares com a política de colonização.34 34 É preciso uma pesquisa mais aprofundada e comparativa para averiguarmos os vários motivos da “emigração clandestina”. Sabemos que está ligada a questões como o serviço militar e à imigração espontânea. Contudo, a saída clandestina de famílias camponesas parece ter alcançado níveis preocupantes nesse contexto da década de 1870 - ao menos era o que denunciavam homens contemporâneos aos fatos, como Giovanni Florenzano (1874) e Nicolò Marcone (1877), e atestado por historiadores como Brunello (1983) e Gandini (2000). Agentes e subagentes passaram a ser alvos da imprensa e vigiados pelas autoridades polícias e judiciais, uma vez que eram acusados de espalhar notícias falsas sobre a América e vantagens inexistentes.35 35 Crítico ao papel destes “propagadores de mentiras”, Giovanni Florenzano (1874, p. 171-73, 179) apontava que todo esse movimento de emigração não era “natural”, pois era impulsionado por sujeitos que “iludem os camponeses com falsas promessas” unicamente para obterem “lucros financeiros”. Verdadeira “febre da emigração”, segundo ele.

Críticas às colônias fundadas no Brasil eram publicadas na impressa e em livros, a exemplo do que fez o ex-deputado italiano Nicolò Marcone em relação à Colônia Alessandra. Conforme aumentava os deslocamentos para a América, cresciam as campanhas nos jornais para desestimular as partidas. Em artigo intitulado “Agenti provocatori dell’emigrazione svelati al popolo delle campagne”, do ano de 1877, foi apresentado relato sobre a intensa presença dos agentes entre a população que vivia no campo. Com o objetivo de advertir os camponeses a não se deixar enganar, o texto afirmava que os agentes e subagentes eram o “ócio, a ignorância, a teimosia, a inveja, a ganância e todos os vícios que infestam o campo, vestidos com a máscara da aventura, da miséria e da fome”. O camponês era apresentado como “ignorante e vicioso e nutrido por um forte desejo de partir para a América”, que ingenuamente “acredita existir um lugar no mundo em que aqueles que não têm nada, encontram dinheiro fácil para gastar, ficando com as mãos na cintura”36 36 Trad. livre dos autores: “Gli agenti e i subagenti sono l'ozio, l'ignoranza, la testardaggine, l'invidia, l'avidità e tutti i vizi che infestano la campagna, vestiti con la maschera dell'avventura, della miseria e della fame. Il contadino è ignorante e vizioso e nutrito da un forte desiderio di partire per l'America, credendo ingenuamente che ci sia un posto nel mondo in cui coloro che non hanno nulla trovino facilmente denaro da spendere, rimanendo a mani vuote.” (CACCIANIGA, 1878CACCIANIGA, Antonio. L’emigrazione. L’ Eco del Sile. Periodico Settimanale Trevisano pel Popolo, Treviso,12 Gen. 1878., p. 171-173). Especialmente entre intelectuais, políticos, jornalistas e proprietários rurais, todos eles contemporâneos do fenômeno migratório na Itália da década de 1870, havia a certeza de que entre os camponeses existia uma “esperança que agita fortemente a fantasia popular”: a que de “servos se tornariam patrões na América”37 37 Trad. livre dos autores: “Speranza che agita fortemente la fantasia popolare: dai servi diventeranno padroni in America.” (CACCIANIGA, 1878CACCIANIGA, Antonio. L’emigrazione. L’ Eco del Sile. Periodico Settimanale Trevisano pel Popolo, Treviso,12 Gen. 1878., p. 171-173).

A questão Tripoti

No ano de 1877, logo após a encampação da Colônia Alessandra, o governo italiano pediu a extradição de Sabino Tripoti por crime cometido na década anterior. O Império brasileiro atendeu rapidamente a solicitação, apesar dos protestos do empresário que alegava que o suposto crime a ele atribuído teria ocorrido antes da assinatura do Tratado de Extradição entre Brasil e Itália, de 1872. Sabino reclamava que o Império “contrariava o espírito e a letra” ao aceitar a sua extradição.38 38 A REGENERAÇÃO. Jornal da Província de Santa Catarina, n. 931, 10 jan. 1878, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/892068/2654. Acesso em: 13 fev. 2023. Como o ato criminoso imputado ao italiano se encontrava entre os que previam extradição - n. 8 do Art. 3º do Tratado, ligado a roubo e “má administração de dinheiro público” -, após ser decretada a prisão pela Legação da Itália, o empresário foi enviado para Nápoles para ser julgado.39 39 Art. 3º, n. 8 - “Peculato ou malversação de dinheiro público; estelionato ou subtração de dinheiro, fundos e quaisquer títulos de propriedade pública ou particular por pessoas a cuja guarda estejam confiadas ou que sejam associadas ou empregadas no estabelecimento em que o crime ou delito foi cometido” (BRIGGS, 1909, p. 209).

Considerado inocente das acusações, Tripoti retornou para o Brasil em agosto de 1878, certamente para dar continuidade à sua luta por indenização contra o Império brasileiro pelos prejuízos que teve na Colônia Alessandra.40 40 No jornal O Cruzeiro, n. 245, 3 set. 1878, p. 3, Sabino Tripoti comunica seu retorno ao Brasil, portando uma certidão de inocência do Superior Tribunal de Justiça da Itália. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/238562/1240. Acesso em: 23 fev. 2023. No ano de 1882, a esposa de Sabino Tripoti, na condição de viúva, é que aparece demandando a indenização de 200 contos de réis que já havia sido arbitrada e aprovada por juízes brasileiros e que deveria ser paga pelo Império.41 41 Nota do Governo Italiano à Legação Imperial, Roma 5 jul. 1882. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Terceira Sessão da Décima Oitava Legislatura pelo Ministro e Secretário do Estado dos Negócios Estrangeiros Lourenço Cavalcanti de Albuquerque. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1883, p. 60-62. Disponível em: https://antigo.funag.gov.br/chdd/images/Relatorios/Relatorio_1882.pdf. Acesso em: 13 fev. 2023. Quanto ao empresário, foi uma surpresa a notícia de seu falecimento, aos 42 anos. Infelizmente, até o momento, não sabemos os motivos da morte ocorrida em um manicômio em Gênova. Foi por conta do falecimento de Sabino Tripoti que as autoridades italianas, em nome da viúva, solicitaram o cumprimento da ordem de pagamento da indenização ao Império brasileiro, em 1882.

Nos dois anos seguintes, várias Notas Oficiais foram trocadas entre o governo italiano e o brasileiro sobre a questão da indenização ainda não paga. Formou-se um embaraço diplomático entre as nações. De acordo com o embaixador da Itália no Brasil, a “falta de uma resolução satisfatória (...) feria os mais altos sentimentos da justiça internacional”, já que dizia respeito aos “interesses de um súdito estrangeiro seriamente comprometidos”.42 42 Nota da Legação Italiana ao Governo Imperial, Petrópolis, 19 mar. 1883. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Terceira Sessão da Décima Oitava Legislatura pelo Ministro e Secretário do Estado dos Negócios Estrangeiros Lourenço Cavalcanti de Albuquerque. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1883, p. 65-67. Disponível em: https://antigo.funag.gov.br/chdd/images/Relatorios/Relatorio_1882.pdf. Acesso em: 13 fev. 2023. Havia interesse por parte das autoridades brasileiras de que a “Questão Tripoti” fosse resolvida para que não houvesse prejuízos à imagem do Brasil no exterior, principalmente na Itália, pois o Império queria continuar atraindo imigrantes para o seu território. Mesmo assim, somente em agosto de 1884 os deputados brasileiros autorizaram a concessão dos 200 contos de réis43 43 ANNAES do Parlamento Brasileiro (RJ) - 1826 a 1888, Sessão em 30 ago. 1884, p. 181. Crédito de 200:000$ para pagamento de indenização, determinada por arbitramento, a Sabino Tripoti. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/132489/79647. Acesso em: 16 fev. 2023. , colocando fim aos impasses em relação à indenização devida ao empresário fundador da Colônia Alessandra.44 44 As discussões dos deputados em relação à “questão Tripoti” podem ser acompanhadas nos Annaes do Parlamento Brasileiro (RJ) - 1826 a 1888. Sessão de 7 jul. 1884, p. 40-42. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/132489/79096. Acesso em: 16 fev. 2023.

Fatores de uma história de fracasso

Podemos elencar alguns fatores que levaram a Colônia Alessandra ao fracasso. O primeiro deles foi a revolta dos imigrantes: primeiro os originários da Basilicata; depois, os tiroleses (norte da Itália/sul da Áustria). Conseguir que as famílias permanecessem nos lotes coloniais foi um dos principais desafios de empresários como Tripoti. Isso porque nem sempre as expectativas dos imigrantes se conjugavam com os objetivos dos diretores das colônias, principalmente as privadas. Contudo, se os problemas do empresário tivessem ficado resumidos aos tumultos provocados pelos tiroleses e os lucanos (originários da Basilicata), talvez fosse menos difícil resolver os impasses surgidos.

A Colônia Alessandra parecia sofrer uma forte concorrência das colônias públicas, que tinham a preferência das autoridades imperiais e provinciais. Essa hipótese ganha credibilidade pelo fato de Tripoti não ter recebido os valores prometidos nos momentos certos ou mesmo nem ter recebido; não havia sincronia, ou boa-vontade, por parte da burocracia do Estado e as necessidades do empresário. É importante mencionar que ninguém recebia valores do Estado a não ser que houvesse intermediação de políticos ou parceiros; no caso de Tripoti, seus “padrinhos” haviam sido o Cônsul brasileiro em Buenos Aires, Sr. Comendador Carvalho Borges, e o Cônsul italiano na corte, Barão A. Cavalchini. Devido à sua experiência com as colônias na República argentina, Tripoti teve seu projeto lido e aprovado pelo Ministro da Agricultura, Sr. Theodoro Machado Freire Pereira da Silva, em junho de 1871. Porém, mesmo tendo abertas às portas para que recebesse verbas públicas para o início do empreendimento, posteriormente a situação não pareceu tão favorável. Para agravar, o apoio prometido pela província do Paraná para construção de estradas, pontes e outras benfeitorias, não fora cumprido, assim como a falta de efetivo policial a cada vez que atos de revolta surgiam em sua colônia. Além disso, os deputados provinciais aprovavam benefícios às colônias públicas próximas à Colônia Alessandra, privilégios que essa não recebia, como dinheiro para a construção de escolas.45 45 Tripoti se referia às colônias públicas Pereira e Eufrasina, próximas à sua.

A falta de apoio a Tripoti por parte das autoridades do Paraná é um dos fatores que se deve considerar no caso do fracasso da Colônia Alessandra. Porém, tais problemas não eram exclusivos do empreendimento de Tripoti, conforme é possível verificar em estudos que analisam as colônias públicas e privadas nos estados do sul do Brasil, na segunda metade do século XIX.46 46 Para compreensão sobre os empreendimentos públicos e privados nas províncias do Sul do Brasil, ver: Tedesco e Neumann (2023). A relação entre o campo de estudos da história ambiental e as migrações é discutida nas diferentes pesquisas que compõem a obra História ambiental e migrações: diálogos (GERHARDT; NODARI; MORETTO, 2017). Além da Colônia Alessandra, outras foram encampadas pelo governo imperial nos últimos anos da década de 1870, inclusive na Província do Paraná. O encampamento de várias delas indica uma guinada nas políticas de colonização do Império do Brasil, mudanças de regras que seria padrão a partir de então, o que gerou conflitos entre colonos e administração imperial culminando em uma crise do Estado agravada por outros problemas (MACHADO, 1999MACHADO, Paulo P. A política de colonização do Império. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999., p. 103-123). As políticas migratórias da década de 1870 foram mais um aprendizado para o Império, que investiu vultosas quantias para implementar seu projeto de incentivar a colonização europeia em seu território, objetivando, para breve, que as migrações espontâneas tomassem o lugar das subsidiadas.

Os gastos públicos para a colonização, apontados como elevados por vários deputados, estavam gerando outro problema: o de imigrantes que se acreditavam “pensionistas do Estado”,47 47 “Colonização”. Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 6 abr. 1878, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_06/18157. Acesso em: 17 fev. 2023. ou seja, queriam ficar recebendo benefícios sem qualquer contrapartida. Os deputados debatiam sobre os casos de imigrantes que ganhavam valores indenizatórios (pensão) por terem abandonado colônias privadas, como a Alessandra, sob argumentos de promessas não cumpridas e por más condições de vida no local. Havia, certamente, uma expectativa dos imigrantes que construíram um imaginário da imigração: a de que no Brasil era tudo de graça e que aqui poderiam viver livres de quaisquer autoridades. Se muitos italianos “fingiam acreditar” em tais promessas de liberdade e gratuidade nas colônias apenas para “reivindicar direitos que não estavam na lei” (TRIPOTI, [1877] 2012TRIPOTI, Sabino. Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná [1877]. In: CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012., p. 68), o fato é que o Estado brasileiro despendeu quantias nada desprezíveis com eles na década de 1870.

Do outro lado, havia as expectativas dos empresários que, tendo seus planos fracassados, tiveram empreendimentos encampados, e imaginaram que poderiam sair “livres” do negócio, sem pagar nada de multa ou rescisão ao Império. É importante entender que a colonização particular não era tão “particular” assim, já que os recursos do Estado garantiam parte significativa dos negócios. A fundação da Colônia Alessandra foi apenas um dos empreendimentos que faziam parte da política de colonização do Império do Brasil que foi revista a partir de 1877.

As políticas migratórias adotadas pelo Decreto de 186748 48 BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 3.784, de 19 de janeiro de 1867. Aprova o Regulamento para a criação de Colônias de Estado. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3784-19-janeiro-1867-553854-publicacaooriginal-72121-pe.html. Acesso em: 4 maio 2023. acabaram por penalizar os cofres públicos e alguns empresários, como Sabino Tripoti. Esse passou a buscar junto às autoridades do Estado brasileiro indenização pelos investimentos realizados, e não descartamos que os problemas enfrentados pelo empresário tenham prejudicado a sua saúde, levando-o ao falecimento no início de 1882. E ainda: mesmo tendo ganhado na justiça o direito de 200 contos de réis como ressarcimento, o atraso no pagamento da indenização fez com que Sabino Tripoti falecesse endividado, na miséria possivelmente, terminando seus dias em um manicômio em Gênova.

Considerações finais

Entendemos que a análise de um percurso e o estudo de uma experiência de fracasso permitem apreender contextos e práticas não possíveis de serem percebidas em outras situações, apontando para os diferentes problemas ligados à colonização do Brasil da segunda metade do século XIX. Ao se optar por estudos de trajetórias, no caso a de um empresário envolvido com a e/imigração e a fundação de colônias, o que buscamos é trazer novos elementos para compreender as dinâmicas migratórias e as situações marcadas por imprevistos, dificuldades, tensões e impasses que envolveram distintos atores, localizados em diferentes lugares de ambos os lados do Atlântico. Casos excepcionais ajudam a refletir sobre uma variedade de problemas de ordem administrativa, política, econômica, ambiental e sociocultural de nível mais geral ligadas à imigração e colonização das terras públicas no Império.

O sucesso ou o fracasso das colônias destinadas aos italianos no Brasil dependeram de fatores que passavam pelas políticas mutáveis adotadas pelo Império, movidas por jogos de interesses, redes de relações e concorrência entre as colônias públicas e privadas. Alguns empresários foram bem-sucedidos; outros, contudo, não conseguiram levar adiante seus projetos. O negócio das migrações gerou uma máquina de muitas engrenagens, que somente o estudo de percursos individuais e casos particulares permite compreender de maneira complexa e profunda.

Um dos próximos passos desta pesquisa é mapear as parcerias econômicas dos empresários que se utilizaram das verbas públicas para arregimentar imigrantes na Europa. Com base em indícios documentais - como o Memorial de Sabino Tripoti e jornais do período -, nossa hipótese é que o negócio das migrações foi lucrativo para aqueles que possuíam um capital social capaz de colocá-los em uma situação privilegiada no jogo de poder na Corte e nas províncias, adaptando-se às constantes mudanças das regras na política de colonização do Império e, posteriormente, da República. A continuidade da reconstrução de trajetórias como a de Sabino Tripoti pode revelar maiores detalhes das sociedades de investidores ligadas aos empresários no processo nacional de colonização.

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    Para entendimento da colonização italiana no Sul do Brasil, bem como a emigração da península para os espaços rurais e urbanos do território brasileiro, destacam-se: Grosseli (1987)GROSSELI, Renzo. M. Vencer ou morrer: camponeses trentinos (venetos e lombardos) nas florestas brasileiras. Florianópolis: Ed. UFSC, 1987., Alvim (1986)ALVIM, Zuleika. M. F. Brava gente! Os italianos em São Paulo. São Paulo: Brasilense, 1986., Vangelista (1991)VANGELISTA, Chiara. Os braços da lavoura: imigrantes e “caipiras” na formação do mercado de trabalho paulista (1850-1930). São Paulo: Hucitec, 1991., Franzina (2006)FRANZINA, Emilio. A grande emigração: o êxodo dos italianos do Vêneto para o Brasil. Campinas: Ed. da Unicamp, 2006., Gonçalves (2012)GONÇALVES, Paulo C. Mercadores de braços: riqueza e acumulação na organização da emigração europeia para o Novo Mundo. São Paulo: Alameda, 2012. e Vendrame (2016)VENDRAME, Maíra I. O poder na aldeia: redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre os camponeses italianos (Brasil-Itália). São Leopoldo: Oikos, 2016..
  • 2
    BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 3.784, de 19 de janeiro de 1867. Aprova o Regulamento para a criação de Colônias de Estado. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3784-19-janeiro-1867-553854-publicacaooriginal-72121-pe.html. Acesso em: 4 maio 2023.
  • 3
    A literatura a respeito desse tema garante que o aspecto racial era determinante nas políticas do Estado brasileiro, a exemplo da Lei de Terras e a “proibição” de escravos em colônias de imigrantes. As discussões promovidas pelo Senador Vergueiro, ainda nos anos 1840 e 1850, também tinham forte conotação racial. Como sugestão para quem deseja se aprofundar no assunto, indicamos: Ribeiro (2020)RIBEIRO, Anna L. R. C. Racismo estrutural e aquisição de propriedade: uma ilustração na cidade de São Paulo. São Paulo: Contracorrente, 2020..
  • 4
    Sobre os conflitos no oeste paulista entre imigrantes e negros no período do pós-abolição, destacam-se as pesquisas de Karl Monsma (2007MONSMA, Karl. Identidades, desigualdade e conflito: imigrantes e negros em um município do interior paulista, 1888-1914. História Unisinos, v. 11, n. 1, 2007, p. 111-116. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/download/5881/3067/18178. Acesso em: 26 set. 2022.
    http://revistas.unisinos.br/index.php/hi...
    ; 2016MONSMA, Karl. A reprodução do racismo: fazendeiros, negros e imigrantes no oeste paulista, 1880-1914. São Carlos: EdUFCar, 2016.), em que utiliza as fontes criminais para perceber as relações entre os estrangeiros de origem europeia e os negros. Investiga a maneira como os primeiros buscavam garantir posição e reconhecimento perante a população negra.
  • 5
    Entendemos empresários aqueles que efetivamente possuíam uma logística privada da imigração, que tinham agentes e subagentes recrutadores na Europa e recebiam terras do Estado para levar adiante a colo-nização. No entender de Bosenbecker e Truzzi (2022BOSENBECKER, Patrícia; TRUZZI, Oswaldo. Os engajadores de imigrantes: empresários recrutadores no processo de imigração e colonização (1850-1914). In: KARSBURG, Alexandre.; VENDRAME, Maíra Ines; CARNEIRO, Deivy (orgs.). Práticas de micro-história: diversidade de temas e objetos de um método historiográfico, v. 1. São Leopoldo: Oikos, 2022. p. 740-756., p. 744-745), havia outras modalidades de empresários, como os que não se envolviam com o recrutamento de imigrantes, mas promoviam o loteamento de terras para colonizar certas áreas. Esses podiam ser fazendeiros, grandes comerciantes ou até mesmo políticos.
  • 6
    Os subagentes podiam ser padres, professores e, às vezes, um camponês que sabia ler e escrever. O mais importante é que era alguém que tinha a confiança dos camponeses. Sobre o papel dos subagentes nos campos italianos, consultar: Brunello (1983BRUNELLO, Piero. Agenti di emigrazione, contadini e immagini dell’America nella provincia de Venezia. In: FRANZINA, Emílio (org.). Un altro Veneto. Saggi e studi di storia dell’emigrazione nei secoli XIX e XX. Abano Terme: Francisci, 1983. p. 138-174., p. 138-174) e Vendrame (2016VENDRAME, Maíra I. O poder na aldeia: redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre os camponeses italianos (Brasil-Itália). São Leopoldo: Oikos, 2016., p. 103-156; 2017, p. 23-42).
  • 7
    Essa é uma das principais fontes do presente artigo, e trata-se de um memorial escrito pelo italiano -Sabino Tripoti, em 1877. O material, composto por 106 páginas, encontra-se publicado na integra na obra de -Cavanha (2012)CAVANHA, Jussara. N. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012..
  • 8
    BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 3.784, de 19 de janeiro de 1867. Aprova o Regulamento para a criação de Colônias de Estado. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3784-19-janeiro-1867-553854-publicacaooriginal-72121-pe.html. Acesso em: 11 fev. 2023. Segundo Paulo Pinheiro Machado, os regulamentos que passaram a reger as colônias do Império são resultados “de um acúmulo de experiências em colonização” pelo “número de artigos e no grau de especificidade e detalhe dos problemas a serem evitados”. Para mais detalhes do Regulamento, consultar: Machado (1999MACHADO, Paulo P. A política de colonização do Império. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999., p. 83-123).
  • 9
    Informações sobre atuação de algumas dessas pessoas que estabeleceram contratos com o Império brasileiro são mencionadas por Emilio Franzina na introdução do livro que publicou o Diário do italiano Enrico Secchi (FRANZINA, 1998FRANZINA, Emilio. Introduzione. Un sogno: la Merica! I miei 56 anni di Brasile. Diario di Enrico Secchi. Modena: Baraldini, 1998., p. 14-45). Ver também: Gandini (2000)GANDINI, Marco. Questione sociale ed emigrazione nel Mantovano - 1873-1896. Mantova: Associazione Mantovani nel Mondo; Sometti, 2000..
  • 10
    BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 5.663, de 17 de junho de 1874. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5663-17-junho-1874-550343-publicacaooriginal-66255-pe.html. Acesso em: 12 dez. 2022. A política de atração pagava por imigrante, portanto, e dependendo do caso e contrato assinado, não pagava por pessoas inseridas fora da faixa etária ou característica determina. Esses pagamentos em geral eram chamados de “prêmios”. Tal política deveria ser bastante eficiente, pois os comissionados do processo queriam garantir o pagamento pelo trabalho realizado.
  • 11
    Há uma questão recorrente na literatura do tema: a diferença entre proprietários de colônias, diretores, empresários, engajadores e subagentes (aqueles que atraem os imigrantes diretamente do país de origem). Antes de 1870, boa parte dos “colonizadores” do país eram proprietários de colônias, mas não recrutavam imigrantes fora do país, pois o Estado fazia esse papel. Essa será uma das importantes alterações da política nacional de migração na década de 1870, fazendo surgir proprietários de colônias que recrutavam seus próprios imigrantes em países de destino (BOSENBECKER; TRUZZI, 2022BOSENBECKER, Patrícia; TRUZZI, Oswaldo. Os engajadores de imigrantes: empresários recrutadores no processo de imigração e colonização (1850-1914). In: KARSBURG, Alexandre.; VENDRAME, Maíra Ines; CARNEIRO, Deivy (orgs.). Práticas de micro-história: diversidade de temas e objetos de um método historiográfico, v. 1. São Leopoldo: Oikos, 2022. p. 740-756., p. 740-756), como o sujeito aqui analisado, Sabino Tripoti.
  • 12
    Temos ciência de que a política de colonização patrocinada pelo Império brasileiro não é o único processo de transferência em massa de europeus para o Brasil. Porém, nos parece inegável que será a partir dela que milhares de italianos/as chegarão, de forma espontânea ou patrocinados pelos cofres públicos, ao Brasil.
  • 13
    Giuseppe Mazzini (1805-1872) foi um pensador e político italiano, um dos principais defensores da Unificação da Itália no século XIX. Ele foi o fundador da organização secreta “Jovem Itália” e defendia a Unificação italiana através da luta armada e da criação de uma República Democrática. Suas ideias foram influentes na formação do movimento risorgimental italiano.
  • 14
    As informações sobre a trajetória de Sabino (muitas vezes grafado Savino) Tripoti enquanto empresário das migrações foram obtidas de um livro de sua autoria intitulado Memorial de Sabino Tripoti proprietário da Colônia Alessandra do Paraná. É importante destacar que Sabino escreveu tal obra, em 1877, como forma de defender sua honra e solicitar ressarcimento ao Império brasileiro após o fracasso da Colônia Alessandra, no Paraná. Interessante nesse livro é que ele trouxe inúmeros documentos primários, como relatórios técnicos de autoridades do Império, cartas e reportagens de jornais. O material foi usado em artigo para analisar a trajetória de dois imigrantes italianos no Paraná, Sabino Tripoti e Pietro Colbacchini (MACHIOSKI, 2021MACHIOSKI, Fábio L. As trajetórias de Savino Tripoti e Pietro Colbacchini: protagonistas dos (des)caminhos da imigração italiana no Paraná. In: 31º SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, Anais… Rio de Janeiro: ANPUH, p. 1-17, 2021.).
  • 15
    Tripoti (1877) afirmou em seu memorial que utilizou recursos próprios para essa primeira despesa.
  • 16
    A escolha pelo Paraná rendeu um segundo contrato, agora firmado com o governo paranaense, assinado em 22 de agosto de 1871, que garantia a construção, com recursos provinciais, de uma estrada de rodagem entre Paranaguá e Morretes que passaria pelo centro da colônia. Assim, “no dia 10 de fevereiro de 1872, principiarão os trabalhos coloniaes, e desse mesmo dia data a fundação da Colônia Alessandra” (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 8-9).
  • 17
    Como os repasses do governo imperial não estavam no prazo, Tripoti ia frequentemente à Corte para solicitar o cumprimento do contrato. Em 1872, pediu pequenas modificações no contrato original: Decreto nº 5.153 assinado em 5 de dezembro de 1872. Pelo mesmo motivo de atrasos por parte do governo imperial, o contrato passou por uma nova revisão: Decreto nº 5373, de 6 agosto de 1873. Por esse último decreto, Tripoti obrigava-se a: “I. transportar para o Imperio e a estabelecer dentro do prazo de seis anos, contados da data do presente decreto, quinhentas familias ou dous mil e quinnhentos immigrantes da Allemanha e Italia para a fundação de uma ou mais colonias agricolas e industriaes. II. Os immigrantes serão escolhidos entre agricultores e trabalhadores ruraes que se recommendem por sua dedicação ao trabalho e moralidade, e se achem em boas condições de saude, prefedindo-se os que possuirem algum capital. Será permittido comprehender no número indicado, em proporção de 10% indivíduos que não sejam lavradores”. BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 5373 de 6 de agosto de 1873. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5373-6-agosto-1873-551513-publicacaooriginal-68041-pe.html. Acesso em: 17 fev. 2023.
  • 18
    Contrato do Império do Brasil com Sabino Tripoti, 7 de junho de 1872. Memorial sobre a Colônia Alessandra (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 2-5).
  • 19
    Disputas pelos imigrantes chegados ou em vias de chegar pareciam ser bastante comuns, já que envolviam, quase sempre, “direitos” por quem “verdadeiramente” engajou (contratou) os imigrantes. Ao que parece, certos agentes, tanto nas localidades de destino quanto nos portos de embarque, trabalhavam para mais de um empresário ou governo ao mesmo tempo, e isso certamente confundia ainda mais a situação.
  • 20
    Tripoti afirma que, dos 313 que estavam sob a sua responsabilidade, um faleceu na viagem, e outros nove ficaram no Rio de Janeiro (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 26).
  • 21
    Lucanos é como são conhecidos os habitantes da região da Basilicata, que fica no sul da Itália, entre a Puglia e a Calábria.
  • 22
    Sabino Tripoti declarou que esses italianos eram adeptos da prática da “camorra”, acusando-os de quererem viver sem trabalhar a partir da extorsão de seus conterrâneos. É provável que o termo tenha sido usado para se referir aos italianos do sul. Ou também pode ter sido utilizado genericamente para indicar comportamento violento e extorsivo, o que realmente pode ser encontrado no século XIX. Sobre esse assunto, temos a indicação do livro recentemente lançado: Storia delle camorre (SALES, 2022SALES, Isaia. Storie delle Camorre. Passato e Presente. Soveria Manelli: Rubbettino, 2022.). Há um capítulo intitulado “Il significato della parola camorra” (2022, p. 89-104) que explica as origens do termo e bem se aplica à situação narrada por Sabino Tripoti. Porém, seria interessante entender melhor o conflito por meio de outros documentos, uma vez que situações de chegada de grupos etnicamente diferentes tendiam a causar conflitos, geralmente desprezados por autoridades nacionais e, especialmente, por empresários. O Estado tentava separar etnias diferentes ou até quem praticava religião distinta, mas, nas colônias particulares, tal questão não era necessariamente avaliada, pelo menos até os conflitos surgirem. Para aprofundar o entendimento a respeito, sugerimos a leitura de: Seyferth (1999)SEYFERTH, Giralda. Colonização e conflito: estudo sobre “motins” e “desordens” numa região colonial de Santa Catarina no século XIX. In: SANTOS, José V. T. dos (org). Violências nos tempos da globalização. São Paulo: Hucitec, 1999.. É importante ressaltar que as “acusações” do empresário Tripoti aos imigrantes “lucanos” por questões étnicas podem estar imersas em preconceitos e senso comum da época.
  • 23
    Ao todo, Tripoti perdeu 449 imigrantes para o empresário brasileiro Joaquim Caetano Pinto, além de 575 tomados pelos empresários Chiodini e Cittadini que enviaram aqueles para os Estados Unidos e parte para a Argentina (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 37).
  • 24
    O historiador Adriano Prosperi afirma que, no século XIX, havia entre a “classe burguesa” italiana um medo em relação aos camponeses, vistos como uma “classe perigosa”. Entre intelectuais, havia um debate se os camponeses eram uma “classe social” ou uma “raça”, discussão que se dava no contexto da aceitação da ideia de “Homem delinquente” de Cesare Lombroso (PROSPERI, 2019PROSPERI, Adriano. I contadini: una classe sociale o una razza? In: Un volgo disperso: contadini d’Italia nell’Ottocento. Torino: Einaudi, 2019. p. 315-320., p. 315-320). Independentemente do conceito, parecia haver uma unanimidade: os camponeses estavam mais aptos a serem iludidos pelas promessas de riqueza fácil na América.
  • 25
    O que desejavam os imigrantes era permanecer em espaços onde tivessem liberdade para viver de acordo com normas próprias, garantirem a maior autonomia possível para gerirem as próprias vidas, viverem seus próprios costumes sem quaisquer interferências externas - leia-se, diretores de colônias ou autoridades públicas. Ao optarem pelo caminho da emigração, a expectativa dos italianos era de que nos espaços de colonização no Brasil pudessem ter livre-arbítrio e independência, ideia essa que pode ser resumida na frase “na Itália éramos servos, aqui, no Brasil, queremos ser senhores”!, declarou Paulo Rossato em carta para sua família no ano de 1884 (DE BONI, 1977DE BONI, Luís Alberto (org.). La Mérica: escritos dos primeiros imigrantes italianos. Caxias do Sul: UCS; Porto Alegre: EST, 1977., p. 59; VENDRAME, 2007VENDRAME, Maíra I. Lá éramos servos, aqui somos senhores: a organização dos imigrantes italianos na ex-Colônia Silveira Martins (1877-1914). Santa Maria: Ed. UFSM, 2007., p. 25).
  • 26
    Sabino Tripoti respondeu às críticas do livro de Marcone em um artigo publicado no Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 4 out. 1877, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_06/16892. Acesso em: 17 fev. 2023.
  • 27
    O ex-deputado Nicolò Marcone veio ao Brasil em 1876 para averiguar especificamente a situação dos colonos italianos. Suas impressões foram publicadas no livro Gli italiani al Brasile, publicado em Roma pela Tipografia Romana (MARCONE, 1877MARCONE, Nicolò. Gli italiani al Brasile. Roma: Tip. Romana, 1877.).
  • 28
    BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 6.550, de 13 de abril de 1877. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-6550-13-abril-1877-548860-publicacaooriginal-64073-pe.html. Acesso em: 13 fev. 2023. A publicação da rescisão foi em 17 de maio de 1877 no Jornal Oficial do governo. O decreto da encampação é de n. 6.550, assinada pela princesa regente e Thomás José Coelho de Almeida (TRIPOTI, [1877] 2012, p. 103).
  • 29
    Cláusula 16ª do Contrato firmado com o governo Imperial estipulava o valor de “80$000 por colono importado” (TRIPOTI, [1877] 2012).
  • 30
    Segundo dados do governo e do próprio empresário, foram introduzidos na Colônia Alessandra 2.071 colonos entre 1874 e 1877. Tripoti recebeu do governo imperial a quantia total de 61:5000$000 (sessenta e um contos e quinhentos mil réis). Fazendo uma comparação com as demais colônias privadas do Paraná, o jornal O Cruzeiro, em 1878, chegaria à constatação de que o empreendimento de Sabino Tripoti foi o que menos custou aos cofres públicos, e apresentava melhores condições se comparado a outras colônias, inclusive as do Estado. Jornal O Cruzeiro, n. 202, 22 jul. 1878, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/238562/1064. Acesso em: 23 fev. 2023.
  • 31
    BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 6.550, de 13 de abril de 1877. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-6550-13-abril-1877-548860-publicacaooriginal-64073-pe.html. Acesso em: 13 fev. 2023.
  • 32
    Para pensar a atuação dos agentes e subagentes da emigração em território italiano, especialmente para compreender o que garantia o sucesso das ações de muitos desses no que se refere aos deslocamentos das famílias camponesas, ver: Brunello (1983BRUNELLO, Piero. Agenti di emigrazione, contadini e immagini dell’America nella provincia de Venezia. In: FRANZINA, Emílio (org.). Un altro Veneto. Saggi e studi di storia dell’emigrazione nei secoli XIX e XX. Abano Terme: Francisci, 1983. p. 138-174., p. 138-174); Vendrame (2016VENDRAME, Maíra I. O poder na aldeia: redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre os camponeses italianos (Brasil-Itália). São Leopoldo: Oikos, 2016., p. 103-156; 2017, p. 23-42).
  • 33
    Trad. livre dos autores: “Le condizioni di quella colonia sono abbastanza prosperose. L'agente Giacomo Grassi aveva dimostrato di avere una procura regolare da Tripoti per chiudere contratti con individui che desiderano trasferirsi nella stessa colonia. Di conseguenza, sono disposto a non imporre ostacoli alla partenza dei contadini. I passaporti per l'estero dovevano essere concessi dal sindaco di Mantova ai contadini che avevano stipulato un contratto per emigrare.”
  • 34
    É preciso uma pesquisa mais aprofundada e comparativa para averiguarmos os vários motivos da “emigração clandestina”. Sabemos que está ligada a questões como o serviço militar e à imigração espontânea. Contudo, a saída clandestina de famílias camponesas parece ter alcançado níveis preocupantes nesse contexto da década de 1870 - ao menos era o que denunciavam homens contemporâneos aos fatos, como Giovanni Florenzano (1874)FLORENZANO, Giovanni. Della emigrazione italiana in America comparata alle altre emigrazione europee. Napoli: Giannini, 1874. e Nicolò Marcone (1877)MARCONE, Nicolò. Gli italiani al Brasile. Roma: Tip. Romana, 1877., e atestado por historiadores como Brunello (1983)BRUNELLO, Piero. Agenti di emigrazione, contadini e immagini dell’America nella provincia de Venezia. In: FRANZINA, Emílio (org.). Un altro Veneto. Saggi e studi di storia dell’emigrazione nei secoli XIX e XX. Abano Terme: Francisci, 1983. p. 138-174. e Gandini (2000)GANDINI, Marco. Questione sociale ed emigrazione nel Mantovano - 1873-1896. Mantova: Associazione Mantovani nel Mondo; Sometti, 2000..
  • 35
    Crítico ao papel destes “propagadores de mentiras”, Giovanni Florenzano (1874FLORENZANO, Giovanni. Della emigrazione italiana in America comparata alle altre emigrazione europee. Napoli: Giannini, 1874., p. 171-73, 179) apontava que todo esse movimento de emigração não era “natural”, pois era impulsionado por sujeitos que “iludem os camponeses com falsas promessas” unicamente para obterem “lucros financeiros”. Verdadeira “febre da emigração”, segundo ele.
  • 36
    Trad. livre dos autores: “Gli agenti e i subagenti sono l'ozio, l'ignoranza, la testardaggine, l'invidia, l'avidità e tutti i vizi che infestano la campagna, vestiti con la maschera dell'avventura, della miseria e della fame. Il contadino è ignorante e vizioso e nutrito da un forte desiderio di partire per l'America, credendo ingenuamente che ci sia un posto nel mondo in cui coloro che non hanno nulla trovino facilmente denaro da spendere, rimanendo a mani vuote.”
  • 37
    Trad. livre dos autores: “Speranza che agita fortemente la fantasia popolare: dai servi diventeranno padroni in America.”
  • 38
    A REGENERAÇÃO. Jornal da Província de Santa Catarina, n. 931, 10 jan. 1878, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/892068/2654. Acesso em: 13 fev. 2023.
  • 39
    Art. 3º, n. 8 - “Peculato ou malversação de dinheiro público; estelionato ou subtração de dinheiro, fundos e quaisquer títulos de propriedade pública ou particular por pessoas a cuja guarda estejam confiadas ou que sejam associadas ou empregadas no estabelecimento em que o crime ou delito foi cometido” (BRIGGS, 1909BRIGGS, Arthur. Extradição, tratados vigentes entre o Brasil e outros países. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909., p. 209).
  • 40
    No jornal O Cruzeiro, n. 245, 3 set. 1878, p. 3, Sabino Tripoti comunica seu retorno ao Brasil, portando uma certidão de inocência do Superior Tribunal de Justiça da Itália. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/238562/1240. Acesso em: 23 fev. 2023.
  • 41
    Nota do Governo Italiano à Legação Imperial, Roma 5 jul. 1882. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Terceira Sessão da Décima Oitava Legislatura pelo Ministro e Secretário do Estado dos Negócios Estrangeiros Lourenço Cavalcanti de Albuquerque. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1883, p. 60-62. Disponível em: https://antigo.funag.gov.br/chdd/images/Relatorios/Relatorio_1882.pdf. Acesso em: 13 fev. 2023.
  • 42
    Nota da Legação Italiana ao Governo Imperial, Petrópolis, 19 mar. 1883. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Terceira Sessão da Décima Oitava Legislatura pelo Ministro e Secretário do Estado dos Negócios Estrangeiros Lourenço Cavalcanti de Albuquerque. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1883, p. 65-67. Disponível em: https://antigo.funag.gov.br/chdd/images/Relatorios/Relatorio_1882.pdf. Acesso em: 13 fev. 2023.
  • 43
    ANNAES do Parlamento Brasileiro (RJ) - 1826 a 1888, Sessão em 30 ago. 1884, p. 181. Crédito de 200:000$ para pagamento de indenização, determinada por arbitramento, a Sabino Tripoti. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/132489/79647. Acesso em: 16 fev. 2023.
  • 44
    As discussões dos deputados em relação à “questão Tripoti” podem ser acompanhadas nos Annaes do Parlamento Brasileiro (RJ) - 1826 a 1888. Sessão de 7 jul. 1884, p. 40-42. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/132489/79096. Acesso em: 16 fev. 2023.
  • 45
    Tripoti se referia às colônias públicas Pereira e Eufrasina, próximas à sua.
  • 46
    Para compreensão sobre os empreendimentos públicos e privados nas províncias do Sul do Brasil, ver: Tedesco e Neumann (2023)TEDESCO, João. C.; NEUMAN, Rosane. M. (orgs.) Colonos, colônias e colonizadoras: aspectos de territorialização agrária no Sul do Brasil. V. VI. Passo Fundo: UPF Editora, 2023.. A relação entre o campo de estudos da história ambiental e as migrações é discutida nas diferentes pesquisas que compõem a obra História ambiental e migrações: diálogos (GERHARDT; NODARI; MORETTO, 2017GERHARDT, Marcos; NODARI, Eunice S.; MORETTO, Samira P. (orgs.). História ambiental e migrações: diálogos. São Leopoldo: Oikos; Chapecó: UFFS, 2017.).
  • 47
    “Colonização”. Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 6 abr. 1878, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_06/18157. Acesso em: 17 fev. 2023.
  • 48
    BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto n. 3.784, de 19 de janeiro de 1867. Aprova o Regulamento para a criação de Colônias de Estado. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3784-19-janeiro-1867-553854-publicacaooriginal-72121-pe.html. Acesso em: 4 maio 2023.

Agradecimento

A autora Maíra Ines Vendrame agradece ao CNPq pelo financiamento da pesquisa intitulada “Mobilidades transatlânticas e histórias conectadas entre Itália, Brasil e Argentina, séculos XIX e XX”, processo n. 26/2021, através de bolsa produtividade 2.

Referências

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Editoras responsáveis: Hanna Sonkajärvi e Silvia Liebel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2023
  • Aceito
    23 Out 2023
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