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Entre “tradições” e “modernidades”: agrupamentos carnavalescos de Luanda na primeira metade do século XX

Between “Traditions” and “Modernities”: Carnival Groups in Luanda in the First Half of the 20th Century

Entre “tradiciones” y “modernidades”: grupos de carnaval de Luanda en la primera mitad del siglo XX

RESUMO

Este artigo é resultado de uma investigação, baseada em fontes jornalísticas, sobre os desfiles dos agrupamentos carnavalescos de Luanda na primeira metade do século XX. De um lado, são analisadas as representações dos jornalistas sobre os cortejos. De outro, são discutidas as maneiras pelas quais seus componentes escolheram se apresentar. Articulando esses dois objetivos, pretende-se discutir a problemática dos hibridismos culturais, demonstrando, sob inspiração de Néstor Canclini, Serge Gruzinski e Homi Bhabha, a insuficiência de oposições binárias, como colonizador e colonizado, moderno e tradicional, para a compreensão da sociedade colonial. Problematizando a simplificação de universos sociais heterogêneos em cada um dos referidos polos, e considerando a centralidade do racismo como elemento definidor de possibilidades, pretende-se demonstrar que as categorias jurídicas de indígena, europeu e assimilado não permitem uma compreensão adequada das múltiplas experiências dos indivíduos e grupos presentes na cidade.

Palavras-chave
“danças indígenas”; Carnaval; Luanda; colonialismo; modernidade

ABSTRACT

This paper results of an investigation, based on journalistic sources, about the parades of Luanda’s carnival groups during the first half of the twentieth century. On the one hand, it analyzes journalists’ representations of the parades; on the other, it discusses how the participants chose to present themselves. Articulating these two objectives, we intend to discuss the issue of cultural hybridisms, demonstrating, with Néstor Canclini, Serge Gruzinski and Homi Bhabha as inspiration, the insufficiency of binary oppositions, such as colonizer and colonized, modern and traditional, for understanding colonial society. Problematizing the simplification of heterogeneous social universes in each of the above-mentioned poles, and considering the centrality of racism in defining possibilities, we demonstrate that the legal categories of Indigenous, European, and assimilated do not allow for an adequate understanding of the multiple experiences of individuals and groups of the city.

Keywords
“Indigenous Dances”; Carnival; Luanda; Colonialism; Modernity

RESUMEN

Este artículo es el resultado de una investigación, basada en fuentes periodísticas, sobre los desfiles de grupos de carnaval de Luanda en la primera mitad del siglo XX. Por un lado, son analizadas las representaciones de los periodistas sobre los desfiles. Por otro, son discutidas las formas por las cuales sus componentes escogieron presentarse. Articulando estos dos objetivos, se pretende discutir las problemáticas del hibridismo cultural, demostrando, sobre la inspiración de Néstor Canclini, Serge Gruzinski y Homi Bhabha, la insuficiencia de posiciones binarias, como colonizador y colonizado, moderno y tradicional, para la comprensión de la sociedad colonial. Problematizando la simplificación de universos sociales heterogéneos en cada uno de los referidos polos, y considerando la centralidad del racismo, se pretende demostrar que las categorías jurídicas de indígena, europeo y asimilado no permiten una comprensión adecuada de las muchas experiencias de los individuos y grupos presentes en la ciudad.

Palabras Clave
“bailes indígenas”; Carnaval; Luanda; colonialismo; modernidad

O objeto

O objetivo deste artigo é investigar, através de comentários publicados em jornais, os agrupamentos carnavalescos de Luanda na primeira metade do século XX. Embora frequentemente qualificados pela imprensa como “danças indígenas”, tais agrupamentos eram muito diferentes entre si, além de sofrerem consideráveis transformações ao longo do tempo. Tecendo considerações sobre sua composição social, a relação com jornalistas e autoridades e a maneira como seus componentes escolheram se apresentar, pretende-se discutir a insuficiência dos conceitos de indígena e assimilado para a compreensão das experiências, da problemática dos hibridismos culturais e da agência africana na situação colonial.

A construção das representações genéricas de nativo, africano, indígena e assimilado foi parte do processo colonial de atribuição de um lugar de especificidade à realidade africana, em oposição à europeia. A criação da alteridade africana (MENESES, 2010, p. 78MENESES, Maria Paula G. O “indígena” africano e o colono “europeu”: a construção da diferença por processos legais. E-Cadernos CES, Coimbra, p. 68-93, 2010.), associada à definição dos africanos como incivilizados, legitimava a dominação colonial como caminho necessário ao cumprimento da alegada missão histórica europeia de civilizar a África.

A pesquisa sobre o carnaval em Luanda no período colonial esbarra na escassez de bibliografia. Referência fundamental é o livro do folclorista angolano Óscar Ribas, que menciona vinte e dois agrupamentos surgidos entre as últimas décadas do século XIX e meados do século XX (RIBAS, 1965, p. 65-122RIBAS, Óscar. Izomba. Associativismo e recreio. Luanda: Tipografia Angolana, 1965.). Ribas trabalha com um recorte cronológico abrangente e não cita fontes documentais, deixando dúvidas sobre a possibilidade de ter generalizado dados válidos para os anos 1940, 1950 ou 1960, mas não para os anteriores. Embora impreciso e certamente limitado – pois a imprensa do período menciona inúmeros agrupamentos não referidos pelo folclorista –, o livro de Ribas é um material precioso para os que pretendem estudar os desfiles carnavalescos de Luanda do ponto de vista da história social.

O compositor, pesquisador e produtor cultural angolano Roldão Ferreira apresenta algumas informações históricas sobre agremiações carnavalescas de Luanda, seus gêneros musicais e coreográficos, da década de 1930 aos dias atuais (FERREIRA, 2015FERREIRA, Roldão. Carnaval. A maior festa do povo angolano. Luanda: Ministério da Cultura; Instituto Nacional da Indústrias Culturais, 2015.). Embora não pretenda contar a história do carnaval de Luanda, seu livro fornece informações interessantes sobre agrupamentos carnavalescos do passado.

Outra referência é o artigo do historiador David Birmingham, sobre o desfile que presenciou em Luanda em 1987 (BIRMIGHAM, 1988, p. 93-103BIRMIGHAM, David. Carnival at Luanda. Te Journal of African History, Cambridge, v. 29, n. 21, p. 93-103, 1988.). O antropólogo Ruy Duarte de Carvalho, por sua vez, analisa a organização e a dinâmica dos grupos carnavalescos em meados da década de 1980, comentando, ainda, os desfiles oficiais de 1985 (CARVALHO, 1989, p. 225-252CARVALHO, Ruy Duarte de. Futebol e carnaval. In: CARVALHO, Ruy Duarte de. Ana A Manda. Os filhos da rede. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1989. p. 225-252.). Ambos, no entanto, fogem ao recorte cronológico da presente pesquisa.

A produção sobre a música angolana no período colonial aponta relações entre os agrupamentos carnavalescos das décadas de 1940 e 1950 e o surgimento de grupos musicais que tocavam instrumentos tidos como tradicionais, cantavam em quimbundo e buscavam definir o semba como ritmo nacional (WEZA, 2007WEZA, José. O percurso histórico da música urbana luandense. Subsídios para a história da música angolana. Luanda: SOPOL, 2007.; MOORMAN, 2008MOORMAN, Marissa J. Intonations: A Social History of Music and Nation in Luanda, Angola, from 1945 to Recent Times. Athens: Ohio University Press, 2008.; ALVES, 2015ALVES, Amanda Palomo. “Angolano segue em frente”: um panorama do cenário musical urbano de Angola entre as décadas de 1940 e 1970. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.; KUSCHICK, 2016KUSCHICK, Mateus Berger. Kotas, mamás, mais velhos, pais grandes do semba: a música angolana nas ondas sonoras do Atlântico Negro. Tese (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016.; GOMES, 2020GOMES, Pedro David. Lazer, cultura popular e colonialismo em Luanda. Sociabilidades e resistências translocais numa história sobre música e automóveis (1957-1975). Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2020.; REIS, 2021REIS, Alexandre. “Isso é muito africano”. Diálogos musicais e políticos entre Angola e Brasil (1950-1980). Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2021.). Também o investigador Jomo Fortunato, autor de muitos textos publicados na imprensa luandense, menciona os desfiles carnavalescos como fontes fundamentais para a moderna música angolana.

Embora se dedique a um outro espaço geográfico – a capital da colônia de Moçambique –, e não contemple a análise de agrupamentos ou batuques carnavalescos, o estudo de Matheus Serva Pereira é uma importante referência para a pesquisa que desenvolvo (PEREIRA, 2020bPEREIRA, Matheus Serva. Grandiosos batuques. Tensões, arranjos e experiências coloniais em Moçambique (1890-1940). Lisboa: Imprensa de História Contemporânea, 2020b.). Entendendo batuque como uma designação genérica para encontros musicais e dançantes, com objetivos muito diversos, dos que eram designados como indígenas, Pereira mapeia, através da imprensa, a geografia desses encontros em Lourenço Marques e, contraditoriamente, o processo de afirmação da cidade como exemplo propagador do projeto civilizacional colonial. O autor também analisa, em obras de administradores, a construção de categorias e representações homogeneizadoras sobre as populações nativas e suas culturas, sem deixar de acompanhar, em documentos da Secretaria dos Negócios Indígenas, vivências urbanas que as autoridades insistiam em desqualificar e reprimir. Por fim, Pereira investiga, em fontes da administração colonial, jornais e memórias, o processo de espetacularização dos batuques e danças nativas, apresentadas para públicos europeus. Tais ocasiões são caracterizadas, pelo autor, como momentos em que as forças coloniais e as populações nativas entravam em conflito e travavam negociações. Sua perspectiva de análise dos batuques de Lourenço Marques é bastante próxima, em muitos aspectos, da forma como tenho analisado os agrupamentos carnavalescos de Luanda.

A carência de pesquisas específicas sobre as expressões carnavalescas de Luanda no período colonial, ancoradas na análise sistemática e criteriosa de fontes, indica a pertinência da investigação que venho realizando, que já permite sintetizar algumas características gerais dos agrupamentos e de seus desfiles, bem como as alterações que sofreram ao longo do tempo.

Os cortejos eram organizados por agrupamentos que, pelo menos desde o início da década de 1910, ensaiavam durante os meses de janeiro e fevereiro, antes do carnaval. Variavam entre cerca de cinco e quase duas centenas de componentes. Desfilavam com ngomas (tambores), puítas (cuícas), cornetas e apitos. Na década de 1940 podiam somar-se, a esses instrumentos, pistons, saxofones e trombones.

A partir dos anos 1920/1930, os desfiles passaram a ser organizados nos musseques, bairros periféricos com construções improvisadas para onde foram empurrados os africanos, em decorrência do crescimento do número de colonos, que intensificou o racismo e as tendências de segregação. De acordo com Fernando Tavares Pimenta, a população branca de Angola evoluiu de 9.000 em 1900 para 12.000 em 1910, atingindo 20.700 pessoas em 1920 e 30.000 em 1930 (PIMENTA, 2005, p. 191PIMENTA, Fernando Tavares. Brancos de Angola. Autonomismo e nacionalismo. Coimbra: Minerva Coimbra, 2005.).

Entre os grupos se estabeleciam alianças e rivalidades, que não raramente levavam a confrontos violentos, talvez expressando um mapeamento das zonas periféricas, com cada agrupamento reivindicando o domínio sobre uma região.

Até o início da década de 1930, os agrupamentos faziam peditórios, que permitiam a compra de bebida e comida para serem consumidas após os desfiles. A partir de então, os peditórios tenderam a ser proibidos pelas autoridades, o que não significa, necessariamente, que tenham deixado de ser realizados.

Embora os desfiles inicialmente tomassem as zonas centrais da cidade, desde pelo menos a década de 1910 as autoridades tentaram delimitar as áreas a serem percorridas, bem como os horários permitidos. Nas décadas de 1930 e 1940, a ação das autoridades variou entre a proibição, a autorização e a regulamentação dos desfiles nas zonas centrais e mesmo nos musseques.

Os componentes: reflexões sobre indigenato, assimilação e crioulidade

Os agrupamentos carnavalescos, bem como seus desfiles, foram recorrentemente qualificados pela imprensa, na primeira metade do século XX, como “danças indígenas”, em alusão a uma figura jurídica que ocupava lugar central na política do indigenato. Tal qualificação pode ser um ponto de partida para a investigação dos segmentos sociais a que pertenciam seus componentes.

A política do indigenato foi delineada a partir de fins do século XIX, definindo como indígenas os africanos não assimilados à cultura europeia. A submissão destes a um regime jurídico próprio foi justificada pelas autoridades coloniais portuguesas pela ideia de que eles se encontravam em um estágio primitivo da evolução humana e social, sendo inaptos para o exercício dos direitos e deveres da cidadania portuguesa. Embora reforçasse a subalternização extrema da maior parte dos africanos, oficializando a possibilidade de submetê-los a diferentes formas de trabalho compulsório, essa política era apresentada como evidência do respeito dos colonizadores às práticas e costumes das populações colonizadas.

Tal política foi materializada através de decretos emanados da metrópole, mas também através de portarias aprovadas em cada uma das “colônias de indigenato”. Entre os documentos aprovados pelo Ministério das Colônias, os mais importantes foram o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique, de 1926, o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas, de 1929, e o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, de 1954. A política do indigenato só foi abolida oficialmente em 1961, após e como resposta ao início da guerra anticolonial em Angola.

A política do indigenato previa a possibilidade de superação da condição jurídica de indígena através da requisição do estatuto de assimilado. Caso tivesse seu requerimento aprovado, o interessado se tornava cidadão português, obtendo um “alvará de assimilação”. Ao contrário dos considerados indígenas, os assimilados não eram sujeitos ao trabalho compulsório.

Os três decretos referidos acima reforçavam o princípio de que cabia ao colonizador promover a gradual transformação dos “usos e costumes” dos chamados indígenas, inserindo-os, progressivamente, nos quadros da civilização europeia. Embora, como afirma Marcelo Bittencourt (1999, p. 96)BITTENCOURT, Marcelo. Dos jornais às armas. Trajectórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999., a concepção jurídica da assimilação partisse do pressuposto do abandono de uma cultura em prol da adoção de outra, é possível ponderar que os próprios estatutos sugeriam a existência de “situações especiais”, em que os chamados indígenas poderiam “encontrar-se no caminho da civilização”1 1 PORTUGAL. Ministério do Ultramar. Decreto-Lei n. 39.666, de 20 de maio de 1954. Estatuto dos Indígenas Portugueses das províncias da Guiné, Angola e Moçambique. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/39666-1954-635399. Acesso em 14 set. 2022. .

De fato, no espaço luandense, muitos indivíduos juridicamente enquadrados como indígenas partilhavam, em muitos e variáveis aspectos, elementos da cultura europeia. Entre eles, vários preenchiam quase todos os requisitos para serem considerados assimilados – dominando a língua portuguesa, usando talheres à mesa, morando em casas de arquitetura europeia e vestindo trajes europeus – embora não o fossem “de direito”, por não terem cumprido as formalidades exigidas para o reconhecimento jurídico da assimilação.

Por outro lado, sabemos que, em situações históricas de contato, a absorção de elementos de uma cultura a princípio estranha só pode se dar através dos filtros de uma cultura própria, em um processo complexo que promove sínteses culturais que podem ser nomeadas como hibridizações, sincretismos ou, se preferirmos, crioulizações (CANCLINI, cap. XVII-XL, 2015CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: Ed. USP, 2015.; GRUZINSKI, 2001, p. 39-62GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.; BHABHA, 2007, p. 22BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.). Não por acaso, vários autores têm definido o ambiente luandense como culturalmente crioulo.

Para Mário António Fernandes de Oliveira, o caráter crioulo de Luanda seria resultante da mistura da cultura portuguesa com as culturas nativas presentes na região, manifestando-se na oralidade, na culinária, nas vestimentas e nos mais variados aspectos do cotidiano. Adotando uma perspectiva lusotropicalista (CASTELO, 1999CASTELO, Claudia. O modo português de estar no mundo. O lusotropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Afrontamento, 1999.), Oliveira apresenta, de forma equivocada, a crioulidade luandense como indício da presença de relações raciais harmônicas, resultantes do suposto caráter benevolente dos portugueses e de seu projeto de atuação nos trópicos (OLIVEIRA, 1968OLIVEIRA, Mário António Fernandes de. Luanda, “ilha” crioula. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1968.).

Na esteira da renovação, por Anne Stamm, do interesse pela crioulidade luandense (STAMM, 1972STAMM, Anne. La societé créole à Saint Paul de Loanda dans les années 1838-1848. Revue Française d’Histoire d’Outre-Mer, Paris, n. 217, p. 578-609, 1972.), diferentes historiadores demonstraram a existência, entre os séculos XVII e XIX, de uma elite de negros e mestiços que, por dominarem códigos culturais europeus, eram socialmente reconhecidos como civilizados. Vivendo do comércio atlântico de escravos – enquanto este existiu – e ocupando funções na administração colonial, no exército e no clero, esta elite não era sujeita, como os demais nativos, à escravidão e, após a sua proibição, a diferentes formas de trabalho compulsório (DIAS, 1984DIAS, Jill. Uma questão de identidade: respostas intelectuais às transformações econômicas no seio da elite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930. Revista Internacional de Estudos Africanos, Lisboa, n. 1, p. 61-94, jan./jun.1984.; BITTENCOURT, 1999, p. 31-71BITTENCOURT, Marcelo. Dos jornais às armas. Trajectórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999.; RODRIGUES, 2003, p. 17-22RODRIGUES, Eugénia. A geração silenciada. A Liga Nacional Africana e a representação do branco em Angola na década de 1930. Porto: Afrontamento, 2003.). Discordando de Oliveira, esses historiadores explicaram o surgimento das elites crioulas pela precocidade e fragilidade numérica da presença portuguesa, demonstrando que negros e mestiços tiveram espaço na elite enquanto foram necessários. Com a intensificação do número de colonos europeus a partir de fins do século XIX, as elites crioulas sofreram um processo de subalternização, verificado na perda de cargos públicos, na expropriação de terras, na criação de escalões diferenciados de salários e no afastamento de antigas áreas residenciais.

Na perspectiva desses autores, essa elite luandense era crioula, não assimilada, pelo menos da maneira como a assimilação viria a ser definida, posteriormente, pelo Estatuto do Indigenato. Em primeiro lugar, porque o reconhecimento de seus membros como civilizados era baseado na forma como eram vistos e na sua rede de relações sociais, já que não havia nenhuma formalidade a ser cumprida. Em segundo lugar, porque o fato de dominarem códigos culturais europeus não significava que tivessem abandonado plenamente as culturas africanas.

A política do indigenato, estabelecida em um contexto de avanço e consolidação da dominação colonial, enrijeceu e formalizou o conceito e os critérios de assimilação, impondo barreiras à obtenção da cidadania portuguesa pelos africanos (NETO, 1997NETO, Maria da Conceição. Ideologias, contradições e mistificações da colonização de Angola no século XX. Lusotopie, Bordeaux, p. 327-359, 1997.). Prova disso é que o número de indivíduos juridicamente reconhecidos como assimilados sempre foi muito pequeno em Angola, girando em torno de 1% da população em 1950 (BENDER, 1980, p. 218BENDER, Gerald. Angola sob domínio português: mito e realidade. Lisboa: Sá da Costa, 1980.). Não por acaso, elementos notáveis das elites crioulas protestaram contra tal política, alegando, acertadamente, que ela se baseava em inaceitável discriminação racial.

As antigas elites crioulas foram atingidas, como um todo, pelo rebaixamento social resultante do aumento da população colona, alvo de favorecimentos e privilégios. Nas novas circunstâncias, a condição desfrutada, no passado, por pais ou avós, não protegia as novas gerações de serem equiparadas aos demais africanos, embora não impedisse que, em seus círculos, fossem mantidas distinções e hierarquias. A esse grupo heterogêneo se somaria, no pós-Segunda Guerra, o dos “novos assimilados”, recém-chegados das zonas rurais às principais cidades, após passarem por missões católicas ou protestantes (MESSIANT, 1989MESSIANT, Christine. Luanda (1945-1961): Colonisés, societé coloniale et engagement nationaliste. In: CAHEN, Michel (org.). “Vilas” et “cidades”. Bourgs et villes em Afrique lusophone. Paris: L’Harmattan, 1989. p. 125-199.). Esses novos contingentes urbanos eram, em geral, assimilados “de fato”, mas não “de direito”, embora alguns poucos tivessem obtido o alvará de assimilação. A passagem pelas missões e o êxodo para as cidades era, frequentemente, uma estratégia de fuga do recrutamento forçado para o trabalho, que atingia muitos dos que viviam nos “agregados tradicionais”, sob jurisdição dos “regedores indígenas”, e era uma das expressões mais violentas da dominação colonial2 2 PORTUGAL. Ministério do Ultramar. Decreto-Lei n. 39.666, de 20 de maio de 1954. Estatuto dos Indígenas Portugueses das províncias da Guiné, Angola e Moçambique. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/39666-1954-635399. Acesso em 14 set. 2022. .

Após essa longa explanação, creio ser possível sugerir que os componentes dos agrupamentos carnavalescos de Luanda podiam pertencer a segmentos sociais diversos, que não espelhavam exatamente as categorias jurídicas da política do indigenato. Desde os que formavam, de fato, a base da pirâmide, com pouca familiaridade com a língua portuguesa e a vida urbana, passando pelos que, embora juridicamente classificados como indígenas, tinham empregos regulares e, quem sabe, um bom tempo de vida na capital da colônia, e chegando aos que preenchiam quase todos os requisitos para serem classificados como assimilados, sem, no entanto, possuírem alvará. É provável, ainda, que assimilados “de direito”, e talvez até alguns brancos, sobretudo pobres, também moradores dos musseques, participassem de agrupamentos carnavalescos. O que não deve ser confundido com ausência de hierarquias e conflitos raciais, elementos definidores da sociedade colonial.

O interessante é tentar perceber os agrupamentos carnavalescos como expressões dos hibridismos culturais recorrentemente apresentados como característicos da sociedade luandense. Esse assunto será objeto do próximo tópico.

“Tradições”

Em 1857, um jornalista do Boletim Oficial do Governo Geral da Província de Angola3 3 Primeiro órgão da imprensa de Angola, de periodicidade semanal. Sua edição de estreia, com o título de Boletim do Governo Geral da Província de Angola, foi publicada em 13 de setembro de 1845. Possuía uma parte oficial, noticiando atos do governo, e uma parte destinada à vida social e anúncios comerciais. A mudança de título para Boletim Oficial do Governo Geral da Província de Angola ocorreu em 3 de julho de 1847 (LOPO, 1964, p. 11, 17). comentou que, “durante os três dias de entrudo, se encontraram danças e máscaras, mais ou menos engraçadas, por todas as ruas da cidade”.4 4 BOLETIM Oficial do Governo Geral da Província de Angola. Luanda, 28 fev. 1857, p. 2. O artigo referiu-se, também, aos banquetes realizados nas residências, onde “passaram-se as noites no delírio inocente das contradanças, valsas e polcas”.

Durante toda a primeira metade do século XX, as descrições jornalísticas foram baseadas na oposição entre “carnaval nas ruas” e “carnaval nos bailes”, sendo estes últimos realizados não nas residências, como no artigo de 1857, mas nos clubes. A maioria dos clubes mencionados pela imprensa, como o Club Naval, o Club Trasmontano e o Grêmio Beirão, eram frequentados por colonos, enquanto o Grêmio Africano reunia nativos da colônia, sobretudo comerciantes e funcionários públicos, embora também aceitasse sócios europeus. Fundado em 1913, em um contexto no qual o crescimento da população colona intensificava as tendências de segregação, o Grêmio Africano destacou-se pelas atividades recreativas, embora tenha mantido, também, uma escola na década de 1920 (RODRIGUES, 2003, p. 26-28RODRIGUES, Eugénia. A geração silenciada. A Liga Nacional Africana e a representação do branco em Angola na década de 1930. Porto: Afrontamento, 2003.). Aos bailes carnavalescos realizados nos clubes eram atribuídas características associadas a representações de modernidade, como a elegância (sobretudo nos clubes de colonos) e a animação.

As descrições do “carnaval das ruas”, por sua vez, tendiam a separar a sua vertente tida como moderna, representada pelos corsos de automóveis e pelas batalhas de flores, das chamadas “danças indígenas”. A essas últimas foram atribuídas, especialmente na década de 1910, características de primitivismo, barbárie, selvageria, ausência de valor estético, artístico e musical. Em 4 de março de 1911 um jornalista de A Reforma5 5 O primeiro número do semanário republicano A Reforma é datado de 1º de dezembro de 1910. Nele, o jornal é apresentado como órgão do Partido Reformista de Angola (A Reforma. Luanda, 1º dez. 1910, p. 1). Fundado em novembro de 1910 para disputar as eleições para representantes da colônia no parlamento português, que redigiria a primeira constituição republicana, o PRA defendia a autonomia legislativa, orçamental e fiscal da colônia, sem o rompimento do vínculo com a metrópole (FREUDENTHAL, 1988, p. 28-31). O último número de A Reforma saiu em 17 de fevereiro de 1912, anunciando também o fim do partido (A Reforma. Luanda, 17 fev. 1912, p. 1). comentou.

É no meio da alegria estonteante e ruidosa que a alma d’um povo, seja qual for a sua raça, se manifesta tal qual ela é; e, desapercebidamente mesmo, põe a descoberto a sua índole e o seu estado de maior ou menor adiantamento ou atraso na marcha, quase vertiginosa, da civilização. A dança, principalmente, é que caracteriza o povo – que não há povo que não tenha o seu modo de dançar! –: a sua índole, a sua educação artística ou a sua condição, mais ou menos, de selvagem, revela-se, distintamente, na sua maneira de dançar. Luanda tem marchado devagar... O peregrino, prático e observador, que n’um dos três dias de carnaval desembarcasse na capital e percorresse as suas ruas, julgá-la-ia, com inteira justiça, n’um estado ainda semibárbaro.

As danças, no ritmo monótono e exótico do ... catapum... pum... pum, requebradamente lascivas, acompanhadas com gritos guturais, e esgares de uma alegria epilética, patentear-lheiam bem a seus olhos, n’essa manifestação selvagem, o estado de atraso.

Luanda está carnavalescamente desacreditada!6 6 L.C. Crônica do Carnaval. A Reforma. Luanda, 4 mar. 1911, p. 3.

Por outro lado, as décadas de 1930 e 1940 foram marcadas por um interesse crescente de jornalistas pelos desfiles dos agrupamentos carnavalescos dos musseques. Entretanto, frequentemente eles foram apreciados como manifestações das tradições locais e, portanto, como pares diametralmente opostos de expressões carnavalescas tidas como modernas. Essa perspectiva estimulou a organização, pelo Diário de Luanda, com apoio de importantes autoridades coloniais, de um “festival carnavalesco” em 1937, prevendo, entre outros números, um desfile de “danças indígenas”.7 7 AS NOSSAS iniciativas. O Carnaval não morreu! O Diário de Luanda promove por ocasião do Entrudo interessantes festas de beneficência. Diário de Luanda. Luanda, 4 jan.1937, p. 1. Este número acabou excluído do programa, substituído pela exibição de “ranchos típicos” de lavadeiras, pescadores e quitandeiras em carros alegóricos, durante o corso de automóveis realizado na avenida Salvador Correia, na parte baixa e central da cidade, que reunia os mais importantes escritórios e casas comerciais.8 8 AS NOSSAS iniciativas. Continuamos a receber valiosas adesões que asseguram o êxito completo do nosso empreendimento. Diário de Luanda. Luanda, 29 jan. 1937, p. 1. Aparentemente influenciados pelos desfiles das marchas populares lisboetas, que se exibiam em junho e, a exemplo das exposições coloniais, formavam mosaicos das expressões regionais do “mundo português” (MELO, 2015MELO, Daniel. Festa popular e identidade nacional nos dois lados do Atlântico durante o século XX. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 41, n. 1, p. 181-200, jan./jun. 2015.), tais ranchos foram amostras estilizadas, folclorizadas e espetacularizadas das danças e batuques que, partindo de quintais nos musseques, tomavam as ruas durante o carnaval. É digno de nota que os organizadores do festival tenham optado pela exibição do que consideravam uma tradição luandense durante o corso de automóveis, que seria uma das mais modernas expressões carnavalescas presentes na cidade. Com isso, embaralharam representações de tradições e modernidades, sem, no entanto, torná-las sem efeito.

Em 8 de março de 1943, mesmo sem abandonar a caracterização do “carnaval indígena” como selvagem, um jornalista do Diário de Luanda pareceu lamentar sua suposta ausência.

Vão se perdendo, de ano para ano, as tradições do Carnaval. (…)

Também o carnaval indígena desapareceu este ano das ruas, mesmo daquelas ruas dos bairros nativos, onde ainda o ano passado apareceram muitos e numerosos grupos a festeja-lo ruidosamente.

Dizem-nos que foi proibido e mostram-se pesarosos, por isso, os habituais foliões destas festanças. Não desejamos discutir a medida, que assim acaba de vez com uma das mais características tradições dos indígenas de Luanda, que ainda animavam nesta época, com as suas monices, os seus esgares e os seus trajes exóticos e garridos, a vida monótona desta cidade triste.

Assinalamos apenas o fato, a morte de mais uma tradição que se muito tinha de selvagem, era contudo nota bizarra do temperamento e tendências dos nativos, que ao menos deveria ficar registrada para a história, que há de fazer-se um dia, da curiosa etnografia angolana.9 9 CARNAVAL de 1943. Diário de Luanda. Luanda, 8 mar. 1943, p. 5.

O jornalista refere-se às “tradições dos indígenas de Luanda” a partir da ótica do folclore, área de conhecimento que buscava descobrir e registrar costumes entendidos como sobrevivências do passado em sociedades que vivenciavam rápidas transformações. Em tal perspectiva, os costumes ou tradições seriam não apenas imemoriais mas também imutáveis, tendendo ao desaparecimento quando pressionados pelas ingerências da modernidade (ABREU, 2003, p. 83-102ABREU, Martha. Cultura popular: um conceito e várias histórias. In: ABREU, Martha. Ensino de História. Conceitos, temáticas, metodologias. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p. 83-102.; CARVALHO, 1992, p. 13-21CARVALHO, Rita Laura Segato. Folclore e cultura popular: uma discussão conceitual. In: SEMINÁRIO DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR, 1992, Rio de Janeiro, Atas... Rio de Janeiro: Museu do Folclore, 1992. p. 13-21.; THOMPSON, 1998, p. 13-24THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.). A perspectiva folclórica, que exerceu forte influência sobre os jornalistas nas décadas de 1930 e 1940, levava ao pressuposto de que alguns “costumes indígenas” sobreviviam, mas encontravam-se ameaçados de extinção. Atribuindo a esses costumes a pecha de tradicionais, folcloristas e jornalistas esvaziavam os significados, sempre mutáveis, que lhes eram atribuídos pelos seus portadores. Dessa forma, expressões culturais eram apropriadas e ressignificadas, sendo postas a serviço de projetos que não necessariamente coincidiam com os de seus participantes.

O olhar folclórico sobre os cortejos fazia parte de um contexto marcado pelo impulso nativista, de valorização das “coisas de Angola”, manifestado na imprensa no final da década de 1930 e intensificado ao longo da década de 1940. Tal valorização, que aparentemente atingiu diferentes estratos sociais, assumiria novos significados, no final dos anos 1940, para uma pequena parcela de jovens residentes em Luanda, envolvidos na Associação dos Naturais de Angola e na Liga Nacional Africana, tornando-se um elemento dinamizador do projeto nacionalista e independentista (CHAVES, 1999, p. 43-44CHAVES, Rita. A formação do romance angolano. São Paulo: Via Atlântica, 1999.). Através do movimento que seria batizado – a posteriori – como “Vamos Descobrir Angola”, jovens como Agostinho Neto, Antônio Jacinto e Viriato da Cruz, futuros líderes da independência nacional, buscaram na expressão literária, particularmente na poesia, a valorização de temáticas, linguagens e imagens que passariam a ser apontadas como autenticamente angolanas. Tal movimento teve uma relação estreita com a agitação de estudantes universitários e intelectuais provenientes de diferentes colônias portuguesas – como Mário Pinto de Andrade, Amílcar Cabral, Noémia de Souza, Alda Espírito Santo e Francisco José Tenreiro – que, em Lisboa, promoveram debates sobre a situação colonial e desenvolveram ações de conscientização política (LABAN, 1997, p. 67-86LABAN, Michel. Mário Pinto de Andrade: uma entrevista. Lisboa: João Sá da Costa, 1997.).

No terreno da música, o nativismo se manifestou na trajetória do grupo N’Gola Ritmos, formado no final da década de 1940 por Liceu Vieira Dias, Domingos Van-Dunem, Nino Ndongo, entre outros. Nas décadas de 1950 e 1960, o grupo faria grande sucesso com canções em quimbundo, embaladas por ritmos e instrumentos tidos como tradicionais, tendo os desfiles carnavalescos como fontes de inspiração (ALVES, 2015, p. 195-197ALVES, Amanda Palomo. “Angolano segue em frente”: um panorama do cenário musical urbano de Angola entre as décadas de 1940 e 1970. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.). O sucesso do N’gola Ritmos, cujos componentes também se envolveram na agitação anticolonial, permite sugerir que o interesse pelas “coisas de Angola” podia ter variados significados, para diferentes segmentos sociais. Para os jovens nacionalistas, a construção de uma certa “angolanidade” era parte de um projeto político. Para os trabalhadores, muitos deles qualificados como “indígenas”, podia ser a valorização, com nova roupagem e múltiplas influências, de expressões culturais cotidianas. Entre europeus identificados com o regime, o N’Gola Ritmos podia ser apreciado sob a ótica do exotismo, ou como expressão regional do mosaico de culturas que compunham o que eles próprios entendiam como “mundo português”.

Cabe ressaltar que os europeus, assim como os que eram juridicamente classificados como assimilados e indígenas, não formavam um bloco homogêneo. Nas décadas de 1930 e 1940, também viviam em Angola portugueses progressistas refratários ao salazarismo, alguns na condição de exilados da metrópole. Parte deles se reunia na Sociedade Cultural de Angola, fundada em 1942, onde eram debatidas e criticadas as orientações metropolitanas e a censura. Alguns atuavam na imprensa, outros eram professores do Liceu Salvador Correia, onde influenciaram a formação de alguns dos primeiros nacionalistas angolanos (BITTENCOURT, 1999, p. 117BITTENCOURT, Marcelo. Dos jornais às armas. Trajectórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999.). A heterogeneidade do universo colono, e a provável participação de assimilados na imprensa, talvez expliquem a existência de representações diferentes sobre os desfiles carnavalescos dos agrupamentos dos musseques, embora seja possível traçar tendências predominantes em cada momento do período estudado.

As décadas de 1930 e 1940 também foram marcadas por tentativas de regulamentação dos desfiles pelas autoridades. Em 1933 a polícia delimitou as áreas em que os “batuques indígenas” seriam permitidos, além de proibir os peditórios.10 10 O CARNAVAL. A Província de Angola. Luanda, 25 fev. 1933, p. 2. Naquele ano “as danças indígenas não desceram à cidade”, embora algumas tenham sido vistas nos musseques.11 11 O CARNAVAL. Terça feira gorda. A Província de Angola. Luanda, 1º mar. 1933, p. 2. Sobre o ano de 1934, não encontrei referências na imprensa à presença de batuques carnavalescos.

Em 1935, um jornalista de A Província de Angola abordou a programação dos batuques carnavalescos nos musseques.12 12 REPORTAGEM relâmpago. Como nós vimos o Carnaval nas salas e nas ruas. A Província de Angola. Luanda, 5 mar. 1935, p. 3. Dois dias depois, o mesmo jornal comentou as diversões carnavalescas na avenida Brito Godins, que em 1940 marcava o limite da parte urbanizada da cidade (AMARAL, 1968, p. 103AMARAL, Ilídio do. Luanda. Estudo de geografia humana. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1968.), revelando que os “grupos dos musseques, do Maculusso, das Ingombotas”, também passaram por lá.13 13 ECOS do Carnaval. A Província de Angola. Luanda, 7 mar. 1935, p. 2.

Em 1936, os jornais registraram o desfile de agrupamentos, tanto durante o período de ensaios nos musseques, em janeiro14 14 BARULHO no Sambizanga. A Província de Angola. Luanda, 7 jan. 1936, seção “A Cidade”, p. 3. , quanto na quadra carnavalesca. Apesar das restrições impostas pelas autoridades, que praticamente repetiram as disposições policiais de 193315 15 O TRÂNSITO na cidade. A Província de Angola. Luanda, 24 fev. 1936, p. 1. , os grupos se deslocaram por toda a cidade.16 16 QUATRO dias de folgança... Como se brincou o Carnaval nas ruas e nalgumas salas das sociedades de recreio da capital. A Província de Angola. Luanda, 28 fev. 1936, p. 3.

O Diário de Luanda registrou a presença de batuques em 1938, 1939, 1940, 1941, 1942, 1946 e 1947, seja no período de ensaios, seja na quadra carnavalesca.17 17 O CARNAVAL dos musseques. Diário de Luanda. Luanda, 27 fev. 1938, p. 2; VIOLENTA desordem. Diário de Luanda. Luanda, 24 jan. 1939, seção “Pela Cidade”, p. 4; EFEITOS do Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 7 fev. 1940, seção “Pela Cidade”, p. 4; O CARNAVAL em Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 24 fev. 1941, p. 3; BATUQUES. Diário de Luanda. Luanda, 8 mar. 1942, p. 1; O CARNAVAL em Luanda. Diário de Luanda, Luanda, 4 mar. 1946, p. 6; O CARNAVAL em Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 6 mar. 1946, p. 6; CARNAVAL de 1947. Diário de Luanda, Luanda, 16 fev. 1947, p. 6. Entretanto, por determinação das autoridades, os agrupamentos permaneceram nos musseques, sem se deslocarem para as zonas centrais da cidade. Para 1943, 1944, 1945 e 1948, não encontrei referências a desfiles.

Em 1949, o Diário de Luanda comentou que os “batuques dos indígenas da vasta zona dos musseques desceram às ruas da Baixa”, após terem sido proibidos de fazê-lo por 15 anos.18 18 DIA a Dia. Tradição continuada em dia de Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 1º mar. 1949, p. 1. Na Baixa ficavam as casas comerciais, escritórios, restaurantes, enquanto a Cidade Alta era a sede da administração. Em ambas existiam, também, zonas residenciais, que então abrigavam majoritariamente famílias de colonos. Além dessas zonas, em constante expansão, ficavam os musseques, onde viviam a maioria dos africanos e uma parcela de colonos empobrecidos.

Em 1950, o mesmo jornal registrou o desejo de “fazer reviverem” as “danças indígenas”, organizando um festival semelhante ao de 1937.19 19 O CARNAVAL antigo em Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 8 fev. 1950, p. 1. Os preparativos foram anunciados sistematicamente.20 20 PREPAREM-SE meninas e meninos para o próximo Concurso Infantil de Máscaras, organizado por este jornal. Diário de Luanda. Luanda, 9 fev. 1950, p. 1; CARNAVAL. As danças dos nativos vão exibir-se em público e perante um júri. Diário de Luanda. Luanda, 14 fev. 1950, p. 1; AS NOSSAS iniciativas. O carnaval de 1950. Diário de Luanda. Luanda, 15 fev. 1950, p. 1; ESTÁ tudo a postos para animar as festas do Carnaval de 1950 organizadas pelo Diário de Luanda. Diário de Luanda, Luanda, 18 fev. 1950, p. 1. No que diz respeito às “danças indígenas”, os agrupamentos desfilariam até a Baixa no domingo, e o “concurso folclórico carnavalesco” ocorreria na terça, às 16 horas, na Estrada da Circunvalação, iniciando-se na Rotunda, ao lado do Bairro Operário. Seriam oferecidos três prêmios, pela “indumentária”, pelos “bailados e música” e pelo “exotismo”.21 21 ESTÁ tudo a postos para animar as festas do Carnaval de 1950 organizadas pelo Diário de Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 18 fev. 1950, p. 1. Os eventos do carnaval daquele ano foram efusivamente comentados em vários números do jornal.22 22 AS INICIATIVAS do Diário de Luanda. As festas do Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 22 fev. 1950, p. 1; OS PRÊMIOS atribuídos aos grupos folclóricos do Carnaval de 1950. Diário de Luanda. Luanda, 23 fev. 1950, p. 1; AS NOSSAS iniciativas. O Carnaval de 1950 e os concursos organizados pelo Diário de Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 26 fev. 1950, p. 1, 2 e 3; ECOS das festas do Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 4 mar. 1950, p. 3.

O Bairro Operário surgiu após a Primeira Guerra Mundial, no alto das Barrocas, uma região de fronteira entre o “asfalto” e os musseques. Seus primeiros moradores foram operários do Caminho de Ferro de Luanda e da Conduta de Água. Com a expropriação das zonas centrais para a formação de áreas residenciais para colonos, famílias tradicionais de Luanda, assimiladas “de fato” ou “de direito”, se deslocaram para o Bairro Operário, sobretudo na década de 1930, convivendo com segmentos menos favorecidos. Nessa época, embora composto por casas simples, muitas delas de madeira com telhado de zinco, o bairro contrastava com os musseques vizinhos, sobretudo pelo alinhamento das casas e pela limpeza das ruas. Entre os anos 1950 e 1960, o Bairro Operário teve grande importância na formação da música e na agitação anticolonial luandense (SANTOS, 2012, p. 37-49SANTOS, Jacques Arlindo dos Santos. ABC do Bê Ó. Luanda: Chá de Caxinde, 2012.).

As tentativas de separação dos espaços destinados às variadas expressões carnavalescas, evidentes nos editais policiais de 1933 e 193623 23 O CARNAVAL. A Província de Angola. Luanda, 25 fev. 1933, p. 2; O TRÂNSITO na cidade. A Província de Angola. Luanda, 24 fev. 1936, p. 1. , manifestaram-se, em 1950, na escolha da Estrada da Circunvalação para a realização do “concurso folclórico”. Apesar disso, em muitas ocasiões – a até mesmo no “domingo gordo” daquele ano, em que os agrupamentos desfilaram na Baixa – ocorriam encontros entre diferentes manifestações carnavalescas e estratos sociais. Tais encontros não significavam, evidentemente, a ausência de diferenciações e conflitos.

Em 22 de fevereiro de 1939, um jornalista do Diário de Luanda comentou o que viu na avenida Brito Godins nos últimos dois dias de carnaval, referindo-se à presença de muitos carros com mascarados, mas lamentando a raridade das serpentinas e a preferência dos participantes do corso pelo arremesso de “cocotes” (embrulhos de papel colorido com areia), “fuba” e milho. O jornalista criticou, ainda, o suposto arremesso de objetos contundentes por parte da assistência.

Entre vários objetos de que se fez largo uso, ontem, figuram caixas de fósforos cheias de areia, “cocotes” atacadas com burgau [mistura de pedras miúdas e areia] e até – tivemo-la em nosso poder – uma caixinha-invólucro de película fotográfica cheia de areia!

Justo é dizer-se que o arremesso de tais “mimos” não partia dos ocupantes dos carros ou janelas, mas sim, como tivemos ocasião de ver, dos pretos boçais e estúpidos postados nos passeios. Evidentemente que a autoridade não podia ver e evitar tudo isto que acabamos de relatar.

Quanto a nós o caso só teria uma solução viável: a realização do “corso” noutro local, por exemplo como há dois anos se fez por iniciativa deste jornal, na avenida Salvador Correia, e não permitindo acesso a esse local ao pretinho boçal.

Também dentre os próprios componentes do cortejo houve engraçados que serviram de baldes de água. São coisas que podiam evitar-se.24 24 FESTAS e diversões carnavalescas. Diário de Luanda. Luanda, 22 fev. 1939, p. 3.

É curioso que o jornalista atribua aos que qualifica como “pretinhos boçais” o uso de invólucros de películas fotográficas para a confecção de objetos contundentes a serem arremessados nos carros que participavam do corso. Não importa, aqui, averiguar a veracidade de sua afirmação, mas perceber que para ele era plausível supor que “sobras” de materiais tipicamente modernos – como as embalagens de filmes fotográficos – pudessem ser recicladas pelos considerados selvagens para atacar certos símbolos da modernidade, a exemplo do desfile festivo de automóveis. A situação evocada pelo jornalista talvez possa ser imaginada como uma metáfora da injustiça e da complexidade da situação colonial, com suas dinâmicas de expropriações, apropriações, ressignificações, embates e resistências.

Significativa, também, foi a solução por ele proposta para evitar tais incidentes: que o desfile do corso de automóveis fosse transferido da avenida Brito Godins para a avenida Salvador Correia. A primeira, separando as Ingombotas e o Maculusso, indicava, em 1940, um limite da zona urbanizada (AMARAL, 1968, p. 101AMARAL, Ilídio do. Luanda. Estudo de geografia humana. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1968.). A segunda, no coração da Baixa, era um espaço mais claramente associado ao universo colono. A transferência colocaria o corso de automóveis, símbolo por excelência do carnaval tido como moderno, no que parecia ser seu espaço natural, ainda mais exclusivo através da proibição da entrada dos que são qualificados, pelo jornalista, como “pretinhos boçais”.

“Modernidades”

Embora associados à selvageria – sobretudo nas primeiras décadas do século XX –, ou ao suposto imobilismo das tradições – a partir dos anos 1930 e 1940 –, os agrupamentos carnavalescos dos musseques procuraram apresentar inovações em seus desfiles, aproximando-se de representações genéricas da modernidade. Assim, em 14 de fevereiro de 1910, comentando com desânimo os festejos carnavalescos, um jornalista da Voz de Angola25 25 Segundo Aida Freudenthal, o jornal republicano Voz de Angola foi fundado em 2 de janeiro de 1911 (FREUDENTHAL, 1988, p. 23). No entanto, o Arquivo Histórico de Angola possui, em seu acervo, um semanário de mesmo nome, cujo primeiro número é de 5 de janeiro de 1908. No primeiro editorial (Voz de Angola. Luanda, 5 jan. 1908, p. 1), o referido jornal apresenta-se como sucessor do bi-semanário Defesa de Angola que, segundo Júlio de Castro Lopo, era ligado à maçonaria e existiu entre 1903 e 1907 (LOPO, 1964, p. 55-56.) (Voz de Angola. Luanda, 5 jan. 1908, p. 1). Em 1911, no contexto da eleição de representantes da colônia para o parlamento português, o jornal era o veículo de comunicação do Partido Republicano Colonial, cuja proposta não diferia muito da do Partido Reformista de Angola (ver nota 5). Segundo Júlio de Castro Lopo, o jornal Voz de Angola foi extinto em 18 de maio de 1911. informou:

No que atentamos foi em algumas inovações introduzidas no carnaval indígena. – Por exemplo: uma das danças (...) ostentava lâmpadas de acetileno e outra executava um número de música com um leit-motiv estranhamente rítmico, menos banal que alguns passos-dobrados do conhecimento dos nossos tímpanos mas do desagrado do nosso sensório.

(…) Mas para o ano... Verão! Até se projeta uma batalha de flores!... Algum dia tinha de chegar cá o Progresso...26 26 CARNAVAL. Voz de Angola. Luanda, 14 fev. 1910, p. 2.

Concepções de modernidade se materializavam, no cotidiano de Luanda, em toda uma gama de elementos que podiam ser genericamente descritos como “novidades” chegadas da Europa: formas de sociabilidade, esportes, bebidas, músicas, danças, meios de transporte, produtos, costumes. Alguns de seus símbolos enchiam as seções de anúncios dos jornais: bicicletas, automóveis, máquinas de escrever, trajes de banho, máquinas fotográficas, telefones, cinematógrafos.

Os moradores dos musseques parecem ter aproveitado o período carnavalesco não apenas para defender seus costumes ou tradições, mas também para se apresentar como modernos. E não fizeram isso por acaso. Desde fins do século XIX, a presença europeia na África foi justificada através da ideia de que cabia aos europeus, com grandes sacrifícios, cumprir a missão histórica de levar a civilização a um continente de natureza inóspita, habitado por povos selvagens. Se essa ideia geral de civilização foi essencial para justificar a expansão colonial na África e na Ásia em fins do século XIX, nas primeiras décadas do século XX parecem ter se fortalecido, entre intelectuais das metrópoles e das colônias, representações da modernidade. Assim, se a civilização ainda era vista como a antítese da barbárie ou da selvageria, a modernidade passava a ser representada como um conjunto de inovações e progresso, ou como o oposto do imobilismo e da tradição.

Se os agrupamentos carnavalescos podiam apresentar “novidades” em seus préstitos, também podiam tematizar, em suas canções, aspectos do cotidiano, inclusive aqueles diretamente relacionados a representações da modernidade. Em 16 de março de 1949, o Diário de Luanda referiu-se ao motociclista-acrobata Raul, que se exibira nos musseques de Luanda.

Pode dizer-se abertamente que RAUL, companheiro de BANY nas rodagens de motocicleta no “Poço da Morte”, conquistou a simpatia da população citadina. [...] Entre o elemento nativo a conquista da simpatia ultrapassou o inimaginável. Tanto assim que os nomes RAUL e BANY se popularizaram imenso em toda a vasta zona dos musseques e a tal ponto que no Carnaval deste ano até ouvimos nos grupos folclóricos algumas canções envolvendo os nomes dos dois conhecidos acrobatas.27 27 FALECEU Raul o motociclista acrobata do “Poço da Morte”. Diário de Luanda. Luanda, 16 mar. 1949, p. 6. Em 21 de março, o mesmo jornal informou que a notícia da morte de Raul era falsa. COISAS que acontecem. Ressurreição do Raul! O motociclista acrobata do “Poço da Morte” está vivo e são, trabalhando em Lourenço Marques. Diário de Luanda. Luanda, 21 mar. 1949, p. 3.

Não deixa de causar espanto que, em uma notícia que nomeia os agrupamentos carnavalescos dos musseques como folclóricos e, portanto, como tradicionais, seja dito que eles comentaram, em suas canções e desfiles, as peripécias de uma dupla de motociclistas acrobatas... De todo modo, esse espanto inicial pode ser superado se considerarmos que, nas experiências dos componentes de tais agrupamentos, tradições e modernidades não eram excludentes.

Um tanto contraditoriamente, o interesse crescente dos jornalistas pelo carnaval dos musseques, enquadrado nas categorias de tradição e folclore, ocorreu em um momento de grandes inovações nos desfiles. O resultado da combinação desses dois fenômenos foi a divulgação da programação carnavalesca dos musseques pela imprensa, a partir de meados da década de 1930. Em 5 de março de 1935, A Província de Angola dedicou um número completo aos festejos carnavalescos, comentando, inclusive, os desfiles ocorridos nos musseques no “domingo gordo”.

Maculusso, Musseque Burity, Musseque Sambizanga, Musseque Vieira Dias, Musseque Braga, Musseque Cayate, – e todos os variadíssimos Musseques, foi onde a gente (não confundir com a palavra “agente”...) afinal, acabou por fundear na areia e no pó. Não perdemos o tempo porque ali pudemos gozar um pouco.28 28 REPORTAGEM relâmpago. Como nós vimos o Carnaval nas salas e nas ruas. A Província de Angola. Luanda, 5 mar. 1935, p. 3.

Embora reconheça que os musseques ofereciam, aos que para lá se dirigissem no período carnavalesco, a oportunidade de “gozar um pouco”, o jornalista demonstra alguma ambiguidade no trocadilho com a palavra “agente”, uma possível alusão à ação policial em tais espaços da cidade. Dessa forma, sugere-se um novo olhar sobre os musseques, que não seriam apenas espaços de perigo e violência, e portanto alvos de incursões policiais, mas também locais de diversão, tanto para seus próprios moradores, que formavam os agrupamentos carnavalescos, quanto para os que se interessassem por suas exibições.

A matéria prossegue com a alegada reprodução dos programas que, podemos supor, teriam sido distribuídos pelos agrupamentos:

Pelo menos, e como não queremos alongar esta reportagem, pode ver-se o que foi o Carnaval nos Musseques e imediações por alguns programas que muito gostosamente inserimos e que foram cumpridos à risca e às riscas.29 29 Idem.

A acreditarmos nas palavras do jornalista, naquele ano os programas foram reproduzidos no jornal tardiamente, dois dias após o efetivo desfile dos agrupamentos, para fornecer aos leitores uma visão geral dos divertimentos. Mesmo considerando que os programas foram efetivamente distribuídos, não sabemos em que condições eles foram elaborados. Teriam eles sido preparados pelos próprios participantes dos agrupamentos? Teriam sido produzidos por jornalistas, comerciantes ou outros apoiadores dos desfiles? Caso tenham sido produzidos por jornalistas ou comerciantes, não poderiam alguns deles participar dos agrupamentos? Teriam sido simplesmente inventados pelo jornalista de A Província de Angola, em sua crônica de 1935? Tais perguntas parecem relevantes, sobretudo porque levantam outras questões. Seriam os programas autorrepresentações dos agrupamentos? Ou seriam, sobretudo, representações dos mesmos por terceiros? Embora ainda não tenhamos respostas para essas perguntas, podemos afirmar que, em outros anos, programas dos desfiles seriam divulgados pela imprensa. E que esses programas indicavam formas possíveis de representação dos desfiles, embora, evidentemente, eles pudessem ser vistos de diferentes maneiras, fosse pelos seus próprios participantes, fosse pelo variado público que os assistia.

Voltando à reportagem de 1935, sabemos que “Os 14 pares do coração” tiveram “a honra de convidar o Exmo. Público” a comparecer ao Musseque Burity para “apreciar o hino da Vitória, exibido pelos maestros Albino e Ernesto com os seus adjuntos”. E que “Os 14 pares do Pincão” e seu “maestro” Domingos Kiala saíram com sua “jazz band”. E que a “Cidrália nº 1” apresentou os “II Pescadores” com suas “redes, cachimbos, remos e fios”. E que o “maestro chefe” de “Os vinte pares dos Paladinos nº 1” usou uma “farda brilhando de ouro, o escudo iluminado de eletricidade, à cabeça uma carapuça com brilho junto à cruz da Vitória”. E que “Os 14 pares da Fineza”, auto-definidos como uma sociedade “composta de melhores homens da dança da Capital”, com “as mais altas classificações entre as suas congêneres”, se apresentaram com elementos de um conhecido “jazz”, “cedidos para esse fim”, e que o traje de sua “Rainha” fora feito para “sobressair a todas as fardas”. E, por fim, que “Os 14 pares do “João Belo” se exibiram “com a grande Taça Africana” e “os dois astros máximos na ginga”, Domingos Luiz e “Ferro e Aço”, além do “maestro Apelido”.30 30 Idem.

Os programas sugerem algumas hipóteses. Em primeiro lugar, que alguns agrupamentos carnavalescos levaram ao extremo, em meados da década de 1930, a ideia de espetáculo, supostamente divulgando o horário e o local de saída dos seus desfiles, e convidando o público para prestigiá-los. Em segundo lugar, que alguns jornalistas demonstraram interesse e simpatia por tais apresentações. Em terceiro lugar, que os agrupamentos buscaram ou puderam se apresentar como modernos, através da valorização de suas “fardas”, “maestros”, “jazz bands” e dançarinos. Talvez seja mesmo possível sugerir que os referidos programas envolvessem apenas uma parcela dos componentes dos agrupamentos, ou seja, somente alguns “pares” selecionados, que ensaiavam danças apropriadas para serem apresentadas ao público. Por fim, o trecho citado sugere, através da menção à “Taça Africana” portada pelos “14 pares de João Belo”, a existência de algum tipo de competição entre os agrupamentos, inclusive com premiação. Não disponho de maiores informações sobre a existência de um concurso formal em 1935, embora saiba da realização de desfiles competitivos em 1937 e 1950.31 31 Ver, por exemplo: AS NOSSAS iniciativas. O Carnaval não morreu! O Diário de Luanda promove por ocasião do Entrudo interessantes festas de beneficência. Diário de Luanda. Luanda, 4 jan. 1937, p. 1; O CARNAVAL. Recordando... o que se passou em 1937. Diário de Luanda. Luanda, 7 fev. 1950, p. 1.

Em 27 de fevereiro de 1938, o Diário de Luanda divulgou a programação de alguns agrupamentos, que desfilariam nos musseques naquele mesmo dia, um “domingo gordo”:

O Carnaval nos musseques deve ser mais animado que na cidade.

Assim, a “União Cidrália nº 1” convidou o povo de Luanda a assistir às 17 horas, no Km 7, ao desembarque dos “gentios mucubais”; a “Associação dos 14 pares do Coração” faz a sua exibição às 16:30 horas no musseque Cayate, tendo até fretado um avião o Aero Clube para distribuição profusa pela cidade do seu programa; o grupo “Gonçalo Velho Cabral” apresentase no campo dos Ambuílas às 16 horas; o grupo “A vitória do Pincão” sai às 15:30 horas do musseque Sambizanga e a “União dos Invejados” no musseque Cayate, exibe-se às 17h.32 32 O CARNAVAL dos musseques. Diário de Luanda. Luanda, 27 fev. 1938, p. 2.

O trecho acima confirma que, a partir da década de 1930, certos agrupamentos levaram ao extremo a concepção dos desfiles como espetáculos. Tal afirmação parece ser válida, acima de tudo, para a “União Cidrália nº 1”, que chegava a criar enredos para os seus desfiles (como o desembarque de “mucubais”, povos pastores do sul, em Luanda). A referência à distribuição do programa dos “14 pares do Coração” por um avião do Aero-Clube causa estranhamento, sugerindo duas hipóteses. Uma é que o jornalista estivesse fazendo uso de ironia ao comentar o grau de espetacularização assumido por alguns agrupamentos. Tal hipótese poderia ser válida, também, para a qualificação dos músicos de alguns deles como componentes de jazz bands, como na reportagem da Província de Angola de 5 de março de 1935 (ver nota 30). Mas, nesse caso, teríamos que supor que os programas fossem elaborados por terceiros, e não por membros dos agrupamentos. Outra hipótese é que alguns foliões do musseque Cayate – e provavelmente também de outros bairros periféricos – tivessem relações de amizade com jornalistas, comerciantes ou outros indivíduos ligados ao Aero-Clube.

Em 27 de fevereiro de 1949, o Diário de Luanda evocou carnavais do passado, inclusive publicando o programa da “Associação dos 14 Pares da Fineza” para o carnaval de 1940. Nele, a Direção cumprimentou “o Exmo. público em geral” e convidou para aquelas que seriam as três últimas apresentações da existência do agrupamento, que já durava onze anos. Na primeira o “velho rei dos reis”, nomeado como Camalundo, entregaria o “trono” a seu substituto Miguel Francisco Janota, rapaz “muito fresco”, que dava grande valor à dança. O anúncio destacava que “os capacetes [eram] dos últimos figurinos chegados diretamente para a Fina”, executados por Luís Armando, “muito pequeno na idade e grande na alma” e seus ajudantes Manuel Malhado e António Eduardo. O comando do grupo estaria “a cargo do sr. Chico Pisto”, o “chefe do movimento” seria João Sebastião, o “príncipe” seria Filipe Bernardo, e no saxofone se destacaria o “maestro” Alfredo Camisola.33 33 RECORDAÇÕES de há 10 anos. Ecos do Carnaval nos Musseques de Luanda. Como se deu o caso do bacalhau. Diário de Luanda, Luanda, 27 fev. 1949, p. 2. O nome do comandante do grupo, que fazia referência a uma peça – o pisto – presente no pistão (trompete) e no trombone, e o instrumento tocado pelo maestro – o saxofone – denotavam a influência da formação típica das jazz bands norte-americanas.

Em 16 de fevereiro de 1947 o Diário de Luanda publicou um anúncio da Cidrália para o carnaval do ano anterior, no qual “profundamente grata e mais uma vez reconhecida, pelo bom e melhor acolhimento que lhe têm dispensado”, saudava, “cordial e efusivamente”, o “povo de Luanda”. O anúncio mencionava que a apresentação do agrupamento seria abrilhantada pela “jazz band” dirigida pelo “maestro Santana Bartolomeu Pinto”, coadjuvado “por Manuel André, Eduardo Carvalho, Bernardo dos Santos e António Lourenço nos toques de tambor e caixas números 1, 2 e 3”.34 34 DIÁRIO de Luanda. Luanda, 16 fev. 1947, p. 4.

A análise dos programas permite mais uma vez sugerir que os membros de alguns agrupamentos empenharam esforços para se afastar das concepções de atraso, apresentando-se como artísticos e modernos. Tal atitude não deve ser interpretada como subserviência aos ditames do colonizador. Para muitos africanos, exibir o domínio de códigos culturais e comportamentos associados a representações de civilização e modernidade era parte de uma estratégia para a obtenção de um melhor emprego ou oportunidades, mesmo que isso não significasse o abandono de suas próprias culturas ou a aquisição do estatuto jurídico de assimilado. O hibridismo cultural – ou, se preferirmos, a crioulidade – resultava, em parte, do desejo dos africanos de demonstrar sua dignidade, fosse pela afirmação de suas supostas tradições, fosse através da apropriação de representações da modernidade (atribuindo a ambas, evidentemente, novos significados).

A referência à presença de jazz bands nos agrupamentos carnavalescos merece destaque. Nos anos 1920 e 1930, em grandes cidades da Europa e da América, as jazz bands não eram relacionadas necessariamente ao jazz, mas sim a variados ritmos tidos como dançantes, modernos, animados e quase sempre afrodiaspóricos. Assim, de acordo com Leonardo Pereira, em Havana, em 1921, um jornalista “afirmava que as jovens ricas ou pobres que se pretendiam modernas precisavam estar familiarizadas com expressões como fox-trot ou jazz band” (PEREIRA, 2020a, p. 291PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. A cidade que dança. Clubes e bailes negros no Rio de Janeiro (1881-1933). Campinas: Ed. Unicamp; Rio de Janeiro: EdUERJ, 2020a.).

Segundo representações da época, as jazz bands eram associadas a danças modernas que desarticulavam os corpos, com movimentos frenéticos e descontrolados. A apresentação dos músicos dos agrupamentos carnavalescos dos musseques como componentes de jazz bands atribuía novos sentidos aos seus cantares, ritmos e danças. Se estes frequentemente eram (des)qualificados, na imprensa, como guturais, barulhentos, desengonçados e desarmônicos, agora podiam reivindicar a qualificação de modernos.

É possível sugerir que alguns agrupamentos tenham sido influenciados por notícias do carnaval do Rio de Janeiro, que a partir dos anos 1920 passou a ser divulgado internacionalmente, como parte de um projeto de dinamização do turismo na cidade (NUNES, 2021NUNES, Lara Jogaib. O processo de turistificação do carnaval do Rio de Janeiro pelas páginas da Gazeta de Notícias (1922-1932). Tese (Doutorado em História) – Programa de PósGraduação em História, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.). Referências sobre o carnaval carioca podiam ser encontradas em jornais de Luanda.35 35 Ver, por exemplo: O CARNAVAL no Rio de Janeiro. Diário de Luanda. Luanda, 8 mar. 1940, p. 2; O CARNAVAL do Rio também foi molhado. Diário de Luanda. Luanda, 17 fev. 1947, p. 1. Assim, não é absurdo imaginar que alguns agrupamentos tenham deliberadamente introduzido, em seus desfiles, elementos presentes no carnaval carioca, especialmente nas exibições de escolas de samba, que nas décadas de 1930 e 1940 começavam a ser divulgadas, nas grandes cidades, como responsáveis pelo “melhor carnaval do mundo”.

O estudo dos agrupamentos carnavalescos de Luanda abre novas perspectivas para a investigação sobre as trocas culturais entre o Brasil e Angola. Seria interessante analisar as relações entre os agrupamentos de Luanda e os cucumbis, cordões, ranchos e escolas de samba do Rio de Janeiro, não apenas buscando matrizes angolanas do carnaval carioca, mas também influências deste último sobre o carnaval luandense.

A relação com a imprensa foi um elemento importante na história dos cordões, ranchos, blocos e escolas de samba. Não por acaso, o festival de cordões, organizado pela Gazeta de Notícias em 1908, e o primeiro concurso de escolas de samba, organizado pelo jornal Mundo Sportivo em 1932, são apontados como marcos da história do carnaval carioca (FERNANDES, 2001, p. 75-76FERNANDES, Nelson da Nóbrega. Escolas de samba: sujeitos celebrantes e objetos celebrados. Rio de Janeiro, 1928-1949. Rio de Janeiro: Secretaria das Culturas, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2001.). É possível lançar a hipótese de que jornalistas de Luanda tenham seguido o exemplo de seus congêneres do Rio de Janeiro, ao se interessarem pelos agrupamentos carnavalescos a ponto de sugerir e organizar concursos.

Se certos agrupamentos carnavalescos buscaram ou puderam se apresentar como cosmopolistas e modernos, isso acabou por influenciar os discursos presentes na imprensa sobre eles. De fato, um jornalista de A Província de Angola, comentando os divertimentos na avenida Brito Godins no carnaval de 1935, afirmou, a respeito de um dos “grupos indígenas”:

Neste rancho admiramos a criação coreográfica da 1ª bailarina, uma insinuante Joséphine Baker que está a pedir exposição. Não menos admirados ficamos com o à vontade dum lugar tenente de dança, que nos veio pedir para em nosso jornal dizermos que a Sociedade Moderna era o primeiro campeão dos grupos indígenas do Carnaval deste ano.36 36 ECOS do Carnaval. A Província de Angola. Luanda, 7 mar. 1935, p. 2.

A menção a Joséphine Baker traz à tona uma concepção de modernidade negra que, a partir de Paris, Londres e Nova Iorque, se dissipou por várias partes do mundo. A modernidade negra teria envolvido mudanças na visão dos negros pelos ocidentais e, também, a sua auto-representação positiva, na condição de modernos. Tudo isso seria perceptível a partir da década de 1920, com a incorporação de artistas negros ao mundo do espetáculo, ou seja, às revistas do Folie Bergère, aos musicais da Broadway, aos salões de charleston e às casas de jazz do Harlem, de Paris e de Londres (GUIMARÃES, 2002, p. 6GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A modernidade negra no Brasil, Estados Unidos e França. In: XXVI ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, Caxambu (Anais eletrônicos), 2002.).

Esse processo não foi isento de conflitos e contradições, já que, se a modernidade possibilitou a incorporação dos negros como criadores de cultura, não rompeu com a associação dos mesmos a certas representações de animalidade, sensualidade, espontaneidade, que afinal correspondiam às concepções em voga de primitivismo. Isso fica evidenciado, por exemplo, na “dança selvagem” apresentada por Joséphine Baker no Folies Bergère em Paris, em 1927.37 37 JOSEPHINE Baker’s Banana Dance. Paris [s.n.], c. 1927. 1 vídeo (1 min.). Publicado por Dwan. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wmw5eGh888Y. Acesso em 12 jun. 2022.

A comparação da dançarina de Luanda a Joséphine Baker parece ter sido motivada pelo fato de ambas corresponderem, na ótica do jornalista, a certas representações do que era tido como moderno e, ao mesmo tempo, do que era concebido como selvagem. Assim, é possível sugerir que os desfiles dos agrupamentos carnavalescos pudessem ser vistos, por espectadores mais cosmopolitas, não apenas como materializações do atraso e das tradições africanas, mas também, e contraditoriamente, como manifestações que dialogavam com representações da modernidade. O nome do agrupamento, Sociedade Moderna, sugere que seus participantes não estavam alheios a essa possibilidade.

Algo mais precisa ser dito sobre os nomes escolhidos por alguns agrupamentos. Referindo-se ao carnaval de 1949, quando organizações carnavalescas dos musseques teriam sido, após um longo tempo de proibição, autorizadas a desfilar na Baixa, um jornalista do Diário de Luanda comentou que presenciou a passagem da “Nova Ideia”, da “União Manda Fama”, da “Invicta”, da “União Vida do Mundo” e da “Associação dos 14 Pares de Paris”, entre outras.38 38 DIA a Dia. Tradição continuada em dia de Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 1º mar. 1949, p. 1. Em 1950, participaram do “festival carnavalesco” promovido pelo Diário de Luanda, entre outras agremiações, a “Matinée”, a “Anjo do Céu”, a “União Novas Ondas”, os “Argentinos”, a “União Gelo”, a “União Estudo”, a “Paris”, a “Estrela”, a “Brasileiros”, e a “Mundo Nova Ideia”.39 39 ESTÁ tudo a postos para animar as festas do Carnaval de 1950 organizadas pelo Diário de Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 18 fev. 1950, p. 1; AS INICIATIVAS do Diário de Luanda. As Festas do Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 22 fev. 1950, p. 1. Tais nomes sugerem concepções de modernidade, cosmopolitismo, ou o pertencimento a um mundo em transformação. Sem abandonar formas próprias de dançar, batucar, cantar e brincar, mas sempre dispostos a introduzir novos elementos nessas expressões, os componentes dos agrupamentos turvavam fronteiras entre tradições e modernidades. Aos historiadores e afins, resta reconhecer a inadequação de representações binárias para a compreensão de seus desfiles, que eram expressões privilegiadas do hibridismo cultural presente na cidade.

Considerações finais

A história dos desfiles carnavalescos expressa tensões cruciais geradas pela presença colonial em Luanda. A expropriação das zonas centrais e a formação de bairros exclusivos para colonos, que afastou os africanos para zonas limítrofes, contribuiu para que os agrupamentos se tornassem traços importantes da identidade dos moradores dos musseques.

Organizando agrupamentos com vizinhos, ensaiando nos quintais e desfilando no carnaval, habitantes dos musseques demarcavam sua presença na cidade. Se mantinham certas tradições, repetindo movimentos e ritmos há muito conhecidos, também incorporavam novos elementos às suas performances, apropriando-se deles a partir de referenciais e escolhas próprias, apesar dos constrangimentos e da violência que a situação colonial impunha.

Reconhecendo o fascínio de produtos e comportamentos que compunham as representações da modernidade, buscavam, também, apresentar-se como modernos. Dialogando com influências estrangeiras, muitas delas afro-diaspóricas, e mesclando-as aos seus próprios “costumes”, subvertiam estereótipos negativos e afirmavam a própria dignidade, dinamizando os hibridismos que caracterizavam a cidade, apesar das tendências de segregação.

Jornalistas estiveram atentos às suas expressões carnavalescas. Até os anos 1920, tenderam a encontrar no que chamavam de “danças indígenas” a comprovação do atraso e da selvageria que imputavam aos africanos. Nas décadas seguintes, influenciados por concepções em voga de modernidade, que abrangiam representações das culturas negras e, inclusive, do carnaval carioca, manifestaram interesse pelas agremiações dos musseques, chegando a propor e organizar concursos.

A investigação sobre a composição dos agrupamentos carnavalescos, e de suas relações com a imprensa, sugere que as categorias de indígena, assimilado e europeu encobriam múltiplas experiências e identidades. No interior de cada categoria existiam segmentações, hierarquias e rivalidades, e entre categorias diferentes podiam ser tecidas alianças, mesmo que temporárias.

  • 1
    PORTUGAL. Ministério do Ultramar. Decreto-Lei n. 39.666, de 20 de maio de 1954. Estatuto dos Indígenas Portugueses das províncias da Guiné, Angola e Moçambique. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/39666-1954-635399. Acesso em 14 set. 2022.
  • 2
    PORTUGAL. Ministério do Ultramar. Decreto-Lei n. 39.666, de 20 de maio de 1954. Estatuto dos Indígenas Portugueses das províncias da Guiné, Angola e Moçambique. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/39666-1954-635399. Acesso em 14 set. 2022.
  • 3
    Primeiro órgão da imprensa de Angola, de periodicidade semanal. Sua edição de estreia, com o título de Boletim do Governo Geral da Província de Angola, foi publicada em 13 de setembro de 1845. Possuía uma parte oficial, noticiando atos do governo, e uma parte destinada à vida social e anúncios comerciais. A mudança de título para Boletim Oficial do Governo Geral da Província de Angola ocorreu em 3 de julho de 1847 (LOPO, 1964, p. 11, 17LOPO, Júlio de Castro. Jornalismo de Angola. Subsídios para sua história. Luanda: Centro de Informação e Turismo de Angola, 1964.).
  • 4
    BOLETIM Oficial do Governo Geral da Província de Angola. Luanda, 28 fev. 1857, p. 2.
  • 5
    O primeiro número do semanário republicano A Reforma é datado de 1º de dezembro de 1910. Nele, o jornal é apresentado como órgão do Partido Reformista de Angola (A Reforma. Luanda, 1º dez. 1910, p. 1). Fundado em novembro de 1910 para disputar as eleições para representantes da colônia no parlamento português, que redigiria a primeira constituição republicana, o PRA defendia a autonomia legislativa, orçamental e fiscal da colônia, sem o rompimento do vínculo com a metrópole (FREUDENTHAL, 1988, p. 28-31FREUDENTHAL, Aida. Um partido colonial – Partido Reformista de Angola – 1910-1912. Revista Internacional de Estudos Africanos, Lisboa, n. 8 e 9, p. 13-57, jan./dez. 1988.). O último número de A Reforma saiu em 17 de fevereiro de 1912, anunciando também o fim do partido (A Reforma. Luanda, 17 fev. 1912, p. 1).
  • 6
    L.C. Crônica do Carnaval. A Reforma. Luanda, 4 mar. 1911, p. 3.
  • 7
    AS NOSSAS iniciativas. O Carnaval não morreu! O Diário de Luanda promove por ocasião do Entrudo interessantes festas de beneficência. Diário de Luanda. Luanda, 4 jan.1937, p. 1.
  • 8
    AS NOSSAS iniciativas. Continuamos a receber valiosas adesões que asseguram o êxito completo do nosso empreendimento. Diário de Luanda. Luanda, 29 jan. 1937, p. 1.
  • 9
    CARNAVAL de 1943. Diário de Luanda. Luanda, 8 mar. 1943, p. 5.
  • 10
    O CARNAVAL. A Província de Angola. Luanda, 25 fev. 1933, p. 2.
  • 11
    O CARNAVAL. Terça feira gorda. A Província de Angola. Luanda, 1º mar. 1933, p. 2.
  • 12
    REPORTAGEM relâmpago. Como nós vimos o Carnaval nas salas e nas ruas. A Província de Angola. Luanda, 5 mar. 1935, p. 3.
  • 13
    ECOS do Carnaval. A Província de Angola. Luanda, 7 mar. 1935, p. 2.
  • 14
    BARULHO no Sambizanga. A Província de Angola. Luanda, 7 jan. 1936, seção “A Cidade”, p. 3.
  • 15
    O TRÂNSITO na cidade. A Província de Angola. Luanda, 24 fev. 1936, p. 1.
  • 16
    QUATRO dias de folgança... Como se brincou o Carnaval nas ruas e nalgumas salas das sociedades de recreio da capital. A Província de Angola. Luanda, 28 fev. 1936, p. 3.
  • 17
    O CARNAVAL dos musseques. Diário de Luanda. Luanda, 27 fev. 1938, p. 2; VIOLENTA desordem. Diário de Luanda. Luanda, 24 jan. 1939, seção “Pela Cidade”, p. 4; EFEITOS do Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 7 fev. 1940, seção “Pela Cidade”, p. 4; O CARNAVAL em Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 24 fev. 1941, p. 3; BATUQUES. Diário de Luanda. Luanda, 8 mar. 1942, p. 1; O CARNAVAL em Luanda. Diário de Luanda, Luanda, 4 mar. 1946, p. 6; O CARNAVAL em Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 6 mar. 1946, p. 6; CARNAVAL de 1947. Diário de Luanda, Luanda, 16 fev. 1947, p. 6.
  • 18
    DIA a Dia. Tradição continuada em dia de Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 1º mar. 1949, p. 1.
  • 19
    O CARNAVAL antigo em Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 8 fev. 1950, p. 1.
  • 20
    PREPAREM-SE meninas e meninos para o próximo Concurso Infantil de Máscaras, organizado por este jornal. Diário de Luanda. Luanda, 9 fev. 1950, p. 1; CARNAVAL. As danças dos nativos vão exibir-se em público e perante um júri. Diário de Luanda. Luanda, 14 fev. 1950, p. 1; AS NOSSAS iniciativas. O carnaval de 1950. Diário de Luanda. Luanda, 15 fev. 1950, p. 1; ESTÁ tudo a postos para animar as festas do Carnaval de 1950 organizadas pelo Diário de Luanda. Diário de Luanda, Luanda, 18 fev. 1950, p. 1.
  • 21
    ESTÁ tudo a postos para animar as festas do Carnaval de 1950 organizadas pelo Diário de Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 18 fev. 1950, p. 1.
  • 22
    AS INICIATIVAS do Diário de Luanda. As festas do Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 22 fev. 1950, p. 1; OS PRÊMIOS atribuídos aos grupos folclóricos do Carnaval de 1950. Diário de Luanda. Luanda, 23 fev. 1950, p. 1; AS NOSSAS iniciativas. O Carnaval de 1950 e os concursos organizados pelo Diário de Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 26 fev. 1950, p. 1, 2 e 3; ECOS das festas do Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 4 mar. 1950, p. 3.
  • 23
    O CARNAVAL. A Província de Angola. Luanda, 25 fev. 1933, p. 2; O TRÂNSITO na cidade. A Província de Angola. Luanda, 24 fev. 1936, p. 1.
  • 24
    FESTAS e diversões carnavalescas. Diário de Luanda. Luanda, 22 fev. 1939, p. 3.
  • 25
    Segundo Aida Freudenthal, o jornal republicano Voz de Angola foi fundado em 2 de janeiro de 1911 (FREUDENTHAL, 1988, p. 23FREUDENTHAL, Aida. Um partido colonial – Partido Reformista de Angola – 1910-1912. Revista Internacional de Estudos Africanos, Lisboa, n. 8 e 9, p. 13-57, jan./dez. 1988.). No entanto, o Arquivo Histórico de Angola possui, em seu acervo, um semanário de mesmo nome, cujo primeiro número é de 5 de janeiro de 1908. No primeiro editorial (Voz de Angola. Luanda, 5 jan. 1908, p. 1), o referido jornal apresenta-se como sucessor do bi-semanário Defesa de Angola que, segundo Júlio de Castro Lopo, era ligado à maçonaria e existiu entre 1903 e 1907 (LOPO, 1964, p. 55-56.LOPO, Júlio de Castro. Jornalismo de Angola. Subsídios para sua história. Luanda: Centro de Informação e Turismo de Angola, 1964.) (Voz de Angola. Luanda, 5 jan. 1908, p. 1). Em 1911, no contexto da eleição de representantes da colônia para o parlamento português, o jornal era o veículo de comunicação do Partido Republicano Colonial, cuja proposta não diferia muito da do Partido Reformista de Angola (ver nota 5). Segundo Júlio de Castro Lopo, o jornal Voz de Angola foi extinto em 18 de maio de 1911.
  • 26
    CARNAVAL. Voz de Angola. Luanda, 14 fev. 1910, p. 2.
  • 27
    FALECEU Raul o motociclista acrobata do “Poço da Morte”. Diário de Luanda. Luanda, 16 mar. 1949, p. 6. Em 21 de março, o mesmo jornal informou que a notícia da morte de Raul era falsa. COISAS que acontecem. Ressurreição do Raul! O motociclista acrobata do “Poço da Morte” está vivo e são, trabalhando em Lourenço Marques. Diário de Luanda. Luanda, 21 mar. 1949, p. 3.
  • 28
    REPORTAGEM relâmpago. Como nós vimos o Carnaval nas salas e nas ruas. A Província de Angola. Luanda, 5 mar. 1935, p. 3.
  • 29
    Idem.
  • 30
    Idem.
  • 31
    Ver, por exemplo: AS NOSSAS iniciativas. O Carnaval não morreu! O Diário de Luanda promove por ocasião do Entrudo interessantes festas de beneficência. Diário de Luanda. Luanda, 4 jan. 1937, p. 1; O CARNAVAL. Recordando... o que se passou em 1937. Diário de Luanda. Luanda, 7 fev. 1950, p. 1.
  • 32
    O CARNAVAL dos musseques. Diário de Luanda. Luanda, 27 fev. 1938, p. 2.
  • 33
    RECORDAÇÕES de há 10 anos. Ecos do Carnaval nos Musseques de Luanda. Como se deu o caso do bacalhau. Diário de Luanda, Luanda, 27 fev. 1949, p. 2.
  • 34
    DIÁRIO de Luanda. Luanda, 16 fev. 1947, p. 4.
  • 35
    Ver, por exemplo: O CARNAVAL no Rio de Janeiro. Diário de Luanda. Luanda, 8 mar. 1940, p. 2; O CARNAVAL do Rio também foi molhado. Diário de Luanda. Luanda, 17 fev. 1947, p. 1.
  • 36
    ECOS do Carnaval. A Província de Angola. Luanda, 7 mar. 1935, p. 2.
  • 37
    JOSEPHINE Baker’s Banana Dance. Paris [s.n.], c. 1927. 1 vídeo (1 min.). Publicado por Dwan. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wmw5eGh888Y. Acesso em 12 jun. 2022.
  • 38
    DIA a Dia. Tradição continuada em dia de Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 1º mar. 1949, p. 1.
  • 39
    ESTÁ tudo a postos para animar as festas do Carnaval de 1950 organizadas pelo Diário de Luanda. Diário de Luanda. Luanda, 18 fev. 1950, p. 1; AS INICIATIVAS do Diário de Luanda. As Festas do Carnaval. Diário de Luanda. Luanda, 22 fev. 1950, p. 1.

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Editores responsáveis: Paulo Fontes e Luiza Larangeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2022
  • Aceito
    05 Jan 2023
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