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Graça Aranha e paródias oswaldianas: a alegria cósmica e a prova dos nove

Graça Aranha and parodies by Oswald de Andrade: cosmic joy and a litmus test

Graça Aranha y parodias oswaldianas: alegría cósmica y la prueba de los nueve

RESUMO

Estudo algumas paródias oswaldianas de certas noções, formuladas por Graça Aranha, quando considerava, em chave racialista e pessimista, ser a incipiente imaginação metafísica dos povos nacionais primitivos o motivo da paralisia do país. Como questão de fundo, destaco nas representações da cultura nacional, por Graça Aranha, a impregnação de um pessimismo racialista duradouro. Considero essas paródias, particularmente, em dois momentos distintos: na radicalização antropofágica, ante a dominância de discursos racialistas e metafísicos; e na frustração, manifesta n’O rei da vela, quanto à modernização conservadora.

Palavras-chave:
Oswald de Andrade; Graça Aranha; paródias do racialismo e do pessimismo metafísico; antropofagia; O rei da vela

ABSTRACT

I study some Oswaldian parodies of certain notions, formulated by Graça Aranha, when he considered, in a racialist and pessimistic way, that the incipient metaphysical imagination of the primitive national peoples was the reason for the paralysis of the country. As a background, I highlight in the representations of the national culture, of Graça Aranha, the impregnation of a lasting racialist pessimism. I consider these parodies, particularly, at two different moments: in anthropophagic radicalization, against the dominance of racialist and metaphysical discourses; and frustrated, he manifested himself in O rei da vela, regarding conservative modernization.

Keywords:
Oswald de Andrade; Graça Aranha; parodies of racism and metaphysical pessimism; anthropophagy; O rei da vela

RESUMEN

Estudio algunas parodias oswaldianas de ciertas nociones, formuladas por Graça Aranha, cuando consideró, en clave racista y pesimista, ser la incipiente imaginación metafísica de los pueblos nacionales primitivo, el motivo del estancamiento del país. Como cuestión de fondo, destaco en las representaciones de la cultura nacional, por Graça Aranha, la impregnación de un perdurable pesimismo racial. Considero estas parodias, particularmente, en dos momentos distintos: en la radicalización antropofágica, ante el dominio de los discursos raciales y metafísicos; y en la frustración, manifestada en O rei da vela, respecto a la modernización conservadora.

Palabras clave:
Oswald de Andrade; Graça Aranha; parodias del racismo y el pesimismo metafísico; antropofagia; O rei da vela

Uma das mais conhecidas máximas antropófagas é aquela que define a alegria como prova dos nove. Seguindo-se as marcações da história da literatura, pode-se pensar essa alegria como motivo de cisões e redefinições, nos limites do movimento, ou mesmo vinculada à criação modernista, e ao humor moderno, por oposição ao pessimismo passadista (­IGLÉSIAS, 1975IGLÉSIAS, Francisco. Modernismo: uma reverificação da inteligência nacional. In: ÁVILA, Affonso(org.). O modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1975., p. 15). Mas, neste estudo, não considero a alegria apenas como uma atitude, moral e psicológica, de abertura ao novo, singular ao verdadeiro modernismo, por oposição à sisudez anacrônica do academicismo passadista. Prefiro ponderar o sentido político da alegria oswaldiana, ou de recursos de humor como paródias do racialismo e do pessimismo metafísico, propagados por intelectuais como Graça Aranha, que a história da literatura brasileira considera ter sido uma presença anacrônica no modernismo, apesar da importância de sua atuação, nos anos de 1920, e da duradoura incontestabilidade de seus postulados. Particularmente, parece-me que o pessimismo de Graça Aranha, quanto ao legado espiritual estagnante de povos inferiores, complementava sua expectativa quanto à alegria da integração cósmica das raças, no futuro homem novo. Quer dizer, trato de dois tipos de alegria, a da integração cósmica futura e a de Oswald de Andrade, cujas paródias pondero, para além de seu traço psicológico, criativo e irreverente. Com Benedito Nunes (1970, p. XXXIV), considero que a presentificação oswaldiana da alegria, associada à disseminação dos benefícios da técnica, parodia a postergação das esperanças de Graça Aranha a uma futura raça cósmica. Foco o sentido político da crítica oswaldiana, ao racialismo e ao pessimismo metafísico, de discursos daquele período, particularmente os de Graça Aranha.

Começo definindo alguns pressupostos, a propósito do conceito de paródia, que uso ao estudar essa estratégia retórica, endereçada por Oswald de Andrade a Graça Aranha, particularmente, e também à elite cultural, da qual fazia parte, empenhada em dar unidade aos discursos sobre a cultura brasileira, fundando-a em uma tradição patriarcal, de valores metafísicos, e hierárquicos quanto às raças. Situar a polêmica nesse grupo, desse modo empenhado, parece-me ajudar a entender a duradoura assimilação de Graça Aranha como um intelectual brilhante, embora obscuro; além disso, esse contexto intelectual pode ter tido impacto no impedimento à encenação d’O rei da vela, ocorrida apenas em 1967.

Procuro situar as polêmicas, implicadas em paródias oswaldianas, no contexto da crise do liberalismo, na Primeira República, na sua interrupção em 1930, e no processo de modernização conservadora, que deslancha em 1937, ano da publicação d’O rei da vela. A peça apresentou um balanço da história recente do país, que mostrava a frustração do autor quanto à elite agrária e à industrial, cujo projeto modernizador a elite cultural dos anos de 1920 tinha discutido e encorajado, com a participação de Oswald de Andrade, embora ele tenha se tornado cada vez mais polêmico, desde seu requerimento da cidadania do bárbaro, no “Manifesto da poesia pau-brasil” (1924).

Caracterizo a estreita relação entre o pessimismo metafísico, quanto à estagnação brasileira, e discursos racialistas, representados pelo ilustre Graça Aranha, sobre a inferioridade de raças destinadas a se integrarem em um homem novo, futuro e civilizado. O rei da vela parodiava o pessimismo metafísico e racialista, característico de retóricas como a de Graça Aranha que, imediatamente após o manifesto oswaldiano de 1924, tinha afirmado a dita superioridade do expressionismo e, em alusão a Oswald de Andrade, também tinha acusado intelectuais brasileiros de incorrerem em um primitivismo confuso, além de inautêntico. Mesmo antes da publicação da peça, a antropofagia (1928-1929) parece-me já ter confrontado radicalmente essa acusação, enquanto também parodiava a tendência metafísico-racialista de discursos prevalecentes, na elite cultural daquele período.

Paródias oswaldianas, para uma elite cultural empenhada

Esclarecerei alguns pressupostos, do conceito de paródia usado por mim, neste artigo, e outras premissas acerca do sentido político da conceituação de uma cultura nacional, e de sua tradição, pela elite cultural modernista. Ao afirmar que Oswald de Andrade parodiou Graça Aranha, pressuponho uma diferença entre eles, mas não que os discursos do segundo fossem anacrônicos, nos anos de 1920, como se expressassem valores vencidos, de um período anterior, constituído na história do modernismo como passado, com o qual os modernistas romperam. Parece-me que, em nome de um ideal renovador, surtiram efeito gestos vanguardistas de ruptura, como proclamar a obsolescência de um discurso inadmissível. Mas, para ponderar o sentido político dos conflitos, entre Oswald de Andrade e Graça ­Aranha, prefiro salientar a duradoura dominância do discurso parodiado. Sendo assim, não uso o conceito de paródia definindo-o como ruptura com o passado, mas no sentido de canto paralelo (lat. parodia), que critica com humor e ironia, por meio de sugestões implícitas, um discurso apreciado ou dominante.

A crítica de poemas de Oswald de Andrade, por vezes, definiu a paródia como ruptura com o passado, conforme se lê no ensaio “A permanência do discurso da tradição no modernismo” ([1985] 2002). Sua publicação ocorreu quando vinha se consolidando uma tendência teórica a se declarar a esclerose dos discursos sobre a luta de classes, e a se propor sua substituição por questões ligadas às identidades de grupos minoritários, quanto à representação política. Nele, Silviano Santiago (2002)SANTIAGO, Silviano. A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra: ensaios. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. p.108-144. considera o fato de críticos marxistas, dedicados aos poemas de Oswald de Andrade, terem se interessado por seus gestos de ruptura com o passado, a ponto de ter escapado ao foco deles o valor que o escritor deu a certa tradição: a de um povo autóctone, particularmente resistente ao domínio colonial, os caraíbas. De fato, nos poemas de Oswald de Andrade, por vezes se valorizou a paródia, pensada como gesto de ruptura com valores do passado colonial, do monárquico, e da má-formação republicana. O ensaio vinculou essa noção de paródia ao modelo mais corrente de utopia, que coloniza o futuro, tornando-o a recompensa sempre adiada de um árduo enfrentamento do presente, mesmo quando danoso aos corpos engajados nele. Propondo um outro recorte, que põe de lado essa vocação destrutiva, o crítico chama a atenção para um tipo original de utopia, nos textos filosóficos oswaldianos, dos anos de 1940-1950, correlacionando-a à valorização do passado caraíba.

Santiago (2002SANTIAGO, Silviano. A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra: ensaios. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. p.108-144., p. 125) volta-se para os textos filosóficos do escritor que, após sua saída do Partido Comunista Brasileiro em 1945, desenvolveu em ensaios dos anos de 1940-1950 uma noção original de utopia, não disruptiva quanto à tradição caraíba. Em vez de endossar apenas a ruptura com valores do passado, preconizada em modelos sacrificiais de ruptura, Santiago (2002SANTIAGO, Silviano. A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra: ensaios. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. p.108-144., p. 124 e 126) assinala, na utopia caraíba, uma atitude dupla, uma noção contraditória de tempo, que chama de um “eterno retorno em diferença”. Essas proposições filosóficas evocaram um retorno da tradição indígena, capaz de redefinir o futuro, que contempla o valor ancestral do cuidado do corpo, e das alegrias vitais, a serem recuperadas pela utopia do retorno do matriarcado (SANTIAGO, 2002MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. V. 5. São Paulo: Cultrix, 1978., p. 125-126).

Anos antes, a antropofagia tinha radicalizado uma provocação, já publicada, no “Manifesto da poesia pau-brasil”, cuja proposta de acerto do “relógio império” lançara um desafio ao projeto de modernização industrial, incumbindo-o de desfocar a priorização dos lucros, e de ampliar progressivamente os benefícios da técnica, para os bárbaros nacionais (ANDRADE, 1970ANDRADE, Oswald de. Obras completas VI. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970., p. 3-10). Primeiro, no “Manifesto da poesia pau-brasil”, o escritor tinha se referido aos povos nacionais como bárbaros, epíteto também usado por outros intelectuais naquele período. Depois, no “Manifesto antropófago”, radicalizou a polêmica, quanto ao estigma da incivilidade das raças nacionais, tornando símbolos o caraíba e o antropófago, cujas práticas canibais tanto tinham escandalizado cronistas do Novo Mundo. Além disso, a metáfora do canibal, associada à resistência do caribenho à colonização/ao domínio externo, e ao personagem shakespeareano Caliban, fazia parte da tradição intelectual latino-americana, e caribenha, de Martí, de Rodó. Oswald de Andrade não chegou a mencioná-la, no que Retamar (2004RETAMAR, Roberto Fernández. Caliban ante la antropofagia. In: RETAMAR, Roberto Fernández. Todo Caliban. Buenos Aires: CLACSO. p. 35-49. 2004 , p. 35-36, 45-46), em ensaio de 1999, considerou ter pesado sua difusão tardia no Brasil, apenas nos anos de 1980. Mas Oswald de Andrade estava familiarizado com a semântica insurgente e latino-americana da figura do canibal, de Caliban. Pelo menos, no que diz respeito à contribuição de Ronald de Carvalho, bastante influente naquele momento.

André Botelho (2002, p. 223-232) demonstrou a importância da atividade intelectual de Ronald de Carvalho, nos anos de 1920, para a assimilação pública de discursos, afins aos de Graça Aranha, sobre a cultura nacional, que revelavam aspectos significativos do lugar da elite cultural modernista, além de terem oferecido premissas importantes para o avanço do pensamento conservador, e de sua articulação política, a partir de 1930. Estudou n’O espelho de Ariel (1923) o modo como Ronald de Carvalho tratou dilemas do país, frente à modernização capitalista, defendendo a missão civilizatória de intelectuais humanistas como Graça Aranha, mais afim à tradição metafísica europeia de Próspero, do que ao fascínio de Caliban (o latino-americano insurgente) pelos princípios liberais de um racionalismo degenerado, anglo-saxão (BOTELHO, 2002BOTELHO, André Pereira. Um ceticismo interessado: Ronald de Carvalho e sua obra dos anos 20. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002., p. 289). Demonstrou que o empenho, de uma elite de intelectuais modernistas, em elaborar uma tradição cultural unificadora da nação, confrontava o fantasma da ameaça de fragmentação do país, abalado por diversas rebeliões internas, na Primeira República.

Parece-me que, ao se posicionar, no “Manifesto da poesia pau-brasil”, como quem incumbia a embrionária elite industrial do dever de colaborar com as condições de cidadania do “bárbaro leitor de jornal”, Oswald de Andrade (1970ANDRADE, Oswald de. Manifesto da poesia pau-brasil. In: ANDRADE, Oswald de. Obras completas. VI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1970. p. 3-10., p. 3-10) também sinalizou sua desafiadora participação na elite cultural. Como atuaram em um campo cultural não estruturado, de grupos pequenos, ativos e polêmicos entre si, parece-me importante salientar que os modernistas reportavam-se, principalmente, uns aos outros (MARTINS, 1987MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. V. 5. São Paulo: Cultrix, 1978., p. 79 apudBOTELHO, 2002RETAMAR, Roberto Fernández. Caliban ante la antropofagia. In: RETAMAR, Roberto Fernández. Todo Caliban. Buenos Aires: CLACSO. p. 35-49. 2004 , p. 281). Dirigiam-se, ainda, aos grupos dominantes, com os quais mantiveram relações ambivalentes, de intercâmbio, conflito e dependência. Quanto à utopia caraíba dos ensaios filosóficos (1940-1950), cujas premissas Oswald de Andrade já vinha formulando desde a antropofagia (1928-1929), destaco que lançou metáforas de difícil digestão, para a elite cultural, pois constrangeu o fundamento racialista dos privilégios das linhagens civilizatórias dos donatários. Depois de valorizar alegremente a cidadania do bárbaro, na poesia pau-brasil, a antropofagia radicalizou a crítica, ao tom pesaroso da elite cultural, evocando a tradição dos caraíbas canibais, e confrontando discursos racialistas do século XIX, pressupostos na utopia de Graça Aranha de uma futura integração dos povos nacionais, numa raça cósmica. Embora esses discursos racialistas tenham mantido sua vigência, na década de 1920, a ênfase costumeira neles deslocou-se a um interesse pela cultura nacional, cuja apreciação tornou-se rotineiramente identificada a valores, morais e psicológicos, da tradição humanista e patriarcal, que intelectuais modernistas como Graça Aranha formularam, de modo favorável a uma tendência política conservadora e nacionalista (BOTELHO, 2002BOTELHO, André Pereira. Um ceticismo interessado: Ronald de Carvalho e sua obra dos anos 20. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002., p. 130-132, 250-252, 273, 279, 289). Tendo isso em vista, alguns dos modernistas, entre os quais se destacaram, nos anos de 1920, intelectuais como Graça Aranha e Ronald de Carvalho disseminaram um tipo de nacionalismo, afim às suas concepções da tradição cultural, orgânica aos valores das elites agro-exportadoras, e útil na defesa da unidade política e territorial, junto ao rechaço a algo que se supunha uma ameaça à ordem social: o liberalismo (p. 274).

Abalado por sucessivas crises, na Primeira República, o Estado empenhou-se em assegurar seu processo de estabilização/unidade, no que intelectuais modernistas contribuíram, quando postularam conceitos da cultura nacional, motor das diversas polêmicas marcantes do período (p. 280, 314-315). Diferentes noções da tradição brasileira somavam-se aos esforços diplomáticos por um posicionamento geopolítico estratégico do país, cujo gigantismo frequentemente se atribuía a um pendor à integração das raças formativas do novo homem, representante de uma cultura nacional harmonizadora, por oposição à formação liberal, insurrecional e fragmentária, de vizinhos sul-americanos (p. 90-92, 305-306). Para além dessa distinção estratégica, alusiva quanto à desarmonia fundadora das culturas da fronteira, definições modernistas da cultura nacional não chegavam a ponderar, muito detidamente, o lugar dessa tradição, de moral e psicologia superior, frente às dinâmicas internacionais do capitalismo (­p. 274 e 278). Botelho (p. 290) demonstrou que, quando as definições modernistas da tradição da cultura nacional se articulavam, também se naturalizavam, em publicações de circulação relevante, discursos de descrédito quanto ao liberalismo da Primeira República. Além disso, a crise do capitalismo, culminada na Grande Depressão, também dava ocasião a críticas severas ao modelo liberal, e nos debates internacionais discursos conservadores defendiam, como solução, legar-se amplos poderes a um Estado interventor, na economia e na sociedade.

A predisposição das elites a fundarem para si a tradição da cultura nacional, se complementava na indisposição quanto a modelos liberais, sendo que intelectuais, de atuação relevante, deram manifestações significativas de seu descrédito, frente ao socialismo, e frente à democracia (FARIA, 2006FARIA, Daniel. O mito modernista. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2006.). Fazia parte do contexto intelectual e político, dos anos de 1920, a noção de que as elites nacionais, pensadas como um grupo social organizado e superior, eram uma espécie de célula da vida pública, cujos progressos o clã rural dirigia, conforme as configurações de cada ciclo econômico (CARVALHO, 1976CARVALHO, Ronald de. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Briguiet, 1949., p. 120-121; 1924, p. 19 apudBOTELHO, 2002BOTELHO, André Pereira. Um ceticismo interessado: Ronald de Carvalho e sua obra dos anos 20. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002., p. 257, 269). Tinham lugar, de destaque e influência, discursos pessimistas sobre a eterna natureza humana, traduzida em símbolos, que comunicavam desprezo pelas massas, queixas sobre o individualismo dos novos tempos, espiritualismo, apreço ao passado e à ordem.

Oswald de Andrade ironizava esse tipo de pessimismo, frequente entre seus pares. Na sua poesia pau-brasil, apostava na complementaridade entre vanguarda estética e perspectivas de modernização, dentro do modelo liberal agroexportador, da Primeira República. Depois, no final da década, o antropófago viu o pacto oligárquico que a sustentava se esgotar, e acabar sendo interrompido pela Revolução de 1930. Anos depois, a ditadura do Estado Novo (1937-1946) deu andamento a seu propagado plano de industrialização, mas sem alterar a base da tradição patriarcal: seu domínio da política, e do modelo produtivo. Preservando a estrutura agrária, o Estado assegurou a posição privilegiada dos grupos conservadores, e acalmou seus temores quanto a ameaçantes discursos liberais. Manifestando sua frustração, quanto a esse processo de modernização conservadora, Oswald de Andrade satirizou-o n’O rei da vela (1933-1937).

O rei da vela: parodiando o pessimismo quanto à morosidade da integração racial

ABELARDO I - O catolicismo declara que esta vida é um simples trânsito. De modo que os que passaram mal, trabalhando para os outros, devem se resignar. Comerão no céu...

HELOÍSA - E os outros?

ABELARDO I - Os outros não precisam nem acreditar. Podem até adotar o cepticismo ioiô. A vida é um eterno ir e vir... ioiô...

HELOÍSA - E quando enrosca?

ABELARDO I - Aí apela-se para Schopenhauer. E imediatamente adota-se a filosofia do tiro no ouvido...

Fragmento do III Ato d’O rei da vela, de Oswald de Andrade.

Oswald de Andrade não conseguiu encenar O rei da vela, por duas razões. Por um lado, expunha uma crítica, afim à perspectiva do Partido Comunista, ao processo de modernização conservadora; por outro, adotava um estilo cênico muito diferente dos exibidos nos palcos brasileiros naquele período (MAGALDI, 2004MAGALDI, Sábato. Teatro da ruptura. Oswald de Andrade. São Paulo: Global, 2004., p. 161). Parece-me ainda que teve seu papel, nesse impedimento, sua paródia incisiva do pessimismo metafísico, pressuposto em concepções da cultura nacional, como a de Graça Aranha. Mas, em todo caso, a estreia nos palcos veio a se tornar célebre, ainda que bem depois, em 1967, com o Teatro Oficina.

Nessa peça, Oswald de Andrade coloca na boca do industrial Abelardo I, em diálogo com a latifundiária decadente Heloísa, uma paródia do pessimismo metafísico das elites, metaforizadas por esses personagens, e com ela destaca a desesperante paralisia de suas vidas, presas a uma ordem de coisas acima de seu controle, cósmica. Oswald de Andrade tipificava o topo da pirâmide social, e com ironia deslocava, rumo a essas mesmas elites, o pessimismo metafísico de que elas, em certa medida, se eximiam, enquanto lamentavam a ineptidão e a passividade das matrizes, mais escuras e rudes, do tecido social.

No I ato, Oswald de Andrade tipifica a agiotagem praticada por Abelardo I, ao apresentar seu assistente e sucessor, Abelardo II, que porta um chicote. O assistente, que se declara um socialista dentro da tradição semicolonial, veste-se como um domador de feras, e faz a mediação entre a gaiola de clientes endividados, uma espécie de sala de espera, e o credor Abelardo I, a quem lê seus dossiês e contratos de crédito. Ao modo de Brecht, Oswald de Andrade colocou na boca de Abelardo I um sinal de que precisava interromper o rito da experiência estética, o transe meio inconsciente/supraconsciente de seu público no teatro, quando fez o agiota declarar ser o bastante atender apenas o primeiro cliente, para cumprir o objetivo do I ato: apresentar o protagonista e a situação. Os devedores, que consistem em proprietários de comércios e empreendimentos, representam a posição dos imigrantes europeus, naquela crise global, cuja tensão é cortada quando a cena da jaula termina, subitamente.

ABELARDO I - Não faça entrar mais ninguém hoje, Abelardo.

ABELARDO II - A jaula está cheia... Seu Abelardo!

ABELARDO I - Mas esta cena basta para nos identificar perante o público. Não preciso mais falar com nenhum dos meus clientes. São todos iguais. Sobretudo não me traga pais que não podem comprar sapatos para os filhos... (ANDRADE, 2003ANDRADE, Oswald de. O rei da vela. São Paulo: Globo, 2003., p. 35)

São todos iguais, sendo que o protagonista duplica-se em um segundo Abelardo, uma espécie de variante conflituosa do primeiro. Cada um dos tipos sociais representados passa longe da concepção humanista de um homem pleno, entendido por modernistas, como Graça Aranha, como um sujeito em dia com a história de seu tempo, participante de uma cultura tida por superior, civilizada, em psicologia e moralidade. Com a cena do agiota, seu assistente domador e a jaula de clientes, Oswald de Andrade também evocava a matriz circense do espetáculo teatral, que às vésperas da Primeira Guerra havia se tornado uma marca da literatura expressionista (MAGALDI, 2003MAGALDI, Sábato. O país desmascarado. In: ANDRADE, Oswald. O rei da vela. São Paulo: Globo , 2003., p. 13; CERQUEIRA, 2011CERQUEIRA, Larissa Agostini. A modernidade e os modernistas: o rosto da cidade na poesia. Características do modernismo urbano em Pauliceia desvairada e Menschheitsdämmerung. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) - Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, FALE, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., p. 29-30). Em termos de estilo, o escritor usava, nessa cena, materiais diferentes e até conflitantes, como aquele apelo à consciência do público, produzido pela quebra da quarta parede, e uma referência ao expressionismo, que parodia o parecer de Graça Aranha sobre a superioridade dessa estética alemã, frente ao primitivismo cubista. Anos antes de Oswald de Andrade publicar a peça, Graça Aranha (1925, p. 23-47) tinha considerado as obras expressionistas uma experiência estética total, capaz de produzir uma unificação dinâmica, cintilante, entre a luz da consciência e os mais obscuros valores do inconsciente coletivo. Ao ver do ilustre fundador da Academia Brasileira de Letras, o expressionismo apresentava expressões do espírito moderno, por oferecer um objetivismo dinâmico, capaz de integrar as sensações ao intelecto, a interioridade aos objetos exteriores. Isso parecia-lhe superar limitações do cubismo, como a fragmentação subjetivista e, particularmente, o primitivismo, que Graça Aranha julgava ter sido adotado, de modo confuso, por intelectuais brasileiros, em clara alusão a Oswald de Andrade.

A peça faz referência ao expressionismo, em uma cena parodística daquilo que Graça Aranha tinha apreciado, nesse estilo: a experiência de algo superior às compreensões mais mundanas, algo como o cosmos, a síntese transcendental da sensibilidade à inteligência. Até muito pelo contrário, a cena da jaula desdobra a intranscendente falta de tato, de mistério, de complexidade, do industrial. Os demais personagens também não têm grande espessura, nem as situações que encarnam. Tampouco há qualquer movimento mútuo, totalizador, entre o interior dos personagens e o exterior. Ao contrário, esses personagens não cessam de declarar interesses de classe, e brechtianamente traduzem ao público o sentido de fundo, que consiste em uma metafísica da estagnação tropical, usada como justificativa para se brutalizar, como feras, mesmo os imigrantes europeus, trazidos para melhorar supostas tendências raciais inferiores. A peça esquematiza uma representação do modelo produtivo nacional e, apropriadamente, deixa de fora os mestiços pobres, reservados ao papel fundamental, e invisível, de excesso de mão de obra, barata e informal. Parodia o modo como Graça Aranha pensava a imobilidade cósmica de um país mestiço, duplicando-a em outro tipo de estagnação: a do modelo produtivo.

O rei da vela exibe a falta de agência das elites, em um processo histórico acima de seu controle, descartáveis e úteis apenas ao desempenho de um papel de classe, sobredeterminada por uma ordem de coisas global. Oswald de Andrade tipificou os personagens da peça agigantando psicologismos, como aqueles apresentados no famoso Estilo tropical (1888) de Araripe Junior: a excitação nervosa, o sensualismo, a vitalidade, a incorreção e a atenção intermitente (BOSI, 1978BOSI, Alfredo(org.). Araripe Júnior: teoria, crítica e história literária. In: ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. Estilo tropical: a fórmula do naturalismo brasileiro. Rio de Janeiro; São Paulo: LTC; EdUSP, 1978. p. 124-128., p. 124-128). Inventou o caráter paradoxal de Abelardo I, combinando suas ganas, sensualistas e mercenárias, a reflexões sobre a trágica condição de seu ser tropical, o “ioiô” metafísico. Deslocou a figura de Abelardo I, em um fundo análogo a um esquema de interpretação do modelo produtivo: tendo sido aprisionado em uma situação extremamente limitada, votou-se a uma ordem de coisas superior/exterior, sem poder vencer sua estagnação, até suicidar-se. A peça parodiou o diagnóstico pessimista acerca da estagnação, produzida pelos povos bárbaros nacionais, que tinha seu lugar na pauta, desde 1870, e deslocou o foco para a instrumentalização das elites, no tabuleiro global.

Com Heloísa e Abelardo, Oswald de Andrade tipificou as elites, considerando os setores de produção fundamentais no país, nos anos de 1930: o tradicional (agrário e extrativista), e o emergente (industrial). O casal pertence a esses setores produtivos: ela, uma latifundiária falida; ele, um produtor de velas, um artefato de tecnologia primária, com uma semântica religiosa e mortuária. Seus nomes evocam um famoso episódio da história ocidental, escrito no século XIX, em chave romântica, que relata a união ilícita e trágica de um casal, versado em filosofia e teologia, na transição da Idade Média para o Renascimento. Oswald de Andrade caracteriza o casal com trejeitos trágicos, parodísticos do mito romântico, do século XII. O par também encarna tipologias psicologistas, como aquelas com que intelectuais constituíam o obscurantismo de certos tipos raciais, ditos inferiores, e ao mesmo tempo o protagonista volta contra si mesmo uma ótica pessimista, usada nessas classificações. No final, grandiloquente e farsesco, Abelardo I suicida-se. Se a lógica de (des)classificação da ancestralidade do mestiço, em última instância, era suicida, como contrapeso lançava a boia de salvação do esclarecimento, em sua versão metafísica e pessimista, que a peça parodia.

Graça Aranha ficou conhecido como um intelectual finissecular, anacrônico nos anos de 1920, por sua verbosidade e pessimismo. No entanto, isso nem sempre foi assim. A princípio, houve uma crítica severa a ele, publicada por Oswald de Andrade, em 1924, no Jornal da Manhã, que contestava o parecer de Graça Aranha, na conferência “O espirito moderno”, sobre o primitivismo confuso de intelectuais brasileiros. Mas outras perspectivas a respeito do pronunciamento do acadêmico mostraram-se positivas, com ressalvas (CARVALHO, 1949CARVALHO, Ronald de. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Briguiet, 1949., p. 361; PEREIRA, 1950PEREIRA, Lúcia Miguel. História da literatura brasileira: prosa de ficção (1870-1920). V. XII. Rio de Janeiro: José Olympio, 1950., p. 238). Sua pequena apresentação biográfica, disponível no site da ABL (2020ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Biografia de Graça Aranha. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/graca-aranha/biografia . Acesso em:jan. 2020.
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), atribui a Afrânio Peixoto a afirmação de que Graça Aranha foi um escritor brilhante, mas confuso, tendo produzido muito ruído com seus poucos escritos. Em um primeiro momento, o consideravam polêmico e difícil de compreender, apesar de brilhante, e esse tipo de avaliação teve lugar, por um bom tempo. Assim como Afrânio Peixoto tinha mencionado os ruídos em torno do brilhante e meio ininteligível Graça Aranha, o História da inteligência brasileira de Wilson Martins, publicado entre 1976 e 1979, manteve a atitude de reconhecimento da contribuição do Canaã para a história das letras no país, por ter estreado o gênero romance de ideias, embora apontasse nele certas deficiências. Graça Aranha foi valorizado, por décadas, como um homem de ideias, embora meio obscuras, mas no final dos anos de 1960 passou-se a questionar a própria validade de seu pensamento. Merquior (1977MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira-I. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977., p. 199) considerou-o verborrágico. Bosi (1969BOSI, Alfredo. O pré-modernismo. São Paulo: Cultrix, 1969., p. 106 e 112) sublinhou seu antipassadismo, considerando-o por isso um pré-modernista, e analisou falhas na estruturação de seu romance, em que a polarização ideológica apresentada nos diálogos, feitos por personagens mal caracterizados, não se articula bem aos quadros de descrições romântico-naturalistas. Além de questionar a estruturação do romance de Graça Aranha, apoiado em alegorias frágeis, e incompatíveis com a convenção realista adotada, Schwarz (1965SCHWARZ, Roberto. A estrutura de Chanaan. In: SCHWARZ, Roberto. A sereia e o desconfiado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1965., p. 19-22) também negou a pertinência de suas incursões filosóficas, inseridas com insistência no romance, como ensaios dialogados, que ficam interrompendo a narração, sem qualquer justificativa. A incongruência se mantém, nas conferências e nos ensaios, cuja defesa de uma integração cósmica entre natureza e homens, pela via do amor, não faz sentido na sociedade de classes brasileira; e quanto à denúncia da falta de domínio da natureza, ao ver do crítico esse era um problema superado (SCHWARZ, 1965SCHWARZ, Roberto. A estrutura de Chanaan. In: SCHWARZ, Roberto. A sereia e o desconfiado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1965., p. 19).

Tendo sido um importante intelectual do começo do século XX, e decisivo na Semana de Arte Moderna, Graça Aranha tinha como pressuposto indireto a filosofia de ­Schopenhauer, processada em chave racialista. Pressupostos como os dele não eram incomuns, e permaneceram sem contestação, por um período duradouro, o que dá a medida de sua relevância, nos anos de 1920 (BERRIEL, 2000BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas. Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado. Campinas: Papirus, 2000.; FARIA, 2013FARIA, Daniel. As meditações americanas de Keyserling: um cosmopolitismo nas incertezas do tempo. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 51, p. 905-923, set.-dez. 2013. e 2007FARIA, Daniel. Realidade e consciência nacional. O sentido político do modernismo. História, São Paulo, v. 26, p. 385-405, 2007.; PAES, 1991PAES, José Paulo. Canaã: o horizonte racial. Estudos Avançados, v. 5, n. 13, p. 161-179, 1991.). Destaco que tal pessimismo racialista disseminou-se, do período da abolição até, pelo menos, os anos de 1920-1930 (PAES, 1991PAES, José Paulo. Canaã: o horizonte racial. Estudos Avançados, v. 5, n. 13, p. 161-179, 1991., p. 176-177). Considerar a atuação de Graça Aranha ajuda a considerar a relação do modernismo com o período anterior, pois a veemência da refutação oswaldiana do anacronismo de certas questões indicava um convívio permanente com elas, que às vezes desdobrou-se em polêmicas, outras vezes em negociação, e proximidade.

Do pessimismo, ante uma mestiçagem morosa, à futura alegria cósmica da integração

A fixação de Graça Aranha pela futura raça cósmica, a orientação metafísica de seu pensamento humanista, além do fato de predominarem referências a ele como uma figura lateral, reforçam a prevalência da imagem de seu atraso, quanto às vanguardas revolucionárias, dos anos de 1920, sementes de renovação estética e social, lançadas em um solo que acabou sendo cauterizado pela insurgência, em 1930, de um modelo político centralizador, a princípio conservador, e em seguida autoritário. O dito anacronismo desse escritor faz sentido, dentro de um modelo historicista, que constitui a história da literatura brasileira moderna como uma linha de evolução, iniciada na Semana de Arte Moderna, antes da qual se somam certos precursores. À afirmação de Eduardo Jardim de Moraes (1978MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978.), sobre Graça Aranha ter antecipado, em 1921, conceitos fundamentais da Semana de 1922, seguiu-se a publicação do estudo de Arnoni Prado (1983PRADO, Antonio Arnoni. 1922 - Itinerário de uma falsa vanguarda. Os dissidentes, a Semana e o Integralismo. Coleção Primeiros Voos, v. 19. São Paulo: Brasiliense, 1983.) sobre sua paternidade de um modernismo conservador, de direita, que a seu ver representou uma vertente dissidente, quanto ao verdadeiro modernismo. Prado (1983PRADO, Antonio Arnoni. 1922 - Itinerário de uma falsa vanguarda. Os dissidentes, a Semana e o Integralismo. Coleção Primeiros Voos, v. 19. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 17) agrupa os dissidentes, segundo uma orientação decisiva ao pensamento conservador, articulado nas duas primeiras décadas do século XX, e florescente nos anos de 1930, quando passou a oferecer a representação mais adequada dos interesses das elites agrárias, junto ao Estado. Tendo sido peça fundamental, na constituição historicista desse segmento desviante, Graça Aranha teve sua contribuição inscrita entre as de modernistas do Rio de Janeiro, cujo conservadorismo se constata. Mais precisamente, funcionou como um elo entre duas atuações intelectuais conservadoras, e muito significativas, por sua singular importância, na vida intelectual da Primeira República: a de Elísio de Carvalho, na década de 1910, e a de Ronald de Carvalho, na de 1920 (BOTELHO, 2002BOTELHO, André Pereira. Um ceticismo interessado: Ronald de Carvalho e sua obra dos anos 20. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.; PRADO, 1983PRADO, Antonio Arnoni. 1922 - Itinerário de uma falsa vanguarda. Os dissidentes, a Semana e o Integralismo. Coleção Primeiros Voos, v. 19. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 7-73). Prevalece, na história da tradição cultural modernista e moderna, a centralidade de certa vanguarda revolucionária, articulada em seu marco inicial, a Semana de 1922. Mas conforme Botelho (2002BOTELHO, André Pereira. Um ceticismo interessado: Ronald de Carvalho e sua obra dos anos 20. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.), o historicismo evolucionista constitui a vanguarda, dita verdadeira, de um tempo de renovação, de modernização mais estética do que social, enquanto também idealiza, por exclusão, presenças supostamente anacrônicas, dissidentes, falsas, e um passado de precursores. Em vez disso, Botelho (2002, p. 134) procura salientar o caráter heterogêneo e controverso da vida intelectual naqueles anos.

Alguns pesquisadores têm considerado as relações entre Graça Aranha e o modernismo da Semana de 1922, que ajudam a reavaliar a decisão historiográfica predominante, segundo a qual esse escritor ocupa o lugar de um pré-modernista, por não ter podido se desvincular da imagem de acadêmico, a despeito de tê-la repudiado, em certo momento polêmico. Considero a proximidade substantiva do A esthetica da vida (1921) com o ideário de 1922, estudada por Moraes (1978MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978.), e o fato de Waldman (2010WALDMAN, Thaís. À “frente” da Semana de Arte Moderna: a presença de Graça Aranha e Paulo Prado. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v. 23, n. 45, p. 71-94, 2010.) ter sublinhado a participação fundamental do escritor, na organização da Semana de Arte Moderna, na conquista de patrocínio e na aproximação entre os modernistas e Paulo Prado, pelo que mereceu a posição de pai do evento, não apenas por sua famosa conferência de abertura, intitulada “A emoção esthetica na arte moderna” (fevereiro de 1922).

Antes mesmo de ter publicado A esthetica da vida, que sistematizou sua terapêutica da integração cósmica, Graça Aranha já havia esboçado algumas de suas noções fundamentais, no Canaã (1902). Paes (1991) pondera o modo como esse romance aborda a integração assimétrica de uma raça tida por superior, a dos imigrantes alemães, com gangas mais ou menos brutas de raças radicadas há mais tempo, no território nacional. No romance, e no momento de sua publicação, em 1902, Paes (1991) encontra a reincidência de certas teorias, sobre grupos humanos, baseadas em determinantes raciais, geográficas, culturais, o que lhe pareceu um anacronismo. Seu estudo retroage até a geração de 1870, que já vinha pensando o processo de mestiçagem, e elaborando a utopia tropical do melhoramento das raças locais. Observa o fato de essas questões finisseculares terem tido espaço significativo, por um bom tempo, inclusive entre escritores modernistas. Paes (1991, p. 165) também assinala o fato de, em todo esse período, ter perdurado uma indistinção entre cultura e raça, cujas determinantes inferiores precisariam ser superadas, rumo ao nível de civilizações avançadas, como as mais proeminentes da história Ocidental.1 1 Lilia Schwarcz (1993) estudou publicações do século XIX que indicavam o significativo interesse mundial por teorias racialistas de cunho evolutivo, com uma penetração tardia e deslocada, nas letras brasileiras.

A duradoura preocupação dos intelectuais quanto ao viés étnico, de cada segmento social, pertencia ao horizonte de Graça Aranha, quando definiu, no A esthetica da vida, aquilo que lhe pareceu o aspecto fundamental das raças inferiores, radicadas há séculos no território nacional: uma imaginação metafísica. Paes (1991, p. 167) menciona o fato de Graça Aranha ter correlacionado a imaginação metafísica, profundamente enraizada nas raças nacionais, a tipologias psicológicas coletivas, próprias ao “inconsciente nacional”. Essa correlação pressupunha seu interesse pela filosofia do inconsciente, de Eduard von Hartmann, que tinha feito enorme sucesso mundial e sido absorvida pela Escola do Recife, onde Graça Aranha foi acadêmico de Direito. Nos termos de Paes (1991, p. 167), Graça Aranha condimentava o cientificismo racionalista do século XIX com a filosofia de Hartmann, que tratou o inconsciente como um absoluto metafísico. Graça Aranha inaugurou uma “perquirição psicanalítica das ‘raízes da raça’”, que Paes (1991) considera um dos pontos-chave do modernismo de 1922-1928. Nesse tipo de investigação dos tipos raciais, Graça Aranha elaborava psicologismos, como os que usava para caracterizar o mulato, a seu ver imerso nos instintos mais primitivos do “inconsciente nacional”.

Hartmann considerava a vontade irracional, e por isso a ideia estaria fadada a permanecer inconsciente, quando não escapasse àquele domínio obscuro das volições. Considerando que a vontade tende a manter a ideia como refém em sua sombra, seria preciso suspender a vontade para se alcançar a luz da consciência histórica. Seus pressupostos schopenhauerianos destacam-se em noções como a possibilidade de uma (auto)determinação consciente das ideias, fora das sombras da vontade, e na advertência hartmanniana quanto ao “irracionalismo” do homem preso à vontade. Contra a dogmática metafísica da essência, Schopenhauer havia defendido que sujeito e objeto coproduzem-se mutuamente, conforme as infinitas perspectivas de representação funcionem como potenciais detonantes de realidade. Hartmann transpôs noções schopenhauerianas como essas, para um esquema de análise do inconsciente coletivo.

Lamentavelmente, Hartmann acabou fornecendo um instrumento filosófico, para se estigmatizar raças supostamente volitivas, primitivas. Sob os influxos daquele acontecimento decisivo, o da abolição, intelectuais como Graça Aranha separavam, em tipologias raciais, aqueles que pendiam mais para a escuridão da vontade, e uns outros, mais aptos à clareza das ideias. Fixavam alguns lugares-comuns, em geral adjetivos psicologistas, como os empregados por Araripe Júnior (BOSI, 1978BOSI, Alfredo(org.). Araripe Júnior: teoria, crítica e história literária. In: ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. Estilo tropical: a fórmula do naturalismo brasileiro. Rio de Janeiro; São Paulo: LTC; EdUSP, 1978. p. 124-128.), ao definir o estilo tropical. Incorriam em um achatamento psicologista, quando constituíam povos ditos inferiores, como raças replicantes de tristes destinos, estagnadas, incapazes de participar na criação de seu mundo. A anulação da vontade, em prol de uma racionalidade superior, pressupunha a identificação da vontade inferior, irracional, às massas.

Graça Aranha divisava, principalmente, sintomas de problemáticas consanguíneas, que lhe pareciam profundamente arraigadas, no inconsciente coletivo. Assim como Paulo Prado (PAES, 1991PAES, José Paulo. Canaã: o horizonte racial. Estudos Avançados, v. 5, n. 13, p. 161-179, 1991., p. 176-177), Graça Aranha perguntava-se quando já estaria superada essa etapa de cisão abissal, produzida pelo encontro de raças desiguais, os ainda não suficientemente civilizados, e os imigrantes brancos. Desfocando a longa experiência da escravidão, uma esperança de harmonização desses polos raciais postergava-se para um tempo infinito, cósmico, quando as raças superiores recém imigradas já tivessem se aclimatado, graças à diluição das raças brutas nelas, depois de sofrerem alguma indispensável miscigenação. O racialismo de Graça Aranha tinha uma finalidade terapêutica, de superar a estagnação, em que a natureza seguia vencendo quaisquer intenções civilizacionais. Em 1921, A esthetica da vida afirmava o pendor metafísico das raças primitivas, fixadas no território nacional. Oswald de Andrade considerou de perto essa perspectiva, como podemos conferir em suas publicações daquela década, sendo que o “Manifesto antropófago”, e depois O rei da vela, segundo me parece, radicalizaram a paródia de noções célebres naquele período, como essas defendidas por Graça Aranha.

No prefácio às obras completas de Oswald de Andrade, Benedito Nunes (1970, p. XXXII e XXXIV) afirmou que o antropófago realizou uma inversão parodística da filosofia de Graça Aranha, ao tornar positiva a imagem da metafísica bárbara e a do bárbaro tecnizado. Já Eduardo Jardim de Moraes (1978, p. 34-35) discorda, dizendo não perceber essa inversão, considerando-os afins quanto ao fundamental diagnóstico do caráter metafísico brasileiro, remanescente do passado colonial, apesar da polêmica, da diferença notável de tom e de estratégia. Quanto a mim, parece-me que a antropofagia, assim como O rei da vela, parodiaram o pessimismo racialista e metafísico de intelectuais como Graça Aranha. Considero também que a duradoura incontestabilidade desse tipo de pessimismo, entre intelectuais, da geração de 1870 aos fins dos anos de 1960, assinala a complexidade do balanço das diferenças e semelhanças em questão. Quando passou a usar a figura do canibal, mais polêmica que a do bárbaro, Oswald de Andrade produziu um conceito incompatível com definições de uma cultura nacional, assentada na tradição dos patres famílias, dos clãs rurais. Parece-me que, n’O rei da vela, quando parodiava discursos metafísicos, que anteriormente já tinha confrontado com a figura do canibal, Oswald de Andrade desconcertava o elitismo culturalista de seus pares, e particularmente o de Graça Aranha. Esse constrangimento pode ter se agravado, a ponto da encenação da peça ter se tornado impraticável.

Para Graça Aranha, a imaginação metafísica dos povos nacionais deveria passar por um tratamento terapêutico, para superar suas limitações naturais. Já Oswald de Andrade deixou claro, no artigo “Uma adesão que não nos interessa”, que a antropofagia não colocava o homem natural como um princípio a se superar, mas como um destino, tratando-se de alguém que pode ser branco, “andar de casaca e de avião”, “ser preto e até índio”.2 2 Oswald de Andrade publicou esse artigo, assinando-o com o pseudônimo Poronominare (lat. nōmināre + lat. poro: denominar pela pele), no número 10 da segunda dentição da Revista de Antropofagia, em 12 jun. 1929. A transformação antropófaga do tabu em totem resulta nesse homem natural tecnizado, e isso coloca em andamento a conquista material do planeta, com todas as contradições implicadas, o que, nos termos de Oswald de Andrade, inclui tanto gás asfixiante, como vitrola e metafísica. Ao valorizar a conquista material do planeta, pelo bárbaro tecnizado, o antropófago deslocava aquele princípio metafísico de evolução, de se superar a natureza primitiva e se construir, paulatinamente, uma civilização. O bárbaro tecnizado equivale ao homem natural, que conquista o mundo da técnica, tal como ele se apresenta.3 3 No artigo “As meditações americanas de Keyserling”, Daniel Faria (2013, p. 910) destaca a significativa paródia do conde no “Manifesto antropófago” (1928), que opera uma reversão celebrativa da vitalidade do bárbaro tecnizado, tão temido por Keyserling. ­Parece-me que a metáfora do bárbaro tecnizado sublinha uma inferiorização histórica, do ponto de vista técnico e intelectual, especialmente, do enorme contingente de mestiços. Deslocando o princípio racialista de definição do bárbaro, admite sua imediata inclusão no campo semântico da conquista do mundo.

Ao longo do seu A brasilidade modernista, Moraes (1978) sublinha que Graça Aranha elaborou, no A esthetica da vida, em 1921, noções fundamentais do modernismo, que passou a difundi-las a partir de 1924: a de que o caminho para o universal passa pela alegria de integrar a produção literária contemporânea, na realidade nacional; e de que a necessidade de tal integração deve-se a seu potencial de sanar hiatos profundos, na história brasileira (MORAES, 1978MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978., p. 25-26, 35-40). Graça Aranha antecipou também noções modernistas importantes, como a da urgência dessa terapêutica do caso brasileiro, cujo caráter imaginativo advém de uma compreensão metafísica das coisas, que a seu ver precisava ser valorizada e refinada. Graça Aranha previa a continuidade futura dessa imaginação metafísica, constituída na história com a contribuição da psicologia de cada uma das raças integradas: o índio aterrorizado por uma natureza povoada de fantasmas; o negro infantilizado, amedrontado e afeito a ilusionismos; o português, cuja melancolia latina acentuou-se com a experiência das navegações (MORAES, 1978MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978., p. 33-34). Refinar essa imaginação metafísica implicava integrar os homens entre si, à inteligência então refém do classicismo bárbaro/gongórico dos portugueses, e à natureza ante a qual se devia entoar um hino dionisíaco, em vez da triste elegia de admiração e horror, mantida até então.

Essa integração dos povos divisava a alegria da raça cósmica futura, cujo pressuposto racialista, por outro lado, expunha um notável pessimismo quanto ao presente. Parece-me interessante cruzar essa proposta de alegria futura, com o fragmento do “Manifesto antropófago” (1928) no qual, anos depois, Oswald de Andrade veio a definir a alegria como prova dos nove. Assim pensada, a alegria prova a autenticidade do antropófago e pressupõe outro tipo de integração, a de uma inserção objetiva pela distribuição da riqueza, proposta como algo que Oswald de Andrade recusava postergar.

Além de ter antecipado pressupostos modernistas, Graça Aranha também formulou a diferenciação entre a fase de alegria criadora do homem novo, iniciada na Semana, e o perío­do anterior, imerso na replicação do terror. No ensaio “Mocidade e esthetica”4 4 Graça Aranha publicou o “Mocidade e esthetica” como ensaio de abertura da revista Esthetica (ano 1. v. 1, set. 1924), republicando-o também em sua antologia Espirito moderno. , saudava o surgimento, após a Grande Guerra, de uma mocidade renovadora, preparada para destruir o pendor à cópia (do modelo grego, do gótico, da renascença de ferro e de cimento), demonstrado na mentalidade plebeia posterior à República. Esses moços também lhe pareciam dispostos à ginástica mental, espiritual, exigida pela construção modernista do domínio da matéria, pronta para a criação do homem. Em suma, só a mocidade modernista poderia “vencer o Terror e transformar tudo em alegria” (ARANHA, 1925ARANHA, Graça. Mocidade e esthetica. In: ARANHA, Graça. O espirito moderno. São Paulo: Cia Graphico - Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 63-74., p. 74). Realista em sentido amplo, e de provável tendência clássica, essa construção modernista exigia a inteligência de classificar e eliminar os excessos resultantes da confusão entre matéria e sensações, tão característica de tendências abertas pelo impressionismo. Naquele ensaio, Graça Aranha (1925, p. 63-68) também elogiou o primeiro impulso evolutivo da abolição, e da proclamação da República, por ter sido um momento liderado por uma renovação positivista e monista do pensamento escolástico, lembrando que aquela foi uma ação de jovens, conduzidos por alguns velhos de educação tradicional. A seu ver, passado aquele primeiro momento, evolutivo e bem conduzido, uma época diversa e antagônica deu lugar a todos os instintos mais primitivos da mestiçagem que, agitada pela vontade desequilibrada e vingativa dos filhos libertos de escravos, provocou vários tumultos: as insurreições tenentistas, a invasão plebeia do espaço público, sua política rasteira, e o jornalismo venal. Analisava a psicologia das raças nacionais, associando a elas tendências inferiores, como aquelas determinadas por vontades desequilibradas, e hipertrofiadas pela dominância dos instintos mais primitivos, pelo estômago e pela luxúria. Apesar do ensaio “Mocidade e esthetica” ter sido enfaticamente elogioso, ao anunciar a renovação trazida pelos moços modernistas, Graça Aranha ficou conhecido como um escritor que não conseguiu alcançar tal alegria renovadora. Embora a fama de anacronismo, e sua função prenunciadora, na história da literatura brasileira, promovam uma imagem lateral e acessória de seu legado, parece-me ter sido indispensável sua participação em polêmicas daqueles anos, como a desencadeada por outra conferência, que tinha proferido, dois meses antes de publicar o ensaio “Mocidade e esthetica”. E mais, a antropofagia parece-me uma resposta veemente ao parecer de Graça Aranha, sobre o primitivismo confuso de intelectuais brasileiros. Depois, O rei da vela enfocou o pessimismo metafísico do conferencista, mas usando-o para caracterizar as elites, em vez dos extratos sociais mais primitivos e bárbaros.

Primitivismos confusos ou totens antropófagos?

Pouco depois da divulgação do “Manifesto da poesia pau-brasil” (1924), no Correio da Manhã, Graça Aranha fez uma conferência na Academia Brasileira de Letras, intitulada “O espírito moderno”, em 19 de junho de 1924.5 5 A conferência foi publicada em livro, junto com outros ensaios de Graça Aranha (1925, p. 23-47). Nela, insinuou seu desacordo, claramente subentendido6 6 Alguns dias depois daquele pronunciamento na ABL, Oswald de Andrade publicou, no Jornal da Manhã, uma resposta que acusava o conferencista de não compreender o cubismo, portanto o primitivismo, e de ter ideias caóticas (WALDMAN, 2010, p. 77-78). , com a recente publicação de Oswald de Andrade, enquanto enfocava principalmente as limitações do primitivismo, que afirmou ser um pressuposto inautêntico, de intelectuais brasileiros confusos.

Se escaparmos da cópia européa não devemos permanecer na incultura. Ser brasileiro não significa ser barbaro. Os escriptores que no Brasil procuram dar de nossa vida a impressão de selvageria, de embrutecimento, de paralysia espiritual, são pedantes literarios. Tomaram attitude sarcastica com a presumpção da superioridade intellectual, emquanto os verdadeiros primitivos são pobres de espirito, simples e bemaventurados. O primitivismo dos intellectuaes é um acto de vontade, um artifício como o arcadismo dos academicos (ARANHA, 1925ARANHA, Graça. O espirito moderno. In: ARANHA, Graça. O espirito moderno. São Paulo: Cia Graphico - Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 23-47., p. 43).

Graça Aranha aludia a questões, como as que encontramos no “Manifesto da poesia pau-brasil”: como a definição oswaldiana da forma nacional de ser, pela metáfora do bárbaro leitor de jornais, ou o comentário sobre os futuristas da Semana terem evoluído de uma perspectiva ingênua, primitiva e desfalcada, à posição paradoxal de bárbaros atualizados, em estado de graça, de inteligência. Graça Aranha (1925, p. 37) considerou concepções desse tipo resultantes de uma operação equivocada, talvez capaz de escapar à cópia do primitivismo europeu, mas para vestir, no estágio último e acabado da forma nacional de ser, a carapuça constrangedora de primitivos, cujas “tradições medíocres” preferiria ver apagadas, para darem lugar à criação do novo. Para Graça Aranha, a metáfora do bárbaro leitor de jornal resultava numa confusão, inverossímil e sarcástica, porque o escritor pressupunha a distância abissal dos estágios, com que o historicismo evolucionista separa a criatura primitiva, natural, e o homem civilizado, capaz da alegria da criação, apto ao domínio da natureza.

Naquela polêmica conferência, Graça Aranha (1925, p. 27-31 e 43) explicou o que lhe pareciam limitações do primitivismo cubista, considerando-o aquém das melhores expressões do espírito moderno, e julgou confusa a identificação do ser nacional a um incivilizado, um bárbaro. Tinha dito algo muito diferente disso, quando destacara, no A esthetica da vida, a tendência dos povos nacionais a uma imaginação metafísica, própria ao escasso conhecimento da natureza local, e própria à falta de integração de seus povos. Ao caracterizar a imaginação metafísica de raças primitivas, bárbaras, que participavam no processo moroso de emersão plena do homem civilizado, Graça Aranha havia mostrado enorme pessimismo quanto à estagnação social produzida por essa dominante cultural. Considerando-se sua perspectiva pessimista, solene e evolucionista, quanto à metafísica primitiva dessas raças, e seu repúdio ao sarcástico “Manifesto da poesia pau-brasil”, com seu bárbaro leitor de jornal, imagine-se o impacto que, em alguns anos, veio a produzir nele o humor parodista da antropofagia. A seu ver, o primitivismo sarcástico de intelectuais brasileiros resultava meramente um ato de vontade, subjetivista, e tão acadêmico, falseador ante o verdadeiro estágio aterrorizado de um inconsciente coletivo refém da natureza, quanto tinha sido o arcadismo.

A posição de Graça Aranha, acerca das limitações do primitivismo cubista, e sua alusão depreciativa ao primitivismo de intelectuais brasileiros, produziram um conflito, que me parece significativo, não apenas por ter obtido resposta imediata de Oswald de Andrade. Também porque respostas, ainda mais incisivas, ao parecer de Graça Aranha, sobre o primitivismo e sobre a metafísica dos objetos totêmicos, junto aos discursos conservadores que representava, parecem-me ter tido participação significativa, na antropofagia, e n’O rei da vela.

Na conferência “O espírito moderno”, Graça Aranha descreveu a estética cubista como um esforço mental de representar algo do objeto, de sua essência totêmica.

A these capital do cubismo, formulada pelos seus doutrinários, seria: “Conhecer um objeto é querer conhece-lo na sua essencia, representa-lo no seu espirito o mais puramente possivel, reduzi-lo a um estado de signo, de totem por assim dizer, absolutamente livre de todos os pormenores inuteis, taes como os aspectos, accidentes multiplos e varios. Os aspectos o situam no tempo e no espaço de um modo arbitrário e não podem sequer explorar a sua qualidade primeira. Assim como o artista fixara na tela ou no marmore não o que passa, mas o que fica, assim não situará os objetos em logar determinado, mas no espaço, que é infinito.” Poder-se-ia accrescentar como corollario á phrase de Platão: “os sentidos só percebem o que é situado, o espirito o que está no espaço” (ARANHA, 1925ARANHA, Graça. Mocidade e esthetica. In: ARANHA, Graça. O espirito moderno. São Paulo: Cia Graphico - Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 63-74., p. 29-30).

A Graça Aranha (1925, p. 28), pareceu que os cubistas consideravam o objeto um fato artístico, e que interessava a eles despi-lo até seu fator mínimo, despojá-lo de toda a carga das subjetividades efêmeras, das impressões sensoriais de um grupo, de um clã. Assim compreendidos, os cubistas buscavam o signo, a redução do objeto ao substancial, a sua forma primária de totem, a exposição desrecalcadora de todas as impressões vagas/assombradas, que orbitam as perspectivas da tribo. Da fruta laranja, os cubistas abstraíam os contingentes efeitos de luz, nos volumes rugosos e manchados, para chegarem ao traço essencial da esfera alaranjada, ao ponto, ao traço, à cor, à síntese de um fato primordial. Ao ver de Graça Aranha, ao operarem assim, os cubistas recaíam em uma metafísica de subjetivismo estático, em um esforço de transcendência excessivo, ou seja, que erravam, por considerarem o objeto de uma perspectiva exclusivamente intelectual, pretendendo abstrair dele um conceito geométrico simples, sem ponderarem as contínuas derivações e dinamismos das formas de ser. Assim pensadas, essas reduções à forma primitiva, simples, de cada coisa, incorriam na tradição do dualismo platônico, aquela em que Cícero tinha separado carne e espírito, Kant matéria e forma, Malebranche sentidos e espírito. Ao ver de Graça Aranha, o primitivismo cubista mantinha a continuidade de uma tradição platônica dualista, enquanto o espírito moderno tinha alcançado seus melhores resultados ao superá-la, do que dava mostras o expressionismo. O problema desse dualismo cubista - além de sua limitação subjetivista, excessivamente intelectual/contrassensorial - era que não podia alcançar a dinâmica das coisas, apanhar a substância de seu movimento não apenas conceitual, mas também simultaneamente sensorial, em boa medida inconsciente e coletivo, sendo insuficiente o enfoque subjetivo (ARANHA, 1925ARANHA, Graça. O espirito moderno. In: ARANHA, Graça. O espirito moderno. São Paulo: Cia Graphico - Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 23-47., p. 30-31). Em contrapartida, parecia-lhe que o objetivismo dinâmico dos expressionistas vinha contribuindo, de modo construtivo, com algumas das expressões mais fecundas do espírito moderno.

Graça Aranha considerava a metafísica do cubismo, e do primitivismo, resultante de um enfoque subjetivista, que reprovava e traduzia como sintoma de concepções individualistas, destrutivas, impulsionadas pela Revolução Francesa, depois culminadas na Grande Guerra, no contexto da crise mundial do liberalismo, e das representações associadas a ele. Contrário a essas concepções individualistas, vislumbrava o empenho do espírito moderno, na reconstrução do caos produzido por elas, admirando o esforço de criação de uma ordem prática, por meio da objetividade dinâmica, que o expressionismo oferecia. Interessava a ele uma integração cósmica, e definia a obra como órgão da vida total.

Além de ter criado um mal estar com companheiros da Semana, documentado na resposta de Oswald de Andrade, que valeu a Graça Aranha o epíteto de acadêmico confuso, a conferência “O espirito moderno” também significou seu rompimento com a ABL, descrita por ele como um avatar da pseudotradição de cópia da civilização europeia. No Brasil, a integração dos homens entre si, e com a natureza, parecia-lhe ainda não ter acontecido, e não poderia se criar pelas cópias da ABL, nem por um primitivismo inautêntico. Julgava necessária a criação de obras orgânicas, por meio do objetivismo dinâmico expressionista.

A conferência “O espirito moderno”, assim como as polêmicas e as paródias oswaldianas que desencadeou, parecem-me significativos do sentido político da busca de uma tradição cultural, por intelectuais modernistas. Em particular, foquei pressupostos racialistas, a meu ver relevantes para se ponderar o discurso pessimista de Graça Aranha, e as paródias oswaldianas. A Graça Aranha (1925, p. 35) parecia despropositado o primitivismo do manifesto pau-brasil, mas estava de acordo com os demais modernistas, quanto a não mais seguir imitando a tradição portuguesa com a ABL, nem a americana, nem a natureza do romantismo sentimental. A criação parecia-lhe interditada, em um país de espectros, aquém de sua plenitude civil, e definia a ABL como uma “China literária para império de todas as velhices” (ARANHA, 1925ARANHA, Graça. O espirito moderno. In: ARANHA, Graça. O espirito moderno. São Paulo: Cia Graphico - Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 23-47., p. 40). Essa ausência de emancipação espiritual parecia-lhe materializar-se no abismo, entre o estágio bruto da cultura nacional e modelos superiores de civilização. Parecia-lhe que umas vezes (como no cubismo), o sentido da perda de conexão com a natureza levou à busca de sua reabilitação, por meio de totens. E que outras vezes (como no expressionismo), a criação moderna alcançou a integração ao todo universal.

Graça Aranha e a poesia pau-brasil de Oswald de Andrade compartilhavam a necessidade de se postular outra tradição, por considerarem prescrita a da ABL. Logo depois do “Manifesto da poesia pau-brasil” ter rejeitado a intranscendência de uma vida intelectual presa a uma tradição anacrônica de jurisconsultos, “perdidos como chineses na genealogia das ideias” (ANDRADE, 1970ANDRADE, Oswald de. Manifesto antropófago. In: ANDRADE, Oswald de. Obras completas. VI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1970. p. 11-20., p. 6), Graça Aranha (1925, p. 40) confirmou essa avaliação, quando acabou se desvinculando dos velhos acadêmicos daquela “China literária”, por ocasião de sua conferência “O espirito moderno”. Nesse momento, concordavam quanto a se afastar da tradição, porque a julgavam prescrita como a civilização chinesa; também queriam lançar os fundamentos de outra que, sendo própria e moderna, poderia orientar as elites, condutoras da nação.

***

Apesar de ambos, inicialmente, terem coincidido quanto à posição de elite cultural, ocupada de esclarecer a elite da Primeira República, Graça Aranha e Oswald de Andrade já iniciaram uma polêmica duradoura sobre o primitivismo, logo após a publicação do “Manifesto da poesia pau-brasil”. A reação imediata de Graça Aranha, na famosa conferência de ruptura com a ABL, seguida da resposta de Oswald de Andrade, não encerraram o atrito. Alguns anos depois, a antropofagia lançou sua paródia radical de discursos como os de Graça Aranha, que acabou ocupando, a contragosto, a posição do acadêmico a ser digerido. A polêmica sobre o primitivismo tem na antropofagia uma resposta radical, pois a figura política insurreta do canibal acrescentou um significativo desconcerto à disposição tácita da elite cultural quanto a constituir valores de integração cultural, e territorial, evocados no processo de modernização conservadora. Parece-me ainda que, n’O rei da vela, Oswald de Andrade demonstrou como lhe pareceu frustrante o modo como o Estado colocou em andamento, nos anos de 1930, tal modernização conservadora. Procurei salientar que a peça, assim como o tinha feito a antropofagia, parodiava discursos conservadores de Graça Aranha, cujo racialismo pessimista e metafísico teve participação significativa no culturalismo daqueles anos. Situei meu argumento, no contexto da crise do liberalismo, que encorajou o pensamento conservador, favoreceu o fascismo, e tornou patente a necessidade de novos padrões de representação. Procurei posicionar Graça Aranha e Oswald de Andrade, em relação a esse contexto político, considerando também sua situação de elite cultural.

Paródias antropófagas produziram deslocamentos na retórica racialista, que Graça Aranha usava para afirmar seu pessimismo filosófico, quanto à metafísica inferior dos povos nacionais, e para postular uma tradição cultural, superior à dita confusão de intelectuais brasileiros primitivistas. Parece-me que Oswald de Andrade veio a responder a essa alusão crítica, radicalizando seu primitivismo, na antropofagia, e ironizando o pessimismo metafísico, associado à estética expressionista, n’O rei da vela.

Enfoquei paródias oswaldianas de discursos racialistas e metafísicos, de aceitação bastante duradoura, pela elite cultural: característicos dos anos de 1870, correntes no culturalismo dos anos de 1920-1930, e admissíveis até a obra de Graça Aranha começar a ser contestada pelos críticos, no final dos anos de 1960, quando também finalmente foi encenada a peça O rei da vela. Apoiei-me em alguns estudos, que têm contribuído para se pensar o sentido político da constituição modernista de uma tradição cultural (BERRIEL, 2000; BOTELHO, 2002BOTELHO, André Pereira. Um ceticismo interessado: Ronald de Carvalho e sua obra dos anos 20. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.; FARIA, 2007FARIA, Daniel. Realidade e consciência nacional. O sentido político do modernismo. História, São Paulo, v. 26, p. 385-405, 2007.; MORAES, 1978MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978.). Considerei alguns atritos, produzidos por publicações de Oswald de Andrade, quando as leio como paródias de discursos racialistas e metafísicos, como os de Graça Aranha, cuja relevância, naquele período procurei salientar.

Referências

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  • 1
    Lilia Schwarcz (1993) estudou publicações do século XIX que indicavam o significativo interesse mundial por teorias racialistas de cunho evolutivo, com uma penetração tardia e deslocada, nas letras brasileiras.
  • 2
    Oswald de Andrade publicou esse artigo, assinando-o com o pseudônimo Poronominare (lat. nōmināre + lat. poro: denominar pela pele), no número 10 da segunda dentição da Revista de Antropofagia, em 12 jun. 1929.
  • 3
    No artigo “As meditações americanas de Keyserling”, Daniel Faria (2013, p. 910) destaca a significativa paródia do conde no “Manifesto antropófago” (1928), que opera uma reversão celebrativa da vitalidade do bárbaro tecnizado, tão temido por Keyserling.
  • 4
    Graça Aranha publicou o “Mocidade e esthetica” como ensaio de abertura da revista Esthetica (ano 1. v. 1, set. 1924), republicando-o também em sua antologia Espirito moderno.
  • 5
    A conferência foi publicada em livro, junto com outros ensaios de Graça Aranha (1925, p. 23-47).
  • 6
    Alguns dias depois daquele pronunciamento na ABL, Oswald de Andrade publicou, no Jornal da Manhã, uma resposta que acusava o conferencista de não compreender o cubismo, portanto o primitivismo, e de ter ideias caóticas (WALDMAN, 2010, p. 77-78).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2020
  • Aceito
    08 Jan 2022
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