Acessibilidade / Reportar erro

O Amazonas e o Prata na mitogeografia da América

Resumos

Vários rios americanos intrigaram navegadores e cosmógrafos. Tal reação lança luz sobre um estrato cultural profundo ligado à simbologia dos grandes mananciais. Já na antiguidade clássica e nos primórdios do cristianismo, os rios estavam associados a um duplo significado: ora como obstáculo (limite natural de uma identidade coletiva) e ora como atalho (signo da possibilidade de romper fronteiras e permutar espaços). Preocupação constante nas estratégias européias de penetração e controle do território, o Amazonas e o Prata deram vida a um notável complexo mitológico. Suas margens serviram para ordenar uma série de referências fabulosas, tais como tribos de gigantes e pigmeus, o reino das amazonas, as montanhas resplandecentes do Parima, a província de Omagua, o El Dorado. O papel deste imaginário fluvial foi dar consistência ao desconhecido, ajudando a tornar o Novo Mundo uma realidade mais coerente e compreensível.


Many American rivers puzzled navigators and cosmographers. This reaction throws light on a deep cultural layer linked to the symbology of great springs. Since Classical Antiquity and the Early Christianity, rivers have been associated with a double meaning: as obstacle (natural borderline of a collective identity) and as shortcut (a sign of the possibility of breaking through frontiers and exchanging spaces). Major concern in the European strategies regarding the penetration and controlling of the territory, the Amazon and the river Plate gave birth to a remarkable mythological complex. Their margins were to organise a number of fabulous references, such as tribes of giants and pigmies, the reign of the amazons, the resplendent mountains of Parima, the province of Omagua, the El Dorado. The role of such a fluvial imaginary was giving consistence to the unknown, helping to make the New World a more coherent and comprehensible reality.


Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

  • 1
    Michel Foucault. "Des espaces autres". Architecture, Mouvement, Continuité. Paris, n. 5, 1984, pp. 46-9.
  • 2
    É o caso de W. G. Niederland. "River Symbolism." In: Idem. Maps from the Mind - readings in psychogeography. Norman: Univ. of Oklahoma, 1989, pp. 15-75.
  • 3
    Jacques Le Goff. La Naissance du Purgatoire. Paris: Gallimard, 1981.
  • 4
    Frank Lestringant. Écrire le Monde à la Renaissance. Caen: Paradigme, 1993; John Gillies. Shakespeare and the Geography of Difference. Cambridge: Cambridge U. P., 1994; Jeremy Brotton. Trading Territories - mapping the early modern world. London: Reaktion Books, 1997.
  • 5
    V. Carlos Riley. "Ilhas Atlânticas e Costa Áfricana." In: F. Bethencourt & K. Chaudhuri(eds.). História da Expansão Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, v. 1, pp. 15362.
  • 6
    Gabriel Soares de Sousa. Tratado Descritivo do Brasil (1587). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987, p. 43.
  • 7
    Pedro Arias de Almesto. Relación Verdadera de Todo lo que Sucedió en la Jornada de Omagua y Dorado. Biblioteca Nacional de Madrid MSS. 3191 (1561). In: El Descubrimiento del Rio de las Amazonas. Barcelona: Pirelli, 1952, p. 60-1.
  • 8
    Martín Saavedra y Guzmán. Descubrimiento del Rio de Las Amazonas y Sus Dilatadas Provincias. Biblioteca Nacional de Madrid MSS. 5859 (1636). In: Idem, p. 77.
  • 9
    João Teixeira. Descripção de Todo o Maritimo da Terra de Sancta Cruz Chamado Vulgarmente o Brasil (1640). Lisboa, ANTT, Casa Forte - 162.
  • 10
    Sebastião da Rocha Pita. História da América Portuguesa(1780). Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p. 23.
  • 11
    Gn 1: 9-12, 20-21 (trad. da Bíblia de Jerusalém).
  • 12
    Gn 2: 6, 10-14.
  • 13
    É o que dita a famosa sutra XLVII: 15 do Alcorão.
  • 14
    Tácito. Germania.
  • 15
    Plutarco. Vidas. É sugestivo que o sonho de César nas margens do Rubicão tenha fascinado o espírito renascentista. Valeria a pena compará-lo com outro obstáculo mítico: as colunas de Hércules. Q. v. John Gillies. Op. cit., pp. 22-3.
  • 16
    Manuel João Ramos. Ensaios de Mitologia Cristã. Lisboa: Assírios & Alvin, 1997, pp. 76-7.
  • 17
    Plínio, o Velho. Naturalis Historia, XXXI: 24; Josefo. Guerra Judaica, VII: 97-9. Cf. Juan Gil. Mitos y Utopias del Descubrimiento. Madrid: Alianza, 1989, v. 1, pp 220-1.
  • 18
    Bíblia de Jerusalém, Jos 3: 14-17 e 2Rs 2: 7-8, 13-14.
  • 19
    Marco Polo. Milione. Milano: Adelphi, 1994, cap. xxiv, p. 34.
  • 20
    Sobre a exploração da África e seus reflexos no saber geográfico, q.v. Francesc Relaño.The Idea of África Within Myth and Reality. Firenze: EUI, 1997.
  • 21
    Sobre o Alfeu, baseio-me em John K. Wright. The Geographical Lore of the Time of the Crusades. New York: American Geographical Society, 1925, p. 27. Para o Stix, v. Joël Schmidt. Dictionnaire de la Mythologie Grecque et Romaine. Paris: Larousse, 1965, p. 286.
  • 22
    Cf. Alexander von Humboldt. Quadros da Natureza. Rio de Janeiro: Jackson Inc., 1950, v. 1, p. 214.
  • 23
    Q.v. Sérgio B. de Holanda. Visão do Paraíso, São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1985, pp. 8 e ss.; e Jean Delumeau. Une Histoire du Paradis. Mésnil: Fayard, 1992, pp. 59-65.
  • 24
    J. K. Wright. Op. cit, pp. 27 e 205.
  • 25
    Montalboddo. Paesi Nuovamente Ritrovati. Vincenza, 1507, lib. IV, parágrafos cxcvivii e cci.
  • 26
    Ecos do episódio foram registrados num texto de junho de 1496, hoje denominado"Informacion anonima sobre las condiciones y posibilidades economicas de la isla Espñola". In: Juan Pérez de Tudela (ed.). Colección Documental del Descubrimiento(1470-1506). Madrid: Mapfre, 1994, t. II, pp. 907-9.
  • 27
    Colombo. "Carta-Relacion de Almirante a los Reyes sobre su tercer viaje" (30/5 a 31/8/1498). In: Idem, t. II, pp. 1093-1119.
  • 28
    A polêmica do Orinoco é analisada por Edmundo O'Gorman. A Invenção da América. Trad. port. São Paulo: Unesp, 1992, pp. 136-42. Obviamente, nem a hipótese de Colombo (Paraíso) nem a de Anghiera (novo continente) foram unânimes. O próprio Montalboddo, nos seus países "novamente" descobertos, observaria apenas: "alcuni dicono che quella sia terra ferma de l'Índia". Op. cit., parag. ccvi.
  • 29
    Samuel E. Morison. The European Discovey of America. New York: Oxford U. P., 1971, v. 2, pp. 213-4.
  • 30
    V. Isa Adonias. A Cartografia da Região Amazônica. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 1963, vol. 1, pp. 17, 27-35 e passim.
  • 31
    Ladislao Gil Munilla. Descubrimiento del Marañon. Sevilla: G.E.H.A., 1954, pp. 93-5.
  • 32
    Anghiera, por exemplo, explicava a riqueza das Molucas pela "virtude que o sol tem noequinócio sobre a matéria terrestre disposta para receber o dom celeste que se lhe oferece". (Decadas, VIII lib. IX.) Cf. L. Gil Munilla. Op. cit., p. 140.
  • 33
    Marianne Mahn-Lot. "Voyages d'exploration en Amerique Espagnole: le mythe de 'ElDorado'." In: J. Ceard and J-C. Margolin (eds.). Voyager à La Renaissance. Paris: Maisonneuve & Larose, 1987, pp. 409-15; David Gwyn. "Richard Eden Cosmographer and Alchemist." The Sixteenth Century Journal. Kirksville: Un. of Missouri, v. 15, 1984, pp. 13-34.
  • 34
    Paulo Nascimento. "Prata, Rio da." In: Luís de Albuquerque (ed.). Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses. Lisboa: Caminho, 1994, pp. 915-8.
  • 35
    Joël Lefebvre. "Un allemand dans la ruée vers l'or: le journal de voyage d'Ulriche Schmidelen Amérique du Sud (1534-1554)." In: J. Ceard and J-C. Margolin (eds.). Voyager à La Renaissance, cit., pp. 99-114.
  • 36
    Luiz Felipe de Alencastro. O Trato dos Viventes. São Paulo: Cia. das Letras, 2000, pp. 199-203.
  • 37
    São duas as fontes mais antigas do mito: Juan de Castellanos. Elegías de Hombres Ilustres de Índias (parte II, canto 3) e Frei Pedro Simón. Noticias Historiales de las Conquistas de Tierra Firme en las Índias Occidentales. Embora só tenham sido publicadas tardiamente, elas devem ter circulado sob a forma de manuscrito. Há evidências de que Acosta as tenha lido antes de publicar a sua Historia Natural y Moral de las Índias, em 1590.
  • 38
    Marco Polo. Milione, cit., cap. clxx, pp. 255-6.
  • 39
    Datado de 1543, o texto de Oviedo sobre o El Dorado foi muitas vezes traduzido eeditado. Q.v. sua reprodução integral em Eugenio Asensio. "La carta de Gonzalo Fernández de Oviedo al cardenal Bembo sobre la navegación del Amazonas". Revista de Índias. Madrid, Julio-Diciembre, v. 9, 1949, p. 574.
  • 40
    A literatura sobre o El Dorado é vastíssima. Vale a pena consultar, entre outros, DemetrioRamos Perez. El Mito del Dorado. Caracas: Biblioteca de la Academia Nacional de la Historia, 1973; e Juan Cobo Borba (ed.). Fabulas y Legendas de El Dorado. Barcelona: Tusquets, 1987.
  • 41
    Pedro Arias de Almesto. Relación Verdadera..., cit., p. 4.
  • 42
    Humboldt. Op. cit., v. 1, p. 218; Sérgio Buarque de Holanda. Op. cit., p. 34 e passim.
  • 43
    Ulrich Schmidt. A True and Agreeable Description of Some Principal Índian Lands and Islands. (Trad. ing. do original alemão publicado em 1567). New York: The Hakluyt Society, 1891, v. 81.
  • 44
    A história da expedição de Orellana chegou até nós através do admirável Descobrimiento del Rio de Las Amazonas, do frei Gaspar de Carvajal.
  • 45
    Jean-Paul Duviols. L'Amérique Espagnole Vue et Rêvée. Paris: Promodis, 1985, pp. 4353.
  • 46
    Juan Gil arrola algumas centenas de expedições em busca do Eldorado e semelhantes. Mitos y Utopías del Descubrimiento. Madrid: Alianza, 1989, vol. 3.
  • 47
    Antonio Léon Pinelo. El Paraíso en el Nuevo Mundo: Comentario Apologético, Historia Natural y Peregrina de Las Índias Occidentales Islas de Tierra Firme del Mar Occeano (164550). Lima: Torre Aguirre, 1943, v. 1, p. 139.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2001
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org