Acessibilidade / Reportar erro

Sistema do carecimento, economia estatal [system des bedürfnisses. staatsökonomie] nas lições sobre direito natural e ciência do estado em Heidelberg nos anos 1817 - 18 (Conforme o manuscrito de P. Wannenmann - §§ 93 - 108) - HEGEL, G. W. F.1 1 Tradução realizada durante estágio de Doutorado-Sanduíche Exterior na Freie Universität Berlin, com Bolsa CAPES-PDSE. Título original: HEGEL, G. W. F. SYSTEM OF NEED, STATE ECONOMY [SYSTEM DES BEDÜRFNISSES, STAATSÖKONOMIE] IN THE LECTURES ON THE NATURAL LAW AND STATE SCIENCE IN HEIDELBERG IN THE YEARS 1817-18 (According to the manuscript of P. Wannenmann-§§ 93-108).

Apresentação

Em meio a uma pilha de papéis de um antiquário em Heidelberg, na década de 1950, foi encontrado um antigo manuscrito abordando temas filosóficos. Esse manuscrito foi então levado para o Deutsches Literaturarchiv, em Marbach am Neckar, onde foi anexado por engano a uma série de notas de conferências proferidas por Martin Heidegger e assim permaneceu despercebido, pelas três décadas seguintes. Apenas em 1982 se descobriu que ele havia sido redigido por Peter Wannenmann, quando este foi aluno do primeiro curso de Filosofia do Direito ministrado por Hegel, em Heidelberg, no inverno de 1817/1818. A aula era ditada a partir de um texto pré-estabelecido e o Manuscrito Wannenmann continha sua detalhada transcrição, bem como adendos redigidos pelo discente, conforme comentários de Hegel.

As anotações de Wannenmann seriam retrato da base então existente para a redação das Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, livro publicado dois anos depois, em 1820. Há várias outras versões manuscritas de tal obra por alunos de Hegel, as quais foram reunidas por Karl-Heinz Ilting, na publicação em 6 volumes de Vorlesungen über Rechtsphilosophie (1818 - 1831), em 1973 e 1974 (HEGEL, 1973 - 1974HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Vorlesungen über Rechtsphilosophie 1818 - 1831. Ed. und Kommentar in Sechs Banden/von Karl-Heinz Ilting. Stuttgart: Frommann-Holzboog, 1973-1974.), portanto, antes da descoberta do Manuscrito Wannenmann, que constitui a primeira versão do clássico do pensamento jurídico político hegeliano, em sua forma minimamente acabada. Diante de sua importância para a compreensão do pensamento hegeliano, já em 1983, foram publicadas duas edições diferentes do manuscrito Wannemann, em Stuttgart e Hamburg (HEGEL, 1983aHEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Vorlesungen über Naturrecht und Staatswissenschaft in Die Philosophie des Rechtes. Die Mitschriften Wannenmann (Heidelberg 1817/1818) und Homeyer (Berlin 1818/1819). Herausgegeben, eingeleitet und erläutert von Karl-Heinz Ilting. Heidelberg 1817/18. Stuttgart: Klett-Cotta, 1983a. e 1983bHEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Vorlesungen über Naturrecht und Staatswissenschaft Heidelberg 1817/18. Mit Nachträgen aus der Vorlesung 1818/19. Nachgeschrieben von P. Wannenmann. Herausgegeben von Claudia Becker, Wolfgang Bonsiepen (†), Annemarie Gethmann-Siefert, Kurt Rainer Meist, Friedrich Hogemann, Hans Josef Schneider, Walter Jaeschke, Christoph Jamme und Hans Christian Lucas. Mit einer Einleitung von O. Pöggeler. Hamburg : Felix Meiner Verlag, 1983a.). A versão que utilizamos para a tradução é a Vorlesungen über Naturrecht und Staatswissenschaft in Die Philosophie des Rechtes. Die Mitschriften Wannenmann (Heidelberg 1817/1818) und Homeyer (Berlin 1818/1819), organizada por Ilting e publicada em Stuttgart,, pela editora Klett-Cotta, na qual também se encontra transcrito, de maneira separada, o manuscrito de outro aluno (Homeyer) referente às lições de Hegel no ano de 1818/1819. Na década de 1990, foram também realizadas traduções do Manuscrito Wannenmann para o inglês e para o francês (HEGEL, 1995HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Lectures on Natural Right and Political Science. The First Philosophy of Right, traduzida por J. Michael Stewart e Peter C. Hodgson. Berkley: University of California Press, 1995., 1998HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Leçons sur le droit naturel et la science de l’État (Heidelberg, semestre d’hiver 1817 - 1818) suivies des Remarques de l’Introduction aux leçons de 1818 - 1819. Traduction, présentation de Jean-Philippe Deranty. Paris: Vrin, 2002.).

A parte do Manuscrito Wannenmann agora traduzida é o “Sistema do carecimento, economia estatal” [System des Bedürfnisses, Staatsökonomie], pertencente à segunda seção, “A sociedade civil-burguesa” [Die bürgerliche Gesellschaft], da terceira parte do Manuscrito, “A Eticidade” [Die Sittlichkeit], que correspondente ao trecho do parágrafo 93 ao 108.3 3 Importante registrar que a seção “A sociedade civil-burguesa” conta com uma introdução, nos §§ 89-92, e continua, depois, nas subseções: B) A administração da Justiça, §§ 109-116, e; C) A Polícia, §§ 117-121. Aqui, como o nome indica, Hegel está preocupado com o sistema do carecimento, em outras palavras, com o entrelaçamento dos carecimentos individuais no sistema de escassez que caracteriza a economia mercantil, e, assim, com a estrutura da mercadoria e do capital, a qual mais tarde seria analisada por Marx. Diferentemente da versão final das Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, no Manuscrito Wannenmann, a análise de diversos elementos e, em especial, do valor, é detalhada de maneira mais concreta e exemplificativa4 4 Conforme enfatiza Sílvio Rosa Filho (2009, p. 172-173): “Entre o curso de Heidelberg (1817) e a edição dos Grundlinien (1820) da qual ele fornece uma das preparações, o primeiro tende frequentemente a nos parecer mais concreto que o segundo, sobretudo no que respeita às ilustrações colhidas quer à vida social inglesa, quer à alemã. O mesmo não se poderá dizer, contudo, do rigor dedutivo, sobretudo no que respeita às inferências que têm lugar no interior das esferas estamentais.” em comparação ao que depois será formulado de forma densamente conceitual e, por vezes, hermética.

O Manuscrito, em geral, e essa parte agora apresentada, em especial, fornecem uma boa base de comparação entre o pensamento de Hegel e de Marx, como apontou Jean-Philippe Déranty (1998DÉRANTY, Jean-Philippe. Genèse des Grundlinien der Philosophie des Rechts: traduction et commentaire de la premiere leçon de Hegel sur la philosophie du droit, Heidelberg 1817 - 1818. 1998. Tese (Doutorado) - Universität Paris-Sorbonne, Paris, 1998., s/p.), o tradutor da versão francesa do manuscrito:

[...] se os Grundlinien [Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito] promovem assim a noção de valor ao posto de conceito orgânico, eles permanecem bem atrás em comparação com a primeira lição no que concerne o detalhe das análises sobre sua natureza e a lógica de seu funcionamento. Não seria necessário concluir disso que precede que os Grundlinien são o primeiro texto que introduz o conceito de valor. No último esboço do sistema de Iena, Hegel já dava uma caracterização próxima daquela de 1820. O manuscrito Wannenmann distingue explicitamente a definição especulativa do valor de suas outras significações, e a caracteriza como abstração quantitativa. A inovação de 1820 consiste somente na acentuação da identidade entre a medida abstrata das coisas e da essência social dos indivíduos, identidade capturada na homonímia do termo e que comanda sua promoção especulativa e arquitetônica. Mas os Grundlinien não analisam em parte alguma a expressão concreta na qual se encarna a abstração do valor, a saber, o dinheiro. Ao contrário, a lição de Heidelberg contém páginas extremamente densas e atuais, anúncios substanciais dos trabalhos de Marx nos escritos econômicos de 1857 e no Capital, sobre a natureza abstrata do dinheiro, a criação do capital a partir da circulação e os efeitos econômicos, sociais e políticos do desenvolvimento da especulação capitalista. As novas pesquisas sobre a aplicação da lógica especulativa às questões econômicas em referência às lições sobre a filosofia do direito, e em particular a primeira entre elas, serão sem dúvida muito fecundas.

Segundo também indicado no nome dessa seção traduzida, em sua segunda parte, onde se lê “Economia estatal” [Staatsökonomie], essa economia do valor e da escassez não é analisada de modo abstraído do poder político, mas como sua parte integrante indissociável. Esse sistema do carecimento é parte da eticidade que compreende a sociedade civil-burguesa e, assim, só pode existir em conjunto com a forma estatal, correspondendo a um momento histórico em que a relação da satisfação dos carecimentos se torna cada vez menos natural e mais mediada pelo trabalho dos outros, por meio do mercado. Como o meio universal, que é o dinheiro, constitui pura diferença quantitativa, e como com ele se obtêm as coisas que satisfazem os diferentes carecimentos, a busca pelo lucro se torna o principal de todo o processo.

Hegel aponta a instabilidade social e a precarização que surgem com o processo de industrialização, mencionando inclusive a triste situação do trabalho nas fábricas, que o torna o cada vez mais parcial, reduzindo assim o conhecimento do trabalhador a essa parcialidade. Desse processo de industrialização decorre a miséria, a qual, na visão de Hegel, deve ser combatida pelo Estado e não por uma caridade subjetiva. No manuscrito de sua aula, para além do alcance da censura estatal,5 5 Essa censura, logo após, culminaria nos decretos de Karlsbad, confirmados pelo Bundestag, em Frankfurt , em 20 de setembro de 1819, unindo os diferentes Estados Alemães na repressão ao direito de manifestação, à liberdade de opinião, à liberdade de imprensa e de cátedra. aparece, pois, um Hegel desconhecido de muitos, que já no ano do nascimento de Marx enfocava problemas capitalistas ainda muito atuais, demonstrando-se preocupado com a justiça social, com a função do Estado, no combate dos efeitos deletérios do vício pelo lucro, com as políticas sociais e com o apoio estatal para professores e para a ciência.

Em relação à tradução em si, tentou-se mantê-la o mais fiel possível ao texto alemão, apesar de algumas passagens exigirem uma tradução não literal, de maneira a se preservar o sentido. É o caso, por exemplo, da tradução da palavra Wilkür, a qual, por vezes, designa o livre arbítrio do sujeito e, por vezes, o arbítrio externo ao qual o sujeito está submetido. A tradução inglesa, em geral, o faz apenas como free choice, o que pode levar a erros de interpretação. Certas palavras alemãs, como Bedürfiniss, Not e Notwendig, que, na tradução inglesa, normalmente se traduzem indistintamente como need, aqui foram traduzidas seguindo o padrão estabelecido no Glossário alemão-português, anexo à tradução brasileira do Filosofia do Direito. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio (HEGEL, 2010HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do Direito. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio. Trad. Paulo Meneses, Agemir Bavaresco, Alfredo de Oliveira Moraes, Danilo Vaz-Curado R. M. Costa, Greice Ane Barbieri e Paulo Roberto Konzen. São Paulo: Loyola; São Leopoldo: Unisinos, 2010.).

Assim, bedürfen e Bedürfnis foram traduzidos por “carecer” e “carecimento”; notwendig e Notwendigkeit, por “necessário” e “necessidade”, e Not e Notdurf, por “miséria” e “estado de miséria”. A tradução à qual o leitor deve permanecer mais atento, no entanto, é a do vocábulo Stand. Ele pode denotar muitos diferentes significados, como “posição”, “posto”, “estar em pé”, “categoria profissional”, “estado” etc. Nesse manuscrito, ele foi traduzido, seguindo-se a tradução francesa, como “estamento”. Poder-se-ia, contudo, na maior parte das passagens, ser substituído pela noção sociológica de “posição”, ou mesmo pela noção econômica de “setor produtivo”, já que o enfoque é, por vezes, justamente o desenvolvimento, na sociedade, do setor agrícola, o qual impele o surgimento do setor manufatureiro, que, por sua vez, faz surgir o setor comercial e depois desenvolve a classe industrial etc. É conveniente, assim, lembrar que “estamento” é por Hegel explicitamente diferenciado de casta, implicando mobilidade do indivíduo em poder decidir em que setor deseja exercer sua atividade e ser socialmente útil.

Referências

  • DÉRANTY, Jean-Philippe. Genèse des Grundlinien der Philosophie des Rechts: traduction et commentaire de la premiere leçon de Hegel sur la philosophie du droit, Heidelberg 1817 - 1818. 1998. Tese (Doutorado) - Universität Paris-Sorbonne, Paris, 1998.
  • HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Vorlesungen über Rechtsphilosophie 1818 - 1831. Ed. und Kommentar in Sechs Banden/von Karl-Heinz Ilting. Stuttgart: Frommann-Holzboog, 1973-1974.
  • HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Vorlesungen über Naturrecht und Staatswissenschaft in Die Philosophie des Rechtes. Die Mitschriften Wannenmann (Heidelberg 1817/1818) und Homeyer (Berlin 1818/1819). Herausgegeben, eingeleitet und erläutert von Karl-Heinz Ilting. Heidelberg 1817/18. Stuttgart: Klett-Cotta, 1983a.
  • HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Vorlesungen über Naturrecht und Staatswissenschaft Heidelberg 1817/18. Mit Nachträgen aus der Vorlesung 1818/19. Nachgeschrieben von P. Wannenmann. Herausgegeben von Claudia Becker, Wolfgang Bonsiepen (†), Annemarie Gethmann-Siefert, Kurt Rainer Meist, Friedrich Hogemann, Hans Josef Schneider, Walter Jaeschke, Christoph Jamme und Hans Christian Lucas. Mit einer Einleitung von O. Pöggeler. Hamburg : Felix Meiner Verlag, 1983a.
  • HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Lectures on Natural Right and Political Science. The First Philosophy of Right, traduzida por J. Michael Stewart e Peter C. Hodgson. Berkley: University of California Press, 1995.
  • HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do Direito. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio. Trad. Paulo Meneses, Agemir Bavaresco, Alfredo de Oliveira Moraes, Danilo Vaz-Curado R. M. Costa, Greice Ane Barbieri e Paulo Roberto Konzen. São Paulo: Loyola; São Leopoldo: Unisinos, 2010.
  • HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Leçons sur le droit naturel et la science de l’État (Heidelberg, semestre d’hiver 1817 - 1818) suivies des Remarques de l’Introduction aux leçons de 1818 - 1819. Traduction, présentation de Jean-Philippe Deranty. Paris: Vrin, 2002.
  • ROSA FILHO, Sílvio. Eclipse da Moral: Kant, Hegel e o Nascimento do Cinismo Contemporâneo. São Paulo: Ed. Bacarolla, 2009.
  • 1
    Tradução realizada durante estágio de Doutorado-Sanduíche Exterior na Freie Universität Berlin, com Bolsa CAPES-PDSE. Título original: HEGEL, G. W. F. SYSTEM OF NEED, STATE ECONOMY [SYSTEM DES BEDÜRFNISSES, STAATSÖKONOMIE] IN THE LECTURES ON THE NATURAL LAW AND STATE SCIENCE IN HEIDELBERG IN THE YEARS 1817-18 (According to the manuscript of P. Wannenmann-§§ 93-108).
  • 3
    Importante registrar que a seção “A sociedade civil-burguesa” conta com uma introdução, nos §§ 89-92, e continua, depois, nas subseções: B) A administração da Justiça, §§ 109-116, e; C) A Polícia, §§ 117-121.
  • 4
    Conforme enfatiza Sílvio Rosa Filho (2009ROSA FILHO, Sílvio. Eclipse da Moral: Kant, Hegel e o Nascimento do Cinismo Contemporâneo. São Paulo: Ed. Bacarolla, 2009., p. 172-173): “Entre o curso de Heidelberg (1817) e a edição dos Grundlinien (1820) da qual ele fornece uma das preparações, o primeiro tende frequentemente a nos parecer mais concreto que o segundo, sobretudo no que respeita às ilustrações colhidas quer à vida social inglesa, quer à alemã. O mesmo não se poderá dizer, contudo, do rigor dedutivo, sobretudo no que respeita às inferências que têm lugar no interior das esferas estamentais.”
  • 5
    Essa censura, logo após, culminaria nos decretos de Karlsbad, confirmados pelo Bundestag, em Frankfurt , em 20 de setembro de 1819, unindo os diferentes Estados Alemães na repressão ao direito de manifestação, à liberdade de opinião, à liberdade de imprensa e de cátedra.
  • 6
    Os subtítulos apresentados nesta tradução de encontram entre colchetes também na publicação alemã. Trata-se, no entanto, de acréscimos do organizador Karl-Heinz Ilting.
  • 7
    Seguimos a formatação da edição em alemão e, para marcarmos a diferença entre o que é o caput de um artigo e o que é uma anotação, o primeiro será distinguido do segundo por uma letra e espaçamento maiores.
  • 8
    Nota da tradução: Em alemão, Beispiel, palavra que contém a preposição bei, que significa “ao lado”, e spiel, o verbo “jogar”. Hegel afirma, assim, que o exemplo é o que se joga ao lado, o acessório, sendo o principal o universal, o propriamente conceitual.

DIREITO NATURAL E CIÊNCIA DO ESTADO. Realizadas por G. W. F. Hegel em Heidelberg no semestre de inverno de 1817 - 18. “As Lições sobre Filosofia do Direito I. Heidelberg 1817/1818. Conforme o manuscrito de P. Wannenmann” - §§ 93 - 108.

[Naturrecht und Staatswissenschaft. Vorgetragen von G. W. F. Hegel zu Heidelberg im Winterhalbjahrr 1817/18. “Die Vorlesung über Rechtsphilosophie I. Heidelberg 1817/1818. Nach der Mitschrift von P. Wannenmann” - §§ 93 - 108].

A. sistema do carecimento, economia estatal

§ 93 [Satisfação dos carecimentos no humano e no animal]6 6 Os subtítulos apresentados nesta tradução de encontram entre colchetes também na publicação alemã. Trata-se, no entanto, de acréscimos do organizador Karl-Heinz Ilting.

O animal tem um círculo determinado de carecimentos. O humano demonstra também nessa esfera de dependência o seu ultrapassar-se [Hinausgehen darüber] e sua universalidade [Allgemeiheit]. A imediata universalidade na unidade dos carecimentos concretos é sobretudo multiplicação dos mesmos, aproxima o decompor e o diferenciar em partes e lados individuais, os quais, por esse caminho, se tornam diferentes, mais particularizados e menos concretos, carecimentos mais abstratos [abstraktere Bedürfnisse].7 7 Seguimos a formatação da edição em alemão e, para marcarmos a diferença entre o que é o caput de um artigo e o que é uma anotação, o primeiro será distinguido do segundo por uma letra e espaçamento maiores.

Aqui se deve considerar o carecimento o meio pelo qual os carecimentos são satisfeitos. Os carecimentos das pessoas são mediados por intermédio de outras pessoas. O meio de satisfação, o trabalho, é um trabalho para um outro, para a si mesmo trabalhar; todos satisfazem seus carecimentos através de outro. O humano como universalidade deve ser por sobre seus carecimentos individuais imediatos e ultrapassá-los. Esse ultrapassar é, em primeiro lugar, apenas multiplicação, a particularidade. A universalidade é [ainda não aqui] a total universalidade.

A multiplicação dos carecimentos contém formalmente o caráter da racionalidade. O carecimento natural de, por exemplo, se vestir, é algo de concreto.

A natureza se preocupou com o animal. O humano se levanta do chão, ele é capaz de viver sobre todo o chão da Terra. Hércules tinha uma pele de leão como vestimenta, a qual é uma maneira simples de satisfação. A reflexão quebra esse carecimento simples e o decompõe em muitas partes; cada uma das partes do corpo recebe, conforme sua especificidade, uma vestimenta específica, a cabeça, o pescoço, o pé, e assim um carecimento concreto é decomposto em muitos carecimentos, e esses novamente em outros. Conforto [Bequemlichkeit] é precisamente o meio adequado para encontrar a satisfação. O decompor dos carecimentos os faz uma universalidade, algo mais abstrato. A procura [Die Sucht] para encontrar o meio do carecimento é novamente tensionada [gereizt] por todos os outros meios. Através dessa multiplicação do meio, o conforto é promovido; mas o desconforto entra em cena por conta do carecimento de muitos meios.

§94 [A mediada satisfação dos carecimentos]

Esse multiplicar é mediado, porque o círculo determinado dos carecimentos é o carecimento imediato ou natural. A mediação é o relacionamento de uma consciência de si consigo, por meio da identidade com uma outra. Essa universalidade tem

  1. um conteúdo limitado, finito, porque os indivíduos estão como independentes, particularmente uns em relação aos outros. (Então, isso não é em sua substância, na qual eles são idênticos, porém, apenas como um neles pertencendo, mas como totalidade do conteúdo diferente deles.) Por isso é

  2. Essa unidade apenas uma representada e isso apenas na opinião [Meinung]. (O representar é nomeadamente o saber subjetivo, no qual o conteúdo toma a forma de um outro, um estranho, e essa unidade representada é apenas igualdade.)

Também em consideração aos seus carecimentos, a humanidade expressa o caráter da universalidade. Visto que consciência independente são os homens essencialmente [em] relação [com outro] e a consciência da identidade é apenas um isolar, um limitar, porque ela separou um em oposição ao outro, são essencialmente diferentes. Cada um tem mais como seu próprio lado, que a ele pertence.

A consciência entra com isso na representação e na esfera do ter uma opinião; o representar é o saber de um conteúdo limitado. A identidade do saber no representar não é colocada por mim. Ela é a simples unidade do representar, não do saber. A consciência da identidade refere-se a algumas representações, a alguns carecimentos, é também, então, somente uma opinião. A unidade é aqui apenas uma igualdade. A igualdade de uma coisa com outra é um relacionar exterior.

§95 [Imitação e moda]

Essa mediação tem seu começo sobretudo na contingência [Zufälligkeit] e na desigualdade, as quais se encontram em diferentes indivíduos, em relação às modificações e carecimentos, em particular sobre a forma em que encontra sua satisfação ou fruições [Genüsse]. Essa percepção contém a contradição da desigualdade com os outros, na consciência da igualdade, e fundamenta a pulsão para se colocar e produzir sua igualdade com os outros - a pulsão para imitar, na qual está o estímulo de proporcionar a si mesmo a fruição desconhecida ou de qualquer forma de também ter aquilo que o outro tem. A repetição das fruições faz delas algo de subjetivo-universais [Subjektive-Allgemeinen], um hábito e uma necessidade. Do mesmo modo, é necessário, pois, produzir essa igualdade como ser-aí [Dasein] para os outros, e dar a si a consciência de ser considerado como igual, tanto pelos outros quanto para ele, de ser reconhecido.

Esta é a conhecida pulsão [Trieb] de ser reconhecido pelos outros como igual. A pulsão e a força devem ser consideradas conforme o estabelecido na racionalidade. Nessa esfera, mostra a si a universalidade [Allgemeinheit] nesse caminho, que se percebe no outro: “Esses têm essa fruição particular”, e o carecimento aparece como carecimento particular. Lá os carecimentos estão no campo da naturalidade, do acaso, e entra por meio disso a diferença dos carecimentos. A contradição é o fundamento da pulsão. Isso é disponibilizar a consciência da identidade com o outro e, ao mesmo tempo, da desigualdade. Entra a pulsão do mimetismo e a confiança de que aquilo que o outro tem também deve nos ser agradável. A criação das crianças toca nessa pulsão: “Os adultos fazem assim, e nós queremos fazer assim também”. Essa é a pulsão do mimetismo e de se dar a representação de que o outro nada a mais tenha. A isso pertence a moda e, segundo ela, o direcionamento de si é o mais racional; mas a preocupação pelas novas modas se pode deixar para os outros. Não se deve anteceder e também [se deve] evitar a particularidade. A repetição de uma fruição traz o hábito, um carecimento colocado por si mesmo, como com o fumo do tabaco. Afirma-se, através disso, ser igual aos outros.

§96 [Prestígio social]

Os outros, aqui simplesmente ligados ao lado que é oposto, nomeadamente o de suprassumir [aufzuheben] essa igualdade, se dão um valor como particular, para se destacar na competitividade [Wetteifer], mas também igualmente num caminho universalmente válido, quando ele também é apenas algo agradável.

Também é uma pulsão se dar um valor como particular, quando se está em igualdade com os outros. Mas esse vício [Sucht] de ser particular [Besonderes], guia para o maior absurdo, porque o que é ridículo é sempre algo particular. Mas tudo o que é particular deve ter algo de agradável. Essa pulsão de se colocar como particular [está] também em abundância, e esse é um momento da formação [Bildung], no qual a particularidade na particularidade se supere [aufhebt]. O sacrifício da vaidade é, ao mesmo tempo, uma satisfação da vaidade, do mesmo modo que com os cumprimentos e a formação [Bildung] das maneiras sociais de entreter-se. Essa urbanidade se constitui disso, de se fazer interessante, por meio de sua representação e do respeitar a validade dos pensamentos dos outros. Na cortesia, a vaidade se autossacrifica e se satisfaz. Também dentro do particularismo [Besonderung] deve ainda a universalidade aparecer.

§97 [Os meios de satisfação dos carecimentos]

Os meios de satisfação são coisas exteriores específicas - a utilidade [die Nützlichkeit] da natureza. Entre eles estão, tanto quanto o carecimento esteja dado [vorhanden ist], uma ampla escolha. Inversamente, parte também de sua particularidade a especificação das fruições e dos carecimentos, assim como então a pulsão do mimetismo e a distinção, a partir dos meios, novamente leva para a multiplicação dos carecimentos.

Os meios são coisas naturais, e as qualidades particulares são o essencial de cada coisa, na natureza. As coisas naturais são úteis, desde que [insofern] os humanos se coloquem um fim [Zweck] e as coisas naturais o sirvam como meio, (A natureza inorgânica é por isso o não vivo, porque o conceito é apenas algo interno. Em algo realmente vivo, toda parte é necessária para a independência). O ser da coisa natural é perecer [zugrunde zu gehen] e a humanidade deve trazer para a manifestação essa finitude das coisas; a humanidade deve-se permitir não ter nenhuma consciência pesada, por usar as coisas naturais. A humanidade procura por toda a Terra para encontrar o meio mais adequado para seus carecimentos, também para os menores objetivos. A especificação da coisa natural é novamente um primeiro e, conforme essa especificação, confirma, por outro lado, a fruição. É novamente contingencial que alguém se torne conhecido por uma particular utilização das coisas naturais dos outros (filosofia sobre a características das classes [Klassen]). Aqui vem a mimese e a pulsão em um uso particular. O fim aqui não é o de apresentar a satisfação, mas o meio, que os homens conhecem para uso.

§98 [A participação no produto social: luxo e miséria [Not]]

Essa multiplicação não tem limite, assim como não há nenhum entre o que é um carecimento natural e o que se apresenta na representação como um carecimento imaginário [eingebildetes]. A direção da situação [Zustand] social em tal multiplicação indeterminada e especificação dos carecimentos e fruições, tanto quanto do meio, o luxo, obtém uma também infinita multiplicação da miséria [Not], a qual, ao mesmo tempo com uma urgência impenetrável, tem a ver com a infinita resistência da matéria utilizada, nomeadamente com uma natureza como meio, a qual está na posse do livre-arbítrio. Onde essa miséria (e também sua satisfação) tem sua mediação, ela é sobretudo o retirar da imediata necessidade natural [Naturnotwendigkeit], no reino da representação elevada e coisa do arbítrio interno, ao invés de necessidade exterior e coincidência - tornando-se um sistema de uma universal, permanente faculdade [bleibende Vermögens], no qual todos tem o direito e a possibilidade, especialmente por meio de destreza e de formação [Bildung], para alcançar aquilo que cada um de si mesmo faz, por sua capacidade de participar.

Aqui tratamos da forma patrimonial [eigentümlichen Gestalt] da miséria nessa esfera.

Carecimentos e meios são algo exterior, algo natural; assim se supõe novamente a dividida natureza da exterioridade e ela é novamente repartível. Beber vinho é um carecimento simples; mas o conhecimento que os moradores de regiões vinícolas têm é excepcional, prolongado. O carecimento imaginário [eingebildete] tem sua origem no carecimento natural; entretanto, o espírito tem o carecimento, é [o carecimento] de ir para além da natureza. Essa direção para o ilimitado do carecimento é o luxo. Sobre esse multiplicar dos carecimentos proferiam injúrias os satíricos dos Romanos, onde muitas vezes centenas devem agir para satisfazer um carecimento momentâneo, e [negligenciar] que, desse modo, essas centenas satisfazem seus carecimentos. Sobre essa abundância dos meios e dos prazeres está fundado todo o sistema de subsistência do todo. Onde o luxo é menor, falta mais na forma da universalidade e da formação e na possibilidade de subsistência para muitos.

A miséria [Not] dos carecimentos [Bedürfinisses] depende não apenas do afastar-se do arbítrio do singular [einzelnen]; mas ele tem a ver com uma matéria, a qual está na propriedade de um outro. A miséria, no entanto, acaba também sendo uma miséria da necessidade [Notwendigkeit] imediata e é miséria no representar, fundado no arbítrio [Willkür]. Vale, pois, no reino das representações, na linguagem do nome para a coisa - usa-se apenas os nomes das coisas -, então, com a mediação dos carecimentos, os quais, no sistema das mediações, pertencem ao reino do arbítrio. O homem como tal tem a ver com a arbítrio dos outros.

Por intermédio disso, a naturalidade do meio é suprassumida [aufgehoben] e a natureza se torna continuação [dauernd], e uma capacidade geral é aqui disponibilizada; não é a natureza em sua transformação, porém, a riqueza da sociedade construída independentemente dela, que sempre prevalece. A participação nessa riqueza não é, no entanto, como na natureza, simplesmente dependente de seu apoderar-se [Bemächtigen], mas de sua formação, isto é, sua capacidade de, por meio de sua habilidade, satisfazer seus carecimentos. Através disso o homem é assinalado por si mesmo a dar essa formação [Bildung] a si mesmo, a se dar a habilidade. Mas a possibilidade para se dar essa formação requer um capital [Kapital], o qual possuir é novamente um acaso, um acaso que deve ser suprassumido por meio do Estado.

§99 [A multiplicação das atividades]

A multiplicação da miséria é imediata, assim como a excitação multiplicada e a infinitamente incontável e tensa atividade, a qual teoricamente partilha da rapidez da representação, do apanhar envolvente dos relacionamentos universais, da formação do entendimento e da língua, partilham, no entanto, [também] de um carecimento de ocupação e são mais como um trabalhar o qual em si encerra que ele seja adequado aos carecimentos dos outros, e que se dê por uma formação, devendo assim ser uma forma universal.

Toda atividade tem seu fundamento em alguma miséria. A atividade é uma contradição de uma exigência contra o ser-aí [Dasein] do espírito. Essa contradição é o sentimento de carecimento.

O formado deixa-se, através disso, reconhecer que ele tem, em um curto tempo, uma interminável linha de representações e que ele passa rapidamente de uma representação para a outra; por isso, nos formados, a representação é mais geral, enquanto os não formados permanecem na particularidade da representação. Um homem de negócios, um ministro, deve ser capaz de poder, num piscar de olhos, trocar do objeto mais importante para o menos importante. O contraste é enorme entre a rapidez com a qual um ministro e com a qual um pastor passam para outro pensamento. O passar de um para o outro faz do particular um momento, e o universal da Coisa emerge. A idade mais avançada, a qual já conhece os objetos, vê o universal, se segura nele e esquece a singularidade do aparecer sensível, que já não desperta mais um interesse particular; a idade infantil, entretanto, o acha impressionante e o conserva melhor no pensamento. A palavra “exemplo”8 8 Nota da tradução: Em alemão, Beispiel, palavra que contém a preposição bei, que significa “ao lado”, e spiel, o verbo “jogar”. Hegel afirma, assim, que o exemplo é o que se joga ao lado, o acessório, sendo o principal o universal, o propriamente conceitual. contém que o universal seja o principal e que o singular do que se trata, o acessório. As pessoas vivem no reino das representações: o som na linguagem vale como coisa, não como som. Palavra tem ser-aí [Dasein], mas apenas ser-aí por meio do representar e para o representar. A linguagem é sobretudo o sistema de como as coisas são, no reino das representações, e ela ganha em universalidade, na qual retrocede sua expressão para os objetos sensíveis. A verdadeira riqueza de uma Coisa [Sache] é a riqueza, não para o aparecer sensível em sua particularidade, mas para as relações [Verhältnisse] universais e para as determinações das relações.

Através da miséria surge a necessidade da ocupação. A atividade é parcelada e o desassossego de sempre ter algo para se fazer torna-se carecimento próprio. O selvagem seguir em frente permanece sempre por cima da pele preguiçosa, e somente a coerção o traz para a atividade. O desassossego é um perpétuo ultrapassar [übergehen]. Essa atividade, no Estado, é apenas um trabalho que se relaciona com os carecimentos dos outros. A própria indeterminação, imaginação e opinião devem ser abandonadas, devendo ser trabalhadas em direção a um fim determinado, para [atender] a um carecimento. Por isso, o trabalhar com um fim determinado é agora tão bom para a educação dos homens, pois nele se deve abandonar sua subjetividade.

§100 [A produção dos meios de produção]

A contingência da abundância de um meio por uma pessoa leva à troca contra o meio que o outro tem em abundância. Todavia, a multiplicação dos carecimentos requer o preparo de meios específicos para sua satisfação, e a racionalidade exprime a si mesma em que o usar das coisas naturais não é mais imediatamente apropriação e fruição, mas que esse usar é parcialmente já através do trabalho anteriormente feito, parcialmente porque esse foi mediado por ferramentas, com as quais o indivíduo especifica sua atividade e, ao mesmo tempo, se protege do desgaste das condições mecânicas.

A miséria traz adiante sobretudo a atividade. A troca toca, no entanto, na contingência da abundância, a qual uma [pessoa] tem de um objeto; mas acarretar uma tal abundância se torna aqui o fim [Zweck] e, para esse fim, é requerido o preparo de meios específicos.

Em nosso modo de vida, existem muito poucos tipos de meio que são usados diretamente como retirados da natureza; a maioria - mesmo os para os carecimentos naturais, que os animais têm em [comum] conosco, como comida - os humanos utilizam raramente como já formados [geformt]. Ele já lhe deu sua forma, já lhe retirou a estranheza, [algo] por meio da mistura com outros produtos naturais que a ele são opostos. Assim, para o preparo da comida para a fruição é retirada a gordura da animalidade [animalismus]. Porém, ao mesmo tempo, devem as comidas reunidas ser homogêneas. Logo, a humanidade faz a natureza ela mesma homogênea; ele a assimila a si, e não se pode chamar a isso de suavização, esse evitar das funções animais, como, por exemplo, a digestão.

O caráter da racionalidade no humano se mostra nos meios, ferramentas, que ele usa. Por meio dessas ferramentas, a atividade se torna mais específica. Através da ferramenta, o humano empurra entre si e a natureza um meio e impede, dessa maneira, o desgaste de suas forças, o qual o desgaste do meio revela, enquanto se preserva a si mesmo. O racional é sobretudo o que se preserva, que se retira da transformação. A razão inventou essa mediação, por intermédio de ferramentas, e a sua própria conservação se torna para o humano um dever.

§101 [divisão do trabalho e industrialização]

A preparação dos meios específicos exige ainda uma habilidade e costumes particulares, dos quais a uma o indivíduo deve se limitar. Com isso, entra [em cena] a divisão do trabalho , por meio do qual, perdendo em concretude, esse se torna mais leve e simples, de forma que, com o mesmo tempo, uma quantidade muito maior de produtos pode ser preparada. Quando ela [a divisão do trabalho] houver adquirido sua última abstração, ela se tornará mecânica, por sua simplicidade, e o humano poderá colocar uma máquina para agir em seu lugar, onde ele deixa um princípio do movimento natural, ao invés de seu agir, regular sua uniformidade e seus fins.

Aqui se fundamenta todo o trabalho de fábrica e manufatura; cada manipulação singular é dividida para um indivíduo singular. Numa pequena fábrica de dez pessoas, fazem essas por dia 4.800 pregos, e uma singular [einzelner] poderia no máximo, se ela fizesse tudo sozinha, fazer apenas 20 pregos. A mudança subjetiva das representações para o trabalho, esse passar de um ao outro têm a necessidade de um tempo consciente, e de mais tempo do que quando um sujeito particular sempre repete a nomeada manipulação. Então, o trabalho se torna abstrato, monótono, e assim se torna mais fácil, no qual o exercício é apenas um, apenas um conhecimento, o qual o sujeito particular pratica, [necessário é] e então pode obter mais habilidade nesse manipular particular. Todo trabalhador artesanal [Handwerker] carrega adiante somente uma obra concreta; ele precisa constantemente passar de um a outro, e seu conhecimento necessita ser múltiplo e se estender sobre muitos objetos. Nisso toca que o trabalhador de fábrica aborrecidamente se torna preso à sua fábrica e dela dependente, ao mesmo tempo que não consegue ir para nenhum outro lugar com essa habilidade particular. Esta é uma triste imagem do degradar [Abstumpfung] das pessoas, numa fábrica; por isso, desperdiça-se e se dissipa também rapidamente o salário semanal nos domingos.

Quando, no entanto, o trabalho de fábrica tiver então alcançado a perfeição [vervollkommnet], ele será tão simplificado que, ao invés do trabalho humano regulado por máquinas, é a máquina que trabalha, e esta é a transição habitual nas fábricas. Logo, o humano se torna, por meio da consumação dessa marcha controlada pelas máquinas, novamente livre. Uma fábrica floresce principalmente em uma nação onde os humanos estão em grande miséria e, assim, devem se contentar com pouco. Mas, na Inglaterra, são os trabalhadores terrivelmente caros e, não obstante, prosperaram as fábricas; lá a maquinaria faz o trabalho humano se tornar sobressalente; e, então, os ingleses podem fornecer mercadorias mais baratas que os outros povos nos quais o trabalhador é muito mais barato. Também ferramentas mecânicas, usadas pelos humanos, são máquinas, as quais não demandam toda a atividade humana, mas nas quais o mecânico substitui muito da força. Entretanto, por todo o movimento de controle das máquinas, a uniformidade não é contínua - uma mola de relógio é sempre no começo mais fortemente tensa do que posteriormente - e o humano deve colocar nisso a uniformidade do movimento. O humano é primeiro sacrificado e, então, novamente libertado por um mais alto nível das máquinas.

§102 [A desigualdade social e a constante divisão da sociedade]

A contingência foi transformada em contingência da natureza exterior, na forma do arbítrio, e contém uma infinitamente crescente difusão [Ausdehnung], por meio da desigualdade dos condicionantes [Anlage] naturalmente corpóreos e espirituais e do ilimitado emaranhar das circunstâncias, pela qual sobretudo está fundada a indeterminada desigualdade das capacidades. A desigualdade essencial que toca nesse sistema dos carecimentos e meios, no entanto, é feita pela diferença dos estamentos [Stände] - o particular, no sistema universal dos carecimentos, que contém sistemas nele mesmo, do tipo de seus meios e trabalho.

Ao invés da dependência dos humanos da natureza externa, entra em cena apenas a contingência subjetiva. O todo é elevado por cima da imediata dependência natural; mas, então, entra a contingência subjetiva, o arbítrio dos humanos em respeito aos seus condicionantes espirituais e corporais, e essa contingência é infinitamente maior que a da natureza. O participar e o efeito conjunto [Mitwirkung] dos singulares [Einzelnen] na e para as capacidades gerais dependem de suas circunstâncias. Todo indivíduo [Individuum] tem nisso um destino particular, para cada estamento [Stand] de que venha, dependendo parcialmente de sua circunstância e parcialmente de sua propensão e contingência. O humano tem pouca escolha em respeito ao que ele quer determinar para si; as ocasiões de aprender as habilidades [Geschicklichkeit] não são também muitas, e as propensões particulares pelas áreas do saber não são igualmente grandes; mas ainda maior é o caráter contingente. Isso funda agora a diferença das faculdades subjetivas, as quais em oposição são uma quimera insípida; porquanto, o sistema todo toca na subjetividade das condições e da contingência, as quais também têm novamente as condições subjetivas.

A mais determinante diferença é a diferença dos estamentos [Stände]. O Estado deve respeitar o momento da desigualdade, porque esse é um momento da arbitrariedade na contingência e a liberdade dos indivíduos. Um universal deve se esforçar livremente para evitar as consequências prejudiciais que disso podem surgir. A totalidade deve se estruturar, e essa estruturação deve ser em respeito ao tipo e variedade dos carecimentos; o trabalhar é a necessidade dos estamentos, os quais estão fundados em uma necessidade maior da razão, de que cada ser vivo deve ser diferente. A pena de que um humano deva sofrer mais por seus carecimentos do que os outros é um sentimento insípido.

§103 [O estamento agrícola]

Esses estamentos se determinam, conforme o conceito, como estamento substancial, formal e universal.

1 - O estamento imediato satisfaz seus carecimentos com um patrimônio [Vermögen] como um bem - o estamento agrícola [ackerbauende Stand]. A agricultura restringe o nomadismo, faz a vida selvagem em busca de subsistência do nomadismo descansar tranquila no chão. Também limita o caráter contingencial das trocas exteriores, na marcha da lei da natureza elementar, como a aquisição dos meios em uma determinada época particular, e desse modo faz permanência momentânea do fornecimento e chama o carecimento de possuir uma propriedade, através do reconhecimento. A forma que o trabalho produz determina, por um lado, o produzir vivo da natureza, e não tem, por outro lado valor, para si, mas é apenas um meio, e os produtos naturais reunidos têm o objetivo principal de uma subsistência imediata posterior.

No setor agrícola, é trazida para dentro [hereingezogen] a esfera que nós descrevemos na família.

A época da nascente agricultura é para todos os povos, em sua história e em sua religião, uma época principal [Hauptepoche]; assim nascem os segredos de Ceres. A reflexão da distância, o caráter circunstancial traz o selvagem de volta e o encaminha para aquilo que está colocado diante dele, para o solo. A caçada contém esse retorno ao nomadismo [Umherschweifende], onde os meios de satisfazer os carecimentos dependem das circunstâncias, conseguir algo depende de achar algo, do mesmo modo que na pesca. Na agricultura, a vida nômade termina, onde se alternam a terrível miséria e a abundância momentânea, a qual não pode ser conservada para o futuro.

Na agricultura é também livremente disponível o mais elementar da Natureza, contudo, não mais a natureza em seu caráter contingencial, mas sim a natureza na sua transformação necessária, que sempre se repete. Também no tempo pode ela apenas em uma estação fornecer os meios de subsistência, de sorte que emerge a provisão para os outros tempos do ano e, assim, emergem para o agricultor o passado e o futuro, o carecimento da propriedade aparece. Por isso, a propriedade contém o momento da liberdade e do universal, isto é, um, que deve ser respeitado por todos, para a posse interna de ideias, a formação dos campos assinala minha posse, e esta forma deve ser respeitada. Ceres e Triptolemos não somente criaram [gestifted] a agricultura, mas também fundaram a propriedade legítima. O campo é uma posse permanente, duradora, particularmente tão longe quanto a universalidade interna deva ter um ser-aí [Dasein]; o direito deve ser conhecido e respeitado.

O agricultor não faz da forma que torna o campo cultivado ou que deve alimentar o animal uma coisa de todo importante, mas isso acontece apenas para multiplicar a própria vida da natureza, para facilitá-la. São dádivas da natureza, as quais garantem a existência do camponês; o vivente aqui se relaciona com o vivente, não para o próprio invento dos humanos; ele agradece tudo não a si mesmo, mas observa sobretudo a vivacidade [Lebendigkeit]. Por isso, ele é mais o estado da inocência [Unschuld] da crença; a mente [Gemüt] não tem ainda a consciência da culpa, que o que tem é a si próprio [was es habe, das seinige sei]. É ainda uma pouca mediação que entra no sistema da satisfação dos carecimentos. A família mesma prepara as ferramentas manuais, o vestido etc. A consciência-de-si da singularidade [lacuna no original]. A subsistência não depende do trabalho e dos carecimentos de todos os outros.

§104 [O estamento manufatureiro] [der Gewerbestand]

2 - Na manufatura [Gewerbe], o setor da reflexão, o momento central é a forma e um mais abstrato, isto é, não imediato benefício [Gewinn], que serve à satisfação. O artesão [Gewerbsmann] trabalha a matéria-prima e a forma que ele lhe dá é por meio da qual a coisa [Sache] obtém valor. Ele está assim à sua reflexão, bem como em consideração aos seus carecimentos de troca de seu trabalho, como também suas ferramentas, inteiramente [durchaus] assinalado [gewiesen] à mediação com outros. A classe [Klasse] mais abstrata dos fabricantes tem tanto a ver com a matéria morta quanto com uma forma mecânica, e quanto mais aperfeiçoada [vollkommener], isto é, quanto mais limitada a habilidade é, mais o valor de sua produção depende do caráter contingente do aperfeiçoamento das destrezas dos demais e de outras condições exteriores. O dinheiro, o valor abstrato da mercadoria [Ware], se torna carecimento para a troca universal e o patrimônio [Das Vermögen] se multiplica pela sua circulação por caminhos indeterminados. O estamento do comércio [Handelstand], no qual o negócio é a mediação universal como troca uns contra os outros dos produtos preparados acumula riqueza, a riqueza não tem nenhum limite quantitativo em si; o vício [die Sucht] da mesma vai por isso para o indeterminado e desencadeia, de seu lado, novamente o multiplicar dos carecimentos e meios.

O setor dos fabricantes contém a abstração do trabalho, e o terceiro setor contém novamente a universalidade, e aqui surge a riqueza [Reichtum].

Na manufatura [Gewerbe], faz-se da forma, da própria habilidade [Geschicklichkeit] a coisa principal, todavia, essa forma não produz a natureza e sim a ela própria. No setor manufatureiro, os meios não são feitos para servir os carecimentos do produtor, mas seu fim é o lucro [Gewinn] universal, com o qual ele pode adquirir para seus carecimentos. (Aqui [bei uns] é que agora o setor agricultor também veio a encontrar [hinübergetreten] o setor manufatureiro, no qual a coisa principal não é o conter a satisfação dos agricultores; mas ele olha para aquilo que traz o lucro, para trocar seus produtos pelos de outros, e também tais artigos de cultivo, os quais menos precisam, já que ele não vê os humanos em seus serviços mais como pertencentes à sua família). A forma é para o setor manufatureiro a coisa principal, a qual, por meio da atividade dos trabalhos, é produzida, não o material cru; ele tem que agradecer tudo à sua própria atividade. Este é o setor da reflexão do reconhecimento de si mesmo e de sua atividade. Ele manufatura [verfertig] apenas meios, para obter os meios para satisfação de seus carecimentos; nesse setor, o indivíduo [Individuum] tem o sentimento de si de que ele é sua própria atividade, através da qual ele subsiste, e este é o momento de ser não dependente da natureza externa; mas o lado de sua dependência é esse no qual ele deve obter matérias-primas e ferramentas dos outros, as quais, para ele as produzem; e que os carecimentos dos outros faz possível a venda de seu trabalho e, quanto a isso, ele é dependente. Mas primeiro isso de que ele tem uma abundância de uma coisa e o outro de uma outra faz a troca, e que isso requer um morar conjuntamente dos humanos; por isso, a manufatura está em casa essencialmente na cidade. Nas grandes cidades, os carecimentos são, por um lado, mais caros, entretanto, muitos carecimentos não imediatos, mas mediados, como ferramentas, são mais fáceis de aqui se obter.

O artesão [Gewerbsmann] se preocupa mais com sua necessidade singular [einzelne]; mas, em sua oficina, a abstração não está tão disponível como nos fabricantes, nos quais o mecânico penetrou mais; o fim essencial é nomeadamente simplificar [vereinfacher] o trabalho. Quanto mais mecânico o trabalho agora é, mais as pessoas dependem da fábrica, e, para garantir sua subsistência, entra a polícia em cena e dá privilégios e limita a quantidade [Zahl] de trabalhadores. Surgem as guildas, com as quais se diminui a grande concorrência. Todavia, para sofrimento próprio por excesso [Überbesetzung] de trabalhadores manuais, em uma cidade, os singulares [einzelnen] e a multidão [Zudrang] dos particulares se cancelam a si mesmos. Nas fábricas, o caso é outro, no qual seu trabalho é abstrato e precisa para seus produtos da grande falta de produtos em um mercado maior. Logo, ele precisa procurar um outro círculo, para dispor seus produtos. O artesão trabalha apenas para um círculo determinado. Aqui, nos fabricantes, estão disponibilizadas mais circunstâncias de que outras fábricas vão abrir [sich auftun], que melhores máquinas serão inventadas, que serão os trabalhadores mais baratos, que os materiais serão obtidos mais facilmente e, por isso, vêm as fábricas abaixo, quando na área onde elas fazem suas vendas, ao mesmo tempo, se abrem novas fábricas. Assim, os ingleses quebraram a maior parte das fábricas holandesas. Lá, o trabalhador de fábrica, o que sempre tem apenas um singular [einzige] trabalho abstrato, pode muito dificilmente passar para um outro trabalho e, por meio das modas e de todas as outras circunstâncias acima referidas, as fábricas mais facilmente quebram e, então, facilmente a miséria [Elend] entra em jogo.

O negócio surge agora apenas como meio. O dinheiro se torna necessário como meio universal de troca dos carecimentos. (No setor camponês [Bauernstand], podem mais carecimentos ser trocados [vertauscht] contra carecimentos, e a troca nele é menor). Muito dinheiro em um país não faz sozinho a medida da riqueza do país, já que, quando no país o dinheiro é barato [wohfeil], isto é, as mercadorias são caras. Onde o dinheiro é mais raro, ele é mais caro, e as mercadorias são mais baratas. A circulação é uma coisa essencial em relação ao dinheiro. Onde há pouco dinheiro, no país, a troca é dificultada. Onde a circulação do dinheiro é maior, lá a riqueza é maior. Quanto mais dinheiro circula, e tão rapidamente a mesma soma de dinheiro se torna um meio para cada um, através dessa mão vai, e a todos foi disponibilizada essa possibilidade de se beneficiar [Gewinnen], por meio desse mesmo dinheiro. Quando falta o dinheiro metálico, então o dinheiro de papel substitui essa muito pequena quantidade de meios de troca; a mercadoria se coloca em relação com o dinheiro de papel, mas a circulação se torna mais fácil. A riqueza de uma nação não é elevada por um aumentar do dinheiro, contudo, apenas a circulação. Assim, a França foi, nos tempos antigos, muito elevada em sua riqueza, por meio do dinheiro de papel. É claramente melhor, quando o dinheiro de metal está lá; mas também o dinheiro de papel não deve ser visto como a desgraça da nação, ele apenas traz o aumento da circulação.

O estamento do comércio [Handelstand] gera, no estamento manufatureiro, o estamento universal; seu negócio é o mediar dos meios produzidos contra outros meios [e assim] a troca da abundância de uns, isto é, agora os produtos artesanais ou naturais, contra a abundância dos outros. O lucro [Gewinn] é a coisa principal. O estamento do comércio tem a ver com o meio como meio universal; ele está relacionado com o meio universal, com o dinheiro e, nesse sentido, expande [dehnt sich] sua eficácia [Wirksamkeit] no universal. E os grandes comerciantes, que têm a ver com a universalidade dos carecimentos de uma nação e que colocaram a Carta [Charta] em sua frente, têm um grande estamento [Stande]. A riqueza, o lucro [Gewinn] se torna um vício [Sucht] indeterminado, não simples, de se satisfazer os carecimentos, e a relação com o próprio carecimento é mais ou menos universal (nas repúblicas, é perigoso o desmedido crescimento da riqueza, de sorte que os governantes a buscam neutralizar [entgegenzuwirken]; então, deve o mais rico de um povo promover os espetáculos [die Schauspiele erhalten]. Assim era [ward] a riqueza glória, mas ela deve evitar ou então limitar seu acúmulo [Anhäufung]. Contra isso havia também leis sobre a herança). Os comerciantes procuram, no entanto, despertar novos carecimentos nos povos, e assim os ingleses, por exemplo, dão à China grandes presentes de toalhas de lã, para lhe dar o carecimento e então ganhar [Gewinnen] um novo mercado para venda de mercadorias.

§105 [O estamento universal] [Der allgemeine Stand]

3 - O estamento universal tem sobretudo o próprio estado universal da sociedade como objetivo de seu trabalho; por conseguinte, deve o próprio universal mesmo se preocupar em consideração dos carecimentos, e ele foi criado [erhoben] principalmente para a miséria [Not] e o trabalho direto para si mesmo.

O setor universal pertence ao ser [Wesen] da organização do Estado; ele tem seu ser-aí [Dasein] próprio na Constituição do povo.

Ele tem como finalidade o universal como tal, que é nomeadamente a distribuição do direito [Recht geschehe] e a segurança. Em todos os outros setores, é o fim de cada um uma preocupação individual; esse setor, no entanto, deve cuidar da miséria, o universal deve se preocupar com ela. A preocupação com seus carecimentos deve ser tomada pelo Estado. Cada um pode ter também suas finalidades, como salário [Besoldung] etc. Isso não é, no entanto, a finalidade essencial, mas deve ser visto apenas como meio para alcançar a finalidade universal. Para que essa finalidade seja pura finalidade de seu trabalho, deve-se trabalhar, não em função da miséria; através de seu ofício [Amt], ele deve ser independente em relação aos carecimentos. O comportamento deve ser tão determinado que, no cumprimento de seus deveres funcionais, não esteja ligado à consideração de seus carecimentos; porém, deve acontecer por meio da arrecadação ou da posse independente de propriedade, como por último acontecimento em estados mais antigos, onde muitos funcionários tinham patrimônio em função dos quais sua independência permitia sua eficácia para o universal.

Pertencem ao setor universal também os professores, os quais se colocam a si na ciência para o bem universal. É uma honra para um Estado, quando o apoio ao setor universal e particularmente ao cultivo [Ausbildung] da ciência, nos indivíduos, que a si por toda uma vida exclusivamente se dedicam, permite alguns privilégios [Privilegien] ou independência patrimonial. Ao invés disso, cuida-se, na Alemanha, de se dar privilégios à nobreza, que se rendeu às paixões vergonhosas, às custas de seus poucos súditos.

§106 - [O princípio da escolha livre da profissão]

Essa diferença de setores que está no conceito da coisa deve também apenas ser tal por meio da determinação legal do conceito - igualmente, por toda casualidade de nascimento e natureza, de qual ela depende, a qual estamento um indivíduo pertence, deve sua própria atividade permanecer em casa, a qual esse setor se quer pertencer, de modo que à contingência [Zufälligkeit] subjetiva, ao livre arbítrio [Willkür] e à consciência que determina a si mesma seja concedida maior honra e poder do que à contingência natural.

Deve ser contingente para o indivíduo a qual estamento ele pertence, ao nascer; mas tudo o que existe ao redor dele, em seu nascimento, são relações, através das quais ele imediatamente deve pertencer ao seu setor. Contudo, essa diferença conceitualmente necessária de estamentos foi, por exemplo, no Egito e nos indianos, vista como necessidade natural e assim fixada, fazendo surgirem as castas e, dessa forma, a liberdade de se colocar por cima dessas circunstâncias é retirada dos humanos. Todas as capacidades pessoais não conseguem levantar (heben) a parede divisória das castas, e a contingência subjetiva e a consciência da liberdade não podem mais ser realizadas. Também no Estado romano nós vemos as diferenças acentuadas entre patrícios e plebeus e, por isso, a contínua luta interna. Então, os privilégios [Vorrechte] em relação ao trabalho universal por um setor são muito opressivos. Assim, tinham antes na Prússia apenas os nobres o direito ao oficialato. Essa diferença de privilégios de casta, onde um setor tem maior parte no trabalho universal, é uma das condições mais danosas [ist einer der Widrigsten]. Grandes proprietários são tidos na Inglaterra e na França como uma verdadeira nervura do Estado, porque esses podem ser independentes do favor do príncipe e de todo o lucro, e essa é uma relação essencial.

§107 - [Justiça e honra] [Rechtschaffenheit und Standesehre]

No estamento, obtém-se a particularidade dos humanos, sobretudo o seu direito; a disposição espiritual ética [die sittliche Gesinnung], nesse sistema, é constituída pela justiça e a honra, por meio da atividade, diligência, habilidade e retidão de fazer de si membro de um desses momentos necessários da sociedade civil-burguesa e, por essa mediação com o universal, ser algo e ser reconhecido na sua representação e na representação dos outros. A moralidade [Moralität] está mais adiante nessa esfera da própria reflexão sobre o seu fazer, onde também a contingência da miséria [Not] dos indivíduos, de uma ajuda contingente e própria, se torna um dever individual.

Todos, enquanto indivíduos concretos, estão em circunstâncias externas particulares. Mas, além de sua particularidade, deve o humano ter também como sua finalidade a universalidade.

O outro lado é, no entanto, a atitude ética que consiste em que primeiramente todos devem ter um estamento: os humanos devem se formar para um estamento. Para qual ele se forma tem a influência de contingências, depende da opinião que o indivíduo tem do estamento, da situação patrimonial etc., de características que o qualificam para seu estamento. (No Estado platônico, os líderes colocam, segundo seu julgamento, as crianças no estamento ao qual elas parecem se adequar, e as formam em conformidade. Todavia, aqui o arbítrio subjetivo [subjektive Willkür], a autodeterminação, é reprimida). A liberdade na particularidade é nomeadamente o livre-arbítrio [Willkür]. De agora em diante, manter-se no estamento escolhido e cumprir seus deveres nesse estamento é a justiça. Cada setor é apenas um universal, e a justiça é a eticidade [Sittlichkeit], nessa esfera. Justiça não é ainda eticidade, porque os humanos ainda devem ter fins mais altos. Daqui pode a justiça ser vista, não como o objetivo [Ziel]; por conseguinte, deve-se ter nessa esfera afora ainda outros objetivos. A honra setorial é apenas a consciência da justiça vista a partir de seu setor e que assim vale. O humano precisa decidir ser um particular em relação ao estamento; ele deve dar a si mesmo um estamento. Ele se detém na limitação deste e dá a si o momento essencial da efetividade - um momento necessário para sua liberdade porvir. A justiça [Rechtschaffenheit] é isso: dar-se a um estamento e ter o direito de ser o que se é, em um estamento, e esse justo é o se elevar na esfera acima da esfera. Essa é a honra do estamento, na qual o indivíduo é um momento útil para o universal. “Útil”, “produtivo” concernem a uma pessoa assim, o que para outros é um meio. Daqui, em sua atividade, a pessoa sabe que é o seu objetivo, e não um meio, ser “útil”, “produtivo”. Mas a pessoa é, em sua atividade, tão bem seu próprio fim e, no entanto, sua atividade aqui se devora com os fins de todos os outros. Por intermédio de sua particularidade está o humano limitado à existência de todos os outros; contudo, nessa particularidade, deve ele a si mesmo se elevar. Nesse sentido, pergunta-se: “O que é essa pessoa, i. e. que estamento [Stand] tem ela?” E quem não tem nenhum estamento é ninguém; mas, por meio desse ser-aí [Dasein], deve a pessoa verdadeiramente se fazer e, nessa particularidade, se obter a si mesmo. Essa é a ética [Sittliche] desse estamento.

O ser-aí [das Dasein] da moralidade é, na realidade, essa esfera. Aqui deve o humano como ser moral fazer e querer seus deveres; porém, ela não mostra o que é o dever. A determinidade dos deveres não está ainda na moralidade. A etapa da moralidade entra em jogo, quando o humano quer entrar totalmente em si. O estamento é o verdadeiro conteúdo para o dever; existem deveres determinados que todos podem conhecer. Virtude contém fundamentalmente aqueles deveres do mesmo fim virtuoso que ela a si mesmo deu. Como é apenas um estamento [Stand] que dá a virtude, não é mais a virtude um acidente, não é mais dada pela individualidade; então, sua liberdade consiste simplesmente nisso, que ele deu a si seu estamento. Mas esse estamento prescreve os deveres para todas as pessoas desse estamento, e não a individualidade como tal. O caridoso tem a intenção de ajudar os outros, e isso depende de seu livre arbítrio. Todavia, nesse sistema, a mediação é a de que aquele que se preocupa consigo, se preocupa com os outros; ele negocia para si e preocupa-se com outros. Simplesmente o que é do arbítrio se torna necessário nessa esfera de mediação, e o indivíduo recebe pouco desse benefício. Aquele que gasta seu dinheiro com seus carecimentos dá aos outros seu dinheiro, mas o faz a eles, sob condição de cumprirem seu dever, de serem industriosos, e ele dá a eles um correto sentimento a si mesmos, como o que dá seu dinheiro aos pobres; mas o pobre que recebe esmola não tem o sentimento de sua independência. [Sentimento] que é uma parte componente dessa mediação - nomeadamente que aquele que se preocupa consigo, também se preocupa com os outros. Mas pode também algo contingente entrar em jogo, a miséria, no qual não se preocupa com os outros. Em geral, deve o Estado, por meio de suas instituições, prevenir [vorbeugen] a miséria; pode ocorrer também uma miséria subjetiva, na qual a atitude deve ser a de ajudar com conselhos e ações; mas melhor é quando o Estado também cuida da miséria individual. Normalmente, as pessoas preferem talvez deixar a ajuda de outros em situação de miséria ao seu livre-arbítrio, ao invés de deixar o Estado ajudar, pela regulamentação universal - e aqui também entra o livre-arbítrio, quando o individual dessa preocupação do Estado é visto como um racional e, então, pode ele ser caridoso, tirando proveito desse regulamento. A ajuda subjetiva deve o tanto quanto possível ser evitada, porque pode causar danos, ajudando subjetivamente, ao invés de ser útil.

§108 - [Passagem à segunda subseção]

Na universalidade da formação, por meio da qual o singular trabalha adiante sua imediata subjetividade, e para fora da mediação das trocas universais do trabalho, o meio se torna e vai como livre-arbítrio, subjetividade do querer, a qual, no entanto, é em si um universal, para si mesmo afora. Vem à representação o direito formal. Tão essencialmente ele está entrelaçado nos fins dos carecimentos e daí tem seu conteúdo essencial, simplesmente ele deve receber como essa substância uma existência livre para si - a Administração da Justiça [Rechtspflege].

Essa negatividade da singularidade contém o emergir da universalidade, e essa universalidade é essencialmente, sobretudo, momento do meu querer como querer livre. Cada um é, tem, trabalha, frui, conquanto tudo que ele faça, tenha, frua, esteja mediado pelo outro; entretanto, nessa mediação, ele se vira de volta para dentro, é para si. Esse ser para si [Fürsichsein] é um momento do direito. Toda essa esfera consiste apenas em que é um direito; cada um se apresenta como uma pessoa jurídica, e que seja assim reconhecido é o momento subjetivo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2020
  • Aceito
    28 Jul 2021
Universidade Estadual Paulista, Departamento de Filosofia Av.Hygino Muzzi Filho, 737, 17525-900 Marília-São Paulo/Brasil, Tel.: 55 (14) 3402-1306, Fax: 55 (14) 3402-1302 - Marília - SP - Brazil
E-mail: transformacao@marilia.unesp.br