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Elementar: Antonio Candido, inventor do inventivo Sérgio Buarque de Holanda 1 1 . Agradeço aos professores Leopoldo Waizbort, Sérgio da Mata e Pedro Meira Monteiro a leitura prévia deste trabalho, por cujos eventuais equívocos não têm qualquer responsabilidade.

Elementary: Antonio Candido, inventor of the inventive Sérgio Buarque de Holanda

Resumo

Ao reconstituir, com base em diversas fontes documentais (inclusive inéditas, ao que consta), a longa relação de camaradagem entre Antonio Candido e Sérgio Buarque de Holanda, discorre-se, no presente artigo, sobre o papel daquele crítico literário para a ulterior afirmação de Raízes do Brasil no cenário das ideias brasileiras. Conclui-se que a amizade entre ambos os intelectuais foi decisiva para a sagração desse livro e, decerto, a de seu autor – como clássico da literatura nacional não ficcional.

Antonio Candido; Sérgio Buarque de Holanda; Raízes do Brasil; Biografia; Clássico

Abstract

By a partial and mainly bibliographical reconstruction of the long relationship between Antonio Candido e Sérgio Buarque de Holanda, one discusses in this article about the role of that literary critic for the further affirmation of Raízes do Brasil in the Brazilian ideas’ scenario. It is concluded that the friendship between both intellectuals was decisive for the consecration of the book and his author, certainly, as a classic of the national non-fictional literature.

Antonio Candido; Sérgio Buarque de Holanda; Raízes do Brasil; Biography; Classical book

O páthos da amizade

Sérgio Buarque de Holanda talvez pudesse dizer de si aquilo que Conan Doyle pôs certa vez na boca de seu mais célebre personagem, o detetive Sherlock Holmes, a respeito de seu assistente e braço direito, dr. John H. Watson, quando, novamente reunidos no endereço da 221B Baker Street, andavam prestes a apurar o que seria um escândalo na Boêmia: “Eu estaria perdido sem meu Boswell”. A referência invulgarmente afetuosa a um dos maiores diaristas do século XVIII, o nobre escocês James Boswell, reconhecido pela autoria de uma entusiástica biografia de seu amigo Samuel Johnson – tida como a mais distinta obra de arte biográfica em todo o domínio da literatura inglesa ( Bate, 1977BATE, Walter Jackson. (1977), Samuel Johnson . Nova York, Harcourt Brace Jovanovich. , p. XIX) – talvez possa também convir à pessoa de Antonio Candido.

Na maior parte das estórias de sir Arthur, coube a Watson narrar as façanhas investigativas de seu amigo Holmes. E, de resto, conhecer uma pessoa ou personagem por intermédio de um seu amigo ou ente próximo nunca parece empresa ou método de todo confiáveis. Quanto a isso, o próprio Holmes se mostrava ambivalente, ora envaidecido, ora relutante, face às tinturas românticas que Watson calha de deitar naquelas suas experiências conjuntas de detecção, que se queriam, antes, sérias, sóbrias, desprovidas de emoções, conforme o desejo do grave detetive.

O deslumbramento da amizade parece ser, no entanto, um páthos corriqueiro na história literária. Em uma recensão de Kafka: eine Biographie , primeira biografia dedicada ao escritor tcheco, em 1937, por seu amigo Max Brod, Walter Benjamin ([1938] 2002, pp. 317-319) deplora a atitude do autor, a sua “mais perfeita bonomia”, que chega a contradizer a tese mesma do livro: a de que Kafka teria encontrado “a si mesmo no caminho da solidão”. Nesse mote, Benjamin entrevê apenas as marcas do desmazelo jornalístico e os floreios do beletrismo, tamanha a falta de distância entre Brod e o seu objeto, bem como a ausência de qualquer senso de rigor pragmático que se demanda de uma obra inaugural do tipo. Perante a “santidade” de Kafka, revelando intimidade típica de um devoto, Brod excederia os limites da moderação nas homenagens que lhe rende e na familiaridade do tratamento que lhe dispensa. Benjamin então recorda que o convívio cerrado com a figura dos santos tem um assento especial na história religiosa, sobretudo com o pietismo; em outras palavras: essa aventada proximidade seria a atitude mais obscena que se possa imaginar em um intelectual.

Na economia das proposições de Antonio Candido sobre Sérgio Buarque, não se pode perder de vista que, em grande maioria, são concepções debuxadas por um seu grande, longevo amigo. De sorte que participam não apenas do que é peculiar ao gênio crítico de Antonio Candido, mas também do que é próprio de tais relações.

O princípio da philia

Apesar de se encontrarem em Berlim ao mesmo tempo e terem até residido algo próximos um do outro, em 1929, ambos se conheceram somente nos idos de 1943; Sérgio contava já quarenta e um anos de idade, e Antonio Candido, então com vinte e cinco, nele já enxergava “um mestre incomparável.” A oportunidade de convívio se deparou maior a partir da inauguração, em São Paulo, da Livraria e Editora Brasiliense sob a égide de Caio Graco Prado e Caio Prado Júnior, associados a Monteiro Lobato, Artur Neves, Maria José Dupré e outros , com o lançamento do primeiro livro editado do jurista Hermes Lima, a cuja solenidade muitos intelectuais cariocas acorreram. O ano era 1944, segundo o velho crítico2 2 . Hermes Lima lançou pela Brasiliense Notas à vida brasileira , mas não em 1944, conforme as memórias de Antonio Candido, e, sim, no ano seguinte ( Lima, 1945 ). , e Sérgio Buarque, que também se fez presente, embora ainda residisse no Rio de Janeiro nessa época, aproveitava a ocasião para assinar autógrafos em exemplares de seu recente Cobra de vidro – que Candido resenhara, por sinal, em agosto daquele ano para a revista Clima – , saído pela Livraria Martins, editora paulistana fundada por um amigo em comum, José de Barros Martins, por cujo intermédio viria também a lume o livro Introdução ao método crítico de Sílvio Romero um ano depois. Admira tenha guardado desse contato rápido uma impressão forte da personalidade de Sérgio Buarque, tomado que foi “pela sua naturalidade, despretensão, ausência de dogmatismo” em “um ensaísta que era também um pensador” ( Candido, 1983CANDIDO, Antonio. (1983), “Minha amizade com Sérgio”. Revista do Brasil , Rio de Janeiro, 3 (6): 132-133. , p. 132).

A Sérgio, Candido pôde revê-lo meses depois, mais precisamente em 22 de janeiro de 1945, quando do “memorável” Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, realizado no Teatro Municipal de São Paulo sob a presidência de Aníbal de Machado e a coordenação de Sérgio Milliet, “uma experiência incrível para todos nós, jovens e maduros, pela unidade obtida sobre tantas divergências na arregimentação dos intelectuais contra o Estado Novo” (1983, p. 132). Candido alude aí ao momento de rara coesão entre intelectuais das mais variegadas vinculações institucionais e políticas – católicos, comunistas, liberais, socialistas, luminares da literatura e do pensamento social e jurídico –, oriundos dos vinte e um estados do Brasil de então, ao lado de representantes de dezesseis países, de cujo exercício de conciliação no incipiente campo cultural brasileiro exsurgiu, próximo ao fim da Terceira República, uma declaração de princípios em prol da legalidade e da realização de eleições livres e diretas, publicada tão somente no dia 4 de março daquele ano, devido às imposições da censura aos órgãos da imprensa.

A década de 1940 lhe será repleta de Sérgio Buarque de Holanda. É ainda em 1945 que aparece Monções , o qual “mostrava um outro lado dele”, não o do ensaísta, mas decerto o do “historiador apaixonado pela cultura material”. É Monções , ao lado de Índios e mamelucos na expansão paulista , que segue elencado por Antonio Candido entre as prestigiosas influências intelectuais – Audrey Richards, Claude Lévi-Strauss, Karl Marx, Robert Redfield, por exemplo – atuantes sobre a pesquisa que lhe valerá a tese de doutorado, intitulada Os parceiros do Rio Bonito (1954) e publicada como livro homônimo, sem maiores retoques, uma década depois. Em dedicatória constante no exemplar da segunda edição de Os parceiros do Rio Bonito destinado a Sérgio Buarque, hoje pertencente ao acervo deste último, abrigado na Unicamp, leem-se as seguintes linhas penhoradas:

Caro Sérgio: relendo este livro para a correção de provas, fiquei impressionado ao ver o quanto ele é influenciado pela sua obra, sobretudo Bandeirantes e mamelucos e Monções . Eu já sabia disso, é claro, e o digo no prefácio; mas a impregnação é maior do que eu pensava. A culpa não é sua. Mas o que ele tiver de aproveitável será devido a isto. Esta a razão de empurrar uma simples reedição, que vai melhorada (para mim) pela capa de Ana Luísa [Escorel, designer , filha mais velha de Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza]. Afetuoso abraço etc. ( ApudMonteiro, 2018MONTEIRO, Pedro Meira. (2018), “A necessária clareza de Antonio Candido”. Revista Maracanan , 18: 13-17. , p. 14, nota de rodapé).

Em 1946, Sérgio regressa a São Paulo, depois do quarto de século por ele denominado “interlúdio carioca”, para assumir ali a direção do Museu Paulista, dando início então à verdadeira intimidade entre ambos. Índios e mamelucos … aparece em 1949, na Revista do Museu Paulista , e é mais tarde incorporado como capítulo inicial de Caminhos e fronteiras (1957). A ideia deste último livro enseja em Candido a lembrança de uma sua iniciativa pela qual nutria “grande ufania”: lamentando que “este e outros notáveis estudos de Sérgio ficassem pouco acessíveis, em publicações especializadas”, sugeriu ao amigo Otávio Tarquínio de Sousa, amigo também de Sérgio, “que o estimulasse a compor com alguns deles um volume para a famosa Coleção Documentos Brasileiros” – inaugurada justamente por Sérgio Buarque em 1936, com a publicação de Raízes do Brasil , quando dela ainda à frente o Sr. Gilberto Freyre –, já dirigida por Otávio. Falou-se então com José Olympio, e o convite foi devidamente feito a Sérgio, que não houve por bem declinar. Essa é a história de como teria vindo ao mundo Caminhos e fronteiras , “que forma com Monções um par admirável dentro da orientação a que aludi, de estudos históricos vinculados pela cultura material e a ocupação do espaço” ( Candido, 1983CANDIDO, Antonio. (1983), “Minha amizade com Sérgio”. Revista do Brasil , Rio de Janeiro, 3 (6): 132-133. , p. 133).

O conviver e a partilha

A essa altura, Candido diz seguro, a amizade contraída estava mais do que consolidada, e a convivência seguiu constante até ser finalmente interrompida no ano da morte de Sérgio em abril de 1982. A esse respeito, Francisco de Assis Barbosa (1988BARBOSA, Francisco de Assis. (1988), “Introdução”. In: BARBOSA, Francisco de Assis (org.). Raízes de Sérgio Buarque de Holanda . 2 ed. Rio de Janeiro, Rocco. , p. 35) é de pleno acordo: a despeito da diferença de idades, Antonio Candido se tornou, sim, grande amigo de Sérgio Buarque, “amigo dos maiores, e posso mesmo afirmar, dos prediletos dentre os da geração posterior à dos modernistas”. Para uma amostra do nível daquela amizade e conformidade intelectual, a quantas andavam, Candido menciona “noites e noites sem fim” nas quais, às expensas da hospitalidade de Maria Amélia – esposa de Sérgio –, debatiam “Gregório de Matos, os árcades, teoria literária, que naquele momento sofria influência do new criticism , de que ele se tornou grande conhecedor, inclusive reunindo uma biblioteca de crítica moderna, que depois me deu de presente” (1983, pp. 132-133). Não por acaso, Candido dedicará ao casal o seu livro Literatura e sociedade , em 1965, e Maria Amélia, por sua vez, há de confiar justamente a ele, ao cabo de 1988, isto é, mais de seis anos após a morte de Sérgio Buarque, os originais inéditos do marido concernentes àqueles temas, os quais Candido então reúne, estuda e organiza sob o título Capítulos de literatura colonial (1991). Sérgio, que em meados dos anos 1950 já havia tecido elogios a Antonio Candido – “um dos espíritos críticos mais atilados que o Brasil hoje possui” (1996, p. 196) –, há de lhe dedicar também o longo ensaio “Gosto arcádico”, saído na Revista Brasiliense em 1956, mais tarde reformulado e compilado em Tentativas de mitologia (1979, pp. 241-271)3 3 . Nicodemo (2018 , p. 113) informa 1957 como ano de publicação de “Gosto arcádico”, que saiu, todavia, na Revista Brasiliense , n. 3, jan./fev. 1956, pp. 97-114. Sua versão aumentada, em Tentativas de mitologia , conteria as “únicas referências explícitas” que Sérgio Buarque fizera a Formação da literatura brasileira . . Já em 1957, Candido informa prefacialmente ao leitor da primeira edição de Formação da literatura brasileira que este havia sido entregue à leitura de amigos, Sérgio Buarque de Holanda incluso, livro por todos bem recebido (1959, p. 10). O crítico revelará ainda uma pitoresca correspondência entabulada entre eles ao longo daquele decênio, cujos documentos ainda hoje, ao que consta, não foram dados ao trato, nem sequer a conhecer.

O caso foi que estando ele ensinando na Itália, onde ficou de 1952 a 1954, eu resolvi lhe escrever uma carta como se fosse de trezentos anos antes, mas dando notícia de coisas presentes. A linguagem era aquela tosca e irregular das Atas da Câmara, Autos de Visitação, etc. Havia problemas difíceis de resolver, como, por exemplo, dar uma notícia sobre Rodrigo Melo Franco de Andrade, nosso grande amigo, que era mineiro, mas Minas ainda não existia… Então inventei a fórmula: “natural de Cappitania das Minas que estam pera se achar”. Anoto isso para contar a grande inventividade dele na resposta. Esta veio em mãos, trazida por um amigo comum que viajava de avião. De que maneira relatar este fato no século XVII? Sérgio escreveu: “He portador desta Dom Paulo Dalmeyda que se passa a esa Comquista na máquina Pasarola, que ha de inuentar a seo tempo o Padre Berto Lameu de Guzman da villa de Santos nessa marinha”. Daí se desenvolveu uma correspondência que, devo dizer, era bastante picante. Mas a certa altura eu não aguentei o tranco, porque estando em Nova York, creio que em 1966, ele me respondeu em inglês do século XVII! De outra feita, quando estava no Chile, mandou em versos uma admirável Carta Chilena [1963], que Manuel Bandeira publicou, porque ele lhe mandou cópia (é a única divulgada). E mais tarde chegou a mandar uma em latim, desnorteando completamente a minha capacidade que parava no português de Piratininga seiscentista ( Candido, 1983CANDIDO, Antonio. (1983), “Minha amizade com Sérgio”. Revista do Brasil , Rio de Janeiro, 3 (6): 132-133. , p. 133).

Declarações como essas, em que avulta a figura estupenda do intelectual, são recorrentes nos escritos de Candido, dedicados às dúzias, vida afora, tanto à pessoa como à obra do amigo paulistano. Não à toa um Antonio Candido maduro ainda, todavia, com a peremptoriedade própria dos arroubos da juventude , pontuando, enfático, quase toda palavra da primeira oração seguinte, viesse a afirmar categoricamente: “O Sérgio Buarque de Holanda foi/ o/ homem/ mais/ culto/ que eu/ já/ vi/ na/ minha/ vida. Eu nunca vi um fenômeno igual” (2005). Não somente a magnificência de seu conhecimento, chamava atenção também a complexidade de Sérgio; o contraste excepcional entre a cultura portentosa de catedrático e a extroversão desinibida de malandro. Sérgio parecia o cúmulo do oximoro: “Ele era um erudito extraordinário e muito inclinado à molecagem. Ele era um camarada de uma seriedade intelectual fora do comum e um gozador de marca maior”4 4 . Depoimento oral de Antonio Candido no documentário Raízes do Brasil ( Santos, 2004 ). Há nesse seu comentário uma aparente remissão ao conceito de “equilíbrio de antagonismos” manejado por Gilberto Freyre, que tomara de empréstimo, por sua vez, aos autores ingleses novecentistas – que o finado crítico, aliás, não desconhecia. . Os depoimentos orais concorrem, portanto, àquele mesmo destino que ganha corpo e sentido em forma de letras. Expressivos como são, eles têm, no entanto, qualquer coisa de trivial no aspecto, quando ensaiam constituir a personalidade de outrem, no caso, um amigo íntimo.

“O homem é um feixe de contradições – eis um clichê de biógrafo”, sentencia o historiador Peter Gay (1990GAY, Peter. (1990), O estilo na história . São Paulo, Companhia das Letras. , p. 135). Nada se afigura mais fácil, nada é mais comum, assevera, do que traçar pares de antíteses e, enfeixando-os paralelamente, dizer que compõem o retrato acabado do homem5 5 . A propósito, contudo, de um perfil traçado de Oswald Andrade, Antonio Candido concordava ser “banal dizer de alguém que é dividido, porque no fundo todos somos. Mas há divisão e divisão” (1993, p. 35). . Velho ramerrão em narrações da vida e da morte, tão recorrente quanto a noção goethiana de que cada obra configura uma espécie de fragmento autoconfessional, a ideia da reflexão da personalidade na obra – obra que, por isso mesmo, pode ser “também vária e complexa”, como Candido observa a propósito de Raízes do Brasil (1988, p. 63) – denota que esta espelharia o seu autor simplesmente por ser o seu autor, indiferente a um sentido mais denso quanto à agência e ao esforço literários de sublimação das estruturas. Subsidiado ou não por tais premissas, foi Antonio Candido quem primeiro vislumbrou na estrutura de Raízes do Brasil sua construção “sobre uma admirável metodologia dos contrários” ([1967] 2016, p. 359), após lhe comentar determinado excerto; a impressão de seu uso da proposição fundamental dialético-real tomada de empréstimo da filosofia de Hegel – para quem, sabe-se, a contradição move o mundo, todas as coisas contradizem a si mesmas –, não desacompanhada dos conceitos de tipo da sociologia weberiana, emparelhados segundo uma fórmula algo esquemática (patrimonialismo-burocracia, caudilhismo-liberalismo etc.), porém camuflada pela elegância estilística a envolver, fluente e concisa, uma descrição crítico-sociológica original da sociedade brasileira, consubstanciada nesse primeiro ensaio de Sérgio Buarque.

A idealização heroica e a hipóstase do amor

Ainda hoje não parece demais pontificar: é devida sobretudo a Antonio Candido a franca recepção de Raízes do Brasil . Ou, como queiram porventura, de um seu viés. Deve-se a esse intelectual mineiro, radicado em São Paulo, a preeminência da vertente a partir da qual se amontoou positivamente a fortuna crítica do clássico de Sérgio Buarque, se contada da segunda metade da década de 1960 em diante. Seu prefácio de 1969, intitulado “O significado de Raízes do Brasil ”, assumiu com o tempo, e talvez inadvertidamente, uma função propedêutica tal qual a da clave em uma partitura; nele, Candido parece ter atuado como um tipo de souffleur – o “ponto”, como se designa tal profissional em português, utilizando-se aqui terminologia artística , aquele que, dos bastidores, sopra ao ator no estrado as falas de seu próprio roteiro. Logo, arrisca-se dizer mais: Antonio Candido foi decisivo para a sagração do livro e, decerto, a de seu autor como clássico entre as “formas gigantes” (“ Giant forms to the public ”, na expressão poética de William Blake) da literatura nacional não ficcional.

O esforço de Antonio Candido em dissociá-lo de qualquer vinculação ao autoritarismo, dado o pouco apreço original de Sérgio Buarque pelo ideário liberal-democrático ( Waizbort, 2016WAIZBORT, Leopoldo. (2016), “Inércia e Transformação Lenta”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil . Organização de Pedro Meira Monteiro e Lilia Moritz. São Paulo, Companhia das Letras. e 2011; Johnson, 1995JOHNSON, Randal. (1995), “A dinâmica do campo literário (1930-1945)”. Revista USP , (26): 164-181. , pp. 168-172; Ribeiro, 2018RIBEIRO, Douglas Carvalho. (2018), As raízes antiliberais de Sérgio Buarque de Holanda: Carl Schmitt em Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, Lumen Juris. ) – sentimento de suspeita típico do período entreguerras –, não parece ter sido menor do que o do próprio Sérgio. Alguns artigos seus, cujos títulos são bastante sugestivos, dão conta dessa cumplicidade e tentativa: “Sérgio em Berlim e depois”, “Sérgio, o radical”, “Radicalismos”, “A visão política de Sérgio Buarque de Holanda”, “Minha amizade com Sérgio”, entre outros. E ambos tiveram êxito nisso, como hoje se deve reconhecer, conquanto Sérgio Buarque tenha definitivamente se valido, para tanto, menos do contributo retrospectivo de um Espírito do tempo , e mais de uma trama de automistificação metodicamente entrelaçada a muitas mãos, cônscias disso ou não.

Há, todavia, circunstâncias de sua vida ainda hoje pouco ou nada exploradas, embora possivelmente esclarecedoras. O que se sabe, por exemplo, dos seus anos de graduação, levada a cabo no Rio de Janeiro do primeiro meado do século anterior? O que se preservou de seus dias “involuntariamente” despendidos nas salas de aula da Faculdade Nacional de Direito? O que se conhece a seu respeito quanto à dúzia e meia de meses vividos como correspondente na Alemanha, quando dos estertores da República de Weimar? O que há de registrado desde o seu retorno, meio forçado pela vitória da Revolução de 1930, até constranger-se à revisão, em 1948, de seu primeiro livro, para si crescentemente incômodo? Depreende-se de sua fortuna biográfica “relativamente pouco”, muito pouco, é o que conclui o historiador Sérgio da Mata (2016MATA, Sérgio da. (2016), “Tentativas de desmitologia: a revolução conservadora em Raízes do Brasil”. Revista Brasileira de História , 36 (73): 63-87. , p. 73). Teriam os livros de Weber e as lições de Meinecke, “como reza o velho topos dos estudos sergianos, e como afirmou o próprio Sérgio”, indicando-lhe “novos caminhos”, deixado marcas em sua Teoria da América , de cujos esboços teria advindo Raízes do Brasil mais tarde? “Não se trataria, antes, de uma tentativa de mitologia?”, indaga-se da Mata (2016MATA, Sérgio da. (2016), “Tentativas de desmitologia: a revolução conservadora em Raízes do Brasil”. Revista Brasileira de História , 36 (73): 63-87. , p. 73).

No que tange a Friedrich Meinecke, o historiador mineiro coloca em dúvida as lições dele tomadas. Após pesquisar na Staatsbibliothek zu Berlin os Vorlesungsverzeichnisse de 1929-1931, isto é, o compilado de cursos universitários semestralmente oferecidos durante o período em que Sérgio esteve na capital da Alemanha, o que descobriu não o deixou convencido de que “Herr Hollander”, longe da condição de aluno regular da então chamada Friedrich-Wilhelms-Universität, tenha tido acesso, não obstante, a qualquer uma das sessões dos quatro cursos ministrados por Meinecke no período. Nada impede que ele possa ter assistido a uma ou outra conferência naqueles dias, condescende. Porém, “frequentar preleções ou seminários do grande historiador das ideias, ainda que ‘sem regularidade’, parece ser praticamente impossível” ( Mata, 2016MATA, Sérgio da. (2016), “Tentativas de desmitologia: a revolução conservadora em Raízes do Brasil”. Revista Brasileira de História , 36 (73): 63-87. , p. 74). Corrobora sua descrença o fato de que, em 1936, “Meinecke publicava então seu último grande livro, O surgimento do historicismo ” (2016, p. 73), justamente no ano em que vinha a lume Raízes do Brasil , o exato oposto, em sua construção e concepção, da historiografia historicista de que Meinecke foi, talvez, o último grande representante e defensor, ainda segundo da Mata. Em sua busca da “Alemanha secreta” – uma alusão irônica à expressão geheimes Deutschland , cunhada pelo poeta Stefan George – em Raízes do Brasil , livro “meio alemão” de que fala Antonio Candido, Sérgio da Mata suspeita que a única obra de Meinecke que Sérgio Buarque parece ter lido, anteriormente à publicação de seu primeiro ensaio, foi porventura Weltbürgertum und Nationalstaat , de 1908, a qual se encontra em sua vasta biblioteca conservada pela Unicamp e que conteria apenas um único trecho grifado, “algo bastante incomum”, se se considerar o intenso manuseio da maioria de seus livros.

Já quanto a Max Weber, Sérgio Buarque se gabava – um tanto como Freyre, nos idos da década de 1920, em relação a James Joyce – de ter sido o primeiro brasileiro a citá-lo em um trabalho qualquer. Aos olhos de Sérgio da Mata se torna, entretanto, “cada vez mais difícil, hoje, subscrever leituras como as de Brasil Pinheiro Machado […] e Pedro Meira Monteiro […], que apostavam no weberianismo do livro”, pois, ainda na sua opinião, “quem quer que esteja atento aos fundamentos intelectuais e filosóficos da obra de Weber sabe que ele sempre se situou no polo oposto da Lebensphilosophie e de todo irracionalismo” (2016, p. 64), cujos componentes restaram demonstrados menos ou mais abertamente por João Kennedy Eugênio (2011)EUGÊNIO, João Kennedy. (2011), Ritmo espontâneo: organicismo em Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda . Teresina, EdUFPI. e Leopoldo Waizbort (2011)WAIZBORT, Leopoldo. (2011), “O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, 1936”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , 26 (76): 39-62. , em contraposição à tradicional exegese progressista que tem no crítico Antonio Candido o seu primeiro ou mais alto prócer. A este, a bem da verdade, não passou despercebido o caráter dito arbitrário e perigoso desse contexto e atmosfera históricos, dos quais o moço Sérgio respirou os ares, sem no entanto ignorar o que de pernicioso havia naquele ambiente – “a duvidosa caracteriologia de Ludwig Klages”, “o caldo cultural que podia ir de conservador a reacionário, de místico a apocalíptico”. Face a tudo isso, Sérgio incrivelmente não soçobra, passará incólume: “a retidão de seu espírito, a jovem cultura já sólida e os instintos políticos corretamente orientados” hão de levá-lo a um produto surpreendente – porque “despojado por ele de qualquer traço de irracionalidade” –, para o qual tirou elementos com vistas a “uma fórmula pessoal de interpretação progressista do seu país, combinando de maneira exemplar a interpretação desmistificadora do passado com o senso democrático do presente” (Candido, 1982, pp. 7-8). Sérgio não se deixara contaminar, portanto, por quaisquer tendências de “renovação reacionária do idealismo objetivo”, sobretudo a “filosofia da vida” e a “psicologia realista” de Dilthey, elencadas por Lukács (2018LUKÁCS, György. (2018), O jovem Hegel: e os problemas da sociedade capitalista . São Paulo, Boitempo. , p. 48) entre as mais adequadas à satisfação das necessidades ideológicas da burguesia imperialista alemã, ao cabo do século XIX, do que propriamente o neokantismo liberal. Quem pode sobressair assim o faz porque dotado de “uma consciência democrática, como era e sempre foi” o seu caso. São estas impressões de Antonio Candido, tenha-se sempre em mente.

A historiadora Emília Viotti parece participar, em todo caso, desse entendimento precursor, quando, ao discorrer sobre “a grandeza de Sérgio”, aponta que ela residiria “sobretudo no sentido democrático, que o leva a antecipar a entrada do povo na história” ( Costa, 2015COSTA, Emília Viotti da. (2015), Brasil: história, textos e contextos . São Paulo, Edusp. , p. 221). “A reação de Sérgio contra esse ponto de vista conservador, que induzia o observador à passividade”, ora no escrutínio de Leandro Konder – filósofo marxista também alinhado, ao que consta adiante, àquela concepção –, “consistiu em reexaminar de um ângulo energicamente crítico o panorama da nossa história, para enxergar as manifestações de movimentos subterrâneos em áreas culturais nas quais se negava a existência de qualquer movimento significativo” (1991, p. 63). Sérgio lhes parecia, enfim, ter naturalmente assumido as “boas posições políticas”, sem jamais vacilar se instado a defrontar-se com as consequências de suas tomadas de decisão. Tanto que chegou a ser detido em 1932, dizem, encontrando-se no Rio, por se postar decididamente, bom paulistano que era, ao lado da Revolução Constitucionalista contra o governo de exceção ( Candido, 1982CANDIDO, Antonio. (1982), “Sérgio em Berlim e depois”. Novos Estudos Cebrap , I (3): 4-9. , p. 9; 1998, pp. 81-89). O próprio Sérgio, certa feita, narrara o imbróglio à esposa, provendo-o até com mais detalhes, à guisa de depoimento policial: que estando no Rio de Janeiro, “na turma dos boatos e da torcida revolucionária”, acabou preso, “soltando vivas a São Paulo, em pleno Mangue”; que “no meio de um grupo de onde constavam Otávio Tarquínio de Sousa, Tristão da Cunha, Ribeiro Couto”, todos comboiavam “o escritor francês Luc Durtain” (Holanda, M. A., [1979] 2006, p. 433).

O episódio causa espécie, mesmo assim reduzido a poucas linhas, menos por uma sua eventual repercussão do que pelo seu desconcertante anacronismo. Pois, a se julgarem verdadeiras as teses de que Raízes do Brasil seria “fruto de uma insatisfação que gerou a revolução [de 1930] e não vice-versa” ( Matos, 2006MATOS, Júlia Silveira. (2006), “O intelectual e a obra Raízes do Brasil: uma discussão historiográfica”. Biblos: Revista do Departamento de Biblioteconomia e História , vol. 19, pp. 151-170. , p. 153; Matos, 2008MATOS, Júlia Silveira. (2008), “A Revolução de 1930, os intelectuais e as críticas ao personalismo: heranças da tradição do pensamento político brasileiro”. XIX Encontro Regional de História – ANPUHRS . Poder, violência e exclusão. São Paulo, Edusp. ; Feldman, 2016FELDMAN, Luiz. (2016), Clássico por amadurecimento: estudos sobre Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, Topbooks. , pp. 197-254), de que o seu autor, se não cooptado, fora atraído pelo seu “aspecto falsamente revolucionário” ( Leite, 2002LEITE, Dante Moreira. (2002), O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia . 8 ed. São Paulo, Edusp. , pp. 380-381), como explicar, então, que, anos antes, o jovem intelectual se deixasse aprisionar em cárcere, na condição paradoxal de apoiador do próprio regime? O empreendimento de uma busca exaustiva por notícias veiculadas nos periódicos cariocas da época, compreendidas no interstício em que se desdobraram os conflitos da Guerra Paulista, não recompensou o esforço despendido com nenhum achado passível de confirmar o relato da prisão de Sérgio Buarque de Holanda, devida a motivações políticas. A pesquisa veio a se dar, no entanto, com um recorte no mínimo curioso, publicado no Jornal do Brasil , edição do dia 14 de agosto de 1934, intitulado “Conflito num bar: muita pancadaria e três pessoas feridas, uma das quais gravemente”. Preservadas a grafia da época e a pontuação original, a cena abaixo é, por sinal, algo aparentada àquela que as memórias de Sérgio puderam então ditar à esposa – um grupo carioca, uma ocasião entusiasmada, a pessoa de um estrangeiro:

O bar do arraial, á rua do Lavradio n. 202, teve no começo da madrugada de ontem momentos de grande agitação.

Após já ter estado em outros estabelecimentos, um grupo de rapazes que comemorava uma data íntima, ali foi ter. Sentaram-se os recem-chegados a uma mesa e pediram lhes fossem servidas bebidas.

A princípio o Sr. Manuel Rocha, co-proprietario do bar, relutou em atende-los prevendo acontecimentos desagradáveis, mas finalmente acedeu e as bebidas foram trazidas pelos garçons para a mesa dos alegres freguezes.

Momentos depois, conforme iam esvasiando as garrafas, os animos dos componentes do grupo iam tambem se exaltando e o Sr. Rocha, receioso, depois de chama-los á ordem varias vezes sem ser atendido, pediu o auxilio da polícia do 12° distrito, que mandou ao local o soldado n. 138 da 4ª companhia do 1° batalhão.

Este ao chegar ao local foi logo agredido pelo grupo e chamou em seu auxilio o colega n. 116 da mesma companhia e batalhão e o guarda civil n. 609.

Dispostos a resistir á ação policial, os rapazes enfrentaram os dous soldados, o guarda civil e ainda o 2° Tenente da 2ª linha do Exército Napoleão Fernandes de Souza, estabelecendo-se formidável conflito que só cessou com a intervenção do comissário Virgílio e outros policiais.

Serenados os animos verificou-se que um dos brigões, o jovem Brydon Taves, norte americano, empregado da United Press estava com o craneo fraturado em consequencia de violenta quéda, o Tenente Napoleão tinha o olho direito contundido e o soldado n. 116 recebera também algumas contusões.

Os outros companheiros de Brydon, que eram o jornalista Amadeu Amaral Filho, morador á rua Candido Mendes n. 57; José Pontes de Moraes, residente na mesma casa e o advogado Sérgio Buarque de Hollanda, domiciliado á rua Maria Angélica n. 39 foram autoados na delegacia do 12° distrito, pelo delegado Jayme Praça, tendo prestado as respectivas fianças.

Brydon, depois de socorrido no Posto Central de Assistencia, foi removido para o Hospital dos Estrangeiros6 6 . Notícia não assinada e intitulada “Conflito num bar: muita pancadaria e três pessoas feridas, uma das quais gravemente”. Jornal do Brasil , 14 de agosto de 1934, seção Na Polícia e nas Ruas, p. 13. .

No dia 12 de outubro de 1935, a seção “O Direito e o Fôro” de O Jornal – para o qual, durante o biênio 1929-1930, Sérgio enviava reportagens como correspondente em Berlim, a convite de um dos donos, o futuro magnata das comunicações Assis Chateaubriand –, que não dera notícia de sua prisão no ano anterior, divulgará, nada obstante, a absolvição do trio, por sentença do então juiz da primeira vara criminal do Rio de Janeiro, “dr. Nelson Hungria”, que chegaria, dali a menos de duas décadas, a ministro do Supremo Tribunal Federal. Sérgio Buarque talvez não contasse com a mesma “sorte”, caso a ação penal em que figurou como réu não houvesse sido distribuída àquele magistrado, futuro “príncipe dos penalistas brasileiros”. Pois logo abaixo da notícia de sua absolvição, consta extrato semelhante de uma decisão desta vez de lavra do juiz da segunda vara criminal, mediante a qual “foi condemnado” um certo “Benedicto Corrêa de Souza a dois meses de prisão, porque no dia 17 de julho de 1935 [ou seja, menos de três meses antes], entrou no botequim da Praça Serzedello Correia n. 27 e promoveu desordem, e preso resistiu à prisão”.

Reitere-se que não recai sobre Antonio Candido a autoria da história sobre o “crime de lesa-majestade” eventualmente cometido por Sérgio Buarque em 1932 – é partícipe apenas da divulgação do suposto ilícito heroico (e não apenas Candido: vide, por exemplo, Monteiro, 2012MONTEIRO, Pedro Meira. (org.). (2012), Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência . São Paulo, Companhia das Letras/Instituto de Estudos Brasileiros; Edusp. , p. 415). A ele se deveriam, antes, outras “invenciones” a respeito do amigo, como Wanderley Guilherme dos Santos o adivinha7 7 . “Sérgio Buarque de Holanda? O do livro Raízes do Brasil é uma invenção do Antonio Candido. O Sérgio da História geral da civilização brasileira é muito bom, mas não é esse que se vende por aí.” ( ApudGaspari, 1994 , p. 42). . Pedro Monteiro e Lilia Schwarcz (2016, pp. 20-21) também insinuaram algo nesse sentido, ao compará-lo ao controverso personagem homônimo do conto “Pierre Menard, autor del Quijote”, de Jorge Luis Borges, publicado em 1939, no qual sobressai uma metafísica da criação e reprodução do fenômeno literário. Isso posto, à guisa de Borges, poder-se-ia atribuir a Antonio Candido a autoria de Raízes do Brasil , conforme a pergunta retórica de João Kennedy Eugênio? (2011EUGÊNIO, João Kennedy. (2011), Ritmo espontâneo: organicismo em Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda . Teresina, EdUFPI. , pp. 395-399). Valendo-se de um autor alemão, Müller-Freienfells, o próprio Antonio Candido advogava que, mesmo considerando-se “ a priori metafísico o valor artístico, só de modo sociológico é possível elucidá-lo nas suas formas concretas particulares – pois nas sociedades civilizadas a criação é eminentemente relação entre grupos criadores e grupos receptores de vários tipos” (2006, p. 82). Em prefácio à quarta edição de Raízes do Brasil , Candido aludia ao devir do livro durante o “período mais transformador dos estudos sociais no Brasil”, o qual teria sido atravessado pelo livro com certo desembaraço até finalmente despontar como o clássico que então se tornou; e introduzia, logo em seguida, as ditas razões de uma tal destreza e incolumidade ([1963] 2016, pp. 351-353). É também de Antonio Candido – cuja clarividência se tornou de instantâneo parte integrante e há muito indissociável da obra na forma de um segundo prefácio, o aludido “O significado de Raízes do Brasil ”, que nela passou a constar desde a quinta e última edição revisada a autoria do sintagma “clássico de nascença” ([1967] 2016, p. 356), o qual, nos últimos tempos, tem dado o que falar em meio àqueles que se devotam a uma ou outra produção ensaística da década de 1930 em especial.

Raízes do Brasil nasceu mesmo um clássico? A expressão “clássico de nascença” parece sugerir que o seu reconhecimento por um grande público – ou, quando menos, por um público experimentado – se dera algo autônoma e imediatamente. O historiador Ronaldo Vainfas (2010VAINFAS, Ronaldo. (2010), “Posfácio”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil . São Paulo, Companhia das Letras, pp. 551-560. , p. 556) refuta um seu possível acolhimento nesse sentido, ao mais tarde constatar que o livro, a bem da verdade, esperaria anos para alçar voo: “A segunda edição (ampliada e muito modificada) de Raízes saiu em 1948 pela José Olympio, doze anos após a publicação original”; as reedições subsequentes, relembra, foram igualmente “lentas (1956, 1962) e só deslancharam depois da quinta edição (1969), ano em que Sérgio Buarque se aposentou da USP”. Em uma significativa nota de rodapé, Vainfas ainda cuidou de cotejar o seu desempenho a nível editorial face a Casa-grande & senzala: bastante “modesto”, deduz em desfavor do primeiro. As primícias de Gilberto Freyre8 8 . Saídas em 1933 pela Livraria Schmidt Editora e que passarão, mais tarde, a ser reimpressas pela editora José Olympio, a mesma por que surgiu Raízes do Brasil , cabeça de coleção impressa sob os auspícios do próprio Freyre. logo conheceram reedição três anos depois de seu lançamento. Ao mesmo passo em que Raízes do Brasil alcançava sua quinta e última edição revisada, há quase exatos cinquenta anos, Casa-grande & senzala atingia já a marca considerável de catorze edições.

Quanto a traduções, Raízes recebeu versões em italiano (1954), espanhol (México, 1955), japonês (1971), enquanto o autor era vivo, e mais três póstumas: chinês (1995), alemão (1995) e francês (1995) [e inglês (2012)]. Casa-grande & senzala , por sua vez, recebeu inúmeras traduções desde 1942: espanhol, inglês, francês, alemão, italiano, polonês, húngaro, romeno, japonês. Em 1971 havia já nove traduções do livro ( Vainfas, 2010, pVAINFAS, Ronaldo. (2010), “Posfácio”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil . São Paulo, Companhia das Letras, pp. 551-560. , p. 556).

Casa-grande & senzala é que teria sido, na linguagem corrente, um verdadeiro livro arrasa-quarteirão logo de partida. De tal modo que, em um tratado sobre a história dos impressos no país, o brasilianista Lawrence Hallewell (2017, pHALLEWELL, Laurence (2017), O livro no Brasil: sua história . 2 ed. São Paulo, Edusp. , p. 489) houve por bem situar Gilberto Freyre entre os literatos mais bem-sucedidos na década de 1930, ao lado de Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e Vinícius de Moraes, para citar aqui apenas os escritores de maior vulto e relevo aos olhos hodiernos. O próprio Antonio Candido ([1967] 2016, p. 356) chegou a externar que o jovem leitor talvez não mais fosse capaz de adivinhar “a força revolucionária, o impacto transformador” que Casa-grande & senzala , “este grande livro”, produziu de imediato sobre a juventude intelectual a eclodir no primeiro meado daquela década politicamente efervescente. O assim conciso, curto, discreto Raízes do Brasil repercutiria bem menos na imaginação dessa mesma mocidade. De sorte que o exercício comparativo de Vainfas, trazido a efeito com vistas à demonstração da recepção crítica de ambos os volumes no decorrer dos últimos oitenta anos, o leva, pois, a concluir — com algo de cabal no tom: “o fato é que a obra de Sérgio Buarque de Holanda, incluído o Raízes do Brasil , custou a ser incorporada pela pesquisa histórica brasileira” ( Vainfas, 2010, pVAINFAS, Ronaldo. (2010), “Posfácio”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil . São Paulo, Companhia das Letras, pp. 551-560. , p. 556; Nicodemo, 2016, pNICODEMO, Thiago Lima. (2016), “Para além de um prefácio: ditadura e democracia no diálogo entre Antonio Candido e Sérgio Buarque de Holanda”. Revista Brasileira de História , 36 (73): 159-180. , p. 160).

Daí surpreender a asserção de Laura de Mello e Souza, em prefácio ao segundo livro de Sérgio Buarque, Monções (1945), o qual teria surgido no desvio do rastro do “grande sucesso” obtido pela sua obra anterior (2014, p. 19). Ora, Laura mesma figurou entre os já célebres entrevistadores reunidos em meados de 1981, no Museu da Imagem e do Som, por ocasião do depoimento de Sérgio Buarque na série idealizada por Boris Kossoy, então diretor do MIS. Ali ouviu dele próprio, portanto, que o seu primeiro livro não teve lá esse sucesso todo: “custou muito a ter uma reedição, que só veio em 1947 [ou seja, dois anos após a publicação de Monções ]” ([1981] 2004, p. 6)9 9 . A propósito de Monções , o sintagma “clássico de nascença”, Candido acabou por fazer escola entre os seus. Afinal, com a mesma locução – embora com uma leve variação – Laura de Mello e Souza também qualificará o referido livro (2014, p. 36). . Sérgio Buarque dizia ter a impressão de que foi, antes, o prefácio escrito pelo pai de Laura de Mello e Souza, Antonio Candido, que “deu sorte” a Raízes do Brasil , pois a partir daí “o livro passou a ter muita reimpressão, às vezes duas por ano.” ([1981] 2004, p. 6).

Se é certo que um autor tem consciência plena de sua obra tão somente quando esta se lhe é arrostada por meio da reação do público – condição por excelência para que conheça “a si próprio, pois esta revelação da obra é a sua revelação” ( Candido, 2006CANDIDO, Antonio. (2006), Literatura e sociedade . Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul. , p. 84) –, a crítica lograda por Raízes do Brasil ao tempo em que trazido ao público de 1936 manifestará um Sérgio Buarque de Holanda essencialmente diverso do democrata radical desenhado pelo amigo n’“O significado de Raízes do Brasil ”, de 1969. Dá-se uma amostra: em uma longa recensão publicada no dia 7 de novembro de 1936, na seção “Registro Literário” do Jornal do Brasil , assinada pelo já imortal à época Múcio Carneiro Leão (1936LEÃO, Múcio. (1936), “Registro Literário”. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, p. 8. , p. 8; Eugênio, 2016EUGÊNIO, João Kennedy. (2016), “Entre totem e tabu: o processo de Raízes do Brasil ”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil . Organização de Pedro Meira Monteiro e Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo, Companhia das Letras, pp. 431-438. , p. 431), este aduz que “seria dificílimo” identificar com precisão a posição política assumida pelo autor de Raízes do Brasil .

[…] Seu pensamento, em tal campo, me parece cheio de contradições. Em uma das páginas do livro, faz ele observar que o brasileiro tem a tendência a aceitar as ideias mais díspares, associando, em seu espírito, convicções e preceitos que, no espírito de qualquer outro povo, serão os inimigos mais ferrenhos. Parece-me que o Sr. Sérgio Buarque de Holanda incorre um pouco em sua própria observação. Assim é que o vemos, num trabalho que aparece em apêndice no livro, combater vivamente o integralismo, a propósito do Sr. Otávio de Faria. E, entretanto, na página 158 do volume o vemos sustentar sem nenhum propósito possível de paradoxo, a vantagem das tiranias. Ouçamo-lo: “É claro que um amor humano que se asfixia e morre fora do seu circuito restrito, não pode servir de cimento a nenhuma organização humana concebida em escala mais ampla. Com a cordialidade, a bondade, não se criam os bons princípios. É necessário um elemento normativo, sólido, inato na alma do povo ou implantado pela tirania para que possa haver cristalização social. A tese de que os expedientes tirânicos nada realizam de duradouro é apenas uma das muitas invenções fraudulentas da mitologia liberal, que a história está longe de confirmar”.

Aí está uma maneira de falar clara e sem rebuços. Será isso o modo de pensar de um republicano? de um liberal-democrata? Ou será, antes, a maneira de doutrinar de um discípulo de Hitler? [...]

Em que pese a noção, sustentada por Candido, de que Raízes do Brasil teria o condão de constituir um programa ideológico potencialmente apto a dar corpo a uma política efetivamente popular, o cronista Jayme de Barros não estaria com ela de acordo, uma vez que o surpreendeu, em resenha no Diário da Noite de 23 de novembro de 1936, a flagrante indefinição do livro, no qual “faltam sempre as soluções” de qualquer cunho. Ao sentir que Sérgio Buarque “parece insinuar apenas o erro econômico da Abolição da escravatura, sem um preparo seguro” (1936, p. 2), Barros lhe apõe a seguinte contestação: “Ora, problemas dessa ordem nunca foram resolvidos racionalmente. Nos Estados Unidos a libertação dos escravos custou uma guerra, que nem por isso custou o seu crescimento harmônico”. Meses depois, na mesma seção e diário, Barros lamentará a falta de uma “segura orientação sociológica”, via de regra, tanto aos antigos como aos novos pesquisadores voltados ao estudo do passado nacional e à decifração de seu futuro – figurando entre eles o Sr. Sérgio Buarque de Holanda –, os quais seguem mantendo certo círculo vicioso: os novos, após herdarem “a vasta documentação” que lhes deixaram os antecessores, continuam ainda “a expor, a indagar, a divulgar, sem descobrir conclusões precisas e claras.” (1937, p. 2).

Por sua vez, o pernambucano radicado em Minas, Oscar Mendes (1937)MENDES, Oscar. (1937). “Raízes do Brasil”. Folha de Minas , seção A Alma dos Livros. Disponível em: pasta 61, série Produção de Terceiros, Álbum de Resenhas sobre Raízes do Brasil , preparo de Cecília Buarque de Holanda, entre 1936 e 1938. SIARQ/Unicamp Fundo Sérgio Buarque de Holanda. Consultado em 27/09/2018. – espécie de Alceu Amoroso Lima do rodapé literário nas Gerais –, ressaltava a impressão de problema insolúvel com que deixava a leitura de Raízes do Brasil ; resgatando algumas das páginas do livro resenhado, Sérgio Buarque lhe parecia um daqueles tipos que criticava em seu próprio ensaio.

Não diz o que quer e o que acha conveniente e aconselhável, obrigando a gente a formular uma grande interrogação. Será o sr. Sérgio Buarque um daqueles intelectuais “que se alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes”, sustentando, “simultaneamente, as convicções mais díspares”? Ou terá alguma “raiz” mais vigorosa para suster a árvore, ou pretende revigorá-la, infundindo seiva nova, com “um galho” estrangeiro, prudente ou violentamente enxertado?

O crítico Oscar Mendes cita, nesse excerto, trechos de Holanda, [1936] 2016, p. 273. Logo, ao que aparenta, Sérgio Buarque não fora um extemporâneo no sentido nietzschiano, mas justamente um legítimo filho do seu tempo, a cujos contemporâneos Raízes do Brasil teria fornecido “indicações importantes para compreender o sentido de certas posições políticas daquele momento, dominado pela descrença no liberalismo tradicional”, a que Antonio Candido fez menção ([1967] 2016, p. 356). Ora, Sérgio era ele próprio um desses jovens incrédulos face às “invenções fraudulentas da mitologia liberal”, como sentencia na primeira edição de seu ensaio (Holanda, [1936] 2016, p. 327). Ao prefaciá-lo, Candido parecia desconhecer que a primeira edição de Raízes do Brasil veio a ser varrida “de passagens ou expressões que pudessem causar desconforto nos leitores mais simpáticos a uma visão liberal e democrática da política”. Por esse motivo, supõem ambos os organizadores da edição crítica de Raízes do Brasil , saída apenas em 2016 pela Companhia das Letras, que o prefácio de Antonio Candido talvez tenha contribuído para a estabilização da obra, “como se ela tivesse ‘nascido’ assim: pronta para o pensamento democrático e liberal” ( Monteiro e Schwarcz, 2016MONTEIRO, Pedro Meira & SCHWARCZ, Lilia Moritz. (2016), “Uma edição crítica de Raízes do Brasil: o historiador lê a si mesmo”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil . Organização de Pedro Meira Monteiro e Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo, Companhia das Letras. , pp. 13 e 17).

Assinalou-se, inclusive, que o referido prefácio se converteu em uma espécie de “entidade paralela” à de Raízes do Brasil , ao ponto de ganhar tanto ou mais visibilidade e destaque que o livro em si ( Gontijo e Franzini, 2009GONTIJO, Rebeca & FRANZINI, Fábio. (2009), “Memória e história da historiografia no Brasil: a invenção de uma moderna tradição, anos de 1940-1960”. In: SOIHET, Rachel et al. (orgs.). Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia . Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. , p. 157), o que, de certo modo, reforça uma opinião do próprio Candido, segundo a qual subsistiria uma estranha mania brasileira pelas coisas “sumárias e indicativas” ([1962] 2000, p. 15)10 10 . Comprovaria ainda a tese de que prefácios e comentários elogiosos são por vezes aptos a transferir a outrem, ainda que parcialmente, o capital do autor consagrado que o subscreve, observando-se também nisso relações de estratégia, interesses etc. ( Bourdieu, 2004 , p. 170). . Não ocorreu a Antonio Candido, todavia, que Raízes do Brasil adquirisse, no decurso de mais de trinta anos e cinco revisões ao todo, verdadeira natureza acomodatícia, fruto do gestual palinódico de seu autor, a que Luiz Feldman (2016)FELDMAN, Luiz. (2016), Clássico por amadurecimento: estudos sobre Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, Topbooks. , com a deferência peculiar a seu ofício diplomático, prefere chamar “amadurecimento”.

Guardadas as proporções devidas, Goethe é uma amostra aproximada de tal amadurecimento , ao se ter notícia de que, em 1849, o centenário de seu nascimento passou quase despercebido em sua terra natal. Para então emergir e se ver alçado ao posto solene de representante nacional das letras alemãs ao fim do século XIX – não à toa em meio à consolidação do Estado-nação prussiano –, a personalidade e a obra de Goethe (ambas muito pouco ortodoxas, diga-se de passagem) tiveram de sofrer uma releitura significativa. De modo análogo, o historiador André Carlos Furtado (2014FURTADO, André Carlos. (2014), As edições do cânone: da fase buarqueana na coleção História Geral da Civilização Brasileira (1960-1972) . Rio de Janeiro, EdUFF. , pp. 73-75; no mesmo sentido, Carvalho, 2015CARVALHO, Raphael Guilherme de. (2015), “A escrita de si de Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1970 (notas para estudo)”. Tempos Históricos , 19: 103-119. , pp. 112-113) logrou demonstrar, a partir da recuperação de um sem-número de depoimentos e discursos de amigos ilustres e demais admiradores, veiculados na imprensa ao fim de abril de 1982, que a imagem de Sérgio Buarque de Holanda, à qual se renderam homenagens por ocasião de sua morte, não era senão a imagem de expoente democrático tal como debuxada por Candido – este, na ocasião, já havia muito um intelectual de nomeada – no prefácio constante na quinta e última edição de Raízes do Brasil , lançada em 1969, quando do apogeu da repressão perpetrada pelo regime militar de 1964.

Para fazer dele um clássico propriamente dito, talvez Raízes do Brasil tenha sentido, pois, a necessidade que Sainte-Beuve vislumbrou no modelo de Homero, a propósito da natureza dos livros clássicos: de se lhe atribuir “ a posteriori um desígnio, um plano, intenções literárias, qualidades […] que seguramente nunca lhe ocorreram, entregue que estava ao desenvolvimento abundante das suas inspirações naturais”. Contemplar o fim de tantos outros livros, sem dúvida igualmente dignos de sobreviver, mas que sucumbiram para sempre debaixo da areia das épocas, é o bastante, segundo o mesmo crítico francês, para que o espírito honesto venha a se dar conta de que essa ordenação canônica, prevalente desde então, “foi, na verdade”, artificial e seletivamente “introduzida nas nossas admirações do passado” ([1850] 2013, p. 350).

André Furtado por óbvio não credita a Antonio Candido o êxito exclusivo de conferir a Sérgio uma “outra entrada”, ao largo das muitas manifestações e leituras que “auxiliaram na concepção e formação do cânone”. No entanto, é plausível admitir que a influência sobre as possíveis direções ulteriores que uma obra venha a assumir não deriva de um único agente trivial , por exemplo, o leitor comum, o qual conforma uma “abstração que só pode concretizar-se como sombra, pela via indireta e enganadora das tiragens, das vendas e dos documentos relativos à distribuição e ao consumo”, na concepção de Leyla Perrone-Moisés (1998PERRONE-MOISÉS, Leyla. (1998), Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica dos escritores modernos . São Paulo, Companhia das Letras. , p. 13). Nessa arena literária em que os grupos não dispõem de isonomia no tocante aos níveis de poder, influência e autoridade para definir a realidade de um determinado livro – no caso, Raízes do Brasil –, isto é, não detêm “propriedade”, no sentido de Joseph R. Gusfield (1981GUSFIELD, Joseph R. (1981), The culture of public problems: drinking, driving and the symbolic order . Chicago/Londres, University of Chicago Press. , p. 10), esta propriedade não se deve, portanto, a “leituras anônimas e tácitas”, providas de “efeito inverificável e uma influência duvidosa” ( Perrone-Moisés, 1998PERRONE-MOISÉS, Leyla. (1998), Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica dos escritores modernos . São Paulo, Companhia das Letras. , p. 13), mas precisamente à intrínseca “leitura ativa” de um então proeminente crítico literário – Antonio Candido, claro –, que se deparou “essencial para a (re)apresentação” de Sérgio Buarque nos anos 1980, em um panorama social de lenta, gradual, mas nada segura abertura política ( Furtado, 2014FURTADO, André Carlos. (2014), As edições do cânone: da fase buarqueana na coleção História Geral da Civilização Brasileira (1960-1972) . Rio de Janeiro, EdUFF. , p. 75). Só ultimamente a propriedade de Candido e seu domínio do problema Raízes do Brasil 11 11 . Em várias ocasiões, João Cezar de Castro Rocha afirma que Raízes do Brasil constitui um “livro-problema” com o qual os estudos históricos, literários e sociológicos devem cada vez mais e atentamente se ocupar (2004, p. 115; 2012a, p. 16; e 2012b, p. 26). , por assim dizer, o poder simbólico com que dispõe sobre ele, vêm sendo reivindicados por um público constituído pelo livro ressurgido, compreendendo entidades e intelectuais mais ou menos devotados ao estudo do pensamento social brasileiro, como expressão em parte aproximada do que o crítico britânico Frank Kermode denominava controle institucional de interpretação (1979, pp. 72-86).

Logo, à questão suscitada quanto à possibilidade de se atribuir a Antonio Candido, um tanto hiperbolicamente, a autoria de Raízes do Brasil , João Kennedy Eugênio responde que lhe imputar tal condição seria de todo indevido, “se por invençã o se quer sugerir que se trata de leitura infundada”, pois a leitura sociológica do ensaio o precede e foi empreendida, aliás, pelo próprio autor, da qual decorreram as revisões experimentadas sobretudo em 1948 e 1956, ano da segunda e terceira edições, respectivamente. Ou seja, “a leitura sociológica e progressista não é invenção de Antonio Candido” – é sua apenas a ênfase enviesada no radicalismo intempestivo do livro –, mas, sim, de Sérgio Buarque em pessoa. Eugênio então inverte o complemento: “Candido (enquanto leitor de Raízes do Brasil ) é que é uma invenção de Sérgio Buarque” (2011, p. 399). Como se Candido personificasse, a título de ilustração, o crítico de arte de certa história futurista, que viaja de volta no tempo para conhecer as obras de um pintor nova-iorquino pelo qual é fascinado, mas lá chega a descobrir que “o pintor é um bêbado inútil, que rouba dele a máquina do tempo e foge para o futuro”; vendo-se preso àquele tempo que não é o seu, o crítico passa então a pintar “todos os quadros que tanto o fascinaram no futuro e o fizeram viajar para o passado” ( Žižek, 2012ŽIŽEK, Slavoj. (2012), Vivendo no fim dos tempos . São Paulo, Boitempo. , p. 44).

No entanto, estando-se a par de tal interação, a reciprocidade assoma um tanto mais complexa e intrincada do que Eugênio parece sugerir, pois Sérgio Buarque se encontrou, a determinada altura, plenamente identificado com a imagem que Candido fizera dele retrospectivamente, o que se depreende da seguinte declaração na aludida entrevista concedida a Laura de Mello e Souza:

O fato é que o livro [ Raízes do Brasil ] foi concebido de uma maneira, e se fosse conceber outra teria que fazer um livro inteiramente novo. Mas acredito que ele ainda tem valor: o livro foi publicado em 1936, uma época muito dura para o Brasil, quase tão dura quanto a atual. E nele afirmo que uma revolução no Brasil não pode ser uma revolução de superfície: teria de ser uma revolução que levasse em conta todos os elementos mais aptos que estão por baixo. Essa é uma afirmação que já na época era difícil fazer. (Holanda, [1981] 2004, p. 10).

Ao mesmo passo em que a ponderação acima põe em xeque certa alegação de Antonio Candido, algo lastimosa – “Sérgio não me lia” ( apudNicodemo, 2018NICODEMO, Thiago Lima. (2018), “Antonio Candido e Sérgio Buarque de Holanda”. Revista USP (118): 105-116. Disponível em https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i118p105-116.
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
, p. 107) –, ela parece confirmar e até mesmo radicalizar a reiterada suposição de Leopoldo Waizbort (2007WAIZBORT, Leopoldo. (2007), A passagem do três ao um . São Paulo, Cosac Naify. , pp. 90-112; 2002, p. 182) quanto ao “diálogo entre Sérgio Buarque e o autor da Formação ”. Retomando, portanto, o léxico artístico utilizado no início do artigo, Antonio Candido funcionou como um tipo de souffleur precisamente porque o texto de Raízes do Brasil , já então muitas vezes revisado por Sérgio Buarque, chegou-lhe às mãos, afinal, como uma espécie de didascália. Nesse aspecto, Antonio Candido talvez não fosse, afinal, um Pierre Menard, mas, antes, um Kafka no sentido de Jorge Luís Borges: um tipo de escritor que concebe retrospectivamente os próprios precursores (Candido, [1943] 2002, p. 120).

Que o prestígio conquistado por Sérgio Buarque tenha se dado unicamente às custas de Antonio Candido ou, quando menos, do prefácio por este escrito a Raízes do Brasil em 1969, eis um asserto tão exagerado quanto inverossímil. Para refutá-lo, talvez bastasse apenas mencionar que bem antes, em 1958, ano do concurso de Sérgio para a cátedra de História de Civilização Brasileira da USP, outro Antonio – Soares Amora – lamentava, inconformado, que se tivesse de “exigir de homens da estatura intelectual e do saber de Sérgio Buarque de Holanda” a ordinária submissão “a um concurso de provas”. A queixa de Soares Amora, de quem Sérgio seria colega mais tarde na Academia Paulista de Letras, consta expressamente no Processo Rusp n. 757/58, mediante o qual o candidato – já ilustre, pelo visto – protocolara sua inscrição no certame ( Sanches, 2011SANCHES, Rodrigo Ruiz. (2011), “Sérgio Buarque de Holanda na USP”. Revista Sociedade e Estado , 26 (1): 241-259. , pp. 243-244).

O amigo, um outro si mesmo

À guisa de conclusão, tomando-se como verídica a história contada por Pedro Meira Monteiro – não há razões fundadas para infirmá-la – acerca de sua última visita a Antonio Candido, quando ele e Lilia M. Schwarcz foram ao seu apartamento a fim de lhe trazer a edição crítica de Raízes do Brasil (da qual ambos foram os organizadores). Estavam os dois algo embaraçados, “porque a edição no fundo vai contra a famosa interpretação que ele fez do amigo Sérgio Buarque”. Surpreendentemente, Candido teria vibrado com o iconoclasmo da dupla; disse-lhes, na ocasião, “com todas as letras, que afinal talvez houvesse um pouco de exagero na sua interpretação”. Contudo, à parte a nobreza com que recebia aquele presente de grego, por assim dizer, impressionou a Monteiro o teor de uma inconfidência que lhes contaria após um prelúdio meio epistêmico.

Ele nos disse primeiro que a literatura organiza as ideias, a música organiza a sensibilidade, enquanto as artes plásticas organizam a maneira de ver o mundo. Isto para contar, tão vividamente que nos comovemos, a cena, em que ele e Dona Gilda visitaram o amigo historiador, Sérgio Buarque de Holanda, já muito doente, às portas da morte. Sérgio não dizia coisa com coisa, e Candido nos conta que se perguntou então se eles tinham o direito, a despeito da intimidade, de estar ali e vê-lo naquele estado, a delirar. Mas eis que, de um golpe, Sérgio se levanta com seu chambre e começa a declamar a célebre oitava de Camões: “No mar tanta tormenta, e tanto dano,/ Tantas vezes a morte apercebida!/ Na terra tanta guerra, tanto engano,/ Tanta necessidade avorrecida!/ Onde pode acolher-se um fraco humano,/ Onde terá segura a curta vida,/ Que não se arme, e se indigne o Céu sereno/ Contra um bicho da terra tão pequeno?”. Candido a declama também, para ao fim nos dizer: a literatura lhe deu um último momento de lucidez ( Monteiro, 2017MONTEIRO, Pedro Meira. (2017), “Literatura contra a morte”. Disponível em https://meiramonteiro.com/literatura-contra-a-morte/, consultado em 15/2/2019.
https://meiramonteiro.com/literatura-con...
).

Para além de qualquer outro sentido possível, a história acima tem o condão de revelar que, até mesmo no instante em que se viu decisivamente confrontado com a antítese de sua clássica exegese, Antonio Candido se mostrou (ou foi exibido) mais uma vez como aquele “que sabe uma porção de coisas que ninguém sabe”; feito o senex junguiano, arquétipo do velho sábio encarnado, “uma espécie de criador de mitos e fornecedor de rumos”, segundo uma impressão de Afonso Arinos de Melo Franco (1981FRANCO, Afonso Arinos de Melo. (1981), “Entrevista”. In: MOTA, Lourenço Dantes Mota (org.). A História vivida: documentos abertos . São Paulo, O Estado de São Paulo . , p. 102), não por acaso a respeito do então jovem graduando em direito Sérgio Buarque de Holanda. Elementar, meu caro.

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  • 1
    . Agradeço aos professores Leopoldo Waizbort, Sérgio da Mata e Pedro Meira Monteiro a leitura prévia deste trabalho, por cujos eventuais equívocos não têm qualquer responsabilidade.
  • 2
    . Hermes Lima lançou pela Brasiliense Notas à vida brasileira , mas não em 1944, conforme as memórias de Antonio Candido, e, sim, no ano seguinte ( Lima, 1945LIMA, Hermes. Notas à vida brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1945. ).
  • 3
    . Nicodemo (2018NICODEMO, Thiago Lima. (2018), “Antonio Candido e Sérgio Buarque de Holanda”. Revista USP (118): 105-116. Disponível em https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i118p105-116.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
    , p. 113) informa 1957 como ano de publicação de “Gosto arcádico”, que saiu, todavia, na Revista Brasiliense , n. 3, jan./fev. 1956, pp. 97-114. Sua versão aumentada, em Tentativas de mitologia , conteria as “únicas referências explícitas” que Sérgio Buarque fizera a Formação da literatura brasileira .
  • 4
    . Depoimento oral de Antonio Candido no documentário Raízes do Brasil ( Santos, 2004SANTOS, Nelson Pereira dos. (2004), Raízes do Brasil: uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda . Direção de Nelson Pereira dos Santos. Rio de Janeiro, Regina Filmes, Videofilmes, Riofilmes. ). Há nesse seu comentário uma aparente remissão ao conceito de “equilíbrio de antagonismos” manejado por Gilberto Freyre, que tomara de empréstimo, por sua vez, aos autores ingleses novecentistas – que o finado crítico, aliás, não desconhecia.
  • 5
    . A propósito, contudo, de um perfil traçado de Oswald Andrade, Antonio Candido concordava ser “banal dizer de alguém que é dividido, porque no fundo todos somos. Mas há divisão e divisão” (1993, p. 35).
  • 6
    . Notícia não assinada e intitulada “Conflito num bar: muita pancadaria e três pessoas feridas, uma das quais gravemente”. Jornal do Brasil , 14 de agosto de 1934, seção Na Polícia e nas Ruas, p. 13.
  • 7
    . “Sérgio Buarque de Holanda? O do livro Raízes do Brasil é uma invenção do Antonio Candido. O Sérgio da História geral da civilização brasileira é muito bom, mas não é esse que se vende por aí.” ( ApudGaspari, 1994GASPARI, Elio. (1994), “Uma cabeça que bate contra a maré: Wanderley Guilherme dos Santos, elitista e marginal, vencedor de causas perdidas”. Revista Veja , n. 1340: 40-43. , p. 42).
  • 8
    . Saídas em 1933 pela Livraria Schmidt Editora e que passarão, mais tarde, a ser reimpressas pela editora José Olympio, a mesma por que surgiu Raízes do Brasil , cabeça de coleção impressa sob os auspícios do próprio Freyre.
  • 9
    . A propósito de Monções , o sintagma “clássico de nascença”, Candido acabou por fazer escola entre os seus. Afinal, com a mesma locução – embora com uma leve variação – Laura de Mello e Souza também qualificará o referido livro (2014, p. 36).
  • 10
    . Comprovaria ainda a tese de que prefácios e comentários elogiosos são por vezes aptos a transferir a outrem, ainda que parcialmente, o capital do autor consagrado que o subscreve, observando-se também nisso relações de estratégia, interesses etc. ( Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. (2004), Coisas ditas . Tradução de Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim. São Paulo, Brasiliense. , p. 170).
  • 11
    . Em várias ocasiões, João Cezar de Castro Rocha afirma que Raízes do Brasil constitui um “livro-problema” com o qual os estudos históricos, literários e sociológicos devem cada vez mais e atentamente se ocupar (2004, p. 115; 2012a, p. 16; e 2012b, p. 26).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2020
  • Aceito
    9 Abr 2020
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