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O discurso da universidade

The discourse of the University

Resumos

O discurso da Universidade como organização é estruturado por um saber que supostamente coincidiria com o tempo presente, interditando qualquer tipo de questão sobre o sentido do que está estabelecido. O seu traço mais característico é o da sua naturalização. É a expressão de um imaginário da cultura contemporânea e os seus mecanismos podem ser aproximados aos de outras formas organizacionais também contemporâneas. Tem traços, ainda, do discurso do totalitarismo, embora não coincida inteiramente com ele, na medida em que a possibilidade de sua visibilidade como discurso é menor.

universidade; discurso; organização; instituição; totalitarismo; presente; cultura contemporânea


The discourse of the University as an organization is structured by the knowledge which supposedly would agree with the present time, and also interrupt any kind of question about the way which it is being stabilished. Its most important feature is the naturalization.The expression of the imaginary of the contemporary culture and its mechanisms can be approximated to other contemporary organizational forms. It has also got features from the totalitarian discourse, even if it does not agree completely with it, as the possibility of its visibility as a discourse is minor.

University; discourse; organization; institution; totalitarism; present; contemporary culture


DOSSIÊ UNIVERSIDADE

O discurso da universidade

The discourse of the University

Irene Cardoso

Professora do Departamento de Sociologia da FFLCH - USP

RESUMO

O discurso da Universidade como organização é estruturado por um saber que supostamente coincidiria com o tempo presente, interditando qualquer tipo de questão sobre o sentido do que está estabelecido. O seu traço mais característico é o da sua naturalização. É a expressão de um imaginário da cultura contemporânea e os seus mecanismos podem ser aproximados aos de outras formas organizacionais também contemporâneas. Tem traços, ainda, do discurso do totalitarismo, embora não coincida inteiramente com ele, na medida em que a possibilidade de sua visibilidade como discurso é menor.

Palavras-chave: universidade, discurso, organização, instituição, totalitarismo, presente, cultura contemporânea.

ABSTRACT

The discourse of the University as an organization is structured by the knowledge which supposedly would agree with the present time, and also interrupt any kind of question about the way which it is being stabilished. Its most important feature is the naturalization.The expression of the imaginary of the contemporary culture and its mechanisms can be approximated to other contemporary organizational forms. It has also got features from the totalitarian discourse, even if it does not agree completely with it, as the possibility of its visibility as a discourse is minor.

Keywords: University, discourse, organization, institution, totalitarism, present, contemporary culture.

No título desta exposição, "O discurso da universidade", está pressuposta a especificidade de um discurso que estrutura o funcionamento da universidade contemporânea como uma organização. A universidade brasileira, em geral, e a Universidade de São Paulo, em particular, tomam a forma da organização universitária, por via de um discurso estruturador, cujo traço característico é o da naturalização dessa forma, a sua quase absoluta inserção na "imediata processualidade do presente" (cf. Freitag, 1995), dotando-a conseqüentemente de um caráter de inevitabilidade, no qual a perspectiva do futuro, a "universidade do século XXI"1 1 Lá pela altura do ano 2030, a geração que em 1999 tinha 40 anos e está então na situação de se aposentar compulsoriamente, talvez possa se lembrar que. 31 anos antes, foi solicitada a participar de uma comissão que deveria programar esse intervalo, naturalmente um presente estendido. Naquele momento, o que parecia ser uma ficção científica de transpor esse intervalo realizou-se, anulando o decurso histórico e suprimindo o tempo. , é o resultado da própria projeção desse presente. O discurso da universidade como organização estrutura um saber que supostamente coincidiria com o tempo presente, interditando qualquer tipo de questão sobre o sentido do que está estabelecido. Produz, ainda, a representação da cientificidade desse discurso como a expressão de uma racionalidade que estaria inscrita no próprio "real".

Algumas palavras ou expressões de uso normal na fala corrente da universidade hoje podem ser dela destacadas e sublinhadas, permitindo iniciar a construção e a discussão da questão implícita naquela formulação "o discurso da universidade". Avaliação (e os seus conexos, eficiência, produtividade, competitividade), universidade de pesquisa, linhas de pesquisa, núcleos e laboratórios de pesquisa, grupos temáticos de pesquisa, parceria, convênios, controle estrutural da evasão, ciclos básicos, cursos seqüenciais, diplomas ou certificados terminais ou intermediários constituem, dentre outras, palavras ou expressões que compõem, hoje, um léxico constitutivo de uma linguagem funcional e operacional próprio à universidade, à chamada comunidade científica, aos setores governamentais formuladores de políticas para o ensino superior e aos organismos nacionais e internacionais de financiamento. Esta linguagem é constitutiva dos enunciados do discurso da organização universitária, que caracterizam a vida normal e o dia-a-dia da universidade. Aparecem como naturalizados e a eventual possibilidade de seu questionamento aparece também como desprovida de qualquer sentido, diante de uma organização operacional e funcional da universidade, que não pode ser diferente do que é.

Alguns enunciados que articulam essas palavras ou expressões podem ser citados a título de ilustração: "a avaliação do desempenho acadêmico é condição de funcionamento da universidade, pois o uso do dinheiro público requer a prestação de contas pública da sua utilização"; "a universidade deve responder às demandas da sociedade e/ou do mercado"; "a universidade não pode ficar isolada do setor produtivo"; "a pesquisa deve ser organizada em torno de uma linha e estar articulada em laboratórios, grupos temáticos ou núcleos de pesquisadores associados"; "a criação e/ou potencialização de cursos devem ser avaliados a partir da relação custo/benefício".

Estes enunciados de caráter operacional e/ou funcional, que aparecem como inquestionáveis, caracterizam o discurso da universidade hoje e são formulados como respostas às "necessidades", que também aparecem como naturalizadas - sejam as de racionalização e de modernização da própria organização universitária, sejam as de sua adequação às transformações da sociedade ou do mercado - transformadas imediatamente em seus "objetivos". Estas "necessidades" inevitáveis da modernização são enunciadas a partir de um saber objetivo, neutro, impessoal e anônimo, que se quer portador de uma racionalidade que estaria inscrita no real. Enunciados que reivindicam, desse modo, um saber quase absoluto sobre o movimento do real, a partir do que seria a sua capacidade de representação científica dele, aparecendo então como depositário da verdade sobre o presente e o futuro.

Dentre os inúmeros enunciados desta natureza pode-se citar alguns como expressivos desta posição discursiva: "A sociedade necessita de profissionais capazes de conviver com a renovação tecnológica acelerada e com as grandes questões colocadas pelo desenvolvimento e pela evolução de cada área. Exige profissionais que tenham uma sólida formação básica, mas que sejam suficientemente generalistas, para a necessária adaptação de seus conhecimentos às mutações que se sucedem vertiginosamente em todos os campos. Que não só se adaptem às transformações mas se tornem seus agentes, participando delas e promovendo-as. Que sejam capazes de mudar de posição no mercado de trabalho, inserindo-se em novas especialidades e em novas combinações de saber. Que não se limitem a aplicar o que aprenderam nos bancos escolares, mas que sigam construindo o seu conhecimento, numa aprendizagem continuada para a qual devem ter sido adequadamente preparados"2 2 Cf. o texto da Pró-Reitora de Graduação, professora Ada Pellegrini Grinover, Quem tem Medo dos Ciclos Básicos, São Paulo, Jornal da USP, 14 a 20/12/98, p. 3 (grifos meus). .

Citando apenas mais um desses enunciados: "A sociedade e o Estado sabem que a Universidade é relevante; sabem que a Universidade é imprescindível para nosso desenvolvimento. (...) o debate havido também mostra que a sociedade quer mais da sua Universidade. Há uma percepção clara de que algo não vai bem em nosso ensino superior. Há uma nítida consciência de que muitos dos diplomas obtidos não servem para nada, não preparam nossos jovens para o mundo extremamente competitivo e exigente em que vivemos"3 3 Cf. o pronunciamento do Ministro da Educação e do Desporto, professor Paulo Renato Souza, Por Uma Nova Universidade, Seminário sobre o Ensino Superior, Brasília, 16/12/ 96 (grifos meus). .

Nestes enunciados expressivos de um discurso reiterativo da universidade é possível destacar e sublinhar algumas de suas representações constitutivas já parcialmente indicadas. A da necessidade determinada pelo desenvolvimento, pelas mutações vertiginosas, necessidade de adaptação continuada às transformações, em relação às quais os enunciados constituem respostas que se traduzem imediatamente em objetivos (o termo "continuada", presente também nas expressões "educação continuada" ou "aprendizagem continuada" e "avaliação continuada", indicando a identificação entre o presente e o futuro). O enunciado "a sociedade sabe, exige, quer" indica um saber impessoal, abstrato, neutro, objetivo, que aparece como a expressão do que seria um movimento do real, necessário e inevitável, quase que eliminando a distância entre a representação (o saber) e o real, a partir da "crença em uma autointeligibilidade do real" (Lefort, 1979, p. 341 )4 4 Devo muitas das idéias aqui desenvolvidas a uma releitura do texto de Claude Lefort, Esboço de uma Gênese da Ideologia nas Sociedades Modernas. Esta releitura permitiu perceber uma atualidade das questões trabalhadas nesse texto que em 1979 não pôde ser notada (Lefort, 1979). . Os enunciados "a universidade é imprescindível para nosso desenvolvimento", ou ainda, "algo não vai bem em nosso ensino superior" indicam a "ficção" de um "nós", a ilusão de um "grupo imaginário", que procura abolir a distância entre o "um e o outro", a divisão, nessa medida produzindo a invisibilidade da possibilidade de oposição (Lefort, 1979,p. 338-339).

Desse modo torna-se quase invisível um sujeito social de enunciação do discurso e quase se apaga a distância entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado. Mais ainda, poder-se-ia dizer que o outro do discurso, "a necessidade inevitável da modernização", coloca o "sujeito" da enunciação quase na posição de objeto, isto é, de instrumento de realização daquela necessidade5 5 Cf. a respeito desta formulação a discussão, que pode dela ser aproximada, de Zizek (1992, p. 59-70). .

Dessa maneira, a questão do sujeito social da enunciação do discurso ou fica omitida, ou não se coloca mesmo como questão, o que evidencia um quase fechamento do discurso nele mesmo, na quase ausência de divisão entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado, e na ficção do "nós". Quase fechamento do discurso, que significa também o quase fechamento da história, no sentido da quase interdição da possibilidade de produzir a questão sobre o sentido do estabelecido, sobre o seu engendramento e a sua destinação, diante da percepção imaginária de um discurso coincidente com a extensão do tempo presente.

Poder-se-ia pensar, a partir dessas considerações que, no extremo limite dessa construção discursiva, estaria colocada a impossibilidade da constituição do discurso como discurso. Isto porque o discurso se produz sempre em relação a um outro, como resposta a uma questão que dele adviria, mesmo que suposta e não explícita6 6 Cf. a respeito dessa formulação a discussão realizada por Juranville (1987, p. 63-64 e 296). . Mas, se esse outro do discurso é o lugar da necessidade inevitável das "leis" do presente e do futuro, da "verdade" do presente e do futuro, não haveria propriamente questão (já que não haveria também qualquer divisão), mas sim a fala delirante e circular que se fecharia nela mesma.

A omissão relativa à questão do sujeito social da enunciação do discurso - ou o não-fazer sentido da questão - a quase ausência de divisão entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado, a ficção do "nós" produzem o que é uma das sustentações fundamentais do discurso da organização, a representação do consenso de que as "decisões"7 7 A palavra "decisão" neste contexto da decisão técnica não poderia ter o seu sentido referido à "cisão", ou divisão, tal como etimologicamente teria. Neste contexto o uso da palavra "decisão" provém de um consenso de sentido e está referida apenas às estratégias técnicas de realização deste discurso. relativas à organização universitária seriam de caráter estritamente técnico e não político8 8 O sentido da noção de "político" utilizada nesta formulação não coincide com aquele largamente utilizado e referido às relações internas à organização universitária, mas sim às concepções de universidade que suporiam visões formadas historicamente, relativas à cultura. Não é descabido afirmar que hoje falar em concepções de universidade, ou visões de universidade, constitui a expressão de formulações "tradicionais" não compatíveis com a "nova mentalidade" oriunda daquele consenso. A expressão "nova mentalidade" (Grinover, 1998) necessária ao "ajuste" da universidade como organização é indicativa da questão formulada por Lefort sobre o saber veiculado pelo discurso da organização como aquele que "se apossa dos signos do novo, cultiva-os, para apagar a ameaça do histórico", um saber que "se exibe aqui e agora (...) suscitando o fascínio pelo presente", para o qual "não saber significa então não coincidir com o tempo, não coincidir com o ser social em sua manifestação (...), excluir-se do bom vínculo social" (Lefort, 1979, p. 343). . Produzem ainda a figuração da organização universitária como um "sistema de operações" que atribuiria "uma definição aos agentes e às suas relações", uma figuração da organização na qual o seu próprio processo se "ordena pela ficção de um saber do social que estaria manifesto na rede de operações onde o agente está inscrito" (Lefort, 1979, p. 329). Figuração ainda "ocupada em assegurar seu funcionamento (...), fechada sobre si mesma na posse de seu fundamento" (p. 330).

Nessa representação do consenso de que as "decisões" relativas à organização universitária são de caráter técnico e de que nela os agentes estão inscritos numa rede de operações, pode ficar mais explícita a questão anteriormente formulada, de que os agentes da organização ficam alocados em uma posição de objeto, não de sujeitos, de instrumentos no sistema de operações.

A representação da universidade como organização não está apenas nela circunscrita, mas tem os traços de outras formas organizacionais também contemporâneas, correspondendo a um "imaginário social nas sociedades ocidentais contemporâneas" (cf. Lefort, 1979, p. 316) para o qual as "marcas do real tornam-se as da organização - signos de uma racionalização em si do social - e as marcas de sua própria identidade lhe são fornecidas em função de um suposto saber que a organização deteria sobre ele" (cf. Lefort, 1979, p. 341).

A análise de Marilena Chauí explicita mais diretamente esta representação da universidade como organização. A universidade é definida como uma "prática social" de "instrumentalidade": "está referida ao conjunto de meios particulares para a obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. É regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função (...) Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe" (Chauí, 1998, p. 27)9 9 Grifo meu. .

Levando mais adiante ainda a análise, Chauí apoiando-se na interpretação de Freitag (1995) identifica o que considera como "duas fases sucessivas" da organização universitária, expressão das transformações da sociedade capitalista contemporânea: a "universidade funcional" e a "universidade operacional". Estas duas representações da organização universitária, hoje, funcionam articuladamente definindo os "objetivos" da universidade na perspectiva, já indicada, da sua naturalização. Enquanto a universidade funcional volta-se diretamente para o mercado de trabalho, a universidade operacional "está voltada para si mesma enquanto estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a universidade está estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade de meios e objetivos" (Chauí, 1998, p. 28).

A partir da análise do funcionamento articulado destas duas representações torna-se possível então pensar o modo como a universidade responde hoje às "necessidades" naturalizadas de racionalização e modernização da própria organização universitária e às de transformação da sociedade e/ou do mercado. A organização da pesquisa, tal como já foi indicado nos enunciados citados, a definição da redução dos tempos de realização do Mestrado e do Doutorado (a partir da necessidade de sua agilização - nova palavra incorporada ao léxico da linguagem da universidade); a criação dos Mestrados Profissionais; a criação dos ciclos básicos; a implementação de diplomas ou certificados obtidos em cursos seqüenciais de curta duração atendem a esta articulação de funcionalidade e operacional idade da organização universitária hoje, expressando não apenas aquele consenso organizacional já referido, mas significando também realizações provindas de decisões de caráter estritamente técnico10 10 Os sistemas de controle informatizado da Graduação e da Pós-graduação da USP, respectivamente nomeados como Júpiter e Fênix, constituem expressões acabadas da pura operacionalidade da organização. .0 que estrutura esta articulação de funcionalidade e operacionalidade é o discurso da universidade, como saber neutro, objetivo e impessoal, saber (quase) fechado nele mesmo, que aparece portanto (quase) sem divisão.

A organização "sabe (ou julga saber) porque, para que e onde existe, (...) não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência". Neste sentido, além de ficar omitida a questão do sujeito social da enunciação do discurso, no apagamento da distância entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado, fica elidida também a questão da divisão social, na medida em que aquele saber que encarna a organização estaria inscrito no próprio "real". Um real imaginário construído a partir da "crença na sua autointeligibilidade". O apagamento da divisão social produz como efeito uma "estrutura que funcionaria em si, sob o efeito de imperativos racionais", independentemente das escolhas (decisões) políticas, sujeita apenas a "decisões" técnicas. Novamente retomando Lefort, "a figura da instância de decisão e de constrangimento, a figura da regra, são recobertas sob a lei da organização. Esta lei coincide com o discurso da organização, é subtraída ao olhar dos sujeitos (...), sua plena eficácia decorre de não ser percebida como exterior, como a plena eficácia do discurso que veicula decorre de não lhe ser necessário aparecer como discurso sobre a organização ou, se este vier a se exprimir, só se afigure como um destacamento do primeiro, cuja validade e legitimidade são deixadas no plano do implícito" (Lefort, 1979, p. 340). E o "não lhe ser necessário aparecer como discurso sobre a organização" significando, neste contexto, as denegações das possibilidades de percepção da distância entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado, e da distância entre a representação do saber e o movimento histórico do real.

Em outros termos, o discurso da universidade como organização, ao produzir a invisibilidade da divisão social e política, ao omitir a questão do sujeito social da enunciação do discurso, tende a interditar a questão sobre o sentido da ordenação universitária estabelecida, sobre o seu engendramento, e conseqüentemente a questão sobre outros modos de ordenação possíveis. O que significa dizer que a naturalização do discurso da universidade elide, ainda, a questão relativa à historicidade do próprio discurso. Torna ainda sem sentido as perguntas sobre quem fala através do discurso e mais sem sentido ainda colocar em questão se se é falado por este discurso.

Este tipo de análise permite encaminhar a questão de que este efeito de naturalização do discurso da organização universitária - e é sempre bom lembrar a possibilidade de estabelecer um paralelo com outras formas de organização contemporâneas - contém traços do discurso do totalitarismo, embora não coincida inteiramente com ele. No funcionamento articulado das representações da universidade funcional e da universidade operacional como organização, no discurso, o saber aparece afirmando-se como impresso na realidade, encarnando ainda "a virtualidade de um domínio continuado e geral de suas articulações" (Lefort, 1979, p. 326)'11 11 Grifo meu. , que se apossa dos agentes do sistema para nele inscrevê-los, de tal modo, "que o discurso fala (quase) através deles e abole (quase) o espaço entre a enunciação e o enunciado" (Lefort, 1979, p. 327).

A representação da organização, por via desse saber neutro, objetivo, impessoal, apagando os traços do sujeito social, permite recobrir então a distância entre este sujeito social e a lei da organização, o que leva ao efeito de invisibilidade da lei como produzida por uma ação histórica. Citando novamente Lefort, a "organização oculta a questão do sujeito enquanto questão, na qual sempre se encontra posta em jogo uma relação de si com o outro, ao mesmo tempo em que uma relação com a lei (...) A representação da organização tende a se consumar no próprio processo da organização porque este se ordena pela ficção de um saber social que estaria manifesto na rede de operações onde o agente está inscrito" (Lefort, 1979, p. 329).

O que permite perceber a não inteira coincidência do discurso das organizações contemporâneas - e dentre elas a universidade - com o discurso do totalitarismo, é que neste há a "figuração do centro de decisão, de um poder que se afirma em sua plena positividade, fora de toda contestação" (Lefort, 1979, p. 331). No totalitarismo fica exposta a "instância separada da decisão e da coerção", seja no "topo do Estado", seja "através de seus múltipios representantes", ou seja, uma figuração do poder que "assegura à sociedade sua identidade, seus contornos, sua homogeneidade" (Lefort, 1983, p. 105). No discurso da organização do totalitarismo o "saber anônimo comanda o pensamento e a prática de seus agentes", mas "não se sustenta (...) senão por uma referência constante à autoridade em quem se concentra a decisão", tornando, portanto, em algum momento, "manifesta a origem da norma" (Lefort, 1979, p. 330). Neste discurso, a "ficção de uma ação transparente para si mesma", por mais forte que seja, acaba se expondo a um desmentido (Lefort, 1979, p. 332-333).

A especificidade do discurso do totalitarismo está, ainda, em que apesar de se sustentar em um saber absoluto da história, identificado com a "necessidade inevitável das Leis do desenvolvimento histórico" (Zizek, 1992, p. 68), que recusa a "imagem da divisão social interna", a partir da representação do "povo - Uno", figura o "outro" como o "inimigo", como o "representante do fora" a figuração de uma "divisão externa" (Lefort, 1983, p. 101 -102 e 1979, p. 333-334). Mas, como diz Lefort, "a eficácia da representação [do representante do anti-social] não poderia levar a esquecer que não dispõe soberanamente de seus efeitos. Tende a circunscrever o lugar de um outro, mas só o consegue graças a uma denegação generalizada (...) da diferença entre o sujeito e o discurso social. Todo signo dessa diferença é susceptível de denunciar o sujeito como inimigo. A alteridade não é cercável, a imagem do campo de concentração não é suficiente para desarmá-la (...). Neste sentido, o mundo burocrático não cessa de ser mal-assombrado pela insegurança, justamente quando está arrumado para figurar a cidadela da segurança, para congelar uma comunidade na certeza da sua coesão" (Lefort, 1983, p. 334). No discurso do totalitarismo, a representação do saber absoluto da história estaria constantemente ameaçada de se mostrar visível como discurso do poder.

O discurso estruturador das organizações das sociedades contemporâneas, dentre elas a universidade, embora preserve traços do discurso do totalitarismo (o quase fechamento do discurso, a partir da quase identidade entre a representação do saber e o "real"), nele a eficácia da dissimulação do discurso do poder é maior, por não lhe ser necessária nem a figuração do centro de decisão política, nem a representação de um "fora", a figuração da divisão externa. A eficácia desse discurso está no fato de que não constrói propriamente a "ficção do nós" já referida, mas a "ilusão de um entre-nós", um "circuito onde os agentes são referidos uns aos outros ao estarem privados tanto das balizas de suas oposições quanto das do discurso enquanto discurso" (Lefort, 1983, p. 338-339).

Um circuito, cuja ficção se sustenta na neutralidade da condução da organização (condução técnica e não política), onde os agentes inscritos na sua rede de operações estão todos em um mesmo plano, a partir da invisibilidade de qualquer tipo de ordenação do poder, e na invisibilidade ainda, enquanto agente e não sujeito, da posição de objeto, de instrumento do saber da organização12 12 No discurso mais recente da organização universitária que responde às necessidades inevitáveis das vertiginosas transformações do mercado de trabalho e às necessidades de uma racionalização interna da própria organização, os agentes inscritos na sua rede de operações sustentam, na posição de objeto, o saber neutro, objetivo e impessoal da organização. O estudante a ser formado como "o profissional dinâmico, adaptável às constantes modificações do mercado de trabalho" -"formação flexível" (Grinover, 1998, p. 3). O docente inscrito "na organização do tempo acadêmico nas instituições de ensino superior", organização do tempo que tem "em vista sua máxima otimização", que inclui o "entendimento da atividade docente fora da sala de aula, tendo em vista sua valorização como importante instrumento de melhoria da qualidade da educação superior e do desempenho acadêmico do estudante universitário" (Documento do Conselho Estadual de Educação 02/98 apud Grinover, 1999, p. 2). Um outro enunciado, ainda, relativo ao orçamento da organização e à questão do custo/ benefício que o informa, é indicativo da figuração do agente/docente na posição de objeto: "noventa por cento dos nossos custos é de mão de obra. Falar de custos é sobretudo falar em professores" (Seminário, 1998). . A figuração dos agentes inscritos na rede de operações em um mesmo plano, pelo discurso da organização, produz ainda uma outra figuração importante, a de um "diálogo", no qual fica apagada a distância entre o um e o outro. "Diálogo" que simula as oposições no interior do próprio discurso, o "lugar do contraditor", que sustentaria a oposição13 13 Exemplifica esse tipo de oposição a pergunta formulada "Quem tem medo dos ciclos básicos?", cuja resposta já identifica no interior do próprio discurso o "ensino tradicional" e os docentes que o veiculam, portanto a necessidade de "professores com outra mentalidade", para a qual é necessário ainda que "o aparelhamento e os docentes" venham a "receber cuidados especiais a curto prazo" (Grinover. 1998, p. 3), uma "reciclagem" adequada, cuja possibilidade será dada por uma avaliação dos docentes que permita identificar a sua inadequação a uma "nova relação ensino-aprendizagem". A nova relação deve introduzir ainda "novos meios instrucionais" que permitam também "atingir clientelas" mais abrangentes (cf. BID, 1996). A adequação à nova relação ensino-aprendizagem, aos novos meios instrucionais, significando a necessidade de "ajuste" dos agentes inscritos no interior da rede de operações, um "ajuste" da rede. No enunciado "é necessário professores com outra mentalidade diferente da do ensino tradicional" não há propriamente a figuração de um outro do discurso, apenas a da defasagem existente ainda em setores no interior da rede de operações. Defasagem funcional e operacional a ser solucionada tecnicamente. . Este mecanismo apaga a distância entre o um e o outro, que seria a evidência da divisão social e política no interior da organização, e a substitui pelas diferenciações internas, as oposições, já prefiguradas no próprio discurso.

A não visibilidade de uma instância de decisão política (a "decisão" é técnica), de uma ordenação de poder, a invisibilidade da posição de objeto, que sustenta o saber da organização, na qual estão postos os agentes nela inscritos, a ficção do diálogo na qual fica apagada a distância entre o um e o outro produzem a eficácia do discurso da organização, ao não lhe ser necessário aparecer como discurso sobre a organização: o discurso que pode tornar visível a distância entre aquele que fala e o outro, a distância ainda entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado.

A explicitação dessa questão pode ser encaminhada tomando a universidade em outro registro histórico da sua existência, o de instituição, o que permitirá ainda marcar o significado da sua transformação em organização.

Tendo como referência as análises de Freitag (1995) e de Chauí (1998), mas tomando mais diretamente desta autora a explicitação da universidade como tendo sido desde o seu surgimento uma instituição social, pode-se defini-la como "uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela (...) A instituição se percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma universalidade (ou imaginária ou desejável) que lhe permita responder às contradições impostas pela divisão" (Chauí, 1998, p. 26-27).

A universidade como instituição social é estruturada por um discurso que busca definir uma universalidade que lhe permita um reconhecimento público da sua legitimidade, e um reconhecimento e legitimidade internos a ela, - discurso sustentado por um saber impessoal "no qual o universal falaria de si mesmo", na suposição de se constituir como um "saber geral sobre o real". Mas o movimento de construção do reconhecimento e da legitimidade não pode se realizar sem que o discurso, cuja pretensão é a universalidade, exponha-se em algum momento como discurso, isto é, deixando "aparecer o distanciamento deste com respeito àquilo de que fala" (Lefort, 1979, p. 316), a distância entre o um e o outro, a distância ainda entre o sujeito social da enunciação e o sujeito do enunciado. A especificidade deste discurso que se manifesta pela transcendência da "idéia" de universalidade está no "duplo caráter da idéia que é representação e norma", no "duplo caráter da argumentação que testemunha uma verdade inscrita no real" e as condições "do saber e do agir". Neste sentido o discurso enuncia-se sob o "signo do impessoal, veicula um saber que é tido como surgindo da ordem das coisas", mas ao enunciar a si mesmo, enuncia a sua articulação com aquelas condições do saber e do agir, e enuncia o outro, como aquele que não tem "dignidade de sujeito", expressão de um "sub-social", por não ter acesso ao "princípio do agir e do saber" (Lefort, 1979, p. 317-318).

O modo de funcionamento deste discurso pode tornar visível o sujeito de enunciação na "posição do mestre", figurando ao mesmo tempo a posição do outro, aquele que não tem acesso ao princípio do agir e do saber, isto é, a possibilidade de visibilidade da divisão no discurso. Neste sentido, o discurso pode se tornar visível como discurso sobre a universidade, diferentemente do discurso da universidade, ou da organização, que produz a invisibilidade da divisão, um fechamento maior do discurso.

Figurar a posição do outro, como aquele que não tem acesso ao princípio do agir e do saber, aquele que não sabe, por via do discurso que estrutura a instituição, é inteiramente diferente da figuração do diálogo, do entre-nós, na qual todos os agentes têm inquestionavelmente como suporte o saber da organização, e estão referidos uns aos outros, em um mesmo plano, no qual as "oposições", as diferenciações, são a expressão de defasagem no interior do tempo que realiza a modernização da organização.

No registro da instituição, o não ter acesso ao princípio do agir e do saber, o não-saber, significa o não acesso ao princípio universal racional, que veicula um saber como surgindo da ordem das coisas. O não-saber, então, é a expressão da irracionalidade. Este mecanismo dissimula a divisão social e política mas não impede a possibilidade de surgimento de contra-discursos, a partir da contestação da legitimidade do discurso, aberta no próprio movimento da sua sustentação, quando se defronta historicamente com forças sociais, que a partir de uma outra posição, enunciam um saber também sustentado na ficção de uma transparência do real. Este movimento pode produzir então um deslocamento dos enunciados a partir da impossibilidade da fixação do discurso. Nesse deslocamento, o discurso pode surgir como discurso sobre a instituição, ao tornar visível a instabilidade de uma ordem que estava dissimulada, e neste movimento produzir a visibilidade, ainda, da distância entre o discurso e o poder. Em outros termos, surgir como concepções políticas relativas à instituição, concepções políticas sobre a universidade.

No registro da organização, a invisibilidade da divisão social e política é maior, o discurso tende a fechar-se em si próprio, tornando quase sem sentido, no "diálogo", a discussão sobre as concepções políticas que dividiriam a universidade, cuja evidência é o abandono mesmo dessa formulação, identificada como inerente a uma linguagem ultrapassada, "tradicional", oriunda da "antiga mentalidade", da defasagem no interior do tempo da modernização. O "diálogo" está circunscrito às "decisões" de natureza técnica como respostas às necessidades de modernização da sociedade, do mercado de trabalho e de racionalização operacional da própria organização.

Tomando algumas referências da história da USP e da universidade brasileira é possível, por via de alguns recortes, explicitar um pouco as questões que vêm sendo construídas.

No projeto de fundação da Universidade de São Paulo, tal como formulado já em 1925 e 1926, o discurso que o estruturava legitimava a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras como o núcleo da Universidade, e ao mesmo tempo como o lugar da "produção do universal", por via da formação das elites dirigentes que expressariam o "saber desinteressado", a partir do qual teriam a visão da totalidade integrada da sociedade. Posição desvinculada dos interesses particulares, portadora do "interesse geral", que poderia solucionar a crise política originada da "degeneração dos costumes políticos da nacionalidade". Na busca da legitimação e do reconhecimento da instituição, o saber que sustenta o discurso estruturador do projeto da universidade enuncia a si mesmo como o portador da universalidade e enuncia o outro na posição daquele que não tem a dignidade de sujeito, "a massa impura e formidável de dois milhões de negros subitamente investidos das prerrogativas constitucionais", as "toxinas" que provocaram os "alarmantes sintomas de decadência moral" - a partir da lei de libertação dos escravos - e os "imigrantes estrangeiros (...) movidos por interesses puramente materiais", que vieram substituir o braço escravo (Mesquita Filho, apud Cardoso, 1982, p. 33-34). O discurso está sustentado por um saber cuja pretensão é a da universalidade, cuja representação é a da sua cientificidade e nomeia o outro do discurso pela representação de um sub-social, da irracionalidade produtora da desordem, a "degeneração", mecanismo que dissimula a divisão social e política. O saber que sustenta o discurso, como saber universal, é aquele que testemunha uma verdade inscrita no "real" e define, ao mesmo tempo, a incompetência das massas para o acesso a esse saber.

A partir de 1935, com a Universidade já criada (em 1934), o discurso é marcado por alguns deslocamentos significativos nos seus enunciados, diante das forças sociais que se manifestavam nas greves e na formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL). A Universidade - e em especial a Faculdade de Filosofia - é o lugar do "interesse geral", que visa agora "formar e disciplinar" a elite que "defende a parte do desinteresse" sem a qual a Universidade não pode servir à "política no seu sentido mais alto e profundo" (Fernando de Azevedo apud Cardoso, 1982, p. 179). O discurso se enuncia ainda por um saber cuja pretensão é a da universalidade e nomeia ainda o outro do discurso pela representação de um sub-social, na pretensão de "tirar essa imensa massa do seu estado atual, ainda quase amorfo, para dar-lhe consistência diferenciada e definida" (Mesquita Filho apud Cardoso, 1982, p. 180). O discurso se enuncia como portador dos "valores eternos da liberdade, da justiça e da razão" mas também define a Universidade como o "último reduto da resistência" empenhado na defesa desses valores por estar ameaçada pelas "patrulhas" das ditaduras de esquerda. Nomeia a "traição dos intelectuais" que preferem a "intelectualidade militante (...), que desertaram das altas esferas do pensamento e da pesquisa, da solidão e do recolhimento, para se interessarem sobretudo pelo social e pelo político, e se imiscuírem nas lutas partidárias" (Fernando de Azevedo apud Cardoso, 1982, p. 177-178).

No movimento da afirmação da sua legitimidade (movimento histórico), ao defrontar-se com os contra-discursos socialistas e comunistas, os enunciados do discurso se deslocaram e em uma nova estruturação, que em parte preserva aqueles dos anos vinte mas os articula com os novos, evidencia o outro do discurso na posição política da contestação. No enunciado já citado, a elite deverá ser formada e disciplinada para a "missão" de criar agora a "mística nacional" (Mesquita Filho apud Cardoso, 1982, p. 163). A liberdade não é mais a do valor eterno, não é a "liberdade sem freios", que constitui um "perigo à estabilidade do Estado, cuja suprema virtude é a segurança". Trata-se da liberdade que supõe a disciplina (Fernando de Azevedo apud Cardoso, 1982, p. 181). Neste movimento o discurso não pode se fixar, os seus enunciados se deslocam e ele pode surgir como um (discurso sobre a universidade, permitindo a visibilidade da distância entre o discurso e o poder. Pode surgir como uma concepção política sobre a universidade que se defronta com outras, que se criam nesse momento histórico, produzindo as oposições políticas e ideológicas que dividem a instituição. Este primeiro recorte permite perceber a universidade no registro histórico da instituição social.

Um segundo recorte relativo ao final dos anos 60 permite tomar o discurso que estrutura a universidade como instituição, ainda. A especificidade desse discurso, porém, comparativamente ao do projeto inicial, é de que nele a busca do seu reconhecimento e legitimidade, por via de um saber cuja pretensão seria ainda a da universalidade, torna mais imediatamente manifesta a impossibilidade de dissimulação da divisão social e política da instituição. Evidencia-se ainda como um discurso de transição para o registro da universidade como organização funcional, embora a sua pretensão seja de subordinar a dimensão da funcionalidade pela finalidade superior, que caracteriza a instituição, pela prevalência da sua condição de "magistratura do espírito"14 14 Cf. Memorial sobre a Reestruturação da Universidade de São Paulo, preparado por uma Comissão indicada pelo Conselho Universitário, presidida pelo Vice-Reitor (em exercício) Mário Guimarães Ferri. tendo como relator Roque Spencer Maciel de Barros, de 26/6/1968. .

Procurando manter a tradição da instituição, os enunciados do discurso buscam legitimar a universidade como o lugar do "verdadeiro poder espiritual", que deve "conservar o patrimônio cultural, nacional e humano, impedindo a todo instante que a 'barbarização'', venha de onde vier, ameace o reino do espírito - o mundo da cultura e da ciência - e roube ao homem a dignidade da condição humana (...), cabe-lhe ainda [além do papel de conservar a cultura] a tarefa constante de fomentá-la e aperfeiçoá-la, cabe-lhe uma função criadora, que a complete e revele em toda luz suas autênticas dimensões" (Memorial Ferri, 1968, p. 11)15 15 Grifos meus. .

Nestes enunciados reafirmam-se os elementos do discurso da tradição da Universidade, embora parcialmente reformulados: o saber que o sustenta se enuncia a si mesmo como o portador do "verdadeiro poder espiritual" e enuncia o outro, "a barbarização" como o que não tem a dignidade de sujeito.

Essa reafirmação do discurso da tradição se expressa porém em um momento histórico marcado de forma intensa pelas divisões políticas e ideológicas que produziram projetos que contestavam a estrutura estabelecida da Universidade, especialmente por via do movimento estudantil de 1968. Os projetos distintos de entendimento do que deveria ser a reforma universitária em curso dividia a Universidade. O projeto da "universidade crítica" se opunha ao da universidade da tradição, que era nomeada então como a "universidade burguesa".

Neste contexto histórico no qual a contestação política já é inteiramente explícita, sob a forma dos contra-discursos articulados principalmente pelo movimento estudantil, o enunciado do discurso da tradição, embora referido à "barbarização" como a expressão de um "sub-social", que estaria abaixo da "dignidade da condição humana", nele articula também a formulação "venha de onde vier", que, se permanece meio vaga nos enunciados do Memorial, explicita-se em outras manifestações discursivas daquele momento, como aquela que provém da "guerrilha universitária". A ambigüidade do enunciado expressa ao mesmo tempo a reafirmação da sua legitimidade enquanto portador do "verdadeiro poder espiritual" e o deslocamento que evidencia o outro do discurso na posição política da contestação.

Comparando este discurso com o do projeto original da Universidade é possível perceber que, embora busque preservar uma legitimidade herdada daquela tradição, já não lhe é inteiramente possível enunciá-la do mesmo modo. As experiências dos anos 30, já referidas, e as daquele contexto político de 68 não permitem ao discurso enunciar-se como inteiramente coincidente com aquele do projeto inicial: a Universidade não é mais propriamente o lugar do universal, mas o lugar do "poder espiritual, cuja força se assente (...) na fidelidade aos postulados (...) da busca da verdade, acima das paixões, da violência e do sectarismo": a "posição de uma universidade legítima" (Memorial Ferri, 1968, p. 11 e 14).

A evidência de que este discurso expressa uma transição da instituição social para a organização funcional pode ser percebida pela sua pretensão de que não se trata de "estruturar uma nova universidade, mas de reestruturar uma instituição existente, com suas peculiaridades e tradições" (Memorial Ferri, 1968, p. 15). O discurso enuncia-se por um saber cuja legitimidade está na reafirmação "do respeito pelas tradições próprias de sua universidade, (...) referida ao todo do saber e capaz de conciliar harmoniosamente as mais altas exigências da cultura e da ciência com os reclamos mais urgentes do País em matéria de formação profissional sólida e diversificada (...), as necessidades de uma sociedade que (...) passa por uma série de transformações rápidas que a universidade não pode ignorar e diante das quais tem uma tarefa a cumprir, uma resposta a dar". Trata-se do "modelo de uma instituição que, sem desligar-se das tradições nacionais, se ajuste à missão permanente da Universidade e às múltiplas e variadas tarefas que o tempo presente, a 'situação', lhe impõem" (p. 38)16 16 Grifo meu. .

Fica evidenciada aí, portanto, uma subordinação ainda da dimensão da funcionalidade da universidade - a formação profissional que responde às necessidades criadas pelas transformações da sociedade - ao "todo da possibilidade do saber", o "impulso de elevação do espírito que transcende [os objetivos concretos profissionais] e permite que o retomo a eles seja efetivamente seguro e luminoso. A Universidade, como a concebemos, não pode ser pensada em função da formação profissional: esta é uma decorrência, não um princípio que fundamenta a estrutura da instituição (...); ainda que a Universidade deva formar profissionais, não é essa a missão que a define" (p. 12 e 13).

Neste segundo recorte evidencia-se ainda, apesar dos deslocamentos do discurso indicados, a universidade como instituição social, tanto no que se refere à sua percepção da divisão social e política, que a leva a explicitar o outro do discurso em uma posição política, como à mediação que constrói em relação ao mercado de profissões, uma relação não direta e não imediata, mas justamente mediada pelo saber que se enuncia como o espírito elevado que transcende o que seriam os objetivos concretos profissionais da instituição.

Neste sentido, de um lado, o sujeito social de enunciação do discurso torna-se visível, manifestando a distância entre o um e o outro do discurso, surgindo como discurso sobre a universidade, na divisão das concepções políticas sobre a instituição. De outro, a construção da mediação, por via da qual "responde" às necessidades de transformação da sociedade e do mercado profissional, não identifica o saber da instituição com aquele que estaria inscrito na própria manifestação do social. A construção da mediação, subordina ainda este saber ao saber da instituição, a partir da representação da transcendência do espírito mais elevado. Nesse movimento, pela construção da mediação, é mantida a distância entre o sujeito da enunciação (sujeito portador da "magistratura do espírito") e o sujeito do enunciado (a manifestação das necessidades sociais), é preservada a distância entre o um e o outro. Para esse discurso as "necessidades de transformação da sociedade e do mercado profissional", o outro do discurso ainda se constituem em questões no que se refere à preservação da sua autonomia como instituição, definida por um saber próprio à universidade.

Um terceiro recorte relativo aos anos 80 permite considerar o momento histórico cuja referência é a Nova República como um ponto de inflexão importante que dá início à produção de um discurso da universidade como organização funcional, mas também operacional, cuja direção é a da fixação desse discurso17 17 Cf. O Relatório GERES (Grupo Executivo para Reformulação da Educação Superior). Brasília. Ministério da Educação,setembro de 1986 (GERES, 1986). . Caracterizará a década seguinte, na pretensão ainda da sua projeção futura, a partir da fantástica, mas também fantasmática, suposição da supressão do tempo histórico e da própria historicidade do discurso, que caracteriza mais propriamente o momento atual, como já foi indicado.

No momento da sua instituição, o discurso enuncia-se ainda pela recusa do passado, figurando o outro como o suporte do modelo da "tradição clássica", cuja "idéia de universidade" está voltada para a "busca da verdade sem restrições", caracterizada pela "liberdade acadêmica (...) [que] implica a sua capacidade para decidir por si só, autonomamente o que ensinar e como ensinar", e a "capacidade para decidir como se organizar para fazê-lo e para definir os meios de que necessita para isso". Nela "a pesquisa é a própria pedagogia da universidade, o que ela ensina não é a verdade pronta e acabada mas sim o método da busca da verdade (...)". Esta seria a "universidade de ensino" na medida em que é construída a partir de uma visão da universidade que é "coerente com a existência de uma instituição em que a pesquisa científica não é uma atividade-fim, um objetivo em si mesmo, mas em que o uso do método científico se incorpora à prática didática do cotidiano" (Relatório GERES apud Cardoso, 1989, p. 117-118).

Enuncia o paradigma da "universidade do conhecimento", a "universidade de pesquisa" em contraposição à "universidade de ensino", e ao enunciá-la, enuncia também o seu novo registro funcional e operacional. Deverá estar baseada em critérios de "desempenho acadêmico e científico", de produtividade, e em "interação com as legítimas necessidades da sociedade" (Relatório GERES, apud Cardoso, 1989, p. 118), subordinada ao critério de "eficiência", especialmente em relação ao "investimento" a ela destinado. Um "sistema de avaliação do desempenho" deverá realizar o "controle finalístico" da universidade, que não se limita mais ao mero controle dos meios. A sua eficiência será medida por: taxa de evasão dos cursos, número de professores por curso, custo per capita de um aluno formado ou de um aluno cursando, número de funcionários administrativos por professores ou alunos, indicadores de desempenho científico (publicações, número de doutorados, etc). O que permitiria estabelecer "padrões de desempenho para as instituições de mesmo tipo e compará-las entre si" (Schwartzman, apud Cardoso, 1989, p. 127-128).

A recusa do passado neste momento de instituição da universidade como organização funcional e operacional é enunciada ainda, por este discurso, como a recusa que identifica o outro, figurando-o como o portador daquilo que é nomeado como "universidade alinhada", que se opõe à "universidade do conhecimento". A "universidade alinhada" é a "universidade politizada e comprometida com as forças populares". O discurso se legitima por via de um saber portador do "projeto modernizante, baseado em paradigmas do desempenho acadêmico e científico" -a "boa universidade" - e enuncia o outro do discurso figurando-o como a expressão da "incompetência", da "mediocridade", do "imobilismo", do "baixo-clero", da "esquerda radical" (Cardoso, 1987, p. 65-66).

Neste contexto histórico de instituição da universidade como organização funcional e operacional, o saber que enuncia o discurso da organização, na busca da sua legitimidade, mas diante de um intenso confronto político, em um momento ainda em que a linguagem organizacional-empresarial dos seus enunciados produz dissonâncias na universidade, não pode dissimular a distância entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado, a distância entre o um e o outro do discurso. A sua argumentação enuncia as oposições, quer sejam as da tradição clássica, oriundas dos setores mais tradicionais da universidade, quer sejam as oposições propriamente políticas que provêm do movimento docente, neste momento expressando uma forte articulação destas oposições. Surge neste contexto histórico ainda como um discurso sobre a universidade, tornando visíveis concepções de política universitária que se opõem. Este momento se configura porém como ponto de inflexão porque nele começa a se estabelecer o principal critério que permitirá diferenciar a universidade como instituição da universidade como organização. E este critério é o do "sistema de avaliação do desempenho". As "novas" palavras: avaliação, desempenho, produtividade, eficiência vão sendo incorporadas ao léxico da linguagem universitária, tornando-se aí naturais (no léxico da linguagem da instituição estas palavras estavam ausentes) e presentes no dia-a-dia do funcionamento da organização.

O "sistema de avaliação do desempenho" estará cada vez mais referido tanto à dimensão funcional (a partir da relação com o mercado de trabalho são definidas as funções da universidade: formação da elite acadêmica, formação profissional, formação semi-profissional - generalista, formação técnica), quanto à dimensão operacional (a eficácia organizacional interna) (cf. BID, 1996).

Ponto de inflexão ainda porque pôde subordinar as discussões e as oposições ao "sistema de avaliação do desempenho", ao próprio discurso da universidade como organização funcional e operacional, a partir do momento em que o princípio da avaliação foi aceito como inquestionável, e as diferenças de posição tornaram-se apenas diferenças de ordem técnica. A ênfase na avaliação da qualidade e não da quantidade da produção, a redução do tempo de realização do Mestrado para três anos e meio em lugar de dois, o investimento na Iniciação Científica como modo de não comprometer a qualidade do Mestrado, as alternativas técnicas de implantação de ciclos básicos, a criação de cursos seqüenciais como opção além da graduação tradicional, e outras inúmeras proposições do mesmo gênero indicam não a presença de contra-discursos, mas as variantes de um mesmo discurso produzidas no interior das suas balizas. A produção do "diálogo" entre os agentes inscritos na rede de operações da organização, do "entre-nós" que impede a visibilidade daquelas balizas do discurso e a possibilidade mesma de poder vê-lo como discurso.

A fixação do discurso da universidade como organização funcional e operacional, o discurso continuado, quase fechado nele mesmo, quase elide a possibilidade de tornar visível o sujeito da sua enunciação. Quase anula a distância entre o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado. Produz-se uma circulação continuada de enunciados, uma circularidade de falas (como num delírio) que não podem reconhecer as balizas de um discurso, evidenciando assim, no limite, a impossibilidade do discurso.

Recebido para publicação em abril/1999

Este texto é uma versão ampliada da aula inaugural do Curso de Ciências Sociais da FFLCH-USP, ministrada em 23/02/1999.

  • BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento. (1996) Ensino superior na América Latina e no Caribe: um documento estratégico. Divisão de programas sociais.
  • Cardoso, Irene. (1982) A universidade da comunhão paulista. São Paulo, Cortez.
  • _______. (1987) A Universidade e o poder. Revista USP, São Paulo, 6, julho-setembro.
  • _______. (1989) A modernização da Universidade brasileira e a questão da avaliação. In: Martins, Carlos Benedito (org.). Ensino superior brasileiro - transformações e perspectivas. São Paulo, Brasiliense.
  • Chauí, Marilena. (1998) A Universidade hoje. Praga - estudos marxistas, São Paulo, Hucitec.
  • GERES - Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior. (1986) Relatório. Brasília, Ministério da Educação, setembro.
  • Freitag, Michel. (1995) Le naufrage de l'Université- et autres essais d'épistémologie politique. Paris, La Décou verte.
  • Grinover, Ada P. (1998) Quem tem medo dos ciclos básicos? Jornal da USP, São Paulo, 14 a 20/10, p. 03.
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  • Juranville, Alain. (1987) Lacan e a filosofia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
  • Lefort, Claude. (1979) Esboço de uma gênese da ideologia nas sociedades modernas. As formas da história. São Paulo, Brasiliense.
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  • Memorial Ferri - Memorial sobre a reestruturação da Universidade de São Paulo. (1968) Universidade de São Paulo, São Paulo, 26 de junho.
  • Schwartzman, Simon. (1987) Funções e metodologias de avaliação do Ensino Superior. Dois Pontos, Brasília, Sesu/MEC,37, setembro.
  • Seminário de Política e expansão de vagas e cursos. (1998) São Paulo, Pró-Reitoria de Graduação - USP. 26-27 de outubro.
  • Souza, Paulo Renato. (1996) Por uma nova Universidade. Seminário sobre o Ensino Superior. Brasília, Ministério da Educação e do Desporto, 16 de dezembro.
  • Zizek, Slavoj. (1992) Cinismo e objeto totalitário. Eles não sabem o que fazem - o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
  • 1
    Lá pela altura do ano 2030, a geração que em 1999 tinha 40 anos e está então na situação de se aposentar compulsoriamente, talvez possa se lembrar que. 31 anos antes, foi solicitada a participar de uma comissão que deveria programar esse intervalo, naturalmente um presente estendido. Naquele momento, o que parecia ser uma ficção científica de transpor esse intervalo realizou-se, anulando o decurso histórico e suprimindo o tempo.
  • 2
    Cf. o texto da Pró-Reitora de Graduação, professora Ada Pellegrini Grinover,
    Quem tem Medo dos Ciclos Básicos, São Paulo, Jornal da USP, 14 a 20/12/98, p. 3 (grifos meus).
  • 3
    Cf. o pronunciamento do Ministro da Educação e do Desporto, professor Paulo Renato Souza,
    Por Uma Nova Universidade, Seminário sobre o Ensino Superior, Brasília, 16/12/ 96 (grifos meus).
  • 4
    Devo muitas das idéias aqui desenvolvidas a uma releitura do texto de Claude Lefort,
    Esboço de uma Gênese da Ideologia nas Sociedades Modernas. Esta releitura permitiu perceber uma atualidade das questões trabalhadas nesse texto que em 1979 não pôde ser notada (Lefort, 1979).
  • 5
    Cf. a respeito desta formulação a discussão, que pode dela ser aproximada, de Zizek (1992, p. 59-70).
  • 6
    Cf. a respeito dessa formulação a discussão realizada por Juranville (1987, p. 63-64 e 296).
  • 7
    A palavra "decisão" neste contexto da decisão técnica não poderia ter o seu sentido referido à "cisão", ou divisão, tal como etimologicamente teria. Neste contexto o uso da palavra "decisão" provém de um consenso de sentido e está referida apenas às estratégias técnicas de realização deste discurso.
  • 8
    O sentido da noção de "político" utilizada nesta formulação não coincide com aquele largamente utilizado e referido às relações internas à organização universitária, mas sim às concepções de universidade que suporiam visões formadas historicamente, relativas à cultura. Não é descabido afirmar que hoje falar em concepções de universidade, ou visões de universidade, constitui a expressão de formulações "tradicionais" não compatíveis com a "nova mentalidade" oriunda daquele consenso. A expressão "nova mentalidade" (Grinover, 1998) necessária ao "ajuste" da universidade como organização é indicativa da questão formulada por Lefort sobre o saber veiculado pelo discurso da organização como aquele que "se apossa dos signos do novo, cultiva-os, para apagar a ameaça do histórico", um saber que "se exibe aqui e agora (...) suscitando o fascínio pelo presente", para o qual "não saber significa então não coincidir com o tempo, não coincidir com o ser social em sua manifestação (...), excluir-se do bom vínculo social" (Lefort, 1979, p. 343).
  • 9
    Grifo meu.
  • 10
    Os sistemas de controle informatizado da Graduação e da Pós-graduação da USP, respectivamente nomeados como Júpiter e Fênix, constituem expressões acabadas da pura operacionalidade da organização.
  • 11
    Grifo meu.
  • 12
    No discurso mais recente da organização universitária que responde às necessidades inevitáveis das vertiginosas transformações do mercado de trabalho e às necessidades de uma racionalização interna da própria organização, os agentes inscritos na sua rede de operações sustentam, na posição de objeto, o saber neutro, objetivo e impessoal da organização. O
    estudante a ser formado como "o profissional dinâmico, adaptável às constantes modificações do mercado de trabalho" -"formação flexível" (Grinover, 1998, p. 3). O
    docente inscrito "na organização do tempo acadêmico nas instituições de ensino superior", organização do tempo que tem "em vista sua máxima otimização", que inclui o "entendimento da atividade docente fora da sala de aula, tendo em vista sua valorização como importante instrumento de melhoria da qualidade da educação superior e do desempenho acadêmico do estudante universitário" (Documento do Conselho Estadual de Educação 02/98
    apud Grinover, 1999, p. 2). Um outro enunciado, ainda, relativo ao orçamento da organização e à questão do custo/ benefício que o informa, é indicativo da figuração do agente/docente na posição de objeto: "noventa por cento dos nossos custos é de mão de obra. Falar de custos é sobretudo falar em professores" (Seminário, 1998).
  • 13
    Exemplifica esse tipo de oposição a pergunta formulada "Quem tem medo dos ciclos básicos?", cuja resposta já identifica no interior do próprio discurso o "ensino tradicional" e os docentes que o veiculam, portanto a necessidade de "professores com outra mentalidade", para a qual é necessário ainda que "o aparelhamento e os docentes" venham a "receber cuidados especiais a curto prazo" (Grinover. 1998, p. 3), uma "reciclagem" adequada, cuja possibilidade será dada por uma avaliação dos docentes que permita identificar a sua inadequação a uma "nova relação ensino-aprendizagem". A nova relação deve introduzir ainda "novos meios instrucionais" que permitam também "atingir clientelas" mais abrangentes (cf. BID, 1996). A adequação à nova relação ensino-aprendizagem, aos novos meios instrucionais, significando a necessidade de "ajuste" dos agentes inscritos no interior da rede de operações, um "ajuste"
    da rede. No enunciado "é necessário professores com outra mentalidade diferente da do ensino tradicional" não há propriamente a figuração de um outro do discurso, apenas a da defasagem existente ainda em setores no interior da rede de operações. Defasagem funcional e operacional a ser solucionada tecnicamente.
  • 14
    Cf. Memorial sobre a Reestruturação da Universidade de São Paulo, preparado por uma Comissão indicada pelo Conselho Universitário, presidida pelo Vice-Reitor (em exercício) Mário Guimarães Ferri. tendo como relator Roque Spencer Maciel de Barros, de 26/6/1968.
  • 15
    Grifos meus.
  • 16
    Grifo meu.
  • 17
    Cf. O Relatório GERES (Grupo Executivo para Reformulação da Educação Superior). Brasília. Ministério da Educação,setembro de 1986 (GERES, 1986).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Maio 1999

    Histórico

    • Recebido
      Abr 1999
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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