Resumo
O artigo tem como objetivo descrever a natureza de deslocamentos pela cidade produzidos pelo evento-prisão ou por sua ameaça, a fim de evidenciar um modo pelo qual o encarceramento interfere nos modos de vida de pessoas que passaram pelo cárcere, bem como conforma circuitos entre o legal e o ilegal no perímetro urbano. Nas microcenas etnográficas aqui apresentadas, as distintas configurações do que chamo de “fugas prisionais” se apresentam como recurso de sobrevivência e propulsoras de deslocamentos pela cidade. Assim, será possível observar a circulação produzida pelos dispositivos punitivos, não apenas no movimento que leva à prisão, mas nas rotas de fuga agenciadas para escapar dos riscos, ameaças e entraves que essa maquinaria punitiva interpõe nas trajetórias e que se enredam nas tramas da vida cotidiana.
Prisão; Ocupações; Maquinaria punitiva; Labirinto jurídico-burocrático; Vidas foragidas
Abstract
The aim of this article is to describe the nature of the displacements in the city produced by the event of imprisonment or its threat, in order to highlight the way in which imprisonment interferes in the lifestyles of people who have been imprisoned, as well as shaping circuits between the legal and the illegal in the urban perimeter. In the ethnographic micro-scenes presented here, the different configurations of what I call “prison escapes” are presented as a resource for survival and as drivers of movement around the city. In this way, it will be possible to observe the circulation produced by punitive devices, not only in the movement that leads to prison, but also in the escape routes used to escape the risks, threats and obstacles that this punitive machinery interposes in the trajectories and which become entangled in the fabrics of everyday life.
Prison; Occupations; Punitive machinery; Legal-bureaucratic labyrinth; Escaped lives
Introdução
“Labirinto jurídico-burocrático” é como denominamos o intrincado feixe de proibições, interdições, obrigações inscritas nas instâncias penais-judiciais nas quais se enredam as trajetórias dos “sobreviventes do cárcere”2 após a passagem pela prisão, na busca infindável por uma cidadania inalcançável. É questão já enunciada no título de um nosso recente artigo coletivo – “Tramas da vida e maquinaria punitiva: vidas enredadas nas malhas da justiça criminal” (Telles et al., 2024). Com base em pesquisas etnográficas, descrevemos micro-histórias que evidenciam a opacidade da burocracia e das obrigações impostas pelo sistema de justiça criminal a mulheres e homens com passagem pelo cárcere e/ou com pendências não resolvidas com a justiça. Assim, “labirinto” é termo que nos ajuda a contextualizar a dinâmica do cotidiano vivenciado por pessoas que se veem enredadas em uma espécie de circuitos fechados, tornando quase impossível escapar da precariedade, da violência, da informalidade, da ilegalidade.
As instâncias da justiça criminal englobam delegacias, fóruns, cartórios, unidades prisionais e os balcões da burocracia, conformando o que definimos como “maquinaria punitiva” (Telles et al., 2024) e que opera por meio de uma malha de cerceamentos e condicionamentos que afetam os percursos dos sobreviventes do cárcere. É algo que acompanha essas trajetórias para muito além do tempo de cumprimento de pena, fazendo transbordar a experiência prisional para a vida cotidiana. Multas impagáveis decorrentes do processo criminal que por vezes impedem que se considere extinta a pena; orientações ambíguas como a de “dar baixa na captura”, cujo cumprimento por vezes envolve, justamente, o risco de nova captura; incertezas sobre a situação processual e sobre as obrigações a cumprir em função da “ilegibilidade” (Das, 2020) das normas; medidas cautelares difíceis de cumprir diante da incompatibilidade das imposições com a realidade da vida pós-cárcere (como apresentar ao juiz comprovação de atividade laboral lícita, se ninguém contrata ex-presidiário?); a necessidade de regularização de documentos como CPF e título de eleitor, suspensos durante o período de prisão. Estes são alguns dos enroscos que compõem o que chamamos de labirinto jurídico-burocrático.
Neste artigo gostaria de enunciar uma perspectiva complementar a essa noção de labirinto3. Para além dos elementos situados, observados no trabalho de campo, que apontam para entraves incontornáveis engendrados por entre as instâncias burocráticas, policiais e judiciais, a dimensão labiríntica da vida ordinária poderia ser lida de forma mais abrangente, deslizando-se para todos os poros da cotidianidade.
À semelhança das experiências narradas por Veena Das (2020) em Vida e palavras, a “descida ao cotidiano”, tal como propõe a autora, permite observar o traçado da violência inscrito na experiência das pessoas afetadas por ela e sua incorporação na vida ordinária. Das (2020) trata de eventos de grande repercussão política na Índia, enquanto as micro-histórias aqui narradas possuem outra escala e dimensão. Ainda assim, é possível afirmar que a violência incrustada nas experiências dos homens e mulheres que serão apresentadas neste artigo é expressão de dinâmicas estruturais dos modos de gestão das populações pobres e racializadas historicamente constituídos.
Trata-se de um cotidiano precário, forjado através de processos contínuos de violência e subjugação, que talvez nos faça enxergar sob nova perspectiva os sentidos de uma das principais estratégias de resistência do período colonial, a mais típica da escravidão segundo Gomes e Reis (2000), e que segue sendo adotada enquanto recurso de sobrevivência nos dias de hoje: a fuga. Em diálogo com Diaz-Benítez e Rangel (2022), “partindo da ideia de que as vidas negras permanecem na oscilação entre a sujeição e a fuga”, aqui também interessa “descrever como essa oscilação acontece no plano do ordinário”. Neste artigo, acolhemos a questão formulada pelos autores, de que “a fuga, mais do que resistência, denota formas ambivalentes de estar no mundo, movimentos imprevisíveis para quem se esforça para tocar a vida” (Idem, p. 40).
Vale a pena destacar que é justamente através da análise da escravidão como instituição primária de sujeição e aniquilação que diversos historiadores têm encontrado um ponto fulcral para falar sobre a fuga, ou resistência, como é mais comumente chamada. Isso porque é lá, na escravidão, naquele espaço de morte e desolação, que os escravizados idearam diversos modos de sobrevivência, e a partir de onde planejavam sua liberdade (Idem, p. 42).
São inúmeros os estudos que postulam a linha de continuidade entre os modos de exercício do poder do sistema escravocrata e do sistema prisional da atualidade, em especial nos Estados Unidos e no Brasil, atualizações históricas e conjunturais por via da persistência de um regime de subjugação racial do qual a justiça criminal é o principal instrumento. É o que Michelle Alexander (2018) chamou de “o novo Jim Crow” no contexto norte-americano. No Brasil, é frequente a associação, nos estudos raciais, entre senzalas, navios negreiros e estabelecimentos prisionais (Flauzina, 2006; Alves, 2015; Gonzalez, 2020). Não cabe aqui resgatar os fundamentos dessa perspectiva, tampouco dar conta da vasta literatura sobre o tema, mas somente enunciá-la enquanto premissa e referência para, neste artigo, explorar um dos elementos que indicam essa permanência.
Se escapar (do domínio senhorial ou das prisões) segue sendo uma das poucas alternativas para que sujeitos racializados se mantenham vivos e livres, talvez seja possível dizer que o caráter labiríntico dos cerceamentos promovidos na gestão dessas populações tenha sua matriz nos modos de exercício desse poder duradouro, não apenas nas dinâmicas circunscritas ao sistema penal da atualidade.
A sobrevivência ao cárcere (ou, na linguagem da burocracia, a condição de “egresso”) não é um status civil que demarca um recomeço, mas sim uma condição precária de continuidade em relação ao estado anterior: não mais preso, agora fugitivo, indefinidamente. Alice Goffman (2014), em seu livro On the run: fugitive life in an American city, propõe um deslocamento de perspectiva no uso do termo “fugitivo” para se referir ao fato de que parcela considerável dos jovens negros, moradores dos bairros pobres nos Estados Unidos, vivem em estado de fuga constante em função das políticas de “Guerra às Drogas” adotadas no país. Não é diferente do que se verifica no Brasil, terceiro país com a maior taxa de encarceramento no mundo, em que a parcela da população diretamente afetada pelo encarceramento em massa cresce exponencialmente. São os chamados “efeitos societários” do encarceramento em massa (Godoi, 2010), evidentes nas vidas cotidianas de parcelas crescentes da população, nos bairros em que vivem e nas mais diversas dimensões sociais.
No campo dos estudos prisionais, os autores do dossiê Punição, prisão e cidade: contextos transversais, publicado nesta Revista em 2019 (v. 31, n. 3), propõem uma inversão de perspectiva em relação ao “cárcere-centrismo” comum a boa parte das pesquisas sobre o tema, colocando em foco e como questão de pesquisa as dobras entre o dentro e o fora dos muros. Assim, mais do que a instituição prisional em si, importa averiguar os modos pelos quais seus efeitos se espraiam para as territorialidades urbanas, interferindo na produção da cidade.
Seguindo essa linha de investigação, o objetivo deste artigo é descrever a natureza dos deslocamentos produzidos pelo evento-prisão ou por sua ameaça, a fim de evidenciar a maneira pela qual o encarceramento interfere nos modos de vida dos sobreviventes do cárcere, bem como conforma circuitos entre o legal e o ilegal no perímetro urbano. Nas microcenas etnográficas, apresentadas a seguir, tomo como plano de referência a noção de “fugitivo” proposta por Goffman. As distintas configurações do que chamo de “fugas prisionais” se apresentam como recurso de sobrevivência, propulsoras de deslocamentos pela cidade. Assim, será possível observar a circulação produzida pelos dispositivos punitivos tanto na dimensão mais direta e evidente (indivíduos levados às prisões), quanto indiretamente – a dinâmica de vidas foragidas de indivíduos que buscam o tempo todo contornar os riscos e ameaças à espreita em suas trajetórias.
Fugas prisionais são compreendidas, em geral, como o movimento de evadir-se da instituição prisional, escapar de seus muros. Entretanto, na medida em que se adota a perspectiva da experiência prisional como algo que extrapola os limites físicos do cárcere e que se prolonga para outras dimensões da vida cotidiana, é possível notar nas trajetórias daqueles que já saíram da prisão um movimento de fuga constante, para evitar nova captura ou escapar das imposições, obstáculos e traumas decorrentes da experiência carcerária.
Os enroscos jurídicos e burocráticos que se prolongam após a saída da prisão configuram um labirinto jurídico-institucional que afeta o modo como esses homens e mulheres buscam tocar a vida. É algo que conforma suas perspectivas, conduz seus percursos e delimita os circuitos por onde transitam na cidade. Tentativas de escapar dos entraves, também dos riscos (volta à prisão, novas condenações) que essa malha punitiva lhes impõe, é também parte do que aqui entendo como fugas prisionais.
A prisão ou sua ameaça não são, evidentemente, os únicos fatores que produzem esse tipo de deslocamento. São elementos que se conjugam a outras dimensões (sempre demarcadas por questões de gênero, raça e classe), imbricadas nos modos de vida desses sujeitos, “refugiados urbanos” (Telles, 2017) em situação de transitoriedade permanente (Rolnik, 2015, p. 174) em função da precariedade que condiciona seus mundos. Assim, outras fugas serão narradas, paralelamente às decorrentes do evento-prisão, compondo o quadro do que entendemos como “circuitos de sobrevivência”4. Conforme destaquei em outra oportunidade, “não é a experiência prisional isolada que produz a condição de sobrevivência, mas sim a conjugação das condições de pobreza, miserabilidade e violência com a passagem pelo cárcere, que reproduz, intensifica e perpetua a precariedade da vida” (Endo, 2024).
Este artigo trata da dinâmica de uma vida fugitiva, incorporada por meus interlocutores em uma pesquisa realizada entre 2021 e 2024 (Endo, 2024), sobreviventes do sistema prisional que vivem em uma pequena ocupação de moradia no bairro do Brás, região central da cidade de São Paulo. Esses personagens são sujeitos afetados pelo aprisionamento e por deslocamentos forçados, o que mostra os imbricamentos entre a política de encarceramento massivo (Garland, 2001) e a insegurança habitacional (Lanfranchi, 2021) que atinge os habitantes pobres das cidades, fruto de lógicas excludentes de urbanização.
A precariedade das condições de moradia que afeta parcela significativa da população pobre das cidades é elemento fundamental para compreender o estado de adversidade permanente enfrentado pelos sobreviventes do cárcere. Os obstáculos para o acesso a locais formais de moradia são intensificados pela passagem pela prisão, seja em função da impossibilidade de arcar com aluguéis, dada a exiguidade e inconstância dos seus ganhos nas alternativas que encontram nas franjas mais precarizadas dos mercados informais, seja pelo indefectível documento de antecedentes criminais que lhes fecha as portas no mercado imobiliário.
Isso faz com que, nas regiões mais centrais da cidade, ocupações de moradia e outros tipos de habitação coletiva se apresentem como as destinações possíveis para essa população, assim como os assentamentos informais nas periferias. Mas vale notar: as ocupações organizadas por movimentos de moradia nem sempre se apresentam como alternativas viáveis. Há certas credenciais e protocolos para que se possa acessar esse tipo de habitação, resultado de árduos processos de mobilização e resistência política. Sob a óptica dos movimentos, é compreensível que se busque a preservação da legitimidade conquistada, associada também à legalidade das ações desenvolvidas em seus espaços. Regras rígidas regem o cotidiano dessas ocupações, que implicam responsabilidades coletivas, participação em atividades, correspondência a uma ética militante, dinâmica nem sempre compatível com a participação de sobreviventes do cárcere, que carregam outros repertórios e “ritmos” de organização da vida (Endo, 2024).
É o que me explicou Fernanda, uma de minhas interlocutoras, que estava iniciando uma aproximação com movimentos de moradia, já tendo passado pela prisão, e tentava organizar uma ocupação composta em sua maioria por sobreviventes do cárcere. Aqueles que estavam acostumados com o “ritmo de cadeia” ou com o “ritmo da rua”, comentou, tinham muita dificuldade de se adaptarem à “lógica do movimento”. Dinâmicas díspares e pouco compatíveis, tendo em vista, de um lado, os distintos regimes de moralidade presentes nas cadeias e nos “fluxos”5, por vezes sob a égide das facções, e, de outro, os movimentos sociais, com suas regras e normatizações próprias.
Assim, a circulação de ocupação em ocupação6, relatada nas microcenas a seguir, não diz respeito a um circuito composto por espaços consolidados e organizados por movimentos sociais, aos quais o termo “ocupações de moradia” é, em geral, associado no contexto paulistano. Estamos diante de espaços ainda mais precários e instáveis, que não podem, ademais, contar com a legitimidade da qual gozam as ocupações dos movimentos de moradia, ainda que estas também estejam sempre sob ameaça. Os espaços pelos quais circulam os sobreviventes do cárcere, ao revés da visibilidade pública buscada pelos movimentos sociais, funcionam mais como esconderijos – “refúgios”, que acolhem sujeitos em fuga constante. Especificidades dessa articulação entre prisões e ocupações foram aprofundadas em outra oportunidade (Endo, 2024).
O “posto de observação” (Hirata e Telles, 2007, p. 177) das microcenas narradas a seguir é uma pequena ocupação no bairro do Brás, região central da cidade de São Paulo. Trata-se de um casarão de estrutura precária, que, segundo contaram seus moradores no momento da pesquisa, passou a ser ocupado como habitação coletiva na década de 1990, quando era um cortiço. Desde essa época, uma mesma família expandida composta por vínculos de sangue e afetivos, com arranjos mutantes e nem sempre convencionais, habitava o local. Como o cortiço virou ocupação? Esta é a história que me foi narrada: certo dia o antigo proprietário teria cortado a energia elétrica do imóvel em represália a um atraso no pagamento de aluguéis. Uma das moradoras deixou os filhos pequenos em casa com velas acesas ao sair para trabalhar e, quando voltou, os encontrou carbonizados. Após esse episódio, todos ali passaram a se recusar a pagar aluguéis e permaneceram no imóvel, o que mudou definitivamente o caráter dessa habitação coletiva.
Os cômodos estreitos e úmidos com pouca ventilação, a fiação exposta e os vazamentos de esgoto frequentes poderiam contaminar a atenção do observador desavisado, fazendo-o enxergar ali somente o aspecto insalubre (inegável) do local. Entretanto, a incursão etnográfica permitiu que se revelassem aspectos mais profundos e relevantes sobre o modo de vida de seus habitantes. Vale notar: trata-se de um campo de pesquisa construído não somente por meio da relação pesquisadora-interlocutores, mas também e principalmente através dos vínculos estabelecidos entre advogada popular, militante abolicionista, e sobreviventes do cárcere compreendidos enquanto sujeitos políticos – também da atuação nas “redes sociotécnicas” (Grupo Cidade e Trabalho, 2020)7, do engajamento e dos compromissos recíprocos que isso implica.
Apesar da grande rotatividade dos moradores ao longo dos anos, nas suas diversas configurações o espaço sempre foi caracterizado pela presença expressiva de pessoas que passaram pelo cárcere e seus familiares, fazendo da ocupação um verdadeiro refúgio, em uma região da cidade especialmente hostil para sobreviventes do sistema prisional – submetidos constantemente a achaques pelas forças da ordem e excluídos do acesso a locais formais de emprego e moradia.
A condição de fuga constante inscrita na trajetória desses sujeitos é dada pela necessidade de se esquivarem da polícia, que toma a passagem pelo sistema prisional como critério de diferenciação de seus alvos (Godoi e Mallart, 2017), bem como pelo estado de indeterminação em que se encontram ao saírem do cárcere, às voltas com as pendências judiciais e burocráticas, com as dificuldades para conhecer o estado real de sua situação processual, com imposições judiciais ambíguas e difíceis de cumprir, tudo isso fazendo do medo de nova prisão uma dimensão constante e determinante em suas vidas cotidianas.
Microcena 1
Luís, classificado como “pardo” nos registros criminais8, 42 anos, liberado em 2022 de sua então mais recente passagem pela prisão, é morador do antigo cortiço que virou ocupação, onde dividia um cômodo com Maya, sua esposa, mulher trans, da mesma idade, também sobrevivente do cárcere. Ao ser solto em regime de liberdade condicional, conforme as orientações de seu alvará de soltura, Luís deveria comparecer ao Fórum Criminal da Barra Funda a cada três meses para atualizar seu endereço e comprovar que estava realizando atividade laboral lícita. Com a pandemia de covid-19, os comparecimentos foram suspensos no Estado de São Paulo e, assim, desde que saiu da prisão ele não havia prestado informações no processo nenhuma vez.
Passada a pandemia, a obrigação foi sendo restabelecida gradualmente, junto com a reabertura dos órgãos da justiça ao trabalho presencial. Após meses sem informações sobre quando deveria comparecer, Luís já não sabia se havia passado o prazo e temia que, ao ir ao Fórum, fosse preso novamente. Em nenhum momento foi informado de que deveria voltar a comparecer, tampouco recebeu orientações sobre como fazê-lo. Optou por deixar as coisas como estavam. Contudo, a escolha de não se apresentar também não o ressalvava da ameaça da prisão. E assim passou a viver sob um estado paranoico.
O termo “liberdade” era incompatível com o regime que passou a vivenciar desde então. A prisão o fez perder a sanidade. Segundo Maya, “apanhou tanto lá dentro que sua cabeça ficou maluca”. Mas restava ainda lógica em suas ações, um modo de raciocinar muito próprio de quem tem como preocupação constante o contornamento dos riscos de voltar à prisão.
Certo dia Luís abandonou a ocupação e foi morar em uma praça nas proximidades. Acreditava que ali estaria camuflado e não seria notado pela polícia. Para ele, voltar à prisão significava morrer, pois dizia que na unidade de onde saiu queriam matá-lo. Nada poderia ser pior do que ser recapturado. Deixou sua residência para evitar que fosse encontrado. Mas logo depois foi preso em flagrante por outro crime – a necessidade ou talvez o hábito, ou o desespero, o levaram a roubar um celular na avenida Paulista. Voltou à prisão.
Encarcerado, continuou em fuga constante: ateou fogo no próprio colchão dentro da cela para pedir “seguro”9 – não poderia permanecer naquela cadeia pois era oposição ao PCC, seria morto. Na rua, o medo da prisão; na prisão, o medo da morte. Graças ao incêndio provocado, conseguiu escapar, foi transferido para outra unidade prisional, desta vez no interior do Estado, para onde se espraiam as tramas do sistema prisional e onde os corpos aprisionados se afastam ainda mais das vistas de seus familiares.
Microcena 2
Fevereiro de 2018. Liberdade cantou para Surya, que dias antes, grávida de nove meses, havia sido presa dentro da pequena ocupação do Brás onde morava com sua família. Ter dado à luz sob custódia foi o que motivou o habeas corpus que lhe garantiu a “prisão domiciliar”. A história de Surya e os prolongamentos da experiência prisional em sua trajetória foram desenvolvidos em outra oportunidade (Endo, 2024). Por ora vale destacar que os seus seis dias de prisão resultaram em penosos obstáculos para seguir tocando a vida. Uma multa penal que não tinha condições de pagar e que impedia que seu processo fosse extinto; a indefinição sobre sua situação jurídica que perdurou por anos impondo a ela incertezas e o medo constante da recaptura; a dificuldade de regularização de seus documentos pela pendência do processo em aberto. Também, a reconfiguração de sua situação de moradia: ao sair do cárcere, sua casa já não era mais um lugar seguro.
Segundo contam os moradores, semanas antes da prisão, policiais do Batalhão da região teriam invadido o imóvel a pretexto de uma operação de combate ao tráfico. O estreito corredor do imóvel teria sido bloqueado por cerca de dez homens fardados, com armamento e cães militares. A ação não resultou em nenhuma detenção, o objetivo era forçar a desocupação do imóvel. Este era o recado, a chantagem: todos deveriam deixar o local em uma semana, os policiais retornariam após este prazo e levariam detidos aqueles que permanecessem. Quando os agentes voltaram, a maioria já havia encontrado outro lugar para se abrigar. Só Surya e outro rapaz permaneceram. Foram presos.
A pequena ocupação tinha se tornado um lugar visado por policiais da região, que por motivos incertos teriam interesse em ver o imóvel desocupado – se fosse o caso (minha hipótese), esta não seria a única situação narrada neste artigo em que proprietários se utilizaram, por meios escusos, de métodos milicianos para pressionar moradores pela retomada de imóveis ocupados no Centro. Fato é que, ao sair da prisão poucos dias depois, Surya não poderia voltar para lá. Entrou em contato com uma antiga amiga da família, coordenadora de uma ocupação em um galpão ali perto, um espaço abandonado dentre os muitos outros na região, fábricas desativadas que ladeiam o trilho da CPTM. Cerca de quinze famílias construíram ali seus barracos. Surya instalou-se nesse espaço, montou seu cômodo e lá ficou por algum tempo, com seus dois filhos e o marido.
Microcena 3
Já fazia um ano que Surya se instalara no galpão do Brás, quando se viu forçada a um novo deslocamento, coincidentemente ou não, por meio de operações extralegais de forças policiais a mando do suposto proprietário do local. Depois de anos abandonado, o suposto proprietário do galpão entrou com um processo de reintegração de posse. Para acelerar a desocupação do local, chamou seus ocupantes para uma negociação. Ofereceu mil reais por família para abandonarem o imóvel. A proposta foi recusada, segundo contam. O proprietário então avisou: esses valores seriam entregues na mão da polícia, que os faria sair “na marra”.
Por azar, os agentes que agora passariam a aterrorizar os moradores do galpão eram os mesmos que haviam efetuado a prisão de Surya na outra ocupação. As duas ficavam próximas uma da outra, sob a área de competência de um mesmo Batalhão da Polícia Militar. Os policiais passaram a rondar o território, promovendo invasões no imóvel para ameaçar e agredir moradores, também para forjar flagrantes nas imediações. E ameaçavam Surya, jogando com as incertezas de sua situação jurídica. Ela seguia aguardando julgamento definitivo em prisão domiciliar, cumprindo regularmente as determinações do processo, de modo que não havia motivo concreto para que fosse detida novamente. Independentemente do andamento do processo, do qual pouco conhecia, sabia que a qualquer momento poderiam forjar-lhe um novo flagrante. Em pânico a cada vez que apareciam, voltou, pouco tempo depois, para a ocupação onde fora presa – o clima de tensões lá já parecia ter arrefecido um pouco, e o espaço voltava gradualmente a ser habitado, reestabelecendo assim uma importante rede de apoio para seus habitantes.
Cerca de um mês antes da prisão de Surya, Ricardo, seu tio, havia sido preso em uma outra ocupação nas proximidades onde morava. Cumpriu pena na prisão por quatro anos e progrediu de regime para terminar de cumprir pena em meio aberto em 2022. Assim como Surya ao ser solta, ele já não podia voltar para o local onde foi preso em meio a uma operação dita de “combate ao tráfico de drogas”. Era agora um espaço visado pelos policiais da região – os mesmos que prenderam Surya e que a importunavam quando morava no galpão. A solução provisória encontrada por Ricardo também foi procurar abrigo no antigo cortiço de sua família. O imóvel ficara abandonado por algum tempo após a invasão policial que havia bloqueado o estreito corredor com cachorros e fuzis. Era o espaço que essa família expandida ocupava desde a década de 1990 e que agora aos poucos ia se reestabelecendo enquanto refúgio para seus antigos habitantes.
Quando Ricardo e Surya chegaram, já estavam ali de volta também Morgana e Cláudio (tios de Surya e irmã e cunhado de Ricardo), bem como outros dos antigos habitantes que haviam deixado o imóvel na época das ameaças. Eles tinham levado a sério a chantagem dos policiais de que seriam presos se não saíssem do local e à época foram acolhidos na casa de parentes, também nas imediações. Cláudio possuía diversas passagens pelo sistema prisional. No momento não possuía pendências com a justiça criminal, mas ainda assim não podia contar com a sorte a seu favor – sabia que, pelo critério de diferenciação discricionário adotado pela polícia nas abordagens, sua ficha criminal o tornaria alvo preferencial. Em meados de 2022, quando as ameaças policiais já não atormentavam seus moradores, Morgana e Claudio não hesitaram em retornar à ocupação de sua família, iniciando assim uma nova fase na habitação coletiva. Crianças, idosos, cães, gatos e o canteiro de obras das melhorias constantes, protagonizado por Ricardo, agora faziam do espaço novamente o refúgio daquela família (Endo, 2024) – o que lhes permitia, ao menos por algum tempo, uma pausa na fuga constante.
Microcena 4
Rogério também era morador da ocupação no galpão do Brás. Cerca de três anos após ser solto para aguardar em liberdade o julgamento de uma acusação de furto, em nenhum momento recebeu intimações para cumprir obrigações relativas a seu processo. Foi liberado, achou que estava livre. Em seus percursos pouco rastreáveis de ocupação em ocupação, não foi encontrado para receber intimações e informações sobre o andamento de seu processo. Nos autos consta que foi procurado pelo Oficial de Justiça em diversos endereços ao longo desses anos, sem sucesso. Ainda assim, considerou-se que ele havia sido devidamente informado do processo enquanto esteve preso e, como sua defesa estava sendo realizada pela Defensoria Pública em sua ausência, o juiz proferiu o julgamento.
Rogério foi condenado a quatro anos de prisão. O mandado de prisão foi expedido. Ele sequer sabia que ainda estava sendo processado, que fora condenado e que, agora, constava como “foragido”. O mandado foi cumprido resultando em sua prisão quando tentava ocupar outro imóvel. É prática recorrente das forças policiais, um modo de controle e repressão aos movimentos de moradia: a abordagem um a um para conferir seus nomes nos registros criminais. Se soubesse que estava foragido, talvez fossem outras as suas escolhas, e poderia ter evitado se posicionar na linha de frente da ocupação no momento da repressão ao movimento. Mas a “ilegibilidade” das normas e procedimentos da justiça criminal são elementos constitutivos do modo de funcionamento do Estado (Das, 2020), reiterando a precariedade e a ausência de previsibilidade das vidas capturadas pelas malhas do sistema penal.
Microcena 5
Assim como seu companheiro Luís, Maya possuía diversas passagens pela prisão. Mulher trans, com pouco mais de quarenta anos, desde os catorze vivia nas ruas “fazendo programa” para garantir seu próprio sustento. Fugiu de casa ainda menina pois sua mãe não aceitava sua identidade de gênero. Com dezoito anos recém-completos teria sido presa pela primeira vez e, na prisão, seu corpo seguiria sendo moeda de troca. Segundo ela, ao chegar ao Carandiru, foi vendida por dezoito maços de cigarro Holywood a um preso no pavilhão 8, do qual a partir de então seria “esposa” e propriedade, mantida escondida numa cela longe das vistas dos outros homens. Ali começou sua longa jornada no sistema prisional, tendo passado por mais de dez unidades distintas entre a capital e o interior do estado, todas masculinas.
Sua prisão mais recente foi aos quarenta anos de idade em uma operação de combate ao tráfico na chamada Cracolândia: uma pedra de crack e 600 reais (que alegou serem fruto da prostituição) foram suficientes para imputar-lhe o artigo 33 da Lei de Drogas10. Passou poucos meses presa, foi absolvida e solta pela inconsistência das provas. Ao sair do cárcere, procurou abrigo na velha ocupação de sua família. Nas idas e vindas entre rua, prisão e habitações coletivas, Maya já havia morado ali por algum tempo, no porão do imóvel que reformou para fazer de quarto. Quando voltou, estava “cansada dessa vida”, e cada melhoria que fazia em seu pequeno cômodo parecia significar um grande avanço em uma nova direção.
Sua cunhada Surya havia conseguido um emprego em uma ONG de panificação que contratava pessoas “em situação de vulnerabilidade social” e arranjou uma vaga também para ela. Maya começou a trabalhar como confeiteira, fazendo bolos, doces, pães. Com sua simpatia, aos poucos foi ganhando projeção. Dizia se orgulhar de já não ser mais criminosa, e sim uma “creminosa!” – reconhecida por seus deliciosos cremes doces. Passou a aparecer nos vídeos de divulgação nas redes sociais e, como ela mesma dizia, era o “cartão postal da ONG”. Iniciou pouco tempo depois um curso de alfabetização. Depois, conseguiu uma bolsa de estudos em um supletivo em parceria com a ONG – toda noite após o trabalho pegava o metrô, vestindo a camiseta do Mackenzie, com a meta de finalizar seus estudos e depois cursar Enfermagem.
Os abismos evidenciados na experiência de Maya entre se esconder e ser cartão-postal, entre o lugar social da criminosa e da “creminosa”, remetem à dicotomia trabalhada por Sander (2021) entre estar “no banho de sol” e “com a cara no sol”, enfrentada por pessoas transexuais e travestis em suas trajetórias. Ao analisar falas de uma ativista travesti em um evento no “Mês da Visibilidade Trans” em Belo Horizonte, a autora aponta para a perspectiva de “deixar os noticiários policiais e o ‘banho de sol’ nas prisões para habitar as ruas, também a luz do dia em distintos espaços” em busca por visibilidade, como uma forma de construção de imagens sobre si dissociadas da “marginalidade das pistas” e “dos destinos sinistros de aprisionamento e morte” (Sander, 2021, p. 53). Escapar da prisão e da morte. Essa é a rota de fuga percorrida por Maya, através da busca por visibilidade e legitimidade, deslocando-se de um extremo ao outro: de um corpo privatizado à cartão postal amplamente exibido, de criminosa à “creminosa”, do “banho de sol” à “cara no sol”.
Ela dizia que estava contente, mas também afirmava estar se sentindo “muito certinha”; repetia que essa vida cansava e que não sabia quanto tempo iria aguentar. O sol, a legalidade, a formalidade e todas as suas implicações. Ela batalhou por tudo isso, mas o ritmo era outro, diferente da dinâmica do corre, da rua, da viração, e era preciso batalhar também para se adaptar. Eram evidentes os descompassos entre os diferentes ritmos: da prisão, da rua, da vida ordenada pelo trabalho formal.
O conto de fadas não durou muito. Maya foi demitida um ano depois, após algum desentendimento com outros funcionários. Sobre os conflitos no trabalho, ela disse que às vezes ficava nervosa e começava a gritar, virava o “Hulk”, segundo sua mãe. “A rua é perigosa, então eu tenho que ser perigosa também”, justificou. Afirmou que era assim que enfrentava seus problemas quando vivia perambulando sozinha pela cidade, e que tentava dizer para si mesma que não precisava mais agir desse jeito, porque sua vida agora era outra, mas isso não era algo fácil de assimilar.
Fato é que Maya conhecia bem os riscos e obstáculos que desde muito jovem estavam colocados em seu caminho. Por sua identidade de gênero, pela pobreza, pelas inúmeras passagens pelo sistema prisional. Consultando seus processos, verifiquei que um juiz de uma comarca no interior de São Paulo expedira mandados a sua procura para os inúmeros e diversos endereços pelos quais já havia transitado. Pretendia intimá-la para responder a um processo de tráfico, por ter tentado entrar em uma unidade prisional com droga nas partes íntimas ao retornar de uma “saidinha”, quando cumpria pena em 2017. Enquanto não for localizada, o processo fica suspenso, até que nova prisão seja decretada como forma de buscar garantir a aplicação da lei penal, situação que formalizaria sua condição de foragida, ou até que, com sorte, por excesso de prazo seja decretado seu arquivamento.
Suas rotas difusas pela cidade por lugares sem identificação formal fogem à lógica do sistema de justiça, que falha em localizá-la. O percurso de Maya não é rastreável, não deixa vestígios nos espaços que escapam às cifras dos registros oficiais, residências informais, sem documentação que comprove sua existência, territórios de fácil camuflagem que acolhem refugiados urbanos, corpos anonimizados pela cor uniforme da precariedade que compartilham. Para escapar do processo, que certamente resultaria em pena de prisão, não seria preciso mudar a rota. A fuga constante não está necessariamente no deslocamento de um espaço a outro, mas sim por vezes incorporada no próprio modo de permanecer escondida nos mesmos lugares.
Microcena 6
Era a primeira aula do curso Cultivando camélias, demolindo prisões: caminhos da luta abolicionista, organizado pelo coletivo antiprisional Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo, do qual participo desde sua origem, em 2018, e pela Associação de amigos e familiares de presos/as e internos/as da Fundação Casa – Amparar (Lago, 2019; Amparar, 2022). Convidei Surya para participar. O encontro iniciou-se com um café da manhã coletivo, momento em que pude apresentá-la às demais companheiras e companheiros. Pessoas que, assim como ela, carregam na trajetória a passagem pelo cárcere, como sobreviventes e/ou familiares de pessoas presas. Com olhares de quem reconhece no outro a própria dor, seguidos de abraços apertados de boas-vindas, assim Surya foi recebida e acolhida pelas mulheres da Amparar, pioneiras nessa caminhada.
Histórias e experiências foram compartilhadas. Uma mulher um pouco mais velha do que ela se identificou como sobrevivente do cárcere, mãe de quatro filhos, tendo o seu mais novo nascido dentro da unidade prisional onde estava presa. Quando terminou a fala, Surya se levantou dirigindo-se a ela, disse seu nome e um “obrigada” ao pé do ouvido, e após abraçá-la retornou ao seu lugar ao meu lado. Comentou que a história dela era muito parecida com a sua. Após acompanhar o evento todo, Surya me disse que era o primeiro espaço sobre esse tema de que participava em que “ninguém estava julgando quem passou pela prisão”.
Na segunda parte do dia, após um almoço coletivo os participantes foram divididos em grupos e orientados a montar uma cena, a partir de objetos dispostos no chão relacionados à temática do encontro, exercício inspirado em práticas do Teatro do Oprimido. Surya foi colocada no mesmo grupo que a mulher que abraçara na roda momentos antes. Na cena, cada uma com uma boneca no colo interpretaram a si mesmas, mulheres com seus bebês recém-nascidos dentro de uma prisão. A narrativa proposta pelo grupo era um dia de visitas, em que foram sendo mostradas algumas das violências sofridas por familiares nas filas, bem como o sofrimento das mulheres presas que não recebem ninguém. Em cena, a personagem de Surya encontra sua mãe, e convida a outra mulher, que está sozinha, para juntar-se a elas e dividir os suprimentos trazidos a muito custo pela senhora. Até que entra um agente penitenciário, chamando-a pelo nome da personagem, o mesmo que o seu na vida real, afinal está encenando sua própria história: “Surya! Liberdade”.
Ao final da cena, entre abraços e elogios às atuações, ela diz: “É isso que liberta, mais do que o alvará!”. Vivenciar novamente a própria liberdade, ressignificar os signos da ferida, apropriar-se da dor e representá-la à própria maneira. Días-Benítez e Rangel (2022, p. 66) afirmam que a fantasia no cotidiano por vezes opera como recurso para a elaboração do sofrimento, bem como pode ser compreendida como um modo de fuga, que permite ao sujeito “retornar ao já conhecido e conhecê-lo de outro modo”. Ou ainda, pode-se enxergar aí um dos modos pelos quais é possível “ocupar o espaço de devastação novamente, fazer sua morada com o que resta de escombros, perseguir o tempo, habitar o mundo em um gesto de luto”, nas palavras de Veena Das (2020, p. 142).
Ao final do encontro, Surya declarou que gostaria de frequentar sempre esses espaços. E isso significaria acessar outros circuitos e redes de relações, também novos recursos para elaboração da própria experiência. Espaços nos quais a prisão figura como campo de gravitação política, a partir do qual pessoas diretamente afetadas pelo cárcere redefinem os modos de habitar o mundo, a cidade e seus espaços. A dimensão coletiva, política, diferente dos demais repertórios que havia acessado até então, é também capaz de expandir o perímetro de sua circulação pela cidade, incorporando espaços públicos, tais como o local onde ocorreu o encontro, diferentemente das repartições e serviços públicos aos quais é obrigada a recorrer, delegacias, poupatempos, cartórios, equipamentos da assistência social. E assim outros percursos se apresentam – outras rotas de fuga, ou ainda, rotas para além da fuga.
Microcena 7
Surya aguarda, para o fim de 2024, a saída da prisão do pai de seus filhos, com quem terminou o relacionamento em uma das saidinhas em que voltou para casa. Vítima de agressões do ex-marido por anos, está decidida a não permanecer nessa posição. Seu plano é encontrar algum lugar para se mudar com os filhos antes da soltura, com receio de que ele não respeite a decisão.
Comfort (2007), em seu Doing time together, descreve os efeitos ambíguos do tempo de prisão na vida de mulheres que se relacionam com homens encarcerados, dentre os quais a interrupção de certas situações insustentáveis no ambiente doméstico pelo advento da prisão, o que possibilita às mulheres uma certa gestão da situação de violência nas próprias vidas, sem produzir uma ruptura de fato. O período de prisão do marido significou para Surya, em suas palavras, tempo de “paz”. Entretanto, antes do fim da pena, será preciso encontrar um modo de escapar e se desvencilhar do ciclo de violência.
Ela sabe que a decisão não será facilmente assimilada pelos demais moradores, principalmente pela sogra e pela cunhada, que atribuem a ela parcela de responsabilidade pelo sofrimento do marido, dentro e fora da prisão. Por isso, guarda para si a convicção e com ela vai construindo sua fuga, silenciosamente. Se encontrar outro lugar para se mudar com as crianças, será mais um entre os tantos deslocamentos dos integrantes dessa família expandida, decorrentes, direta ou indiretamente, do evento-prisão em suas diversas facetas: a ameaça, a captura, a liberdade, o registro da passagem, a estigmatização dos espaços onde se deu, o processamento e a reconfiguração das relações e conflitos que promove.
* * *
As microcenas apresentadas buscam ilustrar formas de deslocamento promovidas por pessoas que passaram pelo cárcere, um modo muito particular de circular pela cidade. E – por que não? – um fazer-cidade através das rotas de fuga, da criação de espaços provisoriamente seguros para abrigar-se, do estreitamento de vínculos sociais com aqueles que se encontram na mesma situação ou já passaram por ela. Um certo nomadismo que se organiza em função das circunstâncias, da avaliação momentânea sobre as ameaças e salvaguardas presentes em um determinado território, em dado período de tempo. Nada é estável na medida em que tudo é precário – as condições de moradia, a segurança da posse e da estrutura dos locais em que se vive, a liberdade parcial dos que carregam consigo registros criminais. Como afirma Ana Tsing (2022), precariedade significa a vida sem promessa de estabilidade.
Soma-se a essa condição nômade o enredamento labiríntico pelas instâncias burocráticas, também conformadoras de circuitos específicos pela cidade: Fórum Criminal, Poupatempo, Defensoria Pública, cartórios, delegacias, unidades prisionais. É essa trama institucional e dos caminhos percorridos através dela por sobreviventes do cárcere que trabalhamos no artigo já citado (Telles et al., 2024).
Modos de vida que se configuram a partir da passagem pela prisão e das implicações que essa experiência produz no cotidiano destes homens e mulheres – uma quase impossibilidade de acesso à vida civil (Idem, 2024), em função dos obstáculos para a regularização e emissão de documentos, das dificuldades para atender as normas exigidas, do enredamento de suas vidas nas tramas burocráticas no pós-cárcere. É o que vimos nas microcenas sobre as pendências criminais de Luís e Rogério, que dão materialidade ao medo constante da prisão. Essas questões foram esmiuçadas em nosso artigo coletivo (Telles et al., 2024). Agora, aqui, a ênfase foi colocada nos deslocamentos pela cidade produzidos pela experiência prisional (Mallart e Rui, 2017; Tellles et al., 2019), nos modos de circulação e suas rotas de fuga, toda uma dinâmica ainda pouco investigada nos estudos urbanos.
Dialogando com outras formulações acerca da noção de circulação produzida pelos dispositivos punitivos, se as tecnologias de monitoramento eletrônico utilizadas como alternativas penais cumprem o papel de instalar “o dispositivo de controle no corpo do indivíduo”, segundo afirma Campello (2019, p. 91), há que atentar-se também para os mecanismos invisíveis descritos neste artigo que, prescindindo de um aparelho atado ao tornozelo, são capazes de dar contornos claros à virtualidade da prisão. Como bem nota o autor, “a virtualidade do cárcere reside mais em sua iminência do que em qualquer tipo de simbolismo” (Idem, pp. 88-89), e a iminência da prisão é algo latente no cotidiano daqueles que passaram pelo cárcere, seja através do controle exercido pelo monitoramento eletrônico, pela ilegibilidade das normas do sistema de justiça, ou, mesmo para aqueles que já encerraram o cumprimento de pena, pelo efeito que produz a maquinaria punitiva de transformar sobreviventes em fugitivos, indefinidamente.
Tais mecanismos se combinam em um movimento comum de produção da prisão “desterritorializada”, como denomina Campello (Idem, pp. 93-94), que extrapola os muros prisionais e então se “reterritorializa e se atualiza nos espaços em que habita o indivíduo rastreado, seu trabalho, seu bairro, sua casa, tornada casa-prisão”. Monitorado ou não, a iminência de nova prisão acompanha o indivíduo nas mais diversas dimensões da cotidianidade.
O mero registro da passagem criminal é suficiente para uma abordagem violenta ou um flagrante forjado, por isso é prudente sempre ter em mente uma opção de fuga. Sair de um labirinto exige que se conheçam bem seus obstáculos. Cerceados por enroscos jurídicos e burocráticos, os sobreviventes se colocam em estado de fuga constante, e isso é algo que conforma suas perspectivas, conduz seus percursos e delimita os circuitos por onde transitam na cidade. Goffman (2014, p. 192) propõe repensar a categoria do “foragido” a partir da constatação de um estado permanente de fuga experienciado pelos jovens negros de bairros periféricos nos Estados Unidos em função das políticas ostensivas de combate ao crime:
No imaginário popular, estar foragido é uma condição reservada para aqueles criminosos excepcionais que fazem parte das listas dos mais procurados do FBI. Os fugitivos são tema de filmes de ação e lendas. No entanto, atualmente, as políticas de combate ao crime dos Estados Unidos transformaram seus bairros negros pobres e segregados em locais altamente policiados, onde muitos jovens usam nomes falsos, olham por cima do ombro e vivem com o medo genuíno de que as pessoas mais próximas possam colocá-los nas mãos da polícia (tradução minha).
De modos distintos, com especificidades próprias à lógica de segregação territorial no Brasil e nos Estados Unidos, bem como das táticas utilizadas no controle e repressão da população negra e periférica, é possível identificar semelhanças nos efeitos produzidos por ambas as políticas de combate ao crime. A “maquinaria punitiva” (Telles et al., 2024) que aqui conforma as vidas dos sobreviventes do sistema prisional revela também uma espécie de vigilância constante, formas de controle as quais, na prática, operam como dispositivos de gestão dessas populações, estas colocadas sob o crivo do crime e da punição.
Tal como os interlocutores de Goffman (2014), os “foragidos” apresentados aqui cuidam para evitar encontros com as forças da ordem. Nas trajetórias narradas, é possível enxergar algumas das rotas percorridas nesse sentido: por Surya, Ricardo, Morgana e Cláudio, de ocupação a ocupação fugindo de nova prisão; por Luís, da ocupação às ruas fugindo da polícia, e uma vez preso, de uma unidade a outra, botando em risco a própria vida para escapar da morte.
As cenas 5, 6 e 7, por sua vez, enunciam uma outra natureza de fugas, mas que também são impulsionadas, ainda que indiretamente, pela experiência prisional. Após terminar de cumprir sua pena mais recente, Maya foge do risco de nova captura se agarrando àquilo que acredita que a afastaria do perigo: o trabalho lícito/formal, a visibilidade. E Surya aos poucos vai expandindo e reorientando seus percursos na tentativa de se desvencilhar do cotidiano labiríntico – buscando formas de elaboração do trauma da prisão e meios de escapar da violência doméstica, contida provisoriamente pelo encarceramento do marido.
Nas histórias dessas duas mulheres, fica evidente o papel do gênero na produção da precariedade. A identidade trans, a maternidade, a violência doméstica são questões fundamentais para compreender os modos operatórios da maquinaria punitiva. Ser flagrada com drogas nas partes íntimas quando presa em unidade masculina, conquistar o direito à liberdade por ter dado à luz sob custódia, encontrar no encarceramento a única escapatória provisória para cessar a violência sofrida dentro de casa. Os instrumentos de subjugação através da punição adquirem requintes de crueldade em se tratando de mulheres, assim como outros mecanismos de dominação ao longo da história.
Transversal a essas questões, a “ilegibilidade” (Das, 2020, p. 226) intrínseca aos procedimentos contribui para essa dinâmica de vida em estado de alerta. Trata-se de um modo de exercício do poder estatal através das tecnologias de escrita, as regras e regulamentos indecifráveis, que produzem sentidos contraditórios e incompreensíveis. Assim, burocracia e discricionariedade se complementam na composição de determinações indecifráveis, e portanto impossíveis de seguir à risca. Incerteza e apreensões face a obrigações muitas vezes difíceis de serem acatadas, colocando uns e outros em situações de irregularidade que aumentam os riscos de novas capturas, como nos casos de Luís e Rogério.
Trata-se dos efeitos da “maquinaria punitiva” (Telles et al., 2024) na vida cotidiana desses homens e mulheres, que conformam o ordinário labiríntico da vida de sobreviventes do cárcere, bem como compõem a condição de precariedade dos modos de vida dessas populações. A insegurança habitacional, o trabalho incerto nas franjas mais precarizadas dos mercados informais, o racismo inscrito nas formas de exercício do poder, a desigualdade de gênero que condiciona as maneiras pelas quais se perpetua a violência. Esta é a questão lançada no início deste artigo: o modo labiríntico de operação da maquinaria punitiva pode ser compreendido como estruturante da vida ordinária de populações pobres e racializadas.
Adotar a noção de fugas prisionais para além de seu sentido convencional cumpre a função de ilustrar uma dinâmica própria de deslocamentos pela cidade promovidos pelos sujeitos submetidos ao sistema de justiça criminal, além de chamar atenção para práticas exercidas no cotidiano para escapar da captura. Distantes das mobilizações coletivas nas ruas e dos movimentos sociais organizados, meus interlocutores constroem, no dia a dia, outras estratégias comuns de sobrevivência. Assim como a fuga, individual ou coletiva, pode ser considerada a forma mais típica de resistência à escravidão, em tempos de encarceramento em massa esta segue sendo adotada como prática de contornamento das amarras do poder, dentre as tantas forjadas “sob o regime das urgências” e que produzem sociabilidades, redes de relações e territorialidades que se compõem e constituem também as tramas da cidade (Grupo Cidade e Trabalho, 2020). Nessas rotas percorridas, a perspectiva não é a liberdade plena (inalcançável), mas sim a criação de interstícios no espaço-tempo em que se pode, ainda que provisoriamente, tocar a vida.
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- TSING, Anna Lowenhaupt. (2022), O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo São Paulo, n-1 edições.
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1
. Este artigo é resultado de pesquisa de mestrado realizada com apoio da Fapesp, através de bolsa vinculada ao processo número 2021/00573-7, vigente de 1º de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2023.
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2
. Sobreviventes do cárcere” é o termo adotado pelos movimentos antiprisionais para se referirem a pessoas que passaram pela prisão. Como argumentei em outra oportunidade, em contraposição à condição jurídica/burocrática do “egresso”, “os sobreviventes constituem a coletividade de sujeitos apta a reivindicar em nome próprio a ‘obsolescência’ das prisões” (Endo, 2024, p. 19).
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3
. Agradeço especialmente a Adalton Marques, Taniele Rui e Isadora Guerreiro os valiosos apontamentos que resultaram neste artigo.
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4
. Agradeço aqui a Rafael Godoi a sugestão do uso do termo em minha pesquisa.
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5
. O termo aqui se refere às assim chamadas cenas abertas de uso de drogas, como a “Cracolândia”.
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6
. A adoção do termo ocupação aqui é uma escolha política, que cumpre o papel de desassociar habitações coletivas que não envolvem o pagamento de aluguéis do termo pejorativo invasões, comumente adotado para se referir a esses espaços, inclusive por meus interlocutores. Sobre os sentidos políticos do ato de ocupar, e também do uso do termo, ver Santos e Guerreiro, 2020.
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7
. Menciono aqui duas das organizações fundamentais para a construção do campo de pesquisa, nas quais se produziu parte relevante das elaborações coletivas que desenvolvi na pesquisa: o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e a Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo, SP (de ambas sou integrante).
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8
. Utilizo aqui esta classificação por não ter tido a oportunidade, durante a pesquisa, de perguntar-lhe sobre sua autodeclaração racial, e a informação no registro criminal não deixa de ser relevante, ainda mais considerando que Luís é um homem de pele clara.
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9
. Seguro, “pedir seguro”: prática recorrente nos presídios para se referir a áreas prisionais nas quais ficam os presos ameaçados de morte, seja por uma facção rival, seja por desavenças e outras razões que podem provocar a morte pelos outros detidos.
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10
. Artigo associado ao crime de tráfico.
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Editora
Ana Paula Hey
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Set 2025 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2025
Histórico
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Recebido
07 Out 2024 -
Aceito
11 Jan 2025
