Open-access A vida concreta da poesia: O grupo Noigandres entre as arcadas e a teoria literária1

The concrete life of poetry: The Noigandres Group between law school and literary theory

Resumo

A intenção deste artigo é compreender a trajetória da poesia concreta a partir dos embates intelectuais paulistas de meados da década de 1950 a 1970. No início, intenciona-se expor como os três poetas da revista Noigandres partem de suas origens bacharelescas para o rodapé dos suplementos especializados em literaturas, impactados pela renovação na fatura crítica e de critérios de apreensão inseridos pelas novas instituições culturais e universitárias na cena intelectual paulista. Depois, o movimento de aproximação dos debates acadêmicos e universitários do período teve impacto na forma como os poetas concretos conduziram sua teoria e suas invenções. Por fim, o artigo termina com as trajetórias dos três poetas, que articulam elementos tradicionais e modernizantes e respondem a um contexto em transformação.

Sociologia da cultura; Poesia brasileira; Poesia concreta; Noigandres; São Paulo

Abstract

This article aims to examine the trajectory of concrete poetry within the intellectual debates in São Paulo from the mid-1950s to the 1970s. First, it explores how the three poets of Noigandres transitioned from their origins in law school to literary supplements, influenced by the renewal of literary criticism and the shifting criteria of interpretation introduced by new cultural and academic institutions in São Paulo’s intellectual scene. Next, it examines their engagement with academic and university debates of the period, which shaped the way concrete poets developed their theory and artistic innovations. Finally, the article concludes by analyzing the trajectories of the three poets as they navigate traditional and modernizing elements in response to a changing cultural landscape.

Sociology of culture; Brazilian poetry; Concrete poetry; Noigandres; São Paulo


Poema “Memos”, de Augusto de Campos.

Datado de 1976, à primeira vista o poema “Memos”, de Augusto de Campos, encerra um enigma. Nas três colunas com diferentes tipos brancos sobre um fundo preto, algumas palavras saltam aos olhos: “como”, “amar”, “amas”, “flor”, “para”, “nãos”, “amem”, “éter” – e a progressão “memo”, “mori”, “oria” atravessa o poema como um cinturão, em solfejo da palavra memória e alusão a memento mori. Com quatro letras de largura e catorze linhas de altura, elas ocupam o centro da página e as diferentes tipologias embaralham a visão, impedindo a compreensão imediata das estrofes. Num efeito de estranhamento semelhante a pichações em muros ou a propagandas em outdoors, leva tempo para se compreenderem os versos encavalados: “Como parar este instante luz que a memória aflora mas não sabe reter”; “Amargo este momento a mais que a memória morde mas não consegue amar”; “E passas sim passa assim passa memoria assassina do momento que pas”.

O lirismo dos versos contrasta com o aspecto caótico do poema, cujo arranjo, embora intrigante, é pouco convidativo em seu mistério. Luis Dolhnikoff (2012) o qualifica como expressivo da vertente “poesia ‘aquadrada’” de Augusto de Campos, isto é, uma poesia em fórmula (oposição à forma) estabelecida a partir de uma razão entre os números de caracteres e um número inteiro para estruturar o poema. Segundo o crítico, esse poema seria um dos melhores da poesia concreta, não fosse a exuberância kitsch e falsa das tipologias empregadas. O crítico, inclusive, cria uma versão própria.

Essa avaliação toca em ponto fulcral da trajetória do poeta que, junto de seu irmão Haroldo de Campos e do amigo Décio Pignatari, formou o núcleo duro das revistas Noigandres e Invenção. O ponto central da crítica é que os próprios critérios estéticos erigidos pelo grupo de poetas concretos não seriam mais utilizados pelos seus criadores. Estes, com o passar do tempo, teriam caído em complacência preguiçosa, cunhada pelo crítico de “vanguarda como estereótipo” – da qual este poema seria testemunho.

Há, todavia, outra leitura. A desvinculação das tipologias e da diagramação da função de exprimir o sentido do poema tem o efeito de a própria estruturação do poema se tornar o entrave para a intelecção de seus versos e, portanto, para a apreensão de seu sentido. O poema põe em questão o próprio procedimento concretista: os elementos da poesia concreta antes utilizados para compor a mensagem do poema são agora os que impedem a sua compreensão. Soma-se o contraste entre o lirismo dos versos e a intenção geométrica-tipológica do arranjo das “estrofes”, o que faz do entrave e do enigma o sentido imediato do poema. Deste modo, aquilo que aparece como tipologia artificiosa e kitsch, nos dizeres de Dolhnilkoff, é elemento central do poema, pois o estranhamento proporcionado pelos tipos dificulta ainda mais a compreensão, jogando, por meio de sua variação, nossa atenção para as palavras soltas e desconexas – como um ardil.

Essa forma de “isomorfia negativa” põe em jogo elementos fundamentais da trajetória do grupo Noigandres. A utilização de tipografias diversas e a estruturação do poema na página como elemento expressivo tiveram papel fundamental para a emergência e a consagração do grupo. Essa incorporação permitiu ao grupo ser visto como novidade por meio do experimentalismo proposto contra a fatura artesanal da Geração de 45. Esse poema coaduna, de um lado, o experimentalismo, com a diversidade de tipologias usadas, com a fatura geométrica das estrofes cifradas, com a imagética contrastiva entre preto e branco, com a centralização das estrofes no centro da página. Do outro lado, há seu quinhão artesanal: carregados de assonâncias e aliterações, rimas toantes e internas, os três versos que estruturam esse poema rememoram uma poesia lírica, recuperando topoi sobre o tempo, a memória e a finitude.

Os dois elementos articuladores do poema – o experimentalismo e o artesanal – são, não por coincidência, também o eixo das tensões gestativas2 da poesia concreta. Em meados de 1950, é possível encontrar inúmeros manifestos dos poetas concretos acusando de antiquada a geração de 45, com sua poesia de “nádegas de cristal, órrosa” realizada com seu “jargão lírico do após-guerra, vegetativo, reacionário” (Pignatari, 2006), isto é, uma “contrarreforma convencionalizante e floral” (Campos, 2006). Esse poema, escrito já depois do fim da poesia concreta3, ao articular tais elementos, joga luz nas raízes dessa estética: surgida no bojo da geração de 45 e espremida pelas transformações no panorama intelectual das décadas de 1950 e 1960.

A intenção deste artigo é demonstrar que é possível compreender a trajetória da poesia concreta a partir das transformações no campo intelectual paulista e da reconstrução dos embates intelectuais enfrentados pelo grupo em meados da década de 1950 a 1970. Embora um movimento que tenha ganhado ampla difusão nacional e internacional, a poesia concreta carrega em si as marcas das transformações do campo intelectual no qual estavam inseridos seus criadores.

No início, intenciona-se expor como os três poetas da revista Noigandres partem de suas origens bacharelescas para o rodapé dos suplementos especializados em literatura, impactados pela renovação na fatura crítica e de critérios de apreensão inseridos pelas novas instituições culturais e universitárias na cena intelectual paulista. Mais do que uma disputa, a geração de 45 serve de motriz distintiva e autorreflexiva do grupo, num movimento que incorpora as inovações de repertório poético e crítico para distanciar-se das temáticas vinculadas às próprias origens. Os prefácios e manifestos publicados no livro Teoria da Poesia Concreta, em paralelo ao movimento de aproximação dos artistas plásticos, permitem discernir os procedimentos e os termos utilizados para este distanciamento. Depois, parte-se do entendimento de que a participação nos debates acadêmicos e universitários do período teve impacto na forma como os poetas concretos conduziram sua teoria e suas invenções. Ou seja, para compreender as mudanças na trajetória da poesia concreta, é importante levar em conta a consolidação, no campo intelectual paulista, de um debate literário em que a crítica literária e a universidade assumem protagonismo.

Por fim, o artigo termina com as trajetórias dos três poetas procurando demonstrar como articulam elementos artesanais e de experimentalismo – isto é, elementos tradicionais e modernizantes. A formação estribada em espaços sociais tradicionalmente vinculados à elite oligárquica, em contraste com um espaço intelectual em processo de profissionalização e especialização, conforma a feição singular do grupo, uma vez que seus integrantes respondem, com as armas possíveis, a um contexto em franca transformação, impactado pela profissionalização da vida acadêmica, pela definição da feição disciplinar de áreas do conhecimento como sociologia e teoria literária e pela inversão na hierarquia entre a literatura e a crítica literária.

Ulisses contra Orfeu: das origens nas arcadas do largo São Francisco à poesia de vanguarda

Em 15 de maio de 1948, segundo Cassiano Ricardo (1970), vários participantes do Congresso de Escritores, ocorrido naquele mesmo ano, fundaram o Clube de Poesia, agremiação para a qual ele foi eleito presidente com apoio decisivo do poeta Domingos Carvalho da Silva e de “outros categorizados representantes de 45”. Além de cursos de Poética contando com nomes como Jorge de Lima, Menotti del Picchia, Murilo Mendes e Sérgio Milliet, a agremiação iniciou – ideia de Cassiano Ricardo – a coleção “Novíssimos” para estreia de poetas. Nessa coleção estreiam, entre 1949 e 1950, Haroldo de Campos com o livreto Auto do possesso e Décio Pignatari com Carrossel4. A agremiação estava investida de inúmeros jovens estudantes da Faculdade de Direito do largo São Francisco, sendo também seus fundadores e atuais presidentes advogados ou nomes de personalidades que passaram pela instituição. Tanto do Clube de Poesia, como do Congresso de Escritores participaram em grande número escritores da chamada geração de 45 – grupo de poetas que, como Lêdo Ivo, Fernando Ferreira de Loanda, Alphonsus de Guimaraens Filho, compartilhavam referências do pós-guerra tais como Rilke, Pessoa, Neruda, Eliot e Valery, publicando em revistas como a Orfeu (Rio de Janeiro, 1947-1953) e a Revista Brasileira de Poesia (São Paulo, 1947-1956)5.

Como representante do grupo em São Paulo, a Revista Brasileira de Poesia, organizada por Péricles Eugênio da Silva Ramos e Domingos Carvalho da Silva, teve inicialmente no seu conselho consultivo Antonio Candido, já crítico literário nos rodapés paulistas e recém egresso da revista Clima, e Sérgio Milliet. Foi publicada de 1947 a 1956 (Velloso, 2017), inicialmente semestral e, depois de 1949, bem espaçadamente. Em seu primeiro número, uma introdução com tons de manifesto comentando o “neomodernismo”, escrita por Péricles Eugênio da Silva Ramos, dava prosseguimento à caracterização de um novo grupo de poetas, iniciada pelos críticos Tristão de Ataíde e Sérgio Milliet em 1947. O texto baliza também as distâncias e as continuidades com o modernismo, ressaltando os vínculos possíveis com o “último Mário de Andrade”, num fechamento em termos de superação.

A revista teve participação constante de Sérgio Milliet, sobretudo no número V, em que faz um arrazoado de quatro novos poetas, entre eles João Cabral de Melo Neto, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho e Silva e Bueno Riviera. Consta também a estreia de Haroldo de Campos em pequena nota crítica, e é anunciada a futura publicação do livro de Décio Pignatari. Pelos participantes e reduzido espaço de circulação, nota-se que um vínculo importante dos representantes paulistas da Geração de 45 é a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde o laço entre os membros publicados pela Revista Brasileira de Poesia e o espaço de sociabilidade e formação da Faculdade de Direito ganha centralidade, sobretudo se lembrarmos a existência – ritualizada e repleta dos jogos de distinção no interior da própria faculdade – da Academia de Letras, agremiação no interior da Faculdade de Direito em que certa aura de pertencimento ao passado repleto de escritores canonizados pertencentes “às Arcadas” faz sua parte nas disputas por distinção entre os alunos. É desse espaço de formação da oligarquia, com suas referências neomodernas e suas apreensões da literatura subordinadas aos códigos das relações sociais gestadas no interior da faculdade do largo São Francisco que o grupo Noigandres parte6.

A aproximação dos três poetas com os artistas plásticos concretistas não pode ser dissociada do contexto de completa transformação nas modalidades de acesso às carreiras intelectuais, inserida pela criação das universidades paulistas. Por exemplo, a geração da revista Clima aparece já no inquérito feito com 29 figuras da intelectualidade brasileira entre meados de 1943 e início de 1944 enquanto representativos da geração de “moços escritores do Brasil” – nomes como Lourival Gomes Machado, Antonio Candido de Mello e Souza, Ruy Coelho e Paulo Emílio Salles. Esse grupo de intelectuais, produtos do novo sistema de produção intelectual implantado pelas novas universidades, é responsável pela renovação ensaística e crítica paulista ao romperem com a concepção de trabalho e com o padrão de carreira acadêmica da geração anterior, afirmando-se enquanto “críticos puros” (Pontes, 1998) contra o modelo de intelectual modernista e o modelo de cientista social – hegemônico no interior da Universidade de São Paulo –, de um lado; de outro, impunham no interior da crítica cultural a especialização. Isso se deu, sobretudo, pela inserção de novos critérios de avaliação, amparados pelo ensino universitário, fazendo com que os modelos de apreciação literária acompanhassem as transformações profundas que ocorriam nos anos de 1940 e 1950 no sistema cultural paulista, em larga medida decorrentes de uma nova maneira de conceber e praticar o trabalho intelectual, proporcionada pela consolidação de uma vida universitária institucionalmente vigorosa em São Paulo.

Em sua totalidade, os participantes da revista Clima comungavam da proximidade com os demais cursos das ciências humanas, sobretudo a sociologia. Todos os participantes da revista especializaram-se em suas análises baseadas em “conhecimentos sistemáticos, hipóteses bem fundamentadas, ferramentas conceituais sólidas” (Pontes, 1998, p. 216). Isto é, a revista, que foi publicada de 1941 a 1944, expõe uma ênfase na especialização dos autores em áreas específicas de conhecimento, ou seja, “a figura do intelectual amador está distante no horizonte, ainda que o profissional, no significado inteiro do termo, não seja uma realidade completa” (Arruda, 1995, p. 131). Exercendo uma crítica cultural em moldes ainda ensaísticos, mas embebida de preocupações e critérios acadêmicos de avaliação, a revista expressa a significativa mudança nos critérios de apreciação nos quais a legitimação simbólica veio a se escorar. Desta forma, a aproximação às incipientes ciências humanas em território paulista possibilitou a especialização e o rigor acadêmico enquanto móvel no jogo da legitimação e apreciação de obras literárias. Expressa essa transformação o rápido reconhecimento de Antonio Candido como crítico literário, afiançado pelo recenseamento de novíssimos realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelo convite para prefaciar o livro de Álvaro Lins, o maior crítico literário de então (Pontes, 1998, pp. 52-96).

Além disso, a maioria dos participantes da revista Clima inicia sua carreira intelectual próxima da docência na universidade. O caso da trajetória de Antonio Candido é exemplar, já que começa logo após o doutorado sua carreira de professor assistente (de 1942 a 1958 na Cadeira de Sociologia II) e foi crítico na Folha da Manhã entre 7 de janeiro de 1943 e 21 de janeiro de 1945, e no Diário de São Paulo, entre 20 de setembro de 1945 e 27 de fevereiro de 1947. Isto é, os elementos que incorporavam em suas críticas eram os mesmos sob os quais trabalhavam enquanto se constituíam como intelectuais acadêmicos (Pontes, 1998, pp. 140-213), elemento nítido no começo de sua crítica de rodapé, quando postula que sua tarefa “será por ventura mais integrar a significação de uma obra no seu momento cultural do que, tomando-a como um pretexto, procurar tirar dela uma série de variações pessoais” (Candido apudRamassote, 2006, p. 34).

Os textos e manifestos publicados, posteriormente reunidos no livro Teoria da Poesia Concreta em 1965, dos poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, acompanham essa especialização nas décadas de 1950 e 1960. Não, contudo, com a intenção de se tornarem “críticos puros”, mas por, ao justificarem suas produções em termos teóricos, reconhecerem a importância da instância crítica como elemento de legitimação da obra – fazendo entrever a relevância da crítica literária no panorama intelectual paulista (Jackson e Blanco, 2014).

Publicada a obra em edição independente, os textos apresentados em ordem cronológica são já uma tentativa de organizar os fundamentos críticos da poesia concreta sob o signo de um movimento com esteio teórico, revelando a tática utilizada pelo grupo para consolidar sua posição. O prefácio de 1965, escrito por Haroldo de Campos, denuncia a intenção primeira do livro, de afirmar que “o movimento de poesia concreta alterou profundamente o contexto da poesia brasileira”, procurando dar feição ao que foi essa transformação em elementos que os próprios consideram centrais para a compreensão de sua produção. Aponta principalmente a retomada de diálogo com 1922, contra uma “contrarreforma convencionalizante e floral” e o enfrentamento da “questão participante”, que em 1965 se tornava hegemônica na esquerda, depois do golpe de 1964.

Sob o pretexto de “respeito fundamental ao documento” e de “facilitar a sua compreensão e a sua discussão [da poesia concreta] nos seus termos originais, sem a mediação das divulgações esquemáticas e das interpretações duvidosas”, ressoa como controle de recepção, embora tornasse acessíveis diversos escritos esparsos em diferentes periódicos. Em contraste com o segundo prefácio de 1975, escrito por Augusto de Campos, saltam aos olhos: a leve denúncia do rótulo “anonimizador” de “concretistas” (Nuernberger, 2018), em contraste com o primeiro prefácio, em que se fala a todo momento em “nós” e no “movimento de poesia concreta”; o abandono do projeto de publicar um segundo volume com textos após 1960 – “não por falta de textos, mas de tempo” – e o abandono da atualização do recenseamento das participações e dos textos do “movimento de poesia concreta” depõe a posição algo consolidada do grupo em 1975. Isto porque “nenhum dos três autores revelou disposição para coletar esses dados” – disposição que até 1965 tinham.

O contraste entre ambos os prefácios permite compreender algumas mudanças na posição do grupo: se, no primeiro, era importante destacar o valor do “movimento de poesia concreta” – usando todas as exposições e publicações como recibos dessa relevância – e a retomada do diálogo com o modernismo paulista contra uma “contrarreforma convencionalizante e floral”, no segundo, trata-se de sublinhar que a teoria era apenas um “tacape de emergência a que o poeta se vê obrigado a recorrer, ante a incompetência dos críticos”, e que importam mais os poemas – praticamente inacessíveis em 1965, diga-se. É interessante salientar que o próprio livro impõe que se leve a produção dos três como um grupo de “concretistas”. Em um dos primeiros estudos sobre a poesia concreta, Paulo Franchetti (2012) já descreve que a unidade do grupo se apresenta de modo mais acentuado se se toma como central a sua produção crítica e teórica7.

Para a realização da intenção exposta no primeiro prefácio, isto é, retomar o diálogo com 1922 e enfrentar a questão participante, os textos evidenciam de forma interessante a tática discursiva empregada pelos três, denotando uma influência das mudanças nos critérios de avaliação e de empostação literária que imputo às transformações no debate intelectual inseridas pela especialização acadêmica. Num gradiente que tenta reconstruir uma linha contínua de formulação, os artigos vão em ordem cronológica, e chamam atenção os três manifestos publicados sobre a poesia concreta lançados na revista Ad – Arquitetura e Decoração, que culminam com a explicitação da crítica à geração de 45, que “com seus jogos florais era nossa adversária natural” (Campos, 1989).

Os textos “Nova poesia: concreta”, de Décio Pignatari, “Poesia concreta”, de Augusto de Campos, e “Olho por olho a olho nu”, de Haroldo de Campos, constroem o ataque à poética neomoderna. No primeiro, citando num poema-ideograma os livros de Péricles Eugênio da Silva e Domingos Carvalho da Silva (ambos membros paulistas da geração de 45), ela é descrita como (já citado anteriormente) “nádegas de cristal, órrosa. o jargão lírico do pós-guerra. Vegetativo, reacionário”; no segundo, a poesia concreta aparece “contra a introspecção autodebilitante”; no terceiro, “substitui o mágico, o místico e o ‘maudit’ pelo ÚTIL”. Em todos os textos, aparecem noções de estrutura, isomorfismo e ideograma que criam os elementos de crítica e sugerem, a partir desse aparato técnico, o que o grupo chamou de a crise do verso. O verso é apresentado como um elemento obsoleto na poesia, no sentido de “obrigar o leitor de manchetes (simultaneidade) a uma atitude postiça” (Pignatari, 2006), ou de representar “o velho alicerce formal e silogístico-discursivo” (Campos, 2006) e a “introspecção autodebilitante” (Campos, 2006a). A crise do verso seria, então, essa insuficiência do verso em ser necessário, ou seja, estar em consonância estrutural com a sociedade. Ao invés, a noção de estrutura possibilita a construção do poema de modo a dar conta de sua dinâmica, o isomorfismo – uma “síntese crítica” que, vinculando palavra e estrutura, autonomiza a própria palavra em poema: “o poema é forma e conteúdo em si mesmo” (Idem).

É curioso que cada um dos três poetas tenha o seu próprio manifesto sobre a poesia concreta e, embora haja muitos pontos semelhantes, é possível contrastar algumas diferenças. O teor dos manifestos expressa certa divisão invisível de papel entre os três, não obstante um objetivo comum. O primeiro, de Décio Pignatari, é escrito todo em letras minúsculas, com poemas de Oswald e Mário de Andrade, Gertrude Stein e Dante. É, de todos, o que mais ataca a geração de 45, dispensando um jargão mais combativo e mesmo escrevendo um poema-ideograma ironizando os títulos de livros de poemas lançados na década de 1950, entre eles, dois de próximos dos paulistas: Péricles Eugênio da Silva Ramos e Domingos Carvalho da Silva. O segundo manifesto, de Augusto de Campos, é mais contido e escrito enquanto lista de proposições, definindo a poesia concreta contra a “introspecção autodebilitante” e “contra o realismo simplista e simplório”. O de Haroldo já utiliza mais o espaço da página, valendo-se da diagramação e da variação de tamanho das letras como significante, expressando grande ambição ao afirmar a poesia concreta como uma nova arte, um novo mundo de formas para o futuro.

Desde 1952, com a publicação do primeiro número da revista Noigandres – publicação artística, editada e produzida pelo próprio grupo e que reunia exclusivamente a produção dos três escritores –, pode-se acompanhar essa elaboração teórica e o movimento de afastamento do grupo da geração de 45, ou seja, das instituições e espaços pertencentes ao grupo de poetas que tinham no Clube de Poesia, na Revista Brasileira de Poesia e nos periódicos Diário de São Paulo e Jornal de São Paulo espaços de sociabilidade e divulgação. Note-se que, em 1952, foi realizada a primeira exposição do Grupo Ruptura com a distribuição do manifesto em que se clamava pelo rompimento com o naturalismo “de todas as variedades e hibridizações” (Villas-Boas, 2015). À construção e “constituição do projeto de poesia concreta” (Franchetti, 2012, pp. 29-65), acompanham-se certo acomodamento institucional, como a própria criação da revista Noigandres, a aproximação do grupo Ruptura de Arte Concreta, a participação de exposição com esse grupo nos novos museus de arte moderna, a aproximação aos artistas cariocas e o começo da participação no periódico Ad – Arquitetura & Decoração, no Suplemento Literário do Jornal do Brasil e no Suplemento Literário d’ O Estado de S. Paulo.

Esse afastamento institucional, no entanto, tem como expressão a construção de um aparato teórico que cria a geração de 45 como grupo rival, informando a disputa a partir de termos específicos, inseridos pela discussão artística e intelectual do período. Permite, portanto, a clarificação desses textos – misto de crítica e teoria autoelucidativa – a partir da posição ocupada e postulante do grupo: enquanto surgidos no bojo das instituições da geração de 45 e gradativamente se afastando dela. Há grande investimento no que Gonzalo Aguiar vai chamar de técnica, ou seja, um aprofundamento na discussão sobre a poesia em termos especializados. É importante frisar que as obras “sem verso” surgem posteriormente a esse acomodamento: Noigandres 3 (1956) e O Â mago do Ô mega (1955 e 1956), de Décio Pignatari e Haroldo de Campos, que eram mais ligados ao grupo da geração de 45, e as de Augusto de Campos em Poetamenos, que segundo o autor é datado de 1953, mas só foi publicado em 1955, ano da adoção do nome “poesia concreta”. O grupo beneficiou-se da estabilização da linguagem abstrata por meio das novas instituições artísticas de São Paulo e converteu o debate para a poesia, produzindo a mesma oposição entre figurativismo e abstracionismo8 – ainda que o termo concretista tenha funcionado como modo de distinção entre os abstratos9 – nos termos poéticos entre lirismo e poesia de vanguarda, ou, nos termos do grupo de Noigandres, entre poesia de expressão: subjetiva e poesia de criação: objetiva.

Atados assim aos seus primeiros passos no interior da poesia paulista10, isto é, no interior dos círculos de sociabilidade próximos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e, portanto, de uma instituição que permitia modalidades de acesso a carreiras dirigentes, os três poetas encontram no debate iniciado pelos artistas concretistas um caminho possível para a renovação poética e, sobretudo, encontraram nas novas instituições de cultura – sobretudo no Masp e no MAM – toda uma nova codificação artística como um caminho possível para a diferenciação. A codificação do debate em termos especializados e técnicos é a digital das transformações ocorridas nas modalidades de apreciação e de atuação intelectual inseridas pela incipiente vida acadêmica que, progressivamente, ganhava esteio e pujança em São Paulo.

O “salto participante” como um embate universitário

Além da pressão por especialização expressada na maneira como os concretistas erigiram a geração de 45 como adversária e apresentaram, de maneira teórica, as diretrizes de sua produção poética, penso ser possível encontrar outra dimensão das transformações do campo intelectual paulista em sua obra no conhecido “salto participante” realizado em 1961 pelo grupo Noigandres – nesse momento, quase grupo Invenção.

Depois da divulgação nos maiores suplementos literários do Brasil, a saber, o Suplemento Literário do Jornal do Brasil, que dedicou matéria à Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, e passou a publicar textos dos três poetas – com direito à bênção de Manuel Bandeira (1957, p. 5) – até 1958, e o Suplemento Literário d’O Estado de S. Paulo, que, em junho de 1957, dedicou toda uma página a textos dos poetas paulistas, o grupo passava, então, por certa reconfiguração de espaços para divulgação no início da década de 1960. Sobretudo porque, depois da fisga neoconcreta, o grupo paulista perdera acesso ao Suplemento Literário do Jornal do Brasil11.

Quando os irmãos Campos convidam o grupo carioca para a Exposição de Arte Concreta de 1956, firma-se o acordo de fazer do JB o veículo oficial do concretismo. Com a ruptura neoconcreta e a decorrente perda do Jornal do Brasil como caixa de ressonância (Moura, 2011, pp. 167-173), os irmãos Campos e Décio Pignatari voltam-se aos laços e contatos possíveis em São Paulo. Criam, juntamente com Cassiano Ricardo, Edgar Braga e Mario Chamie, em 1960, o caderno Invenção no jornal Correio Paulistano (17/02/1960- 26/02/1961) e, depois, a revista independente Invenção: Revista de Arte de Vanguarda (5 números: dois em 1962, um em 1963, um 1964 e o último entre dezembro e janeiro de 1966-67):

Vim a fundar mais tarde, em 1962, a Invenção, Revista de Arte de Vanguarda, em companhia de Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos, Mário Chamie, José Lino Grünewald, Pedro Xisto, Edgard Braga, Mário da Silva Brito, Ronaldo Azeredo. Mas antes disso obtive do meu amigo João de Scantimburgo, então diretor do Correio Paulistano, que havia sido órgão da revolução modernista de 22, uma página inteira, em cada semana, a fim de que os poetas referidos tivessem onde colaborar e externar seu pensamento (Ricardo, 1970, p. 238).

A imensa maioria de participantes da página no Jornal colabora também na revista. À exceção de duas figuras importantes: Mario Chamie, que não participa, e Cassiano Ricardo12, que contribui nos dois primeiros números – inaugurando inclusive a revista com o texto “22 e a poesia hoje”, espécie de pedágio simbólico como gratificação pela articulação desse caderno, ao mesmo tempo que ruptura inflamada e estratégica. Vale lembrar que Cassiano Ricardo era presidente do Congresso de Poesia onde os poetas se encontraram e Mário Chamie era colega de faculdade.

Nos três primeiros anos da década de 1960, o grupo passa a se aproximar de modo mais pronunciado dos debates universitários e especializados. Em 1961, participam e são tema de mesa do 2º Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, organizado por Antonio Candido, Jorge de Sena e Antonio Soares Amora (Candido, 2014, p. 215; Ramassote, 2010, pp. 123-124), bem como em 1963 organizam a I Semana de Poesia de Vanguarda na Universidade de Minas Gerais. Além disso, a partir de 1961, se intensifica a participação dos três poetas no Suplemento Literário d’O Estado de S. Paulo, em que Antonio Candido era idealizador e organizador – sobretudo Haroldo e Augusto de Campos. Desenvolve-se certa aproximação com os integrantes do programa de pós-graduação e professores da Universidade de São Paulo, o que possibilita certo trânsito entre críticos e congressos e explica o concretismo ser apresentado com maior centralidade, ocupando espaço nos debates universitários do período, conforme depoimento de Antonio Candido:

Houve um toque interessante: creio que, pela primeira vez, os poetas concretos foram postos em destaque. A novidade naquele tempo era a poesia concreta, e nós demos aos jovens poetas concretos a oportunidade de aparecerem em um evento importante e darem a sua mensagem (Candido, 2014, pp. 215-218).

No 2º Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, havia a preocupação de apresentar uma resposta da poesia concreta ao contexto politizado em que se vivia não só no país de modo geral, mas em particular no ambiente universitário, tendo em vista o perfil dos integrantes do próprio congresso, mais propensos a uma posição progressista e mesmo inclinada ao materialismo histórico, como o próprio Antonio Candido e Roberto Schwarz. Realizado em junho de 1961, o famoso 2º Congresso de Crítica e História Literária contou com inúmeros estudiosos da crítica literária brasileira: “Sérgio Buarque de Holanda, Anatol Rosenfeld, Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Wilson Martins, Wilson Cardoso, Joel Pontes, Hélcio Martins, Benedito Nunes, Adolfo Casais Monteiro, Afonso Romano de Sant’Anna, Roberto Schwarz, João Alexandre Barbosa, Décio Pignatari, Augusto de Campos, Haroldo de Campos” (Vara, 1999, p. 234).

Embora Candido fosse uma figura central na consecução do Suplemento Literário d’O Estado de S. Paulo – relevante espaço de discussão e consagração literária do período –, a ida para Assis é definitiva em termos do conflito no interior de sua trajetória entre a docência em sociologia e a produção de conhecimento no âmbito da crítica literária (Ramassote, 2006, p. 45; Jackson, 2018). Após o período de quase três anos nessa instituição, ministrando cursos dedicados à crítica literária e ao estudo textual da literatura, Candido acerta suas contas com essa disciplina, tornando-se um importante feitor de um tipo muito específico do perfil característico da crítica literária paulista. Ademais, se o concretismo foi apresentado com certa centralidade nesse congresso, este também serviu para legitimar em definitivo a passagem de Candido para os estudos literários, consagrando em definitivo o antigo professor de sociologia em uma posição de destaque para a crítica literária do período.

Já a I Semana de Poesia de Vanguarda, apontada também como desdobramento dos debates do congresso de Assis, ocorreu um ano após a ruptura da poesia-práxis, dois anos após o 2º congresso e cinco anos após a ruptura formal entre o grupo concreto e neoconcreto. Tinha ares de manutenção da posição alcançada pelo grupo paulista entre seus pares, embora a postura mais engajada dos membros – muitos deles professores universitários – da revista mineira Tendência também tivesse imposto ao grupo certa necessidade de adequação. Neste momento, o grupo ancorava-se em uma postura um tanto expansionista13, a fim de estabelecer sua dianteira na chamada “poesia de vanguarda”, já que, depois das rusgas “neoconcreta” e “praxista”, da competição com os poetas engajados na revista Violão na Rua e do cenário engajado universitário em São Paulo e em Minas Gerais, havia certa disputa por quem teria o “melhor” discurso vanguardista – revelando a validação desse tipo de discurso (Simon, 1990) como meio de inserção no debate poético do período, abrindo, por outro lado, espaço para cizânias acerca de sua liderança (Moura, 2011).

Os dois congressos acadêmicos são, portanto, significativos e importantes para a compreensão da centralidade adquirida pela poesia concreta, bem como explicam muitas de suas singularidades.

Para o grupo Noigandres, embora a aproximação com a universidade representasse aprofundamento da guinada em direção à especialização da linguagem (Arruda, 2015), sua posição era um tanto problemática, já que, advogados de certa linhagem mais próxima do New Criticism, do formalismo russo e do estruturalismo, apareciam como outsiders do grupo que se consolidaria na Cadeira de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, sob a liderança de Antonio Candido em 1961. Postulante de uma posição ambígua sobre a literatura – misto de esteticismo e vanguardismo antiliterário, temperado com citações acadêmicas e escrita experimental/de manifesto –, o grupo recebia acusações de “alienados” da “ala” politizada da poesia, agrupada sob as asas do Centro Popular de Cultura do Rio de Janeiro, liderada pelo inconfidente Ferreira Gullar e centralizada nas revistas Violão de Rua14, bem como de parte dos grupos de críticos literários que se consolidavam na universidades paulistas. Conferir um elemento crítico ao próprio projeto da poesia concreta era estar a par com os interlocutores diretos da universidade, sob orientação de Antonio Candido, bem como dar conta da crescente politização da vida intelectual dos anos 1960 – daí o “salto-participante”.

Os concretos durante toda a década de 1960 mantiveram a artilharia pesada na empreitada intelectual e acadêmica que vai desaguar nas defesas de doutorado em 1970, com diversas publicações de livros de crítica musical e literária, com o processo de revisão e recuperação de poetas como Kilkerry e Sousândrade, e de tradução de autores como Ezra Pound, Maiakovski e Mallarmé. Porém, se Antonio Candido teve um papel importante de inserção da discussão da poesia concreta no debate universitário, bem como na orientação de Décio Pignatari e Haroldo de Campos, o contexto de competição pelos postos no interior da universidade teve desdobramentos que distanciaram os concretistas do grupo formado de discípulos da cadeira de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo, visto terem já carreiras estabilizadas na área jurídica.

Ad Augustum per Angusta15

A aproximação do grupo de artistas concretos e a adoção das discussões das artes plásticas para a poesia, combinada a um empenho de estar a par nos debates sobre literatura – que progressivamente iam se tornando universitários –, com uma constante incorporação da citação e da especialização, funcionaram como meio de afirmação e consolidação de um projeto poético próprio do grupo. Posteriormente, uma aproximação mais contundente ao grupo de críticos paulistas reunidos no entorno da figura de Antonio Candido, sobretudo em virtude do Suplemento Literário d’O Estado de S. Paulo, explica, a meu ver, certa readequação do discurso de vanguarda, incorporando o famoso salto-participante.

Em ambos os momentos, o grupo se posiciona em relação às transformações no ambiente intelectual paulista. Seja para se distanciar do grupo de poetas dentro do qual surgiram, quando se valem de toda uma glosa teórica; seja para o “salto-participante”, quando se aprumam politicamente em virtude da aproximação com a universidade e com o contexto politicamente inflamado coetâneo à década de 1960. O recurso a textos teóricos explicita a importância que a crítica literária vai progressivamente assumir na literatura do período, sobretudo no contexto paulista, e explica toda a produção gigantesca de textos dos três justificando suas criações poéticas. Produção teórica que determina o núcleo duro do que se conhece como poesia concreta (Franchetti, 2012, pp. 9-29), pois mesmo a publicação de um livro reunindo a Teoria da Poesia Concreta chega antes das publicações das obras dos três poetas.

É possível encontrar na trajetória desses três poetas elementos que configuram tensões distintivas importantes, passíveis de fornecerem esteios para a compreensão de suas escolhas estéticas, profissionais e sociais, isto é, passíveis de explicar o lugar social ocupado pela poesia concreta no período entre 1956 e 1967.

Haroldo e Augusto de Campos, nascidos respectivamente em 1929 e 1931, são naturais de São Paulo, filhos de Eurico de Campos, que fez carreira na Cooperativa Central de Laticínios do Estado de São Paulo (Campos, 1992), presidente em 1963 (Diário Oficial, 1963), ocupando um cargo de gerência nos tempos de infância e adolescência dos filhos, e de Elvira Prado Browne de Campos, esta, por sua vez, filha de Francisca Eufrosina Ferraz Almeida Prado Browne e do médico do Serviço Sanitário Valentim Browne (Correio Paulistano, 1938) – ou seja, a segunda geração de distanciamento da família “de Almeida Prado”, tradicional do interior de São Paulo, pertencendo mais especificamente ao ramo da cidade de Jaú.

O pai dos irmãos Campos tocava piano de ouvido, fez muitas músicas populares, gostava muito de pintar e de poesia, sabendo de cor sonetos de Camões – universo de interesses frequentado pelos filhos16. O casamento com um funcionário promissor da cooperativa estatal de laticínios17, sem ensino superior (Campos, 1992), foi um caminho perigoso num limiar de distanciamento da oligarquia paulista, descrita por Haroldo como “uma família burguesa empobrecida” (Idem). Elemento que talvez explique o investimento de colocar os filhos Haroldo e Augusto no Colégio São Bento, instituição de elite em regime que previa o internato e formou alunos como Oswald de Andrade, Antonio Prudente de Morais, Francisco Prestes Maia e Sérgio Buarque de Holanda, com um pendor grande na aquisição de capitais educacionais raros, sobretudo o ensino das línguas clássicas. Investimento educacional que vai ser coroado com outro passo para a salvaguarda da herança familiar18: a entrada de ambos na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde vão se formar em 1952 e 1953, isto é, posteriormente já a algumas publicações suas tidas como o início de suas obras poéticas:

Naqueles anos 40, uma pessoa que viesse de uma família burguesa empobrecida precisava ter uma profissão imediata, porque não podia viver de nada. Para algumas pessoas mais privilegiadas era possível ter uma opção no sentido de letras ou de filosofia. Ou então pessoas mais informadas, mais orientadas, com um âmbito familiar, onde isso fosse mais normal. No meu caso, eu crescera dentro daquela tradição segundo a qual as profissões para quem precisava trabalhar desde cedo seriam a medicina, engenharia ou advocacia (Idem).

As disputas fraternas, segundo conta Haroldo de Campos (Idem), impuseram desde o início certa diferenciação – Augusto mais próximo dos desenhos, Haroldo da escrita –, que resultará em certa divisão de papéis, vista nas ilustrações criadas pelo irmão mais novo a poemas do mais velho, ou mesmo na criação de logos nos trabalhos posteriores dos dois. Por outro lado, o mesmo percurso no colégio e na universidade e, posteriormente, na formação do grupo Noigandres, bem como no prosseguimento da carreira jurídica, homogeneíza socialmente suas posições. Ambos se casam no mesmo ano, em 1954, e assumem postos administrativos na área do direito. Haroldo se casa com Carmem de Paula Arruda, que era desenhista científica no Instituto Oceanográfico, e Augusto, com Lygia de Azeredo, poeta formada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, também irmã mais velha de Ronaldo Azeredo e de Ecila Azeredo, esposa de José Lino Gunewald. O capital familiar não foi de pequena importância também para a viabilização profissional: Haroldo de Campos trabalhou no departamento jurídico da cooperativa onde o pai trabalhava. Mas o mais importante foi o ingresso dos dois irmãos na carreira pública: Haroldo começa na década de 1950 como consultor jurídico na Universidade de São Paulo – onde foi companheiro de Boris Fausto, antigo amigo do Colégio São Bento (Fausto, 2003) –, enquanto Augusto advoga até 1962, quando vira procurador do estado de São Paulo (Tsonis, 2021).

Décio Pignatari, no entanto, tem uma trajetória mais diversa. Seu pai era dono de uma pequena indústria de cerâmica em Carapicuíba, sem curso universitário, apenas o ensino médio no colégio Mackenzie. Décio, nascido em Jundiaí, cresceu em Osasco, onde residiu até os seus 25 anos. Fez colégio Mackenzie, onde cursou o colégio e o científico. Segundo depoimento do próprio, carregava desde esse período veleidades literárias, “era romântico”, e escolhera Direito um pouco por isso; a mística das arcadas do largo São Francisco ronda os aprendizados desses colégios de elite em São Paulo, fazendo supor verídico que tinham como “gurus” homens como Castro Alves, Álvares de Azevedo e Fagundes Varela. Ao entrar na faculdade, teria se decepcionado. A formação em direito, no entanto, tem uma posição precisa em sua percepção:

Um dos meus colegas, o Dante Moreira Leite, logo saiu dali e fez novo vestibular para filosofia. Eu disse que não adiantava, a filosofia vai formar críticos19, e não criadores. Por incrível que pareça os escritores vêm da área de medicina, de direito, de jornalismo (Pignatari, 2003).

Outra dimensão importante para apreender da trajetória de Décio é o contato com o fotógrafo Klauss Werner (Mendes, 2020), imigrado da Alemanha em 1948 e, depois de estadia no Rio de Janeiro, estabelecido em Osasco, onde abre a loja de fotografia Nico. Cabe ressaltar a influência recebida do fotógrafo e ilustrador Hans Windisch, que articulava uma dimensão da fotografia moderna aplicada a diversos segmentos da vida prática e cuja obra é associada ao construtivismo e ao expressionismo alemão (Zimmerman, 2006). Klauss Werner e o irmão tomam conhecimento de diversas famílias imigrantes em Osasco, dentre elas os Pignatari. Décio Pignatari passa a frequentar o laboratório de Klauss, aprendendo e experimentando com fotografias e fotomontagens. Da proximidade, resulta o casamento de Klauss e Helena Pignatari, em 1954. No mesmo ano, Décio e sua esposa viajam à Europa, passando por diversos países, bancados pela venda de um terreno que o pai dera ao poeta em recompensa pela formação na faculdade de direito. Conforme relato de Omar Khouri, o plano era uma mudança definitiva para o velho continente (Khouri, 2015), impossibilitado, porém, pela incapacidade de arranjar um emprego fixo por lá. Ficaram pelo menos um ano em Paris – em contato regular com Pierre Boulez – e depois aproximadamente seis meses na Alemanha, onde conheceu, por intermédio de Tomás Maldonado20, que acabara de ingressar no corpo docente da Hochschule für Gestaltung, em Ulm, Eugen Gomringer, então secretário de Max Bill na mesma instituição. Penso indissociável a relação com os irmãos Werner e os irmãos Pignatari para a formação artística de Décio, em termos de uma estética mais visualista e mais próxima dos debates europeus sobre a arte concreta, sobre a Bauhaus e o design. A viagem vai ser a matriz crítica para a cooperação internacional que se iniciará, fazendo com que os poetas se tornem concretos quatro anos depois da arte concreta paulista. Para isso, os contatos efetivos com nomes como Tomás Maldonado, Pierre Boulez, Eugen Gomringer, Max Bill são incontornáveis e prestam-se à faceta internacional do movimento.

Não à toa, no entanto, haverá certa divisão subterrânea entre os irmãos Campos e Pignatari21. A trajetória homogênea dos irmãos, com a formação paulista estribada no colégio São Bento e no Largo São Francisco e a continuidade natural na carreira jurídica como esteio para uma vida confortável – não luxuosa – que permitisse a poesia como uma atividade dedicada, contrasta com a trajetória de Décio, irmão de mais cinco, tomando todos os dias o trem sorocabano para cursar o colégio Mackenzie e, posteriormente, o Largo São Francisco. A viagem à Europa o afasta definitivamente da carreira jurídica, conseguindo um emprego na área de publicidade da empresa Grampt. Morfologia da belicosidade com que Décio Pignatari sempre atacou a literatura e a arte a partir de uma postura de vanguarda, de um lado, e da radicalidade estritamente poética dos irmãos Campos em relação à poesia e às artes, de outro.

Embora com contrastes, a trajetória dos três identifica-se pela sociabilidade nas arcadas do Largo São Francisco, o que os diferencia radicalmente dos demais artistas concretos de quem se aproximam na década de 1950. Essa diferença explica a razão do paradoxo que o debate das artes plásticas entre arte concreta e, posteriormente, neoconcreta teve nos poetas seus líderes. Enquanto a maioria dos artistas concretistas paulistas fizeram cursos formais e não formais de arte, tinham profissões vinculadas à expansão industrial paulista (Sandes, 2021), os três poetas de Noigandres usufruíam do capital social acumulado na família, no Largo de São Francisco e nas redes universitárias. Essas relações explicam a aparente liderança dos poetas no debate público acerca da arte concreta, uma vez que eram eles que possuíam os meios para circularem entre as redações, os congressos e os artigos acadêmicos.

Da mesma forma, não se pode pensar o concretismo sem a característica morfológica ambígua que o produz: seus três poetas são juristas e publicitários, embora arriscassem diversas críticas literárias, num ambiente de profunda profissionalização da vida acadêmica e, portanto, da crítica literária. Essa ambiguidade tem como expressão a recusa de Haroldo de Campos a ingressar na Universidade de São Paulo a convite de Antonio Candido, por ter um trabalho estável e com boa remuneração na área do Direito. Ao mesmo tempo, a manutenção do ofício na área jurídica é o que explica seu ingresso posterior na PUC-SP, por não precisar abdicar de seu emprego para lecionar teoria literária:

Bem, eu fui realmente convidado por Antonio Candido para ser assistente dele. Isso depois do Congresso de Crítica Literária de Assis (SP) e de eu ter publicado na imprensa meus primeiros artigos sobre Oswald de Andrade (“Miramar” e “Macunaíma”, de 63), depois também de eu ter sido escolhido por Candido para escrever os prefácios para a reedição da prosa e da poesia oswaldiana. Aconteceu que eu já tinha carreira feita, no campo jurídico, àquela altura. Nunca tinha dado aulas, achei que mudar de profissão poderia complicar a vida. […] fui convidado por Leyla Perrone-Moisés e Lucrécia Ferrara e dei o meu primeiro curso na pós-graduação da PUC. Tratava-se agora de uma instituição particular e os cursos eram à noite. Além disso, não havia problema de acumulação dos cargos (Ascher, Neto e Campos, 1992).

Ou seja, a aproximação aos debates universitários e o aprofundamento técnico não foram necessariamente acompanhados pela profissionalização acadêmica22. Como parâmetro, a criação da revista Clima pode ser vista como o primeiro impacto da consolidação da universidade nas disputas intelectuais paulistas. Esse padrão de profissionalização iniciado pela vida universitária, das revistas universitárias, não diz respeito só ao tipo de tratamento dispensado aos textos, mas ao ingresso de seus membros enquanto professores universitários e assistentes, a uma atenção e dedicação quase exclusiva ao mundo intelectual. Situação algo contrastante com as escolhas profissionais dos três concretistas: os irmãos Campos na área jurídica e Décio na publicidade. Talvez isso explique que, quando se comparam as produções do grupo de Candido e as dos concretistas, as atuações dos últimos soem panfletárias e polêmicas em seus primeiros textos. Mistos de manifestos com escritos artísticos, repletos de referências acadêmicas, os textos críticos serviam como artilharia para o campo de produção poética, elucidando o próprio projeto poético. Toda a glosa de citações, de referências, de justificações que acompanham esses textos críticos do grupo Noigandres soam como justificativas de demonstração de competência. Basta lembrar que Antonio Candido – mesmo quando ainda na sociologia – e Roberto Schwarz, para pegar dois nomes centrais da cena paulista com os quais os concretistas tiveram que se haver, ingressaram como professores assistentes em cadeiras dentro da universidade, acomodando e aprofundando o treinamento acadêmico tido como legítimo pela posição que a universidade de modo geral vai assumir nas disputas por consagração23. Por conta desses atores, na renovação da crítica literária paulista teve grande importância a sociologia. Esta situação impôs um curioso caso de cruzamento entre poetas estetas do Largo São Francisco e críticos universitários puros, em que os últimos carregam a nódoa sociológica – acusada pelos poetas – enquanto os primeiros professam o purismo da linguagem como defesa – acusada pelos críticos.

Data de 1976 a primeira publicação da reunião de poemas de Haroldo de Campos, Xadrez das estrelas, tornando acessíveis obras antes publicadas em edições pequenas e independentes. Nos anos seguintes, saem reuniões de poemas de Décio Pignatari e Augusto de Campos, inaugurando nova etapa na difusão e discussão de suas obras. Data desse período o poema “Memos”, de Augusto de Campos, citado no começo do artigo. Neste momento, Décio Pignatari e Haroldo de Campos ocupavam já cargos de docente em importantes universidades, além de seus ofícios como publicitário e jurista, e haviam publicado inúmeros livros de ensaios. Augusto de Campos, ainda jurista, dedicava-se à poesia seja em sua produção, seja em tradução e organização – muitas vezes com o irmão – da recuperação de obras de poetas como Kilkerry e Sousândrade. Essa situação explica o teor de estabilização apontado no segundo prefácio do Teoria da Poesia Concreta (Campos, [1975] 2006b). Inaugura-se a ênfase nas trajetórias individuais dos “três poetas do bairro das Perdizes”24.

A tensão entre artesanal e experimentalismo exposta no poema “Memos”, analisado no começo deste artigo, sintetiza o trajeto realizado pelo grupo do Largo de São Francisco até a consagração como poetas de vanguarda e a estabilização em postos importantes para o campo intelectual, momento em que suas obras poéticas ganham edições completas e em que a Teoria da Poesia Concreta se torna um “tacape de emergência a que o poeta se vê obrigado a recorrer, ante a incompetência dos críticos”. O poema invoca os elementos estruturais do projeto criador do grupo, sobrepondo os elementos gestativos do grupo junto a referências à memória e ao tempo. A combinação entre os elementos gráficos e os versos, que impede a leitura destes, encadeia o enigma cuja solução implica revelar os próprios elementos constitutivos do poema – que são os mesmos do grupo. Solucionado, vê-se, a partir da leitura dos versos, que o enigma encerrava uma reflexão sobre o tempo, sobre sua passagem, permitindo estabelecer uma relação entre as raízes do grupo e o momento de escrita do poeta. A alusão a memento mori no centro do poema, que forma uma espécie de solfejo da palavra memória25, vincula morte e memória, num momento de republicação da Teoria da Poesia Concreta, de publicação de suas obras completas e de estabilização da posição ocupada pelo grupo. Isto é, num momento em que se encerra a busca pela consagração e se iniciam as preocupações com a memória sobre a poesia concreta. Este poema, por meio da elaboração de todos esses elementos, representa um marco histórico do grupo no que dele revela e no que dele esconde.

O ataque à geração de 45 liga-se às raízes de suas vidas literárias, o salto político adequa-se ao ambiente universitário – o ingresso posterior nos departamentos de teoria literária e na semiótica responde às ambiguidades formantes de suas posições. Estas agruras impeliram a atuação em grupo no início e a busca posterior pela autoria poética, após o fim do concretismo, quando suas poesias completas são publicadas, curiosamente, depois de toda sua teoria. A formação nos espaços da elite oligárquica, a ausência de lastro político e os contatos familiares26 contribuíram para atuação literária, amparada pela profissão externa ao mundo das artes – mundo jurídico e mundo publicitário. A aproximação às novas formas de especialização da linguagem, sejam os debates das artes plásticas – encabeçadas pela arte concreta – seja a participação nos suplementos especializados de literatura e arte, moldou a dicção do grupo e os desdobramentos de suas produções intelectuais. A tensão trabalhada no poema serve como digital da atuação dos poetas, rastros de seus enfrentamentos, adequações, respostas e reações às transformações profundas processadas no interior do campo literário paulista. O enigma de “Memos” se confunde com o enigma da gênese do grupo.

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  • VARA, Teresa. (1999), "Esboço de figurino". In: AGUIAR, Flávio (org.). Pensamento e militância São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, p. 234.
  • VITA, Dante Alighieri. (21 nov. 1954), "Haroldo de Campos: expressionismo e psicanálise". Correio Paulistano, São Paulo, p. 6.
  • ZIMMERMANN, Rüdiger. (2006), "Wie Dietz zur Schlange kam - Die Erfindung des Verlagssignets". In: GRAF, Angela et al. Empor zum Licht! Bonn, Dietz, pp. 59-77.
  • 1
    . Título inspirado na entrevista realizada por Nelson Ascher e Alcino Leite Neto, “A vida concreta de Haroldo de Campos” (Ascher, Leite Neto e Campos, 1992). Gostaria de agradecer as leituras dos pareceristas e do Núcleo de Sociologia da Cultura, especialmente as contribuições dadas por Fernando Antonio Pinheiro Filho, Sergio Miceli, Luiz Carlos Jackson, Flavia Brites Martins e Dimitri Pinheiro
  • 2
    . As questões levantadas por este artigo, inspiradas pela Sociologia da Cultura de Pierre Bourdieu, partem da consideração da particularidade das estruturas de produções simbólicas, no sentido de entendê-las com base na relativa autonomia que detêm em relação às demais esferas do mundo social. Isso importa para a compreensão das relações de produção e concorrência entre os agentes, por imporem sentidos específicos que revestem suas escolhas e atuações. Em paralelo à apreensão das condições de possibilidade das produções culturais, cumpre compreender, neste caso específico, as dinâmicas da literatura em seus próprios termos, procurando estabelecer as relações de contato entre elementos sociais e elementos estéticos sem reduzi-los um ao outro – o que se busca, de fato, é o contrário: que ambos se iluminem mutuamente. Disso derivam a leitura proposta do poema, bem como as questões inventariadas acerca dos elementos pertinentes à trajetória dos poetas.
  • 3
    . Considera-se o fim da poesia concreta enquanto movimento articulado o último número da revista invenção em 1967. Ver Aguiar, 2005, pp. 155-59.
  • 4
    . Outros nomes desconhecidos publicados pela coleção, a título de exemplo: Manuel da Cunha Pereira, César Mêmolo Júnior, André Carneiro e Cyro Pimentel.
  • 5
    . Graças ao depoimento de Marcelo Ridenti sobre a participação do pai na vida intelectual da Faculdade de Direito da USP neste mesmo período e à consulta a volumes da coleção, é possível aquilatar a dimensão minúscula dessas publicações e o caráter de celebração de grupo pequeno e privilegiado próprio desse ambiente universitário.
  • 6
    . Consta a participação de Mário Chamie na agremiação da Academia de Letras do Largo São Francisco, o que permite inferir certa circulação dos irmãos Campos nesse espaço. Evidentemente que o espaço poroso e descompromissado de uma agremiação estudantil não representa certo compromisso profissional ou estatutário com a literatura. Expõe, todavia, o lugar da literatura na formação dos estudantes de direito no período.
  • 7
    . O depoimento de Franchetti na Introdução de seu livro revela como a produção teórica e poética dos poetas concretos vem à luz na década de 1970 – quando até então contava com tiragens minúsculas. O investimento na publicação em 1965 de um livro com suas teorias (Campos, Pignatari e Campos, 2006) é expressão da importância da crítica literária no período, a nosso ver. Em 1975 é republicada a Teoria da Poesia Concreta; em 1976, Xadrez das estrelas, coletânea de poesias de Haroldo de Campos; em 1977, Poesia pois é poesia, de Décio Pignatari; em 1979, Poesia 1949-1979, de Augusto de Campos.
  • 8
    . Ver entrevista de Décio Pignatari de 1998 no programa Veredas Literárias na TV Cultura.
  • 9
    . “Os paulistas já se vinham intitulando ‘concretistas’, para distinguir-se dos ‘abstracionistas’.” Em Campos e Gonçalves, 2007.
  • 10
    . Tome-se, por exemplo, a crítica realizada no suplemento literário do Correio Paulistano, em que eram apresentados poetas paulistas. Haroldo de Campos é apresentado pelo crítico Dante Alighieri Vita (1954) – também formado em Direito no largo São Francisco – como vindo da tradicional família paulista e com destaque para sua formação na mesma faculdade. Datado de 1954, o texto toma a poesia de Haroldo de Campos como expressionista e próxima da psicanálise, coloca-o como pertencente à geração de 1948 paulista, provavelmente em referência ao Congresso dos Escritores e ao Clube de Poesia, e o aproxima de poetas como Fernando Whitaker e Cyro Pimentel – o primeiro formado também em Direito na USP e o segundo médico publicado pela coleção Novíssimos.
  • 11
    . Importante frisar que, dos 28 escritos do livro Teoria da Poesia Concreta – compilação de textos e manifestos do grupo no período de “vigência” do movimento concretista, que abarca de 1950 a 1965 –, nove foram publicados no Jornal do Brasil, enquanto cinco na revista Ad – Arquitetura e decoração, quatro no Correio Paulistano e os demais em revistas e jornais diversos.
  • 12
    . Em postagem numa rede social, Augusto de Campos esclarece o acontecido: “Por causa desses dois poemas [“CUBAGRAMMA”, do próprio, e “ESTELA CUBANA” (Stèle pour Vivre 2, de Décio Pignatari)], a Revista dos Tribunais recusou-se a editar esse número de Invenção, que acabou saindo com o selo do editor Massao Ohno […]. No conselho da Invenção, Décio, Haroldo, eu e Ronaldo ganháramos por 4 x 3, e decidíramos pela publicação dos poemas, contra os votos do grupo de velhinhos, encabeçado por Cassiano Ricardo. A Revista dos Tribunais acabou solicitando uma reunião de última hora, via Cassiano, para discutir os poemas. Sondado previamente, Massao comprometera-se conosco a comprar o material. Cumpriu a palavra e carimbou o nome da sua editora no livro, capa e tudo. A reunião na sede da Revista dos Tribunais foi a mais curta de que participei em minha demasiada vida. Um diretor enfurecido berrou: ‘Nós não publicamos poemas de comunistas!’. Décio, que figurava como nosso diretor, por ser o único que tinha carteira de jornalista, tomou a palavra e respondeu tranquilamente, curto e grosso: ‘Então você não é mais nosso editor’. Viramos as costas e saímos sem nos despedir. Cassiano ficou” (Campos, 2023).
  • 13
    . “A “Semana Nacional de Poesia de Vanguarda”, em Minas Gerais, quando se somam à poesia concreta os poetas Affonso Ávila e Laís Correa de Araújo e os ensaístas Luiz Costa Lima e Benedito Nunes (o grupo Actitud, de Buenos Aires, também estabelece contatos com o grupo a partir desse evento” (Aguilar, 2005, p. 367).
  • 14
    . A título de expressão da disputa, em depoimento a Marcelo Ridenti, Ferreira Gullar afirma ter recebido várias submissões dos poetas concretos para poemas nas revistas Violão de Rua, que foram prontamente negadas (Ridenti, 2014).
  • 15
    . Título do poema publicado na primeira edição da revista Noigandres, em 1952. Significa “ao Augusto pelo difícil”. É significativa a alteração da expressão original latina ad augusta per angusta com o sentido de “ao sublime pelo difícil”. Ver Nuernberger, 2018.
  • 16
    . Vale citar: “A lembrança que eu tenho de papai é ele ao piano, a mamãe perto, Augusto e eu juntos, cantando músicas, composições dele próprio, do Noel Rosa, do Sinhô. Não tínhamos biblioteca, papai não veio de família que tivesse uma. Augusto e eu, aos poucos, fomos formando nossa biblioteca”.
  • 17
    . O fascínio pela modernização, expresso em diversos manifestos da poesia concreta, encontra ressonância nestas memórias de infância: “Lembro da Cooperativa, com suas instalações azulejadas de branco, sua maquinaria reluzente, para nós uma verdadeira féerie. Nos domingos, às vezes, papai nos levava a visitar o lugar, quase vazio. Descíamos escadas em caracol, víamos as máquinas de tratamento do leite, os frigoríficos de portas blindadas. Era uma coisa bonita, que nos fascinava” (Campos, 1992).
  • 18
    . “Assim, a herança acumulada pelo trabalho coletivo apresenta-se a cada agente como um espaço de possíveis, ou seja, como um conjunto de sujeições prováveis que são a condição e a contrapartida de um conjunto circunscrito de usos possíveis.” (Bourdieu, 1996, pp. 24-35).
  • 19
    . Vejo aqui certa referência ao grupo Clima.
  • 20
    . “Tomás Maldonado nasceu em Buenos Aires em 1922. Estudou na Academia Nacional de Bellas Artes Prilidiano Pueyrredón e desenvolveu desde cedo grande interesse pela arte europeia e pela vanguarda russa, especialmente o Construtivismo. No começo dos anos 1940 ingressa nos debates estéticos em Buenos Aires e, ao final de 1945, fundou o grupo Arte Concreto-Invención, junto a outros jovens artistas que se tornariam expoentes do abstracionismo na Argentina.” (Cruz, 2003).
  • 21
    . Haroldo de Campos o descreve assim, em 1992: “Décio, que morava em Osasco, no subúrbio, era para nós uma personalidade curiosa, estimulante, era um sujeito de outra formação. Nós o havíamos conhecido na Faculdade de Direito, graças a um artigo de Sérgio Milliet […]. Décio vinha de um mundo mais ligado ao mundo obreiro de São Paulo. Era uma pessoa de uma classe média, economicamente falando. Mas passara toda a infância ao lado de filhos de operários, jogando futebol, enfim, vivendo uma realidade muito diferente da nossa […]. O Décio era aquele terceiro irmão que nos faltava, que representava realmente a diferença” (Campos, 1992).
  • 22
    . A sugestão da importância da ida de Haroldo de Campos para a PUC-SP para a área da crítica literária parte do artigo de Leda Tenório da Motta (1998)Clima e Noigandres: a crítica literária brasileira entre dois fogos”, dos embates entre os irmãos Campos e Roberto Schwarz acerca do livro O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos, de Haroldo de Campos, e do acalorado debate entre eles acerca do poema “Pós-tudo”. Elementos que conferem a tensão entre os “‘sociólogos’ da USP e os ‘formalistas’ da PUC”, conforme expressão de Alcir Pécora (2011).
  • 23
    . “Um dos principais móveis das lutas literárias é o monopólio da legitimidade literária, isto é, entre outras coisas, o monopólio do poder de dizer com autoridade quem está autorizado a se chamar de escritor ou mesmo a dizer quem é escritor e quem tem autoridade para dizer quem é escritor; ou, se preferirem, o monopólio do poder de consagração dos produtores ou dos produtos” (Bourdieu, 2025, p. 182).
  • 24
    . “Muitos gostariam que a poesia concreta não tivesse passado de fantasia. A esta altura, acho que até nós mesmos. Porque ela existiu demais e a sua realidade se tornou, afinal, tão ubíqua e palpável que quase chegou a nos engolir individualmente sob um rótulo anonimizador: os ‘concretistas’.” (Campos, 2006b, p. 15).
  • 25
    . “MEMO MORI ORIA.”
  • 26
    . Um tio que os introduziu ao poeta e ensaísta Mário da Silva Brito, que os apresentou à geração de 45 e, em 1949, a Oswald de Andrade (Campos, 1992).
  • Editor
    Alexandre B. Massella

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2025
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2025

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2024
  • Aceito
    20 Jan 2025
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