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Il biennio nero Fascismo, antifascismo e violência política

Il biennio nero: fascism, antifascism and political violence

Resumo

Logo após a experiência operária das lutas do chamado Biennio rosso (Biênio vermelho) na Itália entre 1919 e 1920, surgiram várias organizações armadas de ex-combatentes da Grande Guerra, trabalhadores e trabalhadoras com o objetivo de resistir às violentas incursões dos esquadrões fascistas contra os setores populares tanto na cidade quanto do campo. O Biennio nero (1921-1922), que marcaria a ascensão fascista até a Marcha sobre Roma e a chegada ao poder de Benito Mussolini, conheceria, no entanto, alguns episódios de vitória popular em armas contra o fascismo num ambiente de guerra civil. A organização protagonista dessa resistência operária armada pelo território italiano foram os Arditi del popolo. O artigo pretende acompanhar esse período de forma sucinta, com a ajuda de recente historiografia italiana, para contextualizar e apresentar a análise de Gramsci sobre tal experiência histórica, tanto em seus textos publicados à época no L’Ordine Nuovo, quanto posteriormente, em suas reflexões carcerárias. A hipótese é que, embora tenha aprofundado, no cárcere, sua análise teórica das relações político-militares de classe, Gramsci nunca mudou de ideia sobre a necessidade de os grupos subalternos organizarem formas de resistência “ilegais”, fora da institucionalidade vigente, como parte da luta de hegemonias.

Gramsci; Hegemonia; Violência política; Arditismo; Arditi del popolo.

Abstract

Shortly after the workers’ experience of the so-called Biennio Rosso struggles in Italy between 1919 and 1920, several armed organizations of ex-combatants of the Great War and workers emerged, with the aim of resisting the violent incursions of fascist squads against popular sectors both in the city and in the countryside. The Biennio nero (1921-1922), which would mark the fascist rise to the March on Rome and the coming to power of Benito Mussolini, would nevertheless experience some episodes of popular victory in arms against fascism in an atmosphere of civil war. The main organization of this armed worker resistance by the Italian territory were the Arditi del popolo. The article intends to follow this period succinctly, with the help of recent Italian historiography, to contextualize and present Gramsci’s analysis of such historical experience, both in his texts published at the time in L’Ordine Nuovo and later in his reflections prisons. The hypothesis is that although he has deepened his theoretical analysis of political-military class relations, Gramsci never changed his mind about the need for subaltern groups to organize “illegal” forms of resistance, outside the current institutional framework, as a part of the struggle of hegemonies.

Gramsci; Hegemony; Political violence; Arditism; Arditi del popolo.

Introdução

Abordar o tema da violência política com base nos escritos de Gramsci significa localizá-lo como parte daquela tradição do pensamento político que concebe a violência como possível desdobramento lógico das relações de força entre grupos em sociedade1. Para o pensamento marxista e, portanto, para Gramsci, tais grupos são, principalmente, as classes sociais. Nesta perspectiva, tratar da violência política também significa abordar os limites legais da ação política além dos quais a violência aparece, seja a do Estado, para “recompor” a ordem institucional, seja a de fora do Estado, que via de regra também é contra o Estado. Ou melhor, contra a ordem institucional vigente no interesse de determinada classe social.

Em situações históricas ameaçadoras para determinado modelo institucional de dominação de classe, esta própria “legalidade” é modificada, ou mesmo abandonada por esta classe social, em nome de sua sobrevivência material. Marx (2011)MARX, Karl. (2011), O 18 de brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, Boitempo. foi o primeiro a demonstrá-lo em seu “Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”. Já Engels, diante do crescimento partidário e eleitoral irrefreável da social-democracia alemã no final do século XIX, afirmara que a única solução para a burguesia seria “violar pessoalmente essa legalidade que lhes é tão fatal […]. Violação da Constituição, ditadura, retorno ao absolutismo […]”. Ciente das plenas possibilidades de uma manobra autoritária que suprimisse as próprias leis e os direitos políticos de milhões de eleitores operários socialdemocratas, advertia que “se uma das partes romper o contrato, caduca todo o contrato, a outra parte também não estará mais obrigada por ele” (Engels, 2012ENGELS, Friedrich. (2012), “Prefácio”. In: MARX, Karl. As lutas de classes na França. São Paulo, Boitempo, pp. 9-31., p. 30).

Para Marcuse, comentando edição do “Dezoito Brumário” de Marx em 1965, existiria um “conflito entre a forma política e o conteúdo social da dominação da burguesia” (Marcuse, 2011MARCUSE, Herbert. “Prólogo”. (2011), In: MARX, Karl. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, Boitempo, pp. 9-16., p. 10). Afirma que a liquidação do período liberal se consuma por causa da própria estrutura do Estado liberal. A burguesia já não consegue governar, seus princípios liberais de liberdade e igualdade se voltam contra ela, sendo brandidos agora pelo proletariado, que cobra o cumprimento das promessas das revoluções burguesas. Surge o aparato político militar “encabeçado por um líder carismático” que toma o lugar da burguesia, já impotente, nas decisões do Estado. A burguesia só pode ser salva pela “dominação autoritária, pelo exército, pela liquidação e traição de suas promessas e instituições liberais”. Em suma, a classe dominante precisa liquidar agora não apenas o movimento socialista, mas as instituições de sua própria criação, que começaram a entrar em contradição “com o interesse da propriedade e do negócio” (Idem, p. 11).

Gramsci mesmo aborda a questão em artigo publicado no L’Ordine Nuovo de 28 de agosto de 1921 (“Legalità”), em um momento significativo da resistência armada contra o esquadrismo fascista na Itália. Analisando a legalidade fascista, sustenta que a definição do que seja “legal” ou “ilegal” depende diretamente da relação entre “forma” e “substância” da dominação estatal burguesa (Gramsci, 1967GRAMSCI, Antonio. (1967), Socialismo e fascismo. L’Ordine Nuovo 1921-1922. Torino, Giulio Einaudi., p. 304). Critica o entusiasmo vão dos ideólogos da democracia liberal pelo estatuto do sufrágio universal, sem que se dessem conta de que “a legalidade possuía duas faces: uma interna, a substancial; outra externa, a formal”. A face formal é exatamente aquela em que a burguesia mantém para si e para os trabalhadores o direito de voto, da organização partidária, da competição eleitoral. A face substancial é aquela que considera como violação da legalidade qualquer ataque à “propriedade privada e aos lucros derivados dela” (Gramsci, 1967GRAMSCI, Antonio. (1967), Socialismo e fascismo. L’Ordine Nuovo 1921-1922. Torino, Giulio Einaudi., p. 305). Nos momentos históricos em que tais ataques pareçam excessivamente ameaçadores, a inversão nas prioridades entre forma e substância é efetivada sem cerimônias ou escrúpulos.

Este texto apresentará justamente a análise gramsciana da violência política e da subversão da institucionalidade burguesa na experiência histórica italiana da ascensão fascista, nos últimos dois anos antes da tomada do poder por Mussolini, e da resistência popular antifascista organizada em armas, os Arditi del popolo. O objetivo é tentar elucidar o método gramsciano de análise da temática da violência e demonstrar as maneiras como Gramsci acolhe as possibilidades de luta que se deem por fora e em oposição à legalidade vigente. Isso será feito em quatro partes. A primeira apresentará os traços gerais do arditismo como fenômeno militar da Grande Guerra; na segunda, será exposta, de forma concisa, a história do surgimento dos Arditi del popolo a partir do próprio fenômeno do arditismo de guerra; a terceira debaterá as características principais das reflexões de Gramsci de caráter político-militar; a quarta parte discutirá as análises de Gramsci defronte à experiência do arditismo popular; finalmente, seguir-se-ão as considerações finais deste trabalho.

Arditismo

Os arditi italianos originais eram destacamentos de elite das tropas terrestres, criados na segunda metade da Grande Guerra para o cumprimento de missões específicas, que avançavam sobre as linhas inimigas. Formavam grupos de combatentes apartados do restante da tropa, recebendo armas e treinamento especiais (Pirocchi, 2004PIROCCHI, Angelo. (2004), Italian Arditi: elite Assault Troops 1917-1920. Oxford, Osprey., p. 46)2 2 . Com relação às suas condições de surgimento, Gramsci observa que o arditismo como função político-militar “ocorreu nos países politicamente não homogêneos e enfraquecidos, tendo como expressão um exército nacional pouco combativo e um estado-maior burocratizado e fossilizado na carreira” (Gramsci, 2001, p. 122). . Os soldados comuns costumavam vê-los como grupos privilegiados, que cumpriam tarefas especiais e não eram obrigados a permanecer na insustentável condição da vida nas trincheiras.

Após a guerra, dadas a frustração pela ausência de conquistas italianas significativas, a dissolução de sua imagem de heróis de guerra e sua consequente dispersão no meio civil, os arditi passaram a cultivar características políticas específicas, como o antiparlamentarismo ressentido e a hostilidade contra a grande burguesia. Mas evocavam também em seu seio um antissocialismo visceral, devido à anterior resistência operária à guerra, e um intenso patriotismo: “tudo isso contribuirá para alimentar o mito do ardito combatente, que ferozmente fora ao encontro da morte, cantando seu amor pela pátria” (Garofalo, s/dGAROFALO, Damiano. (s/d), Arditi del popolo: storia dela prima lotta armata al fascismo (1917-1922), pp. 1-15. Disponível em http://www.comunismoecomunita.org/wp-content/uploads/2010/04/Arditi_del_popolo.pdf, consultado em 7/1/2017.
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, p. 1).

Por causa de tais características de identidade, do descontentamento político e do contexto nacional de crise política e econômica, convergiram para a criação de uma organização própria. A Associazione fra gli Arditi d’Italia foi fundada em 1º de janeiro de 1919. Seu estatuto continha reivindicações patrióticas e sindicalistas, mas também questões políticas de matiz democrático e revolucionário, além de explícita aversão ao sistema parlamentar de partidos. Em seguida, a associação recebeu maciço apoio material do movimento futurista e se aproximou organicamente dele, movimento que atingiu seu emblema ideológico na exaltação da “guerra de regeneração” (Idem, p. 2). A ascensão acelerada da organização ocorreu quando os industriais começaram a contribuir financeiramente com ela num arranjo antissocialista. A associação começou então a se aproximar cada vez mais das posições dos Fasci di combattimento, os esquadrões fascistas de Mussolini.

Em 10 de novembro de 1918 Mussolini participou de um encontro de arditi num café no centro de Milão, onde os interpelou em diapasão nacionalista:

Arditi! Soldados companheiros! Eu os defendi quando o covarde filisteu os difamou […] O raio de seus punhais e o rugido de suas bombas farão justiça a todos os miseráveis que quiseram impedir a marcha da maior Itália. Ela é de vocês! […] Para vocês! (Il Popolo d’Italia, 25 novembre 1918, como citado em Garofalo, s/dGAROFALO, Damiano. (s/d), Arditi del popolo: storia dela prima lotta armata al fascismo (1917-1922), pp. 1-15. Disponível em http://www.comunismoecomunita.org/wp-content/uploads/2010/04/Arditi_del_popolo.pdf, consultado em 7/1/2017.
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, p. 2, tradução minha).

Em pouco tempo um pacto provisório foi formado, e o antissocialismo fora o cimento comum que uniu arditismo e fascismo. As autoridades militares e a grande burguesia saudaram o novo movimento ao perceberem imediatamente sua utilidade na luta antioperária. Ao longo de 1919 e dos primeiros meses de 1920, arditismo e fascismo (e futurismo) formaram um único bloco orgânico. A entrada em cena dos arditi nas convulsões sociais de 1919 assinalou um verdadeiro salto qualitativo na luta política entre as classes subalternas e hegemônicas, na medida em que introduziu o emprego de meios modernos e de técnicas de ataque em chave contrarrevolucionária e antipopular (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., p. 20).

Entretanto, a ação contrarrevolucionária preventiva teve pernas curtas entre os arditi. As contradições começaram a se impor. O choque entre uma perspectiva teórica revolucionária e a prática reacionária emergiu: o giro definitivamente conservador do fascismo e as agitações e revoltas do Biennio rosso forçaram parte significativa dos arditi a escolher a trincheira na qual combater em definitivo. Dados seu antiparlamentarismo partidário e a hostilidade à alta burguesia, a aproximação cada vez maior do fascismo com o capital monopolista causava desconforto entre os arditi, que foram se afastando de Mussolini. A consolidação do terrorismo fascista (squadrista) também afastou definitivamente os futuristas, e o intervencionismo democrático-resorgimentale, do movimento fascista (Garofalo, s/dGAROFALO, Damiano. (s/d), Arditi del popolo: storia dela prima lotta armata al fascismo (1917-1922), pp. 1-15. Disponível em http://www.comunismoecomunita.org/wp-content/uploads/2010/04/Arditi_del_popolo.pdf, consultado em 7/1/2017.
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, p. 4). Apesar dos apelos fascistas, a maioria dos ex-combatentes regulares se postou contra o fascismo e o nacionalismo, propondo a superação dos confrontos civis por meio de um programa democrático.

Os primeiros problemas aconteceram já no verão de 1919, quando parte dos arditi se aproximou cada vez mais dos socialistas na luta contra as classes dirigentes e a política parlamentar, rebelando-se contra Mussolini. Alguns arditi também começaram a colaborar com o diário socialista L’Avanti. Quando, em 12 de setembro de 1919, Gabriele D’Annunzio ocupou a cidade de Fiume com seus legionários, a maioria era formada por ex-arditi e estes foram os primeiros a entrar na cidade, formando, sob o comando de D’Anunzzio, o corpo dos “Legionários Fiumianos”. Tais “Legionários”, em sua maioria, eram compostos por uma importante corrente ardita de inspiração anarcorrevolucionária e guiados, desde janeiro de 1920, pelo sindicalista revolucionário Alceste De Ambris (Garofalo, s/dGAROFALO, Damiano. (s/d), Arditi del popolo: storia dela prima lotta armata al fascismo (1917-1922), pp. 1-15. Disponível em http://www.comunismoecomunita.org/wp-content/uploads/2010/04/Arditi_del_popolo.pdf, consultado em 7/1/2017.
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, p. 3).

Boa parte dos legionários fiumianos mantinha um posicionamento declaradamente antifascista, seja antes, durante ou depois do advento do fascismo ao poder. Aqui se devem levar em consideração também os contatos que D’Annunzio e os fiumianos mantiveram com os líderes do movimento operário organizado – entre eles, Bombacci e Serrati –, com alguns sindicalistas revolucionários – Baldesi e D’Aragona – e com elementos anarcoinsurrecionalistas de destaque – entre eles Malatesta – de 1920 a 1922. Por isso se podem considerar apressadas as afirmações sobre o movimento D’Annunziano ter sido, estritamente, um ensaio fascista. Observa-se, por exemplo, que, por trás dos ataques à política parlamentar e à monarquia, não se encontravam apenas intentos autoritários e elitistas, mas as mesmas críticas à democracia burguesa que, apenas um ano depois, constituiriam a premissa para o nascimento do PCd’I. Tudo isso pode explicar como “a primeira organização antifascista [ou seja, os Arditi del popolo] tenha sido herdeira do ribellismo pós-bélico em geral e do espírito fiumiano em particular” (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., pp. 33-4)3 3 . A Constituição de Fiume (Reggenza italiana del Carnaro), feita por Alceste de Ambris, ele próprio sindicalista revolucionário, encerrava uma política externa filossoviética, previa todas as liberdades políticas, direito de voto às mulheres, educação laica e popular, voto dos soldados e controle e revogabilidade dos cargos políticos, nacionalização de portos e ferrovias e condicionava a propriedade privada ao trabalho. Bordiga, por exemplo, elogiou a proposta avançada da “Carta” em artigo numa publicação chamada Prometeo, de 15 de janeiro de 1924 (Francescangeli, 2008, p. 33). .

Após o distanciamento em relação ao movimento fascista – cada vez mais um braço armado da reação patronal –, os arditi formaram fileiras no flanco operário e se amotinaram contra a intervenção italiana na Albânia, participando ativamente da Revolta de Ancona de junho de 1920. Em maio de 1921 a linha filofascista da Associação Nacional dos Arditi da Itália tornou-se minoria, por causa do aumento da violência dos esquadrões fascistas, e a associação retomou os laços com D’Annunzio, após tê-lo acusado de filossovietismo. Seu comitê central aceitou como programa a Carta de Carnaro (Constituição de Fiume)4 4 . Ver nota anterior. e convidou os arditi membros dos Fasci di Combatimento a abandonarem as fileiras fascistas. No entanto, tratava-se de uma postura, na verdade, equidistante entre fascismo e socialismo, à qual outra minoria passou a se opor abertamente: a componente anarcorrepublicana liderada pelo ex- tenente ardito Argo Secondari, que decidira unir-se militarmente ao proletariado, então duramente atacado pela reação burguesa e fascista. Assim foi fundada, em julho de 1921, a Associazione degli Arditi del Popolo (Garofalo, s/dGAROFALO, Damiano. (s/d), Arditi del popolo: storia dela prima lotta armata al fascismo (1917-1922), pp. 1-15. Disponível em http://www.comunismoecomunita.org/wp-content/uploads/2010/04/Arditi_del_popolo.pdf, consultado em 7/1/2017.
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, p. 4).

Os Arditi del popolo

A violência política que irrompeu na sociedade italiana, bem como em outras partes da Europa, após a Grande Guerra teve como elementos propulsores os conflitos sociais e políticos resultantes da tragédia social e humanitária que se abateu sobre operários, trabalhadores rurais e setores médios urbanos no imediato pós-guerra. A formação, bem como o desenvolvimento e a dissolução do arditismo militar já haviam sido expressão imediata desse estado de debilidade econômica e social no âmbito das forças armadas (como arma especial de tropas enfraquecidas e imobilizadas). O fenômeno conheceria, no entanto, novos desdobramentos político-militares posteriores à guerra (Rossi, 2011ROSSI, Marco. (2011), Arditi, non gendarmi! Dalle trincee alle barricate: arditismo di guerra e arditi del popolo (1917-1922). Pisa, Biblioteca Franco Serantini Edizioni., p. 23).

Desde o início de 1921, a ofensiva fascista promovia cotidianamente assassinatos de operários, militantes de esquerda ou não, em várias localidades e diferentes contextos pelo território italiano. De forma mais ou menos organizada, mais ou menos espontânea, o movimento operário começou a responder militarmente. Além da reativação, em alguns locais, das “guardas vermelhas” oriundas do movimento anterior de ocupação de fábricas, surgiram também grupos de autodefesa, sob a iniciativa de núcleos de combatentes populares oriundos de várias tendências à esquerda do espectro político: socialistas, anarquistas, comunistas, republicanos, sindicalistas. Milícias vermelhas se armavam e jovens militantes se organizavam no plano militar (Idem, p. 101)5 5 . Eram, em geral, formações de defesa armada proletária. Esses grupos assumiram as mais diversas denominações de acordo com a orientação política prevalecente e a região do país. Nesta nota apresentamos um elenco delas, perfil político-ideológico e região de atuação, segundo Francescangeli (2008, pp. 245-246): Formações existentes antes da constituição “oficial” dos Arditi del popolo entre 1919 e julho de 1921: Abasso la legge (Carrara – anarquistas); Centurie proletarie (Torino – comunistas e socialistas); Gruppi arditi Rossi (Venezia Giulia – socialistas e comunistas); Gruppi rivoluzionari d’azione (Torino – anarquistas e socialistas); Guardie Rossi (Torino e outros centros industriais – socialistas); Figli di nessuno (Genova e outras cidades da Itália norte-ocidental – anarquistas); Lupi Rossi (Genova – socialistas) e Squadre d’azione antifascista (Livorno – anarquistas e comunistas). Formações atuantes a partir de julho de 1921 até dezembro de 1922: Arditi del popolo (várias regiões da Itália – Frente Única); Arditi Rossi (Trieste – comunistas); Legione arditi proletari “Filipo Corridoni” (Parma e província – sindicalistas revolucionários e republicanos); Squadre comuniste d’azione (Itália norte-ocidental e principais cidades – comunistas); Squadre d’azione repubblicane ou Avanguardie repubblicane (Romagna e Marche – republicanos). Formações associadas à estrutura nacional dos Arditi del popolo: Arditi ferrovieri (Milano e outras cidades – frente única); Associazione volontaria italiana per la difesa proletária (Pontedera – anarquistas, comunistas e socialistas); Centurie proletarie (Basso Friuli – frente única); Ciclisti Rossi (Cremonese, Polesine, Venezia Giulia – anarquistas, comunistas e socialistas); Corpo di difesa operaia (Torino – Frente Única); Guardie rosse volante (Crema – comunistas e socialistas); Squadre d’azione per la difesa proletária (Fermo – anarquistas e comunistas) (Francescangeli, 2008, pp. 269-270). . No segundo semestre de 1921, essas organizações armadas operárias e populares atingiram um contingente total de quase 20 mil combatentes antifascistas, mas antes do final do ano, após a tomada de poder definitiva pelo fascismo apoiado pelas forças de segurança oficiais, iriam se reduzir para menos de 6.500 (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., p. 257)6 6 . O autor apresenta o número exato de 19.567 pessoas comprovadamente em armas (Francescangeli, 2008). .

Para Spriano (1976SPRIANO, Paolo. (1976), Storia del Partito Comunista Italiano: da Bordiga a Gramsci. Torino, Giulio Einaudi., p. 145), o caráter unitário e espontâneo da organização, ao mesmo tempo que sua fragilidade seriam evidências do esforço popular de construir uma rede de resistência armada “a partir do nada”. Por todo o território italiano se promovem subscrições populares e arrecadação de fundos para aquisição de armas:

Que tanto entusiasmo se exprima sem qualquer incentivo, ao contrário, em meio à desconfiada inércia dos partidos, é a prova de que a vontade de resistir das massas, ou pelo menos de suas vanguardas, precisa absolutamente de um centro de centralização e coordenação (Spriano, 1976SPRIANO, Paolo. (1976), Storia del Partito Comunista Italiano: da Bordiga a Gramsci. Torino, Giulio Einaudi., p. 145, tradução minha).

Com o nascimento em Roma, aos 6 de julho de 1921, da Associazione Arditi del Popolo, a maior parte dessas estruturas de resistência se fundiria com a nova organização nacional liderada por Argo Secondari, tenente dos corpos de assalto dos arditi durante a guerra7 7 . Para um minucioso estudo sobre os grupos da luta armada e revolucionária em Roma e suas várias tendências (anarquistas, sindicalistas, comunistas, republicanos, socialistas) do pós-guerra até a ascensão do fascismo, ver Gentili (2010). . Secondari colocava-se, então, na liderança de milhares de ex-combatentes e voluntários que passavam a constituir a primeira manifestação do antifascismo organizado e declarado (Francescangeli, 2011FRANCESCANGELI, Eros. (2011), “Il petardo dell’adunata”. In: ROSSI, Marco. Arditi, non gendarme! Dalle trincee alle barricate: arditismo di guerra e arditi del popolo (1917-1922). Pisa, Biblioteca Franco Serantini, pp. 7-14., p. 8).

Dentre as associações preexistentes que se fundiriam aos Arditi há dois casos particularmente interessantes. O primeiro são os Figli di nessuno. A denominação sui generis resultava justamente da ausência de uma paternidade política específica de seus componentes, majoritariamente anarquistas e comunistas irmanados na prática comum da ação direta. Era um dos vários grupos que se lançavam às ruas “como expressão do difuso antagonismo social e da aversão de classe em relação aos poderes constituídos” (Rossi, 2011ROSSI, Marco. (2011), Arditi, non gendarmi! Dalle trincee alle barricate: arditismo di guerra e arditi del popolo (1917-1922). Pisa, Biblioteca Franco Serantini Edizioni., p. 102, tradução minha). Ainda no mês de julho, autoridades policiais transmitiram ao Ministério do Interior o estatuto dessa “secreta associação comunista”, obtido por um espião. O documento, dividido em doze pontos, trazia como identificação de cabeçalho: “Grupo ‘Figli di Nessuno’ – Sezione di Genova, Statuto per le esquadre d’azione proletaria”, e designava como inimigos a abater “qualquer organização patriótica” e “os grupos burgueses e quem os proteja”. O sexto ponto do estatuto lembrava ao militante de, nas ruas ou nas barricadas, atirar contra o “próprio pai, a própria mãe ou outro parente” se fosse o caso, pois “quem é contra o proletariado é nosso inimigo” (Idem, ibidem).

Outro registro incontornável sobre os grupos pertencentes à estrutura nacional dos Arditi del popolo é a mobilização feminina de combate, ou as Ardite rosse, apontadas pelos órgãos policiais de Trieste como uma “estrutura feminina colateral àquela dos mais conhecidos Arditi Rossi e constituída por aproximadamente duas dezenas de integrantes” (Idem, p. 104). Amplamente minoritárias num ambiente quase totalmente masculino, sua presença chama a atenção “se se considera que a organização ardito-popular não previa a presença feminina e admitia apenas jovens homens de idade superior aos dezoito anos”. Há vários relatos, registros policiais e de esquadristas fascistas, inclusive, que dão conta de passagens de feroz engajamento feminino nos enfrentamentos de rua. Na militância intelectual, as mulheres socialistas, por exemplo, se mostraram mais lúcidas e decididas do que seus dirigentes, contestando abertamente a histórica e notória postura de passividade por eles adotada diante da luta contra o fascismo. Em um artigo publicado no jornal La Difesa delle Lavoratrici, em 30 de julho de 1921, se afirmava que “a ‘resistência passiva’ da parte do proletariado não faz mais do que encorajar os inimigos e criar, com a cumplicidade do governo, inúmeras vítimas” (Idem, p. 106). Dos registros policiais da época, provavelmente limitados, contam-se pelo menos 35 mulheres assassinadas pelos esquadristas fascistas entre 1919 e 1922.

A organização liderada por Secondari representava a oposição absoluta e violenta ao fascismo. Sem dúvida, era herdeira “espiritual” do arditismo de guerra e da experiência d’annunziana de Fiume, e seus integrantes tinham em comum um forte desejo de justiça social que os afastara tanto mais de Mussolini quanto mais o fascismo avançara e reivindicara sua função antiproletária. Após sua fundação e pelos doze meses seguintes, o termo ardito transformou-se em sinônimo de ardito del popolo, reforçando a ligação entre as duas experiências, a formação de grupamentos especiais de assalto e a luta popular contra o fascismo (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., p. 9)8 8 . Como observa Francescangeli (idem), a notícia da formação dos Arditi del popolo chegara rapidamente a Moscou e fora elogiada pelo próprio Lênin durante o III Congresso da Internacional Comunista. Criticando o que seria a precipitação do levante de março de 1921 na Alemanha, o líder russo conclama os partidos da Terceira Internacional a prepararem-se e coordenarem-se melhor para a ação: “A interpretação mais importante da coordenação é a seguinte: imitar melhor e mais rapidamente os bons exemplos. É bom o exemplo dos operários de Roma” (Lênin, 1968, pp. 306-307, tradução minha). .

A ofensiva fascista avançava aceleradamente, contando com fortes subvenções do patronato agrário e industrial e, cada vez mais, com as forças policiais. Os esquadristas não apenas não eram admoestados pela polícia, mas chegavam mesmo a ocupar as mesmas sedes da força pública. Em cada região do país, o inimigo escolhido era aquela organização ou partido nos quais a adesão do proletariado era maior. Nessas circunstâncias, nos confrontos armados nos quais os fascistas terminavam derrotados, eram cada vez mais comuns a presença e a ação dos Arditi del popolo, até o ponto em que o confronto ocorrido em novembro de 1921 em Roma (onde os fascistas se reuniram para o congresso que fundaria seu Partido Nacional) se revelaria como o “Caporetto fascista”, segundo as palavras do periódico ardito L’Ardito del Popolo (Rossi, 2011ROSSI, Marco. (2011), Arditi, non gendarmi! Dalle trincee alle barricate: arditismo di guerra e arditi del popolo (1917-1922). Pisa, Biblioteca Franco Serantini Edizioni., pp. 148, 151).

Não tardaria, no entanto, a se desencadear o “Caporetto antifascista”, catalisado pela renitente passividade das maiores forças políticas e sindicais, notadamente o Partido Socialista e o movimento sindical a ele vinculado. No decorrer de menos de um ano, já em agosto de 1922, o fascismo tinha conseguido consolidar as relações de força definitivamente a seu favor. Conseguira o consenso popular e a imposição de sua ordem por todo o território italiano por meio das promessas de bem-estar acompanhadas da incessante prática da violência física contra os adversários de todo o espectro político, violência essa, de resto, convenientemente apoiada pela polícia e pelo exército (Idem, p. 163).

A cidade de Parma protagonizou os atos finais do engajamento dos Arditi numa batalha épica para os registros da resistência popular. Entre os dias 1º e 6 de agosto de 1922, os fascistas encontraram feroz resistência na periferia da cidade, diante de barricadas e trincheiras ladeadas por prédios de cujas janelas partia todo tipo de ataque defensivo, de xingamentos a tiros. A coesão popular armada contra o fascismo encontrou ali seu ápice. Teriam contribuído para isso, no balanço final, uma tradição própria de insurrecionalismo urbano, forte presença do sindicalismo revolucionário e uma pequena burguesia de orientação política radical (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., p. 131).

Após cinco dias de combate e repetidas tentativas de ocupação por parte dos fascistas, os esquadristas se retiraram com um número indefinido de baixas, enquanto entre os combatentes populares se contavam cinco mortos e em torno de trinta feridos (Rossi, 2011ROSSI, Marco. (2011), Arditi, non gendarmi! Dalle trincee alle barricate: arditismo di guerra e arditi del popolo (1917-1922). Pisa, Biblioteca Franco Serantini Edizioni., p. 171). Mussolini contou com a decretação do estado de sítio em Parma pelo governo, para cobrir a retirada fascista e evitar que a revolta se alastrasse:

A despeito das esperanças e pressões dos fascistas, não foi possível nenhuma repressão cruenta. Depois de apenas um tiro de canhão como aviso, os regimentos de infantaria mobilizados se confraternizaram com a população, como já tinha ocorrido mesmo durante os combates, fazendo com que a ocupação da cidade ocorresse de modo pacífico. Os oficiais, diante da firmeza dos antifascistas, se recusaram a executar as ordens de impor aos revoltosos a entrega das armas (Idem, ibidem, tradução minha).

Porém, a “Parma subversiva das periferias” (as organizações subversivas e de classe locais – União Sindical Italiana, o Partido Comunista local, o Comitê de Defesa Proletária, a Liga Proletária) recusou a trégua acordada entre fascistas e socialistas, e em outubro os combates recomeçaram. Italo Balbo, comandante dos esquadrões fascistas, planejou uma intervenção definitiva que contaria com mais de 2.600 homens armados com metralhadoras e lança-chamas. Mussolini, no entanto, já com quase todo o território sob domínio e a marcha sobre Roma planejada, ordenou a Balbo que desistisse. A tarefa seria agora atribuída às autoridades militares, que procederiam à ocupação e à desmobilização dos bairros militares (Idem, p. 172).

Na cidade, os grupos que se haviam empenhado na resistência formavam ampla coalizão, principalmente porque se tratava de agrupamentos combativos relativamente autônomos das principais organizações políticas de esquerda, como os partidos comunista e socialista, cujas direções eram, aliás, manifestamente contrárias ao arditismo popular (o primeiro, porque se opunha a organizações operárias de combate que não se pusessem sob sua disciplina partidária estrita; o segundo porque, às vezes de forma convicta, às vezes mais envergonhada, se opunha à resistência armada em si) (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., p. 131)9 9 . Segundo Paolo Spriano, duas características que marcaram a “meteórica” história dos Arditi del Popolo teriam sido “o caráter absolutamente popular, espontâneo, que o movimento tende a assumir imediatamente e o erro extraordinário que os partidos proletários cometem em sua avaliação do movimento, cegos pelo sectarismo, pelas prerrogativas doutrinárias, pelos pequenos cálculos políticos, pela desconfiança em relação a tudo que não provém diretamente das organizações institucionalizadas no campo operário” (Spriano, 1976, p. 139, tradução minha). Sobre o dissenso entre PCd’I e a Terceira Internacional a esse respeito, ver Spriano (1976, pp. 152-164) e Francescangeli (2008, pp. 96-107). .

Angelo Tasca, um dos dirigentes do PCd’I à época dos arditi, escrevendo a respeito quase duas décadas depois, observa que

Os trabalhadores e o povo de Parma puderam resistir ao ataque fascista, apesar da concentração de milhares de esquadristas em combate, porque a defesa dos bairros operários de Parma foi organizada segundo métodos militares, utilizando a experiência de guerra; foi dirigida por um comando único, sob o qual se encontravam antigos combatentes; foi preparada por fora dos partidos, todo o povo participou com uma disposição torrencial, seguindo as indicações dos Arditi del Popolo (Tasca, 2003TASCA, Angelo. (2003), Naissance du fascisme. Paris, Gallimard., p. 251, tradução minha).

Em Parma, a unidade das forças proletárias e populares e uma adequada preparação militar foram capazes de fazer frente ao ataque dos esquadrões fascistas. Foi derrotada, finalmente, por uma correlação de forças absolutamente desfavorável em nível nacional, que testemunhou a resoluta passividade legalista do maior partido proletário da Itália, o PSI, em ajudar a escrever as últimas páginas da história da “Caporetto” antifascista.

Gramsci e a reflexão político-militar

Nesta parte serão debatidas as reflexões gerais de Gramsci sobre as relações político-militares de força. Primeiramente, é preciso apontar que Gramsci confere à noção de violência um lugar político de culminância das relações de força em sociedade10 10 . Gramsci, por exemplo, afirma que “as lutas políticas entre as forças sociais são a manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das relações sociais de força, em cujo terreno ocorre a passagem destas a relações políticas de força, para culminar na relação militar decisiva” (Gramsci, 2001, p. 1588, tradução minha). . Na análise dos diferentes níveis de relações de força em determinada formação social, ele indica o mais elevado como aquele que já adquiriu característica de relação de força “militar”:

(I) uma relação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser medida com os recursos das ciências exatas ou físicas […]. (II) um momento sucessivo que é a relação de forças políticas, ou seja, a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais […]. (III) O terceiro momento é aquele da relação de forças militares, imediatamente decisivo em cada caso (o desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momento, com a mediação do segundo) […] (Gramsci, 2001GRAMSCI, Antonio. (2001), Quaderni del carcere (a cura de Valentino Gerratana). Turim, Giulio Einaudi., pp. 1583-1586, tradução minha).

A passagem acima tem estreita relação, na obra carcerária, com a notória reflexão de Gramsci sobre a distinção entre o que ele chama de “guerra de posição” e “guerra de movimento”. Trata-se de um dos principais momentos dos escritos do cárcere sobre a questão aqui analisada. É sobretudo na análise do terceiro momento, acima citado, que adquire maior relevância o debate sobre as estratégias de “posição” e “movimento”. A metáfora criada por Gramsci a partir das táticas de combate da Grande Guerra não é gratuita, e precisa ser considerada em toda a sua precisão (Gramsci, 2001, p. 859, 1614). Segundo Bianchi:

A analogia entre luta política e estratégia militar começou a ser desenvolvida já no Primo Quaderno, como parte de uma discussão sobre a direção política e militar no Risorgimento italiano. […] Fica claro que, já neste primeiro momento, Gramsci concebia de modo unitário as funções técnico-militares e políticas, o que era fundamental para sua elaboração a respeito das relações de forças político-militares (2008, p. 199).

Ficam condicionadas à guerra de posição aquelas forças políticas (e/ou militares) levadas à situação de quase imobilidade, seja devido a um equilíbrio resultante da equivalência das forças em presença, seja devido à consolidação de larga superioridade da força adversária, que reduz a(s) outra(s) a uma espécie de resistência recuada. Desse raciocínio fica a conclusão de que a chamada guerra de posição não é uma escolha estratégica que permanece à disposição das forças em embate, mas uma situação à qual essas forças são levadas independentemente de sua vontade.

Guerra de posição, em todo caso, não parecia ser a tática em voga por parte dos trabalhadores urbanos e rurais na Itália dos primeiros anos do século XX. Com a industrialização crescendo e o número de operários urbanos aumentando, a organização política destes já acenava, por meio de greves sucessivas, com uma intensa luta de classes que em breve evoluiria para violentos conflitos com as forças da ordem11 11 . A respeito das organizações e movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais da Itália nos primeiros anos do século XX, conferir Antonioli (1997), Gianinazzi (2006), Colarizi (2007) e Dias (2000). . A violência política dos subalternos tornava-se uma evidente preocupação para as elites urbanas e rurais, em razão da qual, em fevereiro de 1901, ao assumir o ministério do Interior italiano, Giolitti diria em discurso à Câmara dos deputados:

Não temo nunca as forças organizadas, temo muito mais as inorgânicas, porque sobre aquelas a ação do governo pode exercer-se legítima e utilmente e contra os movimentos inorgânicos pode-se apenas fazer uso da força (Giolitti apudDias, 2004DIAS, Edmundo F. (2004), Do giolittismo à guerra mundial: primeira parte. Campinas, IFCH/Unicamp (Textos Didáticos, 39)., p. 88).

Giolitti manifestaria, ainda, um estratégico desejo por alguma forma de integração das massas trabalhadoras à vida administrativa do Estado, para que não ficassem “sujeitas à influência dos que acham que, por virtude de sua exclusão, às classes populares não resta outra defesa, contra as possíveis injustiças das classes dominantes, senão o uso da violência […]” (Idem, p. 101).

A violência institucional, por sua vez, está presente na sofisticada fórmula gramsciana definidora do Estado nos Cadernos do cárcere. Trata-se do Estado como a unidade orgânica “coerção + consenso”, unidade que comporia, finalmente, o exercício da hegemonia, e anunciada por Gramsci da seguinte forma já notória:

[…] deve-se notar que na noção geral de Estado entram elementos que estão relacionados à noção de sociedade civil (no sentido, seria possível dizer, de que Estado = sociedade política + sociedade civil, ou seja, hegemonia couraçada de coerção) (Gramsci, 2001GRAMSCI, Antonio. (2001), Quaderni del carcere (a cura de Valentino Gerratana). Turim, Giulio Einaudi., pp. 763-764, tradução minha).

Nesse sentido, temos que, com relação ao termo “coerção” remetido àquela unidade, a perspectiva é sempre da hegemonia já constituída como Estado. Importa, portanto, explorar de forma sistemática o elemento e o conceito de “coerção” relativos à prática dos grupos e classes subalternos, voltada para a constituição de sua própria proposta alternativa de hegemonia, ou seja, suas formas próprias de violência política, suas formas de guerra.

Na perspectiva do materialismo histórico, a guerra é concebida, em geral, como a precipitação de um conflito entre as classes dirigentes internacionais. Mas provoca também uma agitação interna, dado que não deixa de ser a expressão armada de um conflito de classe. Em última instância, como observa Lênin em Imperialismo, fase superior do capitalismo, uma disputa internacional pela expansão dos capitais monopolistas (Lênin, 1987LÊNIN, Vladimir. (1987), Imperialismo, fase superior do capitalismo. São Paulo, Global.). A guerra, também para Gramsci, está subordinada a objetivos políticos inerentes ao Estado capitalista enquanto instrumento do capital monopolista (Gramsci, 2001, p. 1141)12 12 . A percepção da guerra como um fenômeno subordinado à política já se encontra formulada em profundidade por Clausewitz em seu notório tratado sobre a guerra (Clausewitz, 2007). Gramsci demonstra conhecer as ideias do general prussiano, embora não haja evidências de que tivesse lido o autor diretamente. .

Embora se origine nas lutas dos grupos dominantes de uma nação, a guerra tende a envolver toda a população, abrangendo assim interesses antagônicos e atraindo para si questões relativas à manutenção do statu quo, à luta de classes e à reprodução do Estado (Gramsci, 2001GRAMSCI, Antonio. (2001), Quaderni del carcere (a cura de Valentino Gerratana). Turim, Giulio Einaudi., p. 1141). Daí a questão da hegemonia não estar apartada do fenômeno da guerra.

Com base no pressuposto acima, algumas ideias podem ser desenvolvidas sobre a relação entre guerra, luta de classes e hegemonia. Racionalmente considerado, o objetivo do conflito militar não é o aniquilamento completo ou destruição total do inimigo ou adversário político, mas está no que se vislumbra, por todas as partes envolvidas, como a situação pós-conflito, ou seja, nos planos para um novo equilíbrio de forças. Para tal novo equilíbrio, é necessária a presença de uma classe social que se faça hegemônica, que seja capaz de utilizar os resultados da vitória militar para consolidá-los tanto no plano interno quanto naquele das relações interestatais. Como aponta Ciccarelli, “a ausência de tal condição mínima de racionalidade da ação militar é, para Gramsci, sintoma da ausência da direção política da guerra e, portanto, da debilidade de uma determinada classe dirigente” (Ciccarelli, 2009, p. 376).

Gramsci observa que a estrutura produtiva influi diretamente sobre a organização da guerra e sobre a composição social dos exércitos. A conclusão óbvia é que tal estrutura, assim, tem peso decisivo sobre a natureza da direção política do conflito (Gramsci, 2001, p. 1141). Essa última observação possui importância incontornável na análise da guerra que podemos extrair do pensamento de Gramsci. Como ele nota, fazendo uma profícua releitura do “Prefácio de 1859” da Contribuição para a crítica da economia política de Marx, toda relação de forças se desenvolve no âmbito de condições materiais que “podem ser mensuradas com os sistemas das ciências exatas e físicas”. Essa “relação de forças sociais estreitamente ligada” à estrutura será tão mais ferozmente defendida e atacada pelos grupos sociais que se opõem quanto maior o “grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização” alcançado por tais grupos. Essa é a força dialética capaz de trazer a guerra para o interior da luta de classes em determinada formação social. Por isso, “a classe dirigente deve procurar manter o melhor equilíbrio político e social possível para que as novas ocasiões de conflito não levem à derrocada de sua hegemonia” (Ciccarelli, 2009CICCARELLI, Roberto. (2009), “Guerra”. In: LIGUORI, G. & VOZA, P. Dizionario gramsciano. Roma, Carocci, pp. 376-379., p. 377). Também nesse caso, além disso, “a direção militar deve estar sempre subordinada à direção política, ou seja, o plano estratégico deve ser a expressão militar de determinada política geral” (Gramsci, 2001GRAMSCI, Antonio. (2001), Quaderni del carcere (a cura de Valentino Gerratana). Turim, Giulio Einaudi., pp. 2051-52).

Na passagem que encerra o parágrafo acima, como se sabe, Gramsci está tratando diretamente da guerra, de tática e estratégia, e de como a guerra deve ser subordinada à política da classe social que a conduz, ou de seus representantes. Mas não se pode negar que esse raciocínio possui também alguma relação com a dimensão da coerção estatal na guerra de classes interna. Toda coerção, toda força estatal se volta contra os grupos, classes e frações de classes que não se convencem de sua situação subalterna. E a estrutura voltada para a função repressiva o faz não apenas no exercício de fato de sua função precípua, mas na perene promessa desta. A espada pende constantemente sobre a cabeça das classes trabalhadoras. Tal ameaça também é “pedagógica”. “Ensina” a aceitar a hegemonia vigente. Por isso mesmo, necessita de mecanismos autônomos de reprodução, tal qual aqueles aparelhos privados da sociedade civil. Vejamos o que embasa, cria e justifica esses mecanismos.

Há elementos importantes para se pensar sobre o que aludimos acima, por exemplo, no parágrafo 48 do primeiro Caderno, reelaborado no parágrafo 37 do Caderno 13 com outras passagens de primeira redação. Nessas passagens Gramsci observa como, durante a Revolução Francesa, se aprofunda a hegemonia jacobina das classes urbanas ampliando-se e aprofundando-se a base econômica com o desenvolvimento industrial e comercial. E aponta que “neste processo alternam-se insurreições e repressões, ampliações e restrições do sufrágio político, liberdade de associação e restrição ou anulação desta mesma liberdade” etc… (Gramsci, 2001, p. 58, tradução minha). Segue-se a descrição do processo sinuoso, irregular, feito de saltos, avanços e retrocessos, assimétrico e desigual, da tentativa jacobina de consolidação de sua hegemonia:

[…] com equilíbrio diverso entre forças armadas recrutadas e corpos armados profissionais (polícia, gendarmeria); com a dependência desses corpos profissionais de um ou outro poder estatal (do judiciário, do ministro do Interior ou do ministro da Guerra); com a maior ou menor parte das normas deixada ao costume ou à lei escrita, pelo que se desenvolvem formas consuetudinárias que podem ser abolidas em virtude de lei escrita; com separação real maior ou menor entre os regulamentos e as leis fundamentais, com o uso maior ou menor de decretos-lei que se sobrepõem à legislação ordinária e a modificam em certas ocasiões, forçando a “paciência” do parlamento (Idem, ibidem).

Na sequência aparece o conhecido raciocínio segundo o qual o exercício “normal” da hegemonia, num sistema representativo parlamentar, é caracterizado por uma combinação mais ou menos equilibrada entre força e consenso etc. Essas ocorrências históricas tornam saliente o fato da coerção (seja como a espada pendente sobre as cabeças populares ou como o exercício efetivo da força) como presença constituidora da formação, construção, consolidação da nova hegemonia. As leis, a estrutura jurídica e a institucionalidade vigente são permanentemente flexibilizadas, ajustadas, corrigidas, por vezes mesmo ignoradas, na turbulência da consolidação do poder da nova classe que se pretende hegemônica.

Para os grupos subalternos, encontrar-se em uma situação de violência não é uma escolha. Um dos elementos componentes da sempre incompleta hegemonia burguesa é o uso sistemático da coerção contra os grupos que não consentem, nem passiva nem ativamente, com a direção de outra classe social. As classes trabalhadoras estão involuntária e necessariamente inseridas em um contexto de coerção classista, formalizado e reproduzido pelas instituições do Estado, que tem sua base fundante na exploração da força de trabalho. Przeworski observa, por exemplo, que

[…] o que distingue as instituições específicas, tanto as que aparentam ser de caráter privado como as que parecem ser diretamente políticas, não é sua função sob o exercício normal da hegemonia, e sim a ordem e a maneira como revelam suas funções coercivas quando a hegemonia é ameaçada (Przeworski, 1989, p. 200).

Para Gramsci, ainda uma vez aqui, trata-se de compreender a complexa forma pela qual uma sociedade de classes é estruturada em termos de relações de força, como essas relações de força se expressam na relação entre estrutura e superestrutura, e representar seu movimento como uma sucessão dos vários resultados do confronto entre essas forças em luta.

Parece evidente que nunca podem faltar as assim chamadas condições subjetivas quando existem as condições objetivas, porquanto se trata de simples distinção de caráter didático. Assim, é sobre a medida e a intensidade das forças subjetivas que se pode discutir, e, portanto, sobre a relação dialética entre as forças subjetivas contrastantes (Gramsci, 2001GRAMSCI, Antonio. (2001), Quaderni del carcere (a cura de Valentino Gerratana). Turim, Giulio Einaudi., p. 1781, tradução minha).

Aos grupos subalternos, portanto, cabe submeter-se completamente ou procurar formas de resistência. Falar de “violência política” dos grupos subalternos é falar, mais precisamente, de reação a uma coerção cotidiana sistemática e legitimada ideologicamente, imposta pelo trabalho assalariado e pela concentração privada da riqueza social que ele produz. A reprodução de qualquer relação de hegemonia requer doses variadas de coerção. O consenso, assim, vive à sombra de medidas “correcionais” para que se mantenha como tal:

Para Gramsci, a força – força física permanentemente organizada – é um elemento constitutivo do consentimento, no sentido de que qualquer ruptura deste ativa os mecanismos da coerção, os quais são inerentes a todas as esferas da vida social e permanecem latentes enquanto o consentimento for suficiente para reproduzir as relações capitalistas. […] O consentimento e a coerção não podem ser tratados como opostos; a coerção é o elemento, normalmente latente, inerente ao consentimento. É verdade que a coerção é possível sem o consentimento, mas este sempre contém um elemento de coerção (Przeworski, 1989, pp. 197-198).

É importante, desse modo, compreender a concepção gramsciana da relação entre Estado e sociedade civil para esclarecer a dinâmica entre as variáveis “força” e “consenso”, o que é fonte de muitas imprecisões entre os intérpretes de Gramsci. Przworski é, aqui, muito bem-sucedido neste ponto: “Para Gramsci, todas as instituições que participam da reprodução das relações sociais capitalistas constituem elementos do Estado” (Przeworski, 1989, p. 198, grifo meu).

A definição do Estado ocorre conforme aos objetivos das várias iniciativas e atividades das instituições de que se trata, e não pelas distinções convencionais formais. Para Gramsci, educação e repressão, por exemplo, são elementos inseparáveis (respectivamente como aspecto positivo e negativo da mesma atividade de conformação de determinada visão de mundo) (Gramsci, 2001, p. 1049). Assim, a coerção é onipresente e não se restringe a instituições específicas. Não se poderia dizer, portanto, que o exercício da coerção esteja ausente da esfera da sociedade civil, nem que aquele da construção do consentimento se limite a ela.

A resistência à coerção pela via institucional tem limites claros, que são os da legalidade vigente. É o caso, portanto, de organizar tal resistência por vias extrainstitucionais. Claro que qualquer análise realista das relações de força contemporâneas entre capital e trabalho, mediadas e reproduzidas pelas instituições do Estado capitalista, desaconselharia a tática do enfrentamento violento direto, ostensivo e aberto contra as armas do Estado. Essa violência política do “contra-ataque”, que não é senão reação a uma violência constante e institucionalizada contra os grupos subalternos, pode tomar formas várias, dependendo da situação conjuntural das relações de força. A experiência histórica italiana analisada por Gramsci apresenta os fundamentos possíveis de tal resistência a partir da violência “ilegal”, anti-institucional, dos grupos subalternos.

A violência dos subalternos: Gramsci e a experiência histórica italiana

As opiniões teóricas de Gramsci sobre a violência política e suas necessidades e condições de emprego por parte dos subalternos tornam-se mais sofisticadas na passagem de seus escritos políticos para as reflexões do cárcere, alterando-se a profundidade analítica com que ele aborda as relações de força político-militares. Mas não seria lícito sustentar que Gramsci tenha mudado essencialmente de opinião sobre o tema, e as considerações a seguir pretendem indicá-lo com base em suas abordagens a respeito da resistência do proletariado no biennio nero da ascensão fascista (1921-1922).

A luta dos Arditi del popolo entre 1921 e 1922 pode ser considerada uma batalha de classes, a resistência de “uma classe social atacada em suas conquistas econômicas e políticas” por uma “frente única” que unia a burguesia, grande parte da pequena burguesia, nacionalistas e fascistas (Staid, 2015STAID, Andrea. (2015), Gli arditi del popolo: la prima lotta armada al fascismo 1921-1922. Milão, Milieu Edizioni., p. 19). Embora originada de ex-combatentes de elite do exército e liderada por um deles, o tenente Argo Secondari, a participação popular fora se ampliando até atingir dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras armados em resistência ao fascismo.

O caráter de classe da oposição ao fascismo já é anotado por Gramsci quando analisa a hostilidade que se desenvolve entre os legionários de Fiume e os Fasci esquadristas. Em artigo de 19 de fevereiro de 1921 publicado no L’Ordine Nuovo (“Fascisti e Legionari”), discordando do que se registrava superficialmente nos periódicos publicados por uns e outros, segundo os quais se tratava de discordâncias de “fé política”, Gramsci afirmou que havia algo “mais profundo ainda” em tais discordâncias, pois os grupos fascistas eram formados por “jovens abastados, estudantes ociosos, oficiais da reserva”, enquanto entre os legionários eram numerosos aqueles que sentiam diretamente as agruras da crise econômica e as dificuldades de sobrevivência material (Gramsci, 1967, p. 79). Sobre os Legionários, observa ainda que

[…] são pessoas que, vivendo em dificuldades, não veem saída individual, porque tinham sonhos de existência grandiosa e “heroica”, e não veem outra saída coletiva senão em um movimento que une as características militar e insurrecional, como aquele de Fiume (Idem, ibidem).

Em outro texto, sempre no L’Ordine Nuovo, de 23 de julho (“Insurrezione di popolo”), ao chamar a atenção para a enorme desproporção entre o número de assassinatos cometidos pelo fascismo (2.500 homens, mulheres, idosos e crianças em 1920; 1.500 ainda em meados de 1921, no momento em que escreve) e os poucos fascistas abatidos até então, Gramsci chama a atenção para a aguerrida resistência dos bairros populares em algumas localidades, nas quais “o padre toca o sino de alerta, enquanto as mulheres preparam o óleo fervente e os homens se armam de tudo que possa servir para golpear e formam esquadrões de defesa” (Gramsci, 1967, p. 249, tradução minha). E a respeito dos momentos em que as próprias forças policiais se veem obrigadas a lutar ao lado da população, ele deixa mais uma vez explícito o caráter de classe de tal “apoio”, observando que o fazem

Com prudência, com cautela, porque não se trata agora de golpear a pobre gente, mas de golpear os filhos da burguesia, gente que vai ao saque gritando “Viva a Itália, viva o rei”, adornada com a bandeira italiana; pessoas selecionadas, gente de bem, ligada por vínculos de parentesco aos deputados, à hierarquia militar, à magistratura […]. Pedir às classes dirigentes que esmaguem o fascismo seria como pedir-lhes o suicídio (Gramsci, 1967GRAMSCI, Antonio. (1967), Socialismo e fascismo. L’Ordine Nuovo 1921-1922. Torino, Giulio Einaudi., p. 249, tradução minha).

Pouco antes de sair do Partido Socialista junto a outros militantes para fundar o Partido Comunista da Itália, Gramsci reprovara a falta de atenção dos dirigentes socialistas para o que considerava ser os importantes acontecimentos de Fiume, em um texto de 11 de janeiro de 1921 (“Fiume”). Para ele, os fatos de Fiume eram a conclusão lógica

[…] do desenvolvimento histórico de uma classe social, a pequena burguesia urbana, que temia ser eliminada das posições de guia e árbitro dos destinos da nação que havia conquistado durante a guerra […]. Fiume era a cotidiana e clamorosa prova das condições de debilidade, de prostração, de incapacidade funcional do Estado burguês italiano (Gramsci, 1967GRAMSCI, Antonio. (1967), Socialismo e fascismo. L’Ordine Nuovo 1921-1922. Torino, Giulio Einaudi., p. 35, tradução minha).

Para ele o partido da classe operária tinha a obrigação de intervir de forma a explorar a situação, dirigir as massas e reforçar as posições revolucionárias do proletariado. Como visto anteriormente neste texto, é justamente dos eventos de Fiume que surgirão os principais representantes dos setores radicalizados do arditismo para a fundação dos Arditi del popolo.

A premente necessidade das massas operárias de organizar a resistência armada ao esquadrismo fascista era reiteradamente apresentada por Gramsci. Insistindo na crítica mordaz ao Partido Socialista e à sua incapacidade de organizar os trabalhadores para uma resistência política consequente, Gramsci afirmara, em texto de 11 de junho de 1921 (“Socialisti e fascisti”), que “o Partido Comunista tem sua própria orientação: lançar a palavra de ordem da insurreição, conduzir o povo em armas até à liberdade, garantida pelo Estado operário” (Gramsci, 1967GRAMSCI, Antonio. (1967), Socialismo e fascismo. L’Ordine Nuovo 1921-1922. Torino, Giulio Einaudi., p. 187, tradução minha). Gramsci já havia tratado diretamente dos arditi del popolo em um artigo de 15 julho de 1921, também no L’Ordine Nuovo (“Gli ‘arditi del Popolo’”)13 13 . Importa lembrar que o artigo de Gramsci é publicado um dia após a publicação de um comunicado oficial do Executivo comunista (14 de julho) no qual se recebe com hesitação a formação dos Arditi del Popolo e se recomenda aos militantes do partido aguardarem “indicações precisas” sobre como se comportar diante de iniciativas como essa; em quinze dias o partido iria repudiar oficialmente a formação militar operária dos Arditi (Spriano, 1976, p. 144). Sobre esta passagem, Spriano se pergunta por que os comunistas refutaram o movimento dos Arditi del Popolo se a situação era tal como descrita por Gramsci? Como se pode aferir acima, doze dias antes de esse texto vir à luz, o PCd’I já havia emitido um comunicado ameaçando “com providências severas” os militantes que aderissem aos Arditi (Spriano, 1976, p. 146). Sobre a evidente simpatia de Gramsci pelo movimento dos arditi, resta a hipótese, aventada pelo historiador do Partido Comunista, de que Gramsci estivesse se dirigindo ao próprio partido de maneira indireta, para evitar qualquer tipo de cisão interna à direita. Numa carta enviada pela direção da Terceira Internacional ao partido italiano, cuja autoria Spriano (1976, p. 150) não identifica (tratava-se de Bukharin, ver Francescangeli, 2008, p. 106), é afirmado que “O PCI deveria penetrar imediatamente, energicamente, no movimento dos Arditi, agrupar em torno de si os operários e assim converter em simpatizantes os elementos pequeno-burgueses, denunciar os aventureiros e eliminá-los dos postos de direção, colocar elementos de confiança à frente do movimento”. Para Spriano, segundo o Komintern, “os comunistas poderiam, com sua organização militar, tornar-se o elemento dominante, ao passo que o enquadramento apenas de comunistas mostra ‘que o partido é impotente par satisfazer uma necessidade vital das massas’” (1976, p. 151, tradução minha). . Refletindo sobre a derrota das ocupações de fábrica consumada em setembro do ano anterior, ele aponta a responsabilidade do Partido Socialista Italiano, ou de suas hesitações e falta de clareza quanto aos objetivos políticos do movimento. É interessante, nesse momento, a forma como Gramsci aborda a ideia do proletariado em armas. Primeiro, considera que um movimento de reação popular organizado não deve deparar-se com limites previamente estipulados por suas lideranças. Isso seria “o mais grave erro de tática que se pode cometer” (Idem, p. 541). Em seguida, faz uma reflexão que ainda conheceria profundo alcance teórico em seus escritos carcerários:

[…] é necessário compreender, é necessário insistir na compreensão de que, hoje, o proletariado não está apenas contra uma associação privada, mas contra todo o aparelho estatal, com sua polícia, seus tribunais, seus jornais que manipulam a opinião pública ao bel-prazer do governo e dos capitalistas […]. Quando o povo trabalhador sai da legalidade e não encontra a virtude de sacrifício e a capacidade política necessária para conduzir até o fim sua ação, é punido com o fuzilamento em massa, com a fome, o frio, a inanição que mata lentamente a cada dia (Idem, pp. 541-542).

Gramsci conclama o Partido Socialista a mudar de atitude e tirar do torpor e da indecisão “as massas que ainda seguem o partido”. Apela para que não sejam impostos limites à ação dessas massas, a fim de que o povo italiano não sofra “uma nova derrota e um novo fascismo multiplicado por cada vingança que a reação implacavelmente aplica sobre os titubeantes e indecisos, depois de ter massacrado a vanguarda do assalto” (Idem, p. 542).

Veja-se que Gramsci não cai na armadilha blanquista que aqui poderia ser comparada ao arditismo “puro”, à elite militar e militante que descura a necessidade do suporte de retaguarda, do apoio das massas trabalhadoras à sua causa heroica. Mas ele se coloca francamente favorável também à luta por fora da legalidade, ao desafio à institucionalidade vigente, desde que respaldada em bases populares de massa, desde que a conduza a vanguarda de um amplo contingente de trabalhadores politicamente organizados contra o Estado capitalista em questão:

[…] os comunistas são contrários ao movimento dos “arditi del popolo”? Pelo contrário: eles aspiram ao armamento do proletariado, à criação de uma força armada proletária que tenha condições de derrotar a burguesia e de garantir a organização e o desenvolvimento das novas forças produtivas geradas pelo capitalismo (Idem, ibidem).

Em artigo de 21 de julho do mesmo ano (“Sviluppi del fascismo”), ao analisar a expansão e o fortalecimento das formações regionais dos esquadristas, ele sustenta que as populações locais não podiam esperar a organização de sua defesa a partir dos órgãos políticos e sindicais do Partido Socialista, mas deveriam contar com suas próprias forças: “Viterbo e Sarzana deram o exemplo daquilo que precisa ser feito14 14 . Trata-se da bem-sucedida resistência popular, nessas cidades, a expedições paramilitares fascistas, que contou ainda, pelo menos nessa ocasião, com a ajuda de forças policiais locais (Gramsci, 1967, p. 247). . Esperamos que, nas grandes cidades, entrem em jogo também uma outra força: os soldados, que têm tudo a temer de um governo fascista” (Idem, p. 247). Dado o caráter antiproletário do esquadrismo, seria de se esperar que os militares componentes das classes populares fossem vistos como um razoável risco político ao poder fascista.

Ainda uma vez, no auge da luta dos Arditi del popolo contra a violência paramilitar fascista, Gramsci alude à necessidade urgente de direção política revolucionária decisiva para os trabalhadores em armas. Em artigo de 19 de agosto (“Contro il terrore”), escreve que

As massas populares, torturadas, expostas continuamente ao perigo de morte pelas expedições punitivas, sem defesa por parte das autoridades legais, estavam se insurgindo violentamente contra o terror branco. Automaticamente, pelo fato mesmo de que o fascismo tinha se tornado um flagelo nacional, estava amadurecendo uma insurreição de caráter nacional, que teria tido um altíssimo valor revolucionário. O Partido Socialista e a Confederação Geral do Trabalho, com suas posições pacifistas, provocaram […] uma queda nas energias revolucionárias que estavam se desenvolvendo nas grandes massas populares; […]. As grandes massas populares já devem estar convencidas de que por trás da esfinge socialista não existe nada. Se mesmo socialistas (e talvez os mais à direita) participaram da criação dos primeiros núcleos de “Arditi del popolo”, é certo, porém, que a difusão instantânea da iniciativa não foi determinada por um plano geral, preparado pelo Partido Socialista, mas se deveu simplesmente ao estado de ânimo generalizado no país, à vontade de insurreição que brotava nas grandes massas (Idem, pp. 288-289).

O arditismo como fenômeno político-militar seria ainda estudado por Gramsci primeiro como tipo específico de tática militar no campo de batalha, depois analisado em suas consequências enquanto tática política na dimensão da luta de classes. Nos escritos do cárcere, Gramsci aprofunda o uso da noção de arditismo como recurso de guerra política e militar (embora o faça enfatizando a necessidade de se considerarem as diferenças e nuances entre uma e outra prática, comparando as artes política e militar apenas como “estímulo ao pensamento”). Para Gramsci, o “arditismo moderno” nasce como recurso de guerra de posição, como tática de sabotagem e incursão por trás das trincheiras inimigas, efetuadas por pequenas patrulhas que atuavam como “arma especial” (Gramsci, 2001, p. 121, tradução minha).

Na luta política moderna, o Estado usa o arditismo (a “ilegalidade”) como meio para sua própria reorganização, enquanto, na aparência, permanece na legalidade. A seguir, Gramsci condena a eventualidade das mesmas iniciativas por parte das classes trabalhadoras:

Crer que à atividade privada ilegal se possa contrapor outra atividade semelhante, ou seja, combater o arditismo com arditismo, é uma tolice. Significa crer que o Estado permaneça eternamente inerte, o que não acontece nunca, sem mencionar outras condições diversas (Idem, ibidem).

A seguir, Gramsci refuta a possibilidade de que as classes trabalhadoras constituíssem grupos especializados de ataque devido à própria impossibilidade de se afastarem de sua jornada de trabalho fixa para isso. Ora, estaria claro então que este não poderia fazer parte do método regular e sistemático de luta política das massas operárias em nenhum contexto? Gramsci não trata esse limite como uma camisa de força tática. Importa lembrar aqui a distinção entre o “voluntarismo que teoriza a si mesmo como forma orgânica de atividade histórico-política” e o que é concebido apenas como “momento inicial de um período orgânico de preparação e desenvolvimento” (Idem, p. 1675). Veja-se de forma mais completa a passagem que compara, por exemplo, a luta partigiana com a prática do arditismo:

Os comitadjis, os irlandeses e as outras formas de guerra partigiana [guerrilha] devem ser separados da questão do arditismo, embora pareçam ter pontos de contato com ele. Essas formas de luta são próprias de minorias (fracas, mas exasperadas) contra maiorias bem organizadas, enquanto o arditismo moderno pressupõe uma grande reserva, imobilizada por várias razões, mas potencialmente eficiente, que o sustenta e o alimenta com aportes individuais (Idem, p. 123).

Sobre essa passagem, Secco (2017SECCO, Lincoln. (2017), “Questões táticas”. In: LOLE, Ana; GOMES, Victor L. C. & DEL ROIO, Marcos. Gramsci e a Revolução Russa. Rio de Janeiro, Mórula, pp. 195-206., p. 199) observa que Gramsci “reencontra o arditismo em fase superior. Ele não o rejeita, mas considera que se devem criar as condições políticas do arditismo moderno”, o que indicaria que, para Gramsci, “o arditismo moderno permaneceu necessário no interior de uma estratégia de guerra de posições” (Idem, p. 204). Nesse último sentido, no entanto, a “guerra partigiana” (de guerrilha) e o “arditismo moderno” podem ser aproximados em termos de tática e métodos. A “grande reserva” potencialmente eficiente, “que o sustenta e alimenta com aportes individuais”, poderia ser constituída por um proletariado politicamente organizado. O principal trabalho continuaria sendo, neste caso, a organização política das massas trabalhadoras.

Seja como for, no biênio italiano de 1921-1922 o aparecimento das organizações armadas antifascistas representou importante ponto de inflexão no combate ao esquadrismo de extrema direita. Com os Arditi del popolo, o movimento operário passava a combater o fascismo militarmente. Praticava o “ataque preventivo” ou de represália e criava uma estrutura militar ágil, capaz de se concentrar em pouco tempo nos lugares em que pudessem ocorrer expedições fascistas. A tática fascista consistia justamente na rápida concentração de contingentes em pontos de encontro preestabelecidos e, a partir daí, no ataque de surpresa às sedes, organizações operárias locais e reuniões de trabalhadores. Os Arditi del popolo romperam esse esquema e, por mais de um ano, com muito menos combatentes, muito menos armas e sem apoio das direções de nenhum dos dois partidos operários em cena, demonstraram o potencial de resistência de massas trabalhadoras que se levantaram de forma decidida contra a barbárie e o obscurantismo.

Considerações finais

As lições a tirar desse importante momento da história da luta operária italiana ainda não se esgotaram. Uma “força armada proletária” que possa derrotar as elites dirigentes não é exatamente uma possibilidade frequente na história da luta contra o capital. Mas, em meados de 1921, ainda se podiam alimentar, embora a partir de então cada vez menos, esperanças numa sublevação continental, e Gramsci certamente levava em conta tal variável. O que importa enfatizar aqui, em todo caso, é que se tratou de uma das formas de luta “contra todo o aparelho estatal” assimiladas pela reflexão de Gramsci: o desafio insurreto à estrutura institucional vigente, desde que respaldado num trabalho político de organização dos trabalhadores.

Como afirmamos anteriormente em relação aos comentários de Gramsci sobre a consolidação do Estado revolucionário francês, as leis, a estrutura jurídica e a institucionalidade são permanentemente flexibilizadas, ajustadas, corrigidas, por vezes mesmo ignoradas, na turbulência da consolidação do poder da nova classe que se pretende hegemônica. Essa “turbulência” segue até que a nova classe logre a consolidação histórica da concepção de mundo e da estrutura institucional conformes ao seu modo de vida. Mas, até aqui, trata-se da consolidação do poder de Estado de uma classe revolucionária que já o alcançou. Ocorre, porém, que aquela relação conflituosa com a institucionalidade estabelecida também se verifica na atividade política das frações dos grupos subalternos que resistem à hegemonia consolidada de determinada classe social.

A fundação dos Arditi del popolo correspondeu a um momento de crise de hegemonia burguesa, à contestação da ordem por fora dessa ordem, pela perspectiva de uma nova classe social em luta pela sua afirmação. Manifestou-se como forma de luta também contra a integralidade do aparelho estatal pró-fascista. Não foi, no entanto, especificamente o caráter de organização armada que definiu a importância histórica da experiência dos arditi para os grupos subalternos de todos os tempos, mas sua postura anti-institucional, de contestação do aparato hegemônico em crise, que havia mandado parte deles para a frente de batalha contra outros trabalhadores em prol de noções nebulosas de “pátria”, “nação”, “nacionalismo”.

As tradições de luta e resistência dos grupos subalternos desenvolvem-se numa relação de frequente antagonismo com a estrutura institucional do Estado. Práticas típicas dessa resistência incorrem constantemente no desafio às regras estatais. Sob o pressuposto pétreo do direito à propriedade, por exemplo, as leis do Estado capitalista protegem o latifúndio, as grandes corporações e as instituições financeiras de quaisquer medidas substanciais que os obriguem a participar de algum processo de redistribuição de riqueza, socialmente produzida e por eles privadamente acumulada. Não há, portanto, como resistir aos avanços antipopulares do latifúndio e das grandes corporações industriais e financeiras sem se chocar, em algum momento, com as instituições do Estado.

Assumido o pressuposto acima, a observação histórica pode demonstrar que a organização política independente, própria daquelas frações dos grupos subalternos que constantemente se preparam para o choque cotidiano com as regras e o funcionamento do Estado capitalista, cria uma tradição de práticas de luta. Historicamente, as greves de massas, as lutas e ocupações no campo e na cidade, a prática organizacional dos conselhos de fábrica, os princípios educativos que unificam trabalho e ensino numa perspectiva totalizante a respeito da produção de determinado modo de vida, enfim, todo esse conjunto de práticas de luta e resistência, assim como os Arditi del popolo, merece um estudo voltado para a demonstração de seu potencial criador de embriões de uma nova concepção de mundo, nova moral, germes de reforma moral e intelectual, de uma democracia mais radicada nos setores populares. Ou seja, a demonstração de que a insurgência política, que nesse caso significa a luta que desafia a estrutura institucional em vigência, pode criar sementes de radical democratização dessa mesma estrutura.

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  • TASCA, Angelo. (2003), Naissance du fascisme Paris, Gallimard.
  • WEBER, Max. (2011), Ciência e política: duas vocações São Paulo, Cultrix.
  • 1
    . Para mencionarmos quatro nomes centrais dessa tradição, ver Maquiavel (2008MAQUIAVEL, Nicolau. (2008), O príncipe. São Paulo, Martins Fontes., pp. 57, 69), Hobbes (1999HOBBES, Thomas. (1999), O Leviatã. São Paulo, Nova Cultural., p. 141), Weber (2011WEBER, Max. (2011), Ciência e política: duas vocações. São Paulo, Cultrix., pp. 120-121) e Clausewitz (2007CLAUSEWITZ, Claus Von. (2007), On war. Nova York, Oxford University Press., pp. 100, 184).
  • 2
    . Com relação às suas condições de surgimento, Gramsci observa que o arditismo como função político-militar “ocorreu nos países politicamente não homogêneos e enfraquecidos, tendo como expressão um exército nacional pouco combativo e um estado-maior burocratizado e fossilizado na carreira” (Gramsci, 2001, p. 122).
  • 3
    . A Constituição de Fiume (Reggenza italiana del Carnaro), feita por Alceste de Ambris, ele próprio sindicalista revolucionário, encerrava uma política externa filossoviética, previa todas as liberdades políticas, direito de voto às mulheres, educação laica e popular, voto dos soldados e controle e revogabilidade dos cargos políticos, nacionalização de portos e ferrovias e condicionava a propriedade privada ao trabalho. Bordiga, por exemplo, elogiou a proposta avançada da “Carta” em artigo numa publicação chamada Prometeo, de 15 de janeiro de 1924 (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., p. 33).
  • 4
    . Ver nota anterior.
  • 5
    . Eram, em geral, formações de defesa armada proletária. Esses grupos assumiram as mais diversas denominações de acordo com a orientação política prevalecente e a região do país. Nesta nota apresentamos um elenco delas, perfil político-ideológico e região de atuação, segundo Francescangeli (2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., pp. 245-246): Formações existentes antes da constituição “oficial” dos Arditi del popolo entre 1919 e julho de 1921: Abasso la legge (Carrara – anarquistas); Centurie proletarie (Torino – comunistas e socialistas); Gruppi arditi Rossi (Venezia Giulia – socialistas e comunistas); Gruppi rivoluzionari d’azione (Torino – anarquistas e socialistas); Guardie Rossi (Torino e outros centros industriais – socialistas); Figli di nessuno (Genova e outras cidades da Itália norte-ocidental – anarquistas); Lupi Rossi (Genova – socialistas) e Squadre d’azione antifascista (Livorno – anarquistas e comunistas). Formações atuantes a partir de julho de 1921 até dezembro de 1922: Arditi del popolo (várias regiões da Itália – Frente Única); Arditi Rossi (Trieste – comunistas); Legione arditi proletari “Filipo Corridoni” (Parma e província – sindicalistas revolucionários e republicanos); Squadre comuniste d’azione (Itália norte-ocidental e principais cidades – comunistas); Squadre d’azione repubblicane ou Avanguardie repubblicane (Romagna e Marche – republicanos). Formações associadas à estrutura nacional dos Arditi del popolo: Arditi ferrovieri (Milano e outras cidades – frente única); Associazione volontaria italiana per la difesa proletária (Pontedera – anarquistas, comunistas e socialistas); Centurie proletarie (Basso Friuli – frente única); Ciclisti Rossi (Cremonese, Polesine, Venezia Giulia – anarquistas, comunistas e socialistas); Corpo di difesa operaia (Torino – Frente Única); Guardie rosse volante (Crema – comunistas e socialistas); Squadre d’azione per la difesa proletária (Fermo – anarquistas e comunistas) (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., pp. 269-270).
  • 6
    . O autor apresenta o número exato de 19.567 pessoas comprovadamente em armas (Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek.).
  • 7
    . Para um minucioso estudo sobre os grupos da luta armada e revolucionária em Roma e suas várias tendências (anarquistas, sindicalistas, comunistas, republicanos, socialistas) do pós-guerra até a ascensão do fascismo, ver Gentili (2010)GENTILI, Valerio. (2010), Roma combatente: Dal “biennio rosso” agli Arditi del Popolo, la storia mai raccontata degli uomini e delle organizzazioni che inventarono la lotta armata in Italia. Roma, Castelvecchi..
  • 8
    . Como observa Francescangeli (idem), a notícia da formação dos Arditi del popolo chegara rapidamente a Moscou e fora elogiada pelo próprio Lênin durante o III Congresso da Internacional Comunista. Criticando o que seria a precipitação do levante de março de 1921 na Alemanha, o líder russo conclama os partidos da Terceira Internacional a prepararem-se e coordenarem-se melhor para a ação: “A interpretação mais importante da coordenação é a seguinte: imitar melhor e mais rapidamente os bons exemplos. É bom o exemplo dos operários de Roma” (Lênin, 1968LÊNIN, Vladimir. (1968), Opere complete XLII (ottobre 1917-marzo 1923). Discorsi alla riunioni dei membri dele delegazioni tedesca, polacca, cecoslovacca, ungherese e italiana. Roma, Riuniti., pp. 306-307, tradução minha).
  • 9
    . Segundo Paolo Spriano, duas características que marcaram a “meteórica” história dos Arditi del Popolo teriam sido “o caráter absolutamente popular, espontâneo, que o movimento tende a assumir imediatamente e o erro extraordinário que os partidos proletários cometem em sua avaliação do movimento, cegos pelo sectarismo, pelas prerrogativas doutrinárias, pelos pequenos cálculos políticos, pela desconfiança em relação a tudo que não provém diretamente das organizações institucionalizadas no campo operário” (Spriano, 1976, p. 139, tradução minha). Sobre o dissenso entre PCd’I e a Terceira Internacional a esse respeito, ver Spriano (1976SPRIANO, Paolo. (1976), Storia del Partito Comunista Italiano: da Bordiga a Gramsci. Torino, Giulio Einaudi., pp. 152-164) e Francescangeli (2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., pp. 96-107).
  • 10
    . Gramsci, por exemplo, afirma que “as lutas políticas entre as forças sociais são a manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das relações sociais de força, em cujo terreno ocorre a passagem destas a relações políticas de força, para culminar na relação militar decisiva” (Gramsci, 2001, p. 1588, tradução minha).
  • 11
    . A respeito das organizações e movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais da Itália nos primeiros anos do século XX, conferir Antonioli (1997)ANTONIOLI, Maurizio. (1997), Il sindacalismo italiano: dalle origini al fascismo. Pisa, BFS., Gianinazzi (2006)GIANINAZZI, Willy. (2006), “Le syndicalisme révolutionnaire em Italie (1904-1925): les hommes et les luttes”. Mil Neuf Cent, 24: 95-121., Colarizi (2007) e Dias (2000)DIAS, Edmundo F. (2000), Gramsci em Turim. A construção do conceito de hegemonia. São Paulo, Xamã..
  • 12
    . A percepção da guerra como um fenômeno subordinado à política já se encontra formulada em profundidade por Clausewitz em seu notório tratado sobre a guerra (Clausewitz, 2007). Gramsci demonstra conhecer as ideias do general prussiano, embora não haja evidências de que tivesse lido o autor diretamente.
  • 13
    . Importa lembrar que o artigo de Gramsci é publicado um dia após a publicação de um comunicado oficial do Executivo comunista (14 de julho) no qual se recebe com hesitação a formação dos Arditi del Popolo e se recomenda aos militantes do partido aguardarem “indicações precisas” sobre como se comportar diante de iniciativas como essa; em quinze dias o partido iria repudiar oficialmente a formação militar operária dos Arditi (Spriano, 1976SPRIANO, Paolo. (1976), Storia del Partito Comunista Italiano: da Bordiga a Gramsci. Torino, Giulio Einaudi., p. 144). Sobre esta passagem, Spriano se pergunta por que os comunistas refutaram o movimento dos Arditi del Popolo se a situação era tal como descrita por Gramsci? Como se pode aferir acima, doze dias antes de esse texto vir à luz, o PCd’I já havia emitido um comunicado ameaçando “com providências severas” os militantes que aderissem aos Arditi (Spriano, 1976SPRIANO, Paolo. (1976), Storia del Partito Comunista Italiano: da Bordiga a Gramsci. Torino, Giulio Einaudi., p. 146). Sobre a evidente simpatia de Gramsci pelo movimento dos arditi, resta a hipótese, aventada pelo historiador do Partido Comunista, de que Gramsci estivesse se dirigindo ao próprio partido de maneira indireta, para evitar qualquer tipo de cisão interna à direita. Numa carta enviada pela direção da Terceira Internacional ao partido italiano, cuja autoria Spriano (1976SPRIANO, Paolo. (1976), Storia del Partito Comunista Italiano: da Bordiga a Gramsci. Torino, Giulio Einaudi., p. 150) não identifica (tratava-se de Bukharin, ver Francescangeli, 2008FRANCESCANGELI, Eros. (2008), Arditi del popolo: argo Secondari e la prima organizzazione antifascista (1917-1922). Roma, Odradek., p. 106), é afirmado que “O PCI deveria penetrar imediatamente, energicamente, no movimento dos Arditi, agrupar em torno de si os operários e assim converter em simpatizantes os elementos pequeno-burgueses, denunciar os aventureiros e eliminá-los dos postos de direção, colocar elementos de confiança à frente do movimento”. Para Spriano, segundo o Komintern, “os comunistas poderiam, com sua organização militar, tornar-se o elemento dominante, ao passo que o enquadramento apenas de comunistas mostra ‘que o partido é impotente par satisfazer uma necessidade vital das massas’” (1976, p. 151, tradução minha).
  • 14
    . Trata-se da bem-sucedida resistência popular, nessas cidades, a expedições paramilitares fascistas, que contou ainda, pelo menos nessa ocasião, com a ajuda de forças policiais locais (Gramsci, 1967GRAMSCI, Antonio. (1967), Socialismo e fascismo. L’Ordine Nuovo 1921-1922. Torino, Giulio Einaudi., p. 247).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    3 Maio 2019
  • Aceito
    6 Maio 2019
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