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A Mesa do Bem do Comum dos Mercadores e a defesa dos interesses corporativos em Portugal (1756-1833)

The Table of Common Good of the Merchants and the Defense of Corporate Interests in Portugal (1756-1833)

Resumo

Este texto debruça-se sobre as corporações de mercadores e sobre a sua adaptação a uma conjuntura política difícil que culmina já no período liberal. Reorganizados em linhas bem rígidas no rescaldo do Terramoto de 1755, os interesses corporativos do comércio estabelecido de Lisboa perduraram até ao triunfo final do Liberalismo (1834), resistindo de permeio à gradual difusão de um pensamento económico que lhes era profundamente hostil. Segue-se aqui na peugada da historiografia mais atual, que rejeita a ideia da persistente decadência das instituições corporativas, do seu inerente conservadorismo e do seu impacto negativo no desenvolvimento económico. As atividades da Mesa do Bem Comum dos Mercadores de Retalho, instituição de suporte jurídico e onde se resolviam muitos dos problemas que afetavam os lojistas de Lisboa, mostram até que ponto esta comunidade se conseguiu manter fechada e protegida de interferências exteriores, precisamente como os seus estatutos prescreviam.

Palavras-chave:
corporações; comércio de retalho; Lisboa

Abstract

This article revisits the Portuguese merchant guilds and the adaptation of these institutions to an increasingly difficult political environment. It focuses on the guild of retailers of Lisbon, which was reorganized in traditional corporate lines in the aftermath of the 1755 Earthquake, persisting until the final triumph of Liberalism (1834). During this time, these guilds fought back against the gradual spread of an economic thought that was deeply hostile to them. The article follows in the footsteps of an international scholarship that rejects the idea of a persistent decline of guilds and corporations, their inherent conservatism, as well as their negative impact on economic development. The activities of the Mesa do Bem Comum dos Mercadores de Retalho, a corporate structure where the shopkeepers gathered to solve their many problems, show the extent to which this community managed to remain entrenched and protected from outside interferences, precisely as their statutes prescribed.

Keywords:
corporations/guilds; retailing; Lisbon

INTRODUÇÃO

Custa pouco a traçar um plano e lançá-lo sobre o papel: é obra de gabinete, onde não se acham contraditores, mas na execução é que aparecem as dificuldades. As corporações acham-se de tal forma enlaçadas na sociedade que abrangem a maior parte dos povos que a constituem: o tempo, os costumes, e sobretudo o interesse de um tão grande número de indivíduos lhes tem feito lançar raízes que é muito difícil arrancá-las de uma só vez. (José Acúrcio das Neves, 1984NEVES, José Acúrsio das. Obras completas de José Acúrsio das Neves. Variedades sobre objectos relativos às artes, comércio e manufacturas, consideradas segundo os princípios da economia política, v. III. Porto: Afrontamento, 1984. , p. 218)

A reflexão acima transcrita revela a hostilidade que o conhecido ensaísta e historiador Acúrcio das Neves (1766-1834) tinha pelas formas de organização corporativa que dominavam as economias europeias no Antigo Regime. Revela também o desalento incontido de um dos precursores da introdução dos princípios da economia clássica em Portugal. Para Acúrcio das Neves, que foi também um político conservador, as corporações estavam de tal forma enraizadas nas sociedades que seria quase impossível extingui-las.1 1 José Acúrsio das Neves foi um alto funcionário da administração portuguesa nos últimos anos de Setecentos e nas primeiras décadas de Oitocentos, tendo desempenhado funções na Junta do Comércio e na Real Fábrica das Sedas, onde foi diretor. Transportou para esses lugares a sua visão liberal da economia, que em Acúrsio das Neves coexistia com ideias conservadoras no plano político. Acúrsio das Neves foi crítico das Cortes e um grande apoiante de D. Miguel. Formado em Direito, foi magistrado nos Açores. Mais tarde viria a tornar-se membro da Academia de Ciências de Lisboa. Tem uma obra vasta, que inclui ensaios e produção histórica. Só a destruição das instituições políticas de Antigo Regime, que ele queria evitar, parecia poder alcançá-lo. Esse é pelo menos o sentido de outra afirmação de Acúrsio das Neves, recolhida no mesmo texto: “É triste que fosse o maior dos flagelos que a Europa tem sentido, a revolução, quem libertou a indústria de tais prisões” (NEVES, 1984NEVES, José Acúrsio das. Obras completas de José Acúrsio das Neves. Variedades sobre objectos relativos às artes, comércio e manufacturas, consideradas segundo os princípios da economia política, v. III. Porto: Afrontamento, 1984. , p. 216).

O autor da História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal (1810-1811) não estava sozinho. Nas últimas décadas do século XVIII, muitos autores conhecidos desenvolveram uma hostilidade indisfarçada ao que se considerava serem obstáculos à produção de riqueza. Adam Smith, cujas observações Acúrsio das Neves usa para apresentar a sua memória sobre as corporações, foi um desses autores. Smith escreveu que elas eram “uma conspiração contra o público”,2 2 Trad. livre do autor: “a conspiracy against the public”. acrescentando, mais à frente, que “a pretensão de que as corporações/Guildas são necessárias para um melhor governo do comércio não tem fundamento”.3 3 Trad. livre do autor: “The pretence that corporations are necessary for the better government of the trade, is without any foundation”. As guildas e as corporações de ofícios procuravam controlar a produção e impedir a concorrência, o que se repercutiria nos preços. Daí a hostilidade de Smith (SMITH, 1976, p. 145-146). O economista escocês, juntamente com Turgot (outra referência intelectual de Acúrsio das Neves), contribuiu muito para a gestação de uma abordagem crítica ao papel das organizações corporativas pré-contemporâneas que chegou ao século XX sem grande revisão ou questionamento, mesmo em círculos académicos. A título de exemplo, em 1985 ainda se responsabilizavam as guildas pelo atraso económico espanhol e em particular pela economia parasitária de Madrid, como lembram Jose Antolin Nieto Sanchez e Juan Carlos Zofio Llorente (2016, p. 247-248). Na mira da abordagem crítica multisecular estiveram sempre os obstáculos que estas organizações impunham, com maior ou menor sucesso, ao desejado desenvolvimento económico.

É esse mundo das corporações que este artigo revista. As corporações de ofícios e de mercadores eram formas de organização coletiva que reproduziam no mundo da indústria, da oficina e do comércio um pensamento social dominado pela ideia de corpo, e que vinha da Idade Média. Prevalecia uma visão antropomórfica, em que as corporações, à imagem de cada órgão corporal, desempenhavam uma função essencial para o bem-estar geral do corpo, da sociedade. Como escreveu António Hespanha, “a sociedade seria como um organismo cujo bem-estar geral” estaria dependente do regular funcionamento “dos vários órgãos ou membros” que se auto-organizavam e auto-regiam (HESPANHA, 1982HESPANHA, António Manuel. História das Instituições - Época medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982. , p. 205). Em Portugal, a partir do início do século XV, a cada comunidade profissional passou a corresponder uma comunidade religiosa - uma confraria ou corporação -, o que terá concorrido para a exclusão de outros grupos como os cristãos-novos.

Embora o seu início se situe na Antiguidade Clássica, estas organizações profissionais ganharam grande impulso durante a chamada Revolução Comercial, multiplicando-se nas cidades medievais, onde participavam no governo municipal. Acumularam, de premeio, influência política sobre príncipes economicamente dependentes e lideraram inclusivamente revoltas de cariz popular contra a realeza, como aconteceu em França em 1358 (DELUMEAU, 2004DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Edições 70, 2004., p. 191-192). Estavam, todavia, longe de serem instituições de caráter democrático. Os seus regimentos mostram que as corporações eram rigidamente hierarquizadas e organizadas em torno dos interesses dos mestres, que se defendiam da disrupção do mercado, restringindo por exemplo o acesso à profissão.

As corporações instituíram também exclusivos no quadro de uma exigente disciplina de grupo, com fiscalização permanente. Escudavam-se na necessidade de garantir a qualidade da produção e a preservação da técnica para exigir um regime de aprendizagem que em certos casos podia chegar aos oito anos. O recurso a longos períodos de aprendizagem, a que todos teriam de se sujeitar antes de se qualificarem para abrir uma loja ou criar uma oficina, assegurava uma forma de malthusianismo comercial ou industrial (MADUREIRA, 1997MADUREIRA, Nuno Luís. Mercado e Privilégios. A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834. Lisboa: Editorial Estampa , 1997., p. 80).

Foi esse género de mecanismos restritivos que se identificaram como obstáculos ao desenvolvimento económico. As corporações eram instituições arcaicas, que impediam o desenvolvimento de novas técnicas e que apenas sobreviviam por conta da proteção de príncipes para cujos cofres contribuíam. A Holanda e a Inglaterra, primeira economia moderna e primeira potência industrial respetivamente, eram usadas para confirmar o papel nefasto das corporações. Esses países teriam sido, afinal, os primeiros onde as corporações mais rapidamente perderam relevância. Paralelamente, aproveitavou-se a ocasião para vincar a diferença entre regimes representativos, modernos, e regimes absolutistas, atrasados. Ficavam também implícitas as diferenças entre o noroeste europeu, protestante e industrioso, e sul da Europa, católico e indolente. Tudo muito em linha com os fecundos entendimentos weberianos e com as propostas posteriores da economia institucional (e.g. NORTH, 1991NORTH, Douglass. Institutions. Journal of Economic Perspectives, v. 5, n. 1, p. 97-112, 1991. ), que, é bom lembrar, não resistem ao confronto com historiografia de referência.4 4 Longe de ser o único, Robert Allen foi especialmente eloquente na forma como demoliu essa visão linear e enviesada da história, que persiste em ambientes académicos mais tradicionais. Vale a pena citá-lo: “O governo arbitrário é prejudicial ao crescimento económico porque conduz impostos elevados, excesso de regulamentação, corrupção e parasitismo - todos os quais reduzem o incentivo à produção. Essas perspetivas são aplicadas à história, argumentando-se que monarquias absolutas como Espanha e França ou impérios como os da China, Roma ou o Azteca sufocaram a atividade econômica através da proibição do comércio internacional, amea çando, dessa forma, a propriedade ou mesmo a própria vida. Essas perspetivas reproduzem, é claro, as perspetivas de Adam Smith e de outros liberais do século XVIII. O desenvolvimento económico foi fruto da substituição do absolutismo por governos representativos (...). No entanto, enquanto os economistas comemoram a superioridade das instituições inglesas, os historiadores têm investigado como a monarquia absolutista e o despotismo oriental funcionavam na verdade (...) Embora dissessem ser absolutos, os monarcas franceses não podiam aumentar os impostos sem consentimento”. Trad. livre do autor: “Arbitrary government is bad for growth because it leads to high taxes, regulations, corruption, and rent-seeking - all of which reduce the incentive to produce. These views are applied historically by arguing that absolutist monarchies such as Spain and France or empires like those of China, Rome, or the Aztecs stifled economic activity by prohibiting international trade, threatening property or, indeed, life itself. These views, of course, echo those of Adam Smith and other 18th century liberals. Successful economic development was due to the replacement of absolutism with representative government (…) However, as economists have been celebrating the superiority of English institutions, historians have been investigating how absolutist monarchy and Oriental despotism actually worked (…) While French monarchs claimed to be absolute, they could not increase taxes without consent (…) The nobility in France were exempt from taxation, but the English Parliament introduced a land tax in 1693 that was imposed on peers as well as commoners” (ALLEN, 2011, p. 15-16, p. 28). Especificamente sobre a crítica à nova economia institucional, ver, entre outros, ANKARLOO, 2002.

Nas últimas décadas, essa visão linear que associa estagnação e conservadorismo às corporações, e progresso industrial ao trabalho não-incorporado, tem sido convincentemente questionada.5 5 A literatura produzida no contexto dessa viragem historiográfica é vasta, não cabendo aqui elencá-la extensamente. Remete-se o leitor interessado para a discussão apresentada em S. R. Epstein (2008). Sublinhe-se também que uma nova unanimidade não substituiu a anterior unanimidade, de crítica intensa ao papel das guildas e corporações. Para uma visão oposta à de Epstein, ver, entre outros, Sheilagh Ogilvie e no seu novíssimo The European Guilds: An Economic Analysis (2019). A longevidade histórica das associações greminais impunha, por si só, a busca das causas do seu sucesso competitivo quase milenar e não da sua suposta fragilidade (EPSTEIN, 2008EPSTEIN, Stephan R. Craft guilds in the pre-modern economy: a discussion. Economic History Review, v. 61, n. 1, p. 155-174, 2008. , p. 155). Além disso, não ficou ainda provado que aqueles que exerciam atividade fora das corporações eram mais produtivos, pelo menos no período anterior à Revolução Industrial (EPSTEIN, 2008, p. 162). Ainda que não fosse completamente eficiente, a organização corporativa encerrava várias vantagens, tais como a disponibilidade de crédito fácil, a imposição de padrões de qualidade, a proteção dos artesãos e pequenos mercadores contra exploração, a transmissão de técnicas. Tem ficado também claro que nem sempre se resistia a novidades tecnológicas. Nas palavras de S. R. Epstein: “A investigação moderna já havia mostrado que a antiga e rigorosa dicotomia entre indústria ‘incorporada’, naturalmente ‘conservadora’, e indústria ‘não incorporada’, naturalmente ‘avançada’, era profundamente simplista”6 6 Trad. livre do autor: “Modern research had already revealed the old, stark dichotomy between ‘guilded’ and ‘conservative’, and ‘non-guilded’ and ‘progressive’ industries as profoundly simplistic”. (EPSTEIN, 2008, p. 169). E nem mesmo os exemplos holandês e inglês parecem poder continuar a suportar o peso das afirmações anteriores. A ideia que as corporações estavam condenadas e em acentuado declínio antes do início do século XIX nem sempre resiste ao confronto com as fontes, seja na Inglaterra e na Holanda, ou em outro país europeu qualquer.

Este debate historiográfico nunca chegou propriamente a Portugal. Houve, sem dúvida, mais no início do século XX, um impulso para estudar as corporações modernas, tal como aconteceu na Alemanha nazi e na Itália fascista. Procurava-se resgatar um passado idealizado dessas corporações como justificação ideológica para os projetos do corporativismo contemporâneo, que era uma coisa muito diferente. A equidistância de alguns que fizeram esses trabalhos foi, todavia, mais comum do que se poderia pensar inicialmente. Em Coimbra, por exemplo, João Pinto Loureiro escreveu que era justo reconhecer “que as corporações exerceram considerável ação morigeradora sobre os seus agremiados”, e que foram “durante séculos, apreciáveis elementos, prontos sempre para a defesa do país e para a manutenção da ordem interna” (LOUREIRO, 1938-1939, p. 93). Notou, porém, que declarar que eram “representante[s] do braço popular, como houve já quem o fizesse, pode dizer-se fazendo romance” (LOUREIRO, 1938-1939, p. 97). Marcelo Caetano, por seu turno, escreveu que “Não queremos formular juízo sobre os benefícios da organização corporativa”, mas sempre foi dizendo que “se as instituições duram é porque serviram” (CAETANO, 1943CAETANO, Marcello. A Antiga organização dos mesteres da cidade de Lisboa. In: LANGHANS, Franz-Paul. As Corporações dos ofícios mecânicos: subsídios para a sua história. Lisboa: Imprensa Nacional, 1943. p. XI-LXXV., p. LXXIV).

Os investigadores portugueses que recentemente se debruçaram sobre as corporações dos mundos medieval e moderno fizeram-no quase sempre nos termos mais tradicionais, aceitando geralmente o conservadorismo das corporações, ainda que aqui e ali se encontre uma perspetiva de maior nuance. Jorge Pedreira, por exemplo, lembrou que “o sistema corporativo não era absolutamente refratário à mudança”, acrescentando que “os regimentos adaptavam-se perante a pressão das circunstâncias” (PEDREIRA, 1994PEDREIRA, Jorge Miguel. Estrutura Industrial e Mercado Colonial. Portugal e Brasil (1780-1830). Linda-a-Velha: Difel, 1994., p. 421). Prevalece, contudo, a ideia de que as corporações estariam genericamente em declínio, o que não deixa de ser verdade para algumas, sobretudo para a atividades industriais e comerciais expostas às flutuações da moda. Em outros casos não terá sido bem assim.

Tem-se sublinhado os efeitos muito negativos do Terramoto de 1755 em Lisboa. As necessidades de reconstrução da capital não eram compatíveis com restrições tradicionais que as corporações impunham. Mais desestabilizadora ainda parece ter sido a orientação económica da administração Pombalina, a começar pela criação da Junta do Comércio, em 1756 (PEREIRA, 1988PEREIRA, Miriam Halpern. Artesãos, operários e o liberalismo. Dos privilégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840). Ler História, n. 14, p. 41-86, 1988. ; PEDREIRA, 1994PEDREIRA, Jorge Miguel. Estrutura Industrial e Mercado Colonial. Portugal e Brasil (1780-1830). Linda-a-Velha: Difel, 1994.; MADUREIRA, 1997MADUREIRA, Nuno Luís. Mercado e Privilégios. A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834. Lisboa: Editorial Estampa , 1997.). Foi a Junta do Comércio que passou a regular e dirimir os conflitos procedentes do mundo do trabalho, inclusivamente das atividades organizadas em corporações. A anterior autonomia greminal desapareceu sob o peso da ação do Estado central. Nuno Luís Madureira falou mesmo de um “corporativismo sem corporações” (MADUREIRA, 1997)MADUREIRA, Nuno Luís. Mercado e Privilégios. A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834. Lisboa: Editorial Estampa , 1997..

Miriam Halpern Pereira, Jorge Pedreira e o mesmo Nuno Madureira encontraram, no entanto, sinais de sentido contrário. Sinais que denunciam a resiliência das corporações, mas que permanecem em muitos casos por analisar de forma mais aprofundada. A explosão de novos regimentos que regulavam a atividade econômica e social das corporações (em Lisboa de 1768 a 1774 e no Porto de 1751 a 1806) é um bom exemplo dessa vitalidade. São tantos os regimentos que talvez se possa falar de uma forma de entrincheiramento de alguns grupos mais acossados. É nessa dinâmica de tensão que este texto se insere. A ideia passa por explorar um grupo de corporações ligadas ao pequeno comércio, ao comércio de retalho de Lisboa, e identificar se estavam mesmo em decadência ou se ainda davam sinais de resiliência. As então chamadas cinco classes incluíam os mercadores de lã e seda, de fancaria, de retrós, da capela e da misericórdia e talvez formassem a mais bem organizada estrutura corporativa comercial do mundo português na segunda metade do século XVIII.

Como muitas outras corporações, as cinco classes permanecem muito esquecidas. Os trabalhos de Miriam Halpern Pereira (1992)PEREIRA, Miriam Halpern. Negociantes, fabricantes e artesãos, entre velhas e novas instituições. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1992. e Cláudia Chaves (2006)CHAVES, Cláudia. O outro lado do Império: as disputas mercantis e os conflitos de jurisdição no Império Luso-Brasileiro. Topoi, v. VII, n. 12, p. 147-177, 2006. constituem as duas principais exceções. Sabemos que os lojistas de Lisboa formaram a Mesa do Bem Comum dos Mercadores de Retalho em 1757, o que é significativo por si só. Afinal, não estamos a falar somente da reformulação de um regimento, como aconteceu amiúde nesse período. Neste caso, criou-se um órgão de coordenação geral dos interesses do grupo e que, assim, poderia mais facilmente interceder em nome dos mercadores junto das instâncias de poder. Garantia, pelos menos em teoria, alguma coerência de ação a um universo de agentes que nem sempre partilhava as mesmas preocupações. No entanto, sabemos muito pouco sobre a forma de funcionar da Mesa do Bem Comum dos Mercadores de Retalho.

Neste artigo revisitamos esta instituição corporativa desde o seu estabelecimento até à sua extinção em 1833, procurando reconstituir a sua orgânica e funcionamento. Interessa, em particular, identificar as preocupações daqueles que tomavam parte de um modo de vida aparentemente ameaçado pela agenda de Pombal e dos governos subsequentes. Afinal, quais eram os temas mais prementes trazidos para o plenário da Mesa? E qual era a capacidade de resposta da Mesa aos desafios que lhe surgiam? Da mesma forma, importa reconstituir, na medida do possível, a relação da Mesa com a Coroa e em particular com a Junta do Comércio. O texto faz também incursões, ainda que exploratórias, na dinâmica social do grupo. A este respeito, o objetivo principal passa por mostrar formas menos explícitas (e mais inovadoras do ponto de vista da pesquisa histórica) de garantir a observação dos estatutos e a defesa do grupo.

O texto debruça-se ainda sobre os sinais de declínio, que, é bom ir adiantando, são também evidentes. A frequência de reuniões da Mesa é tida como um eventual sinal de fragilidade. Para terminar, o texto acompanha a reação dos pequenos mercadores aos desafios políticos e económicos que lhes foram colocados no início de Oitocentos: primeiro, às medidas de liberalização económica ensaiadas em 1810, e depois à disposição um tanto indefinida dos primeiros liberais portugueses. Nesta última seção, segue-se no encalço de trabalhos anteriores, que já exploraram em maior detalhe estas cronologias (PEREIRA, 1988PEREIRA, Miriam Halpern. Artesãos, operários e o liberalismo. Dos privilégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840). Ler História, n. 14, p. 41-86, 1988. ; CHAVES, 2006CHAVES, Cláudia. O outro lado do Império: as disputas mercantis e os conflitos de jurisdição no Império Luso-Brasileiro. Topoi, v. VII, n. 12, p. 147-177, 2006.; CRUZ, 2018CRUZ, Miguel Dantas da. Soterrados em petições: os liberais e a regulamentação do comércio itinerante em Portugal, 1820-1823. Ler História, v. 73, p. 145-168, 2018. ).

A abordagem de longa duração ensaiada neste texto faz parte de um esforço de investigação mais vasto, e que pretende reequacionar a dinâmica do corporativismo no Portugal dos finais do Antigo Regime. Contribuindo, dessa forma, para o debate historiográfico internacional sobre as associações greminais do mundo pré-contemporâneo.

MESA E A REORGANIZAÇÃO CORPORATIVA DOS INTERESSES COMERCIAIS

Os estatutos da Mesa do Bem Comum dos Mercadores de Retalho foram mandados publicar em dezembro de 1757, por ordem do Rei.7 7 Ver ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757. Não se pense, contudo, que a criação da Mesa foi fruto da iniciativa legislativa do governo de D. José I. Na verdade, os estatutos da futura organização chegaram praticamente feitos às mãos do futuro marquês de Pombal, por via de uma “petição dos mercadores de loja aberta da Cidade de Lisboa, (...) em que suplicaram ao mesmo senhor que lhes permitisse congregarem-se para formarem um corpo”.8 8 ARQUIVO NACIONAL TORRE TOMBO (doravante ANTT), Lisboa. Petição de 18 ago. 1756. Junta do Comércio (doravante JC), maço 373, cx. 748 “Avisos e portarias para e da Junta do Comércio para a Mesa”. A iniciativa partiu dos próprios interessados que dez meses depois do Terramoto já tinham delineado o essencial do quadro normativo de atuação.

A celeridade do pedido deixa entender a necessidade de refazer a vida de muitos mercadores, afetados pelo Terramoto, mas sugere igualmente um ambiente de oportunidade que eles terão pressentido. De um só golpe, eliminavam-se concorrentes e estabeleciam-se exclusivos antes inexistentes ou não observados. De resto, o hiato de tempo que medeia entre a data da chegada da petição ao Rei (18 de Agosto de 1756) e a data do seu despacho (16 de dezembro de 1757) insinua que nem todos estavam confortáveis com os privilégios solicitados pelas cinco classes, sobretudo se pudessem afetar outros grupos de interesse.

O preâmbulo dos estatutos da Mesa, ainda que não remeta para uma defesa genérica do mundo corporativo, deixa poucas dúvidas quanto aos propósitos. Aí falava-se de pôr termo à “liberdade e desordem” que até então se praticava no “comércio de retalho”, da mesma forma que se desvalorizava a vantagem de existir muitos agentes envolvidos na atividade, considerada irrelevante. À imagem do que aparece escrito nos estatutos da Junta do Comércio,9 9 Essas similitudes não deixam de ser interessantes. Trata-se, afinal, de instituições com mandatos bem diferentes. Pressente-se, porém, que ambos os documentos circularam pelas mesmas mãos. De resto, a data de registo dos estatutos da Mesa está separada por alguns dias da data de publicação dos estatutos da Junta do Comércio. refere-se: “não interessa que haja muitos, mas sim que haja muitos e bons negociantes”.10 10 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § I. ESTATUTOS da Junta do Comércio, ordenados por El Rey Nosso Senhor no seu decreto de 30 de setembro de 1755. Lisboa: Officina Antonio Rodrigues Galhardo, 1803, cap. 20, cap. 21. Garantir “os requisitos necessários de probidade e ciência”,11 11 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § VII. de que se faz menção no mesmo diploma, é uma referência tradicional da retórica corporativa desde o seu início. Tratava-se, segundo as corporações, de garantir a qualidade da produção e a preservação da técnica, mas que os seus críticos entendiam ser somente um pretexto para manter os aprendizes na dependência. No cerne dessas críticas estava (e ainda estará)12 12 Ver argumentos de Ogilvie (2004, p. 303) sobre lanifícios. a ideia de que os muitos anos de especialização e de prática eram desnecessários. O trabalho de artífice ou de mercador não seria assim tão complexo ou exigente.

O acesso à atividade, ao estabelecimento de uma loja, que se desejava tão controlado quanto possível, escapou, em parte, à Mesa. Era na Junta do Comércio que se procedia ao exame daqueles que se queriam tornar caixeiros - primeiro passo da carreira. Era também na Junta do Comércio que se procedia ao exame a que se sujeitavam todos os caixeiros que quisessem abrir uma loja própria (o exame era realizado pelo Lente da Aula do Comércio).13 13 Prevista nos estatutos da Junta do Comércio de 1756, a aula do comércio só viria a ser estabelecida em 1759. A Junta era uma instituição absolutamente nuclear na supervisão económica do reino, bem como na política de fomento desejada por Pombal. De pouco valeria uma oposição direta. Sebastião de Carvalho e Melo apontou alguns dos seus protegidos para a direção e dotou-a de ampla jurisdição, que incluía: a apreciação de conflitos emergentes do meio corporativo, tivessem eles origem na indústria ou no comércio, e a capacidade para autorizar novas iniciativas industriais. Tudo isto contrariava a exclusividade anterior de órgãos com participação direta das corporações, como era o caso da Câmara de Lisboa ou a Casa dos Vinte e Quatro.14 14 As Casas dos Vinte e Quatro foram estruturas de representação das corporações de ofícios, estabelecidas em diversas cidades de Portugal, entre meados do século XV e inícios do século XVI. As Casas dos Vinte e Quatro reuniam os procuradores dos doze mesteres de cada cidade (nem todos os ofícios estavam representados), que através dessa plataforma intervinham no governo das câmaras municipais, votando nas matérias que lhes tocavam e participando nas eleições para a vereação. Por vezes, era entre os afiliados da Casa dos Vinte e Quatro que se encontrava alguém para representar a cidade junto da Corte.

A Junta do Comércio passou também a emitir as licenças para abertura de atividade a homens não integrados nas estruturas corporativas, com base no privilégio do Novo Invento. Os mercadores das cinco classes não seriam a esse respeito exceção. Conseguiram, contudo, introduzir condições que, pelo menos à primeira vista, asseguravam-lhes algum controlo sobre o universo de pretendentes. Todo o caixeiro que quisesse abrir loja por sua conta deveria ter exercido essa atividade na mesma classe pelo menos durante seis anos. Tinha também de passar no exame do Lente da Aula do Comércio. Por último, tinha de ser sancionado pelo seu patrão e pela classe (em alternativa, pelos membros mais conceituados do corpo de comércio):

E que conste da sua honra, e probidade por atestação do Mercador de cuja casa sair, ou justificação verbal, perante a mesma Junta de que o seu Patrão lha denega sem justo fundamento; e dos Deputados atuais da sua respetiva classe, ou de dois Mercadores dos mais consideráveis da sua profissão, que o julguem digno da confiança do público pela sua verdade e bom procedimento.15 15 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § VII.

Na altura ficaram também estabelecidas as regras de transmissão do património para filhos e viúvas. Nesse último caso, era importante garantir que não haveria “trespasso oculto” a um agente externo à corporação.16 16 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § X e XI.

Um juiz conservador do comércio deveria garantir que o acesso à profissão se fazia de acordo com o estipulado nos estatutos. Deveria também garantir que os privilégios e os exclusivos eram observados.17 17 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. III, § IV. Aqui residirá a fonte de muitas frustrações. Afinal, privilégios e exclusivos eram a razão de ser da constituição da Mesa e das cinco classes que a compunham. Quando corporações se recompuseram no rescaldo do Terramoto era precisamente para garantir o exclusivo da venda dos produtos que cada uma transacionava anteriormente. Era para garantir que nenhuma “Pessoa, de qualquer condição, ou qualidade que seja, possa vender a retalho nenhum género de fazendas em sobrelojas e casas de sobrado”.18 18 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § III.

Esses produtos eram, em boa medida, o motivo pelo qual algumas classes eram identificadas na praça pública. Assim, os então designados mercadores de lã e seda não eram mais do que aqueles que vendiam produtos de seda e lã na conhecida Rua dos Ferros, na Conceição Velha e na Rua dos Escudeiros, o mesmo acontecendo aos mercadores de fancaria (ou lençaria) e aos mercadores de retrós.19 19 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, preâmbulo. Reforçou-se, de alguma forma, a codificação simbólica dos grupos, que iria persistir mesmo depois dos mercadores serem alojados nos novos arruamentos de Lisboa.

A pauta dos produtos exclusivamente vendidos pelas cinco classes ia na verdade para além das fazendas. Enquanto em algumas lojas iriamos encontrar sedas da Ásia e baetas (classe de lã e seda), cambraias e chitas (classe de lençaria ou fancaria), em outras, normalmente mais pobres, encontraríamos produtos mais grosseiros, como pederneiras para espingardas, pentes de osso, vidrilhos (classe da misericórdia), loiças e hábitos das ordens militares (classe da capela). O nível de riqueza das corporações é de resto atestado pelo que cada loja tinha de contribuir para a Mesa: as lojas da corporação de lã e seda pagavam 24.000 reis por ano; as de fancaria 19.200; as da capela 12.000; as de retrós 9.600; as de misericórdia 6.400.20 20 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. III, § I. A hierarquia que daqui decorria reflete-se por seu turno na composição do corpo dirigente da Mesa, ilustrada no quadro abaixo.

Quadro 1
Orgânica da Mesa

Note-se que o intendente tinha de ser necessariamente recrutado no mais prestigiado universo dos mercadores de lã e seda. O intendente dirigia as reuniões que muitas vezes tiveram lugar em sua casa.

Um tanto surpreendente é a ausência de referências a uma confraria ou irmandade, tal como tinha existido no tempo da Confraria do Espírito Santo. Em Portugal sempre houve uma correspondência entre comunidade profissional corporativa e a comunidade religiosa. Tratava-se de um elemento de sociabilidade fundamental que dava consistência identitária ao grupo, mas que servia também de refúgio assistencial para os seus membros mais infortunados. Nos estatutos da Mesa seguiu-se uma via assistencialista mais profana. Previu-se, ao invés, um cofre, para o qual todos contribuiriam e que também servia para “acudir com algum prudente socorro aos Mercadores que por algum motivo inculpável tiverem caído em pobreza”.21 21 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. III, § V.

OS ORGULHOSOS HOMENS DAS CINCO CLASSES: UM GRUPO INTERMÉDIO?

Quem eram os mercadores de retalho de Lisboa? Eram, em primeiro lugar, um grupo relativamente numeroso. Sendo o terceiro maior grupo socioprofissional da capital, com cerca de 15%, estavam apenas atrás dos artesãos (35%) e dos criados (26%) (LOUSADA, 1995LOUSADA, Maria Alexandre. Espaços de sociabilidade em Lisboa: finais do século XVIII a 1834. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Universidade de Lisboa, Lisboa, 1995. , p. 54). Estavam também concentrados no centro da capital, onde tinham as lojas e as habitações, precisamente como previra o plano de reconstrução de Lisboa. O conhecido sistema de arruamentos corporativos pombalinos funcionou como um mecanismo de segregação espacial, criticado por aqueles que não encontravam lugar nos arruamentos, mas defendido pelos representantes dos mercadores na Mesa. Na verdade, a Mesa deu sempre sinais de desagrado perante a tolerância demostrada pelo governo de D. José nesta matéria.22 22 Ver, por exemplo, conferência sobre o capelista Benedito Boero de 17 dez. 1766. ANTT. JC, maço 373, cx. 748 “Avisos e portarias para e da Junta do Comércio para a Mesa”. Nuno Madureira já tinha chamado a atenção para essa tolerância (MADUREIRA, 1992, p. 33-35).

A literatura existente é bastante consensual sobre o que mercadores não eram: nobres. Sabemos que por estarem ligados a uma atividade mecânica ficavam desde logo excluídos do universo daqueles que podiam aspirar à nobreza. Só os grandes negociantes ou grossistas, que vendiam por atacado e que participavam, por vezes, na arrematação de grandes contratos com a Coroa, reuniam condições para aspirarem a um grau de nobilitação. E isso acontecia precisamente porque não tinham loja aberta, porque o seu trabalho era intelectual, e não manual. A investigação de Jorge Pedreira (1995)PEDREIRA, Jorge Miguel. Os Homens de negócio da Praça de Lisboa, de Pombal ao vintismo (1755-1822): diferenciação, reprodução e identificação de um grupo social. Tese (Doutorado em Sociologia e Economia Históricas) - Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1995. é, a esse respeito, elucidativa. Isso não significa, contudo, que quando falamos em mercadores estejamos somente perante remediados. Ter loja aberta era um diferenciador social, mas não necessariamente um diferenciador de fortunas, até porque nem todos os grossistas eram abastados e nem todos os retalhistas eram modestos (MADUREIRA, 1989MADUREIRA, Nuno Luís. Inventários. Aspectos do Consumo e da Vida Material em Lisboa nos Finais do Antigo Regime. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Economia Históricas) - Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1989., p. 31). Como Jorge Pedreira escreveu, “as categorias do vocabulário social não podem captar com exatidão uma realidade muito complexa” (1992, p. 414-415). Em meados do século XVIII, não era invulgar encontrar homens de negócio com loja aberta (ainda que isso fosse combatido pela Mesa), e retalhistas a gerir negócios de grande dimensão. Sabe-se, por exemplo, que um dos maiores corretores do ouro em meados de Setecentos era mercador da classe da Capela, chamado Bento Afonso (COSTA; ROCHA, 2007COSTA, Leonor Freire; ROCHA, Maria Manuel Rocha. Remessas do ouro brasileiro: organização mercantil e problemas de agência em meados do século XVIII. Análise Social, v. XLII, n. 182, p. 77-98, 2007. , p. 95). Sabe-se também que Bento Afonso era um acionista de peso nas companhias monopolistas que Pombal estabeleceu para o comércio de Pernambuco e Paraíba, e para Grão-Pará e Maranhão. E Bento Afonso não estava sozinho nessas iniciativas atlânticas. Em 1758, os mercadores pediram três anos adicionais para despachar para a América as fazendas que, entretanto, tinham sido proibidas.23 23 ANTT. Conferência de 28 fev. 1758. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 8. O assunto volta à Mesa mais duas vezes: em 6 maio 1760 (90-90v) e em 13 maio 1760 (91v-92), quando se refere um pedido especial de ajuda ao secretário de Estado. Sinal de que existiram contatos comerciais com o outro lado do oceano.

A cultura material e os consumos do grupo são também muito interessantes. O trabalho de Andreia Durães Gomes mostrou patrimónios que incluíam por vezes peças valiosas como relógios, pinturas e livros (GOMES, 2017GOMES, Andreia Durães. Casas da Cidade: processos de privatização e consumos de luxo nas camadas intermédias urbanas (Lisboa na segunda metade do século XVIII e início do século XIX). Tese (Doutorado em História) - Universidade do Minho, Braga, 2017. , p. 364-365, p. 394-395). Estaremos, muito provavelmente, diante do que se tem chamado “grupos intermédios” que, neste caso, estaria suficientemente consciente do seu lugar para defendê-lo do que, em seu entender, poderia desqualificá-lo. Em trabalho em curso sobre matrimónios contestados nos finais do Antigo Regime, encontramos um caso de um mercador de lã e seda, António Gonçalves Basto, que tudo fez para evitar o casamento do filho com uma mulher de origem africana. O retalhista, estabelecido na Rua Augusta, e que em 1790 era deputado à Mesa pela sua corporação,24 24 Existem vários documentos assinados por António Gonçalves Basto em ANTT. JC, maço 332, cx. 671. justificou-se referindo “que seu filho era e podia ser rico”, ao contrário da esponsal. Alegou que esta “tinha mulatismo” e que o filho era “puro de sangue”, que aquela aliança era inconcebível para “uma família branca”, a despeito do que dizia lei de 16 de janeiro de 1773 sobre os libertos.25 25 Agradeço muito ao Nuno Gonçalo Monteiro por me ter facultado essas informações. A obra em curso tem como título provisório Trinta Casamentos contrariados e outras histórias. Disciplina familiar e noções de nobreza em Portugal (1775-1832), e está a ser preparada por Nuno Gonçalo Monteiro.

O grupo fechava-se para efeitos de proteção profissional, como veremos mais adiante, e fechava-se por conta de preocupações com o estatuto social. Além disso, se atuavam à maneira outros grupos similares, como os artesãos (OLIVAL, 2011OLIVAL, Fernanda. Os Lugares e espaços do provado nos grupos populares e intermédios. In: MONTEIRO, Nuno Gonçalo (Ed.). História Privada em Portugal - A Idade Moderna. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2011. p. 264-275. , p. 270), a endogamia seria praticada frequentemente.

Havia também uma forte consciência profissional. A sua atividade não era somente mecânica, i.e., não estava apenas dependente do esforço corporal. As artes e ofícios, ainda que mecânicas por princípio, supunham também inteligência e disciplina, o que lhes emprestava outra dignidade. Os retalhistas de Lisboa estavam muito acima dos criados, trabalhadores não qualificados e pobres. O retalho de tecidos era o género de profissão que se situava “na intersecção entre o domínio da arte ou inteligência e o domínio do esforço manual. Por isso tinham a designação de ‘artes e ofícios’.” (PEREIRA, 1988PEREIRA, Miriam Halpern. Artesãos, operários e o liberalismo. Dos privilégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840). Ler História, n. 14, p. 41-86, 1988. , p. 43). Não espanta, portanto, que os mercadores estivessem constantemente a lembrar o lado intelectual da sua atividade, o que eles chamavam “o verdadeiro comércio”, de créditos, débitos e especulações.26 26 ANTT. Parecer da Mesa de 22 mar. 1758. JC, maço 331, cx. 668.

Poderemos encontrar um bom exemplo de um vincado orgulho profissional num documento de 1819, sobre o exercício de cargo de intendente da Mesa, que deveria recair num mercador. Não era o caso naquele momento, o que causou grande desagrado. O texto está escrito de uma maneira tal que parece resvalar para a ironia ou sarcasmo gratuito sobre a condição de negociante relativamente à de mercador. A hipervalorização da diferença é tão grande e tão desnecessária que nos remete para um mundo da sátira. O orgulho dos instrumentos da profissão do mercador de tecidos descortina-se por detrás da loquacidade.

Mas sobre não ser mercador tem demais a circunstância de não o poder ser, ainda que quisesse. Esta impossibilidade se acha proclamada em alta voz pelo 3º documento, também inserto, pelo qual se vê que, investindo-se do título e qualidade de Negociante da praça de Lisboa, solicitou e obteve da Grandeza de Sua Majestade o Hábito de Cristo, que recebeu e professou como consta do dito documento. E neste caso ninguém se atreverá a dizer que com aquela honorífica insigne a seus peitos pode medir côvados de pano e de baeta sobre um mostrador, sem cuja atual e pessoal liberdade se não pode dizer verdadeiramente mercador, e nos termos de o ocupar licitamente os cargos da Mesa que supõem um mercador sem impedimento, alguém para o exercício pessoal da sua profissão. Ninguém dirá impunemente que elevado à dignidade de uma ordem religiosa, equestre e militar, que faz ornamento da parte mais ilustre da Nação, de uma ordem nobre, decorosa e respeitável, consagrada pela religião, pelo estado, para honrar o merecimento, e premiar os serviços, de uma ordem facialmente (sic) de que Sua Majestade é o Supremo e Augusto chefe, pode ele suplicante Pedro António da Silva Pedroso, considerar-se verdadeiramente mercador, nem achará um só exemplo, nem se poderá pensar de outra maneira sem injuriar a muito Nobre e Sagrada Ordem.27 27 Existem várias versões do mesmo requerimento, cada uma mais contundente que a anterior. Os autores são os mercadores da classe de lã e seda, maioritariamente, e o documento está datado de 14 maio 1819. ANTT. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”.

Se o objetivo passasse somente pelo afastamento do intendente em exercício não seria preciso lançar mão deste tipo de retórica.

Já se notou, em outro lado, que parece estar a emergir um novo entendimento de respeitabilidade entre as cinco classes. No início do século XIX, os comerciantes autorrepresentam-se como pilares da sociedade, honrados, honestos, trabalhadores (CRUZ, 2018CRUZ, Miguel Dantas da. Soterrados em petições: os liberais e a regulamentação do comércio itinerante em Portugal, 1820-1823. Ler História, v. 73, p. 145-168, 2018. , p. 156). Seriam, na verdade, indispensáveis, como se pode ver em outro documento redigido pela Mesa: “Destas famílias honestas, polidas e bem morigeradas procede a boa povoação, quando seus filhos se derramam por todos os misteres sociais”.28 28 ANTT. Papéis que servem de instrução à resposta que a Mesa tem de dar sobre o exclusivo das Classes e sua extinção. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”. Para seu crédito, essa opinião era partilhada por outros que, mais tarde, tiveram o destino das corporações nas mãos.

AS CINCO CLASSES E O ESTADO

A longevidade das corporações deveu-se, segundo Marcello Caetano (1943, p. LXXIV)CAETANO, Marcello. A Antiga organização dos mesteres da cidade de Lisboa. In: LANGHANS, Franz-Paul. As Corporações dos ofícios mecânicos: subsídios para a sua história. Lisboa: Imprensa Nacional, 1943. p. XI-LXXV., à sua utilidade. Como se disse, esse não é o ponto de vista de historiadores mais críticos das instituições corporativas e do seu papel no desenvolvimento económico. Sheilagh Ogilvie, por exemplo, refere que a longevidade das corporações se deveu sobretudo às alianças com as autoridades políticas: “as corporações de mercadores tinham dois beneficiários poderosos - os mercadores que a elas pertenciam e as autoridades políticas que lhes concediam privilégios”29 29 Trad. livre do autor: “Merchant guilds had two powerful beneficiaries - mercants who belonged to them and the political authorities who granted their privileges”. (OGILVIE, 2011OGILVIE, Sheilagh. Institutions and European Trade. Merchant Guilds, 1000-1800. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. , p. 160-161). Na prática, as corporações compensavam o impacto negativo dos seus monopólios nas trocas comerciais, e na consequente coleta fiscal, por via de contribuições e empréstimos. Assim aconteceria também à Mesa em 1804, quando ofereceu o donativo voluntário para as urgências do Estado, em 1808, por alturas das Invasões Napoleónicas, e depois vários anos consecutivos durante a Guerra Peninsular. Talvez isso explique a preservação da Mesa mesmo quando o pensamento económico protoliberal de homens como Rodrigo de Sousa Coutinho começava a ganhar terreno em Portugal.30 30 Sobre os avanços do pensamento económico em Portugal ver os trabalhos de José Luís Cardoso. Ver, por exemplo, CARDOSO, 1989; CARDOSO; CUNHA, 2011. Talvez isso explique o sucesso com que respondeu à legislação mais ameaçadora de início do século XIX. Sustiveram-se então medidas que liberalizavam o comércio de retalho em Lisboa.

Não se deve, contudo, pensar numa relação pacífica, marcada por troca de favores entre parceiros agradecidos. Como aconteceu a outras corporações (MADUREIRA, 1997MADUREIRA, Nuno Luís. Mercado e Privilégios. A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834. Lisboa: Editorial Estampa , 1997.; PEREIRA, 1988PEREIRA, Miriam Halpern. Artesãos, operários e o liberalismo. Dos privilégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840). Ler História, n. 14, p. 41-86, 1988. ; PEDREIRA, 1994PEDREIRA, Jorge Miguel. Estrutura Industrial e Mercado Colonial. Portugal e Brasil (1780-1830). Linda-a-Velha: Difel, 1994.), a Mesa e as cinco classes tiveram muitos problemas com a instituição pombalina dotada de mais responsabilidades económicas no país: a Junta do Comércio. A direção da Junta desrespeitava abertamente os estatutos da Mesa, muito especialmente no que tocava à concessão de alvarás para abertura de loja de uma das cinco classes. Os livros de reuniões da Mesa estão recheados de registos de discussões sobre o desrespeito pelos seus estatutos, que, como se disse, previam um conjunto de condições para a abertura de lojas. A Junta facilitava frequentemente na emissão de licenças. Concedia-as, por exemplo, a pessoas que não tinham os seis anos de experiência de caixeiro no retalho de Lisboa, como aconteceu a Manuel Gomes da Mata,31 31 ANTT. Parecer da Mesa de 25 nov. 1760. JC, maço 331, cx. 668 “Requerimentos de licença para abertura de lojas de lã e seda”. ou a analfabetos, como era o caso de José da Mata.32 32 ANTT. Atestação de 28 nov. 1758. JC, maço 331, cx. 668 “Requerimentos de licença para abertura de lojas de lã e seda”.

Entre três de março de 1758 e sete de julho do mesmo ano, a Mesa reuniu sete vezes especificamente para protestar a concessão de alvarás, até que nessa sétima reunião se decidiu procurar a intervenção do próprio Sebastião de Carvalho e Melo.33 33 ANTT. Conferência de 7 jul. 1758. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 28v-29. O futuro marquês prometeu “que a tudo se daria providência”, mas as expetativas dos mercadores ficaram baldadas. Terá sido inclusivamente ventilada a hipótese de se “consultar a Sua Majestade”,34 34 ANTT. Conferência de 18 jul. 1758. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 31v-32. o que seria um risco que a Mesa não esteve disposta a tomar. O poderoso ministro de D. José já tinha demonstrado no Porto, em 1757-1758, como lidava com desafios à autoridade da Coroa. Ainda assim, a Mesa não ficou parada e assumiu uma posição de força. Em março de 1759, decidiu não registar os alvarás “sem primeiro se fazer presente à Junta as circunstâncias que se notam nas pessoas a quem a mesma manda passar alvarás contra os requisitos expressados nos estatutos desta Mesa”.35 35 ANTT. Conferência de 30 jan. 1759. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 49v-50.

Nada disto parece apontar para uma conveniente simbiose que por vezes se poderia supor. O Estado não deu sinais de querer proteger a corporação. Se estamos perante uma trajetória de crise, ela não parece ser corrigida por via de uma intervenção superior. A desejada aproximação ao marquês de Pombal, que poderia indiciar uma certa capacidade de fazer lobby, terá fracassado. Se as cinco classes continuaram a dominar o retalho em Lisboa, talvez isso se deva ao vigor do modelo corporativo, e às vantagens que ele oferecia naquele contexto específico e não tanto à proteção de autoridades políticas. De resto, a despeito das contribuições pontuais para a Coroa, referidas acima, os mercadores também não estavam propriamente dispostos a fazer grandes cedências. O interesse da classe (e não necessariamente da Mesa) sobrepunha-se a uma eventual possibilidade de agradar ao governo português e à política de substituição de importações de Pombal. Em 1758, a Real Fábrica das Sedas, que deveria contribuir para esse desiderato, procurou um acordo com alguns mercadores, de forma a assegurar saída de peças de seda. Prometia-se inclusivamente excelentes condições, mas a proposta parece que não foi por diante.36 36 ANTT. Conferência de 17 nov. 1758. JC, L. 348 “Livro de Conferências da Mesa”, f° 40v-41. E o mesmo aconteceu alguns anos depois a uma proposta de um fabricante de “riscados para colchões”, e que contou com o apoio da Junta do Comércio. A corporação de fancaria rejeitou a aproximação. Ainda que elogiasse o esforço do empresário, notava-se que não se poderia forçar os lojistas a receberem mercadoria que não queriam. Tudo deveria passar pelo ajuste direto entre um mercador individual e o fabricante.37 37 ANTT. Conferência de 10 nov. 1769. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”.

SINAIS DE DEBILIDADE INSTITUCIONAL

As providências tomadas pelos governos de D. José I e D. Maria I e que atingiam os grémios têm sido, de alguma forma, entendidas como sinais da crise corporativa. Carvalho e Melo, cansado do conservadorismo das corporações, legisla no sentido de lhes retirar privilégios. Por exemplo, em 1761, reconheceu-se, pela primeira vez, o direito ao trabalho de artífices independentes (MADUREIRA, 1997MADUREIRA, Nuno Luís. Mercado e Privilégios. A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834. Lisboa: Editorial Estampa , 1997., p. 234). No início do século XIX já se fazia esta correlação entre o declínio greminal e a ação do principal ministro de D. José I. A figura forte e incorruptível de Pombal estava então bem lançada para ocupar lugar destacado na memória coletiva do país. Acúrsio das Neves falou dos “cortes” “que os mercadores de retalho começaram a levar” (NEVES, 1984NEVES, José Acúrsio das. Obras completas de José Acúrsio das Neves. Variedades sobre objectos relativos às artes, comércio e manufacturas, consideradas segundo os princípios da economia política, v. III. Porto: Afrontamento, 1984. , p. 195). Tratar-se-ia, portanto, de uma crise que “vinha de cima”, uma crise provocada por mudanças de orientação económica. Há, contudo, outros sinais de fadiga interna para os quais o Estado pouco ou nada terá contribuído e que são muito menos salientados pela historiografia.

A segunda metade do século XVIII deixa evidente a dissolução do espírito das cinco classes, de pouco valendo a mediação da Mesa onde se reuniam os representantes de cada classe. Formaram-se, por exemplo, sociedades de mercadores para comprar em maior quantidade e mais barato. Eram mercadores de classe mais abastada de lã e seda, que importavam alguns dos tecidos diretamente da Ásia. Entre eles estava o já referido António Gonçalves Basto que, não obstante a desfeita que fez à sua classe por ocasião dessa sociedade, viria a tornar-se seu representante na Mesa. Sem o apoio do juiz conservador, que não viu ilegalidade no procedimento do grupo de António Gonçalves Basto, a Mesa limitou-se a convocar e censurar os “agregados à companhia da qual se queixavam os mais mercadores da referida classe, pelo gravíssimo dano que esta causava”.38 38 ANTT. Conferência de 26 fev. 1760. JC, L. 348 “Livro de Conferências da Mesa”, f° 88-89. De pouco terá valido. Quase dois anos depois da primeira advertência, o grupo de António Gonçalves Basto voltou a ser repreendido, mas sem grandes expetativas de sucesso:

sendo [em outra sessão], na presença do conservador, advertidos com aquela fraternal demonstração com que devem ser tratados os incorporados para que não continuassem na irregularidade que praticavam no comércio mercantil por ser em dano dos mais incorporados na sua classe, estes abusando da advertência da Mesa têm continuado e vão continuando na mesma desordem, o que não só é irreparável à classe mas em ludíbrio da Mesa.39 39 ANTT. Conferência de 25 set. 1761. JC, L. 348 “Livro de Conferências da Mesa”, f° 113v-114.

A desobediência e a inobservância das recomendações da Mesa colocavam em causa até o prestígio da instituição. Não que isso fosse de todo invulgar. A Mesa foi também desconsiderada quando muitos mercadores protelavam o registo dos seus alvarás (passados pela Junta do Comércio) nos livros da Mesa. Sem esse registo, era impossível saber quantas lojas estariam abertas e a funcionar dentro da lei. Segundo a Mesa, sem esse controlo, a própria pauta dos produtos de cada classe poderia estar a ser desrespeitada. Sem esse registo era também impossível cobrar a contribuição a que estavam todos obrigados. Incapaz de garantir a observação do extipulado, a Mesa recorreu às lideranças de cada classe para procederem a uma contagem mais fina dos seus agremiados. Referiu-se então:

Os procuradores de cada uma das corporações tirem um Mapa de todas as lojas existentes, declarando os nomes dos mercadores, sítios das lojas, qualidade do maior ou menor cabedal de que se compõem, perguntando se têm alvará, que o mostrem, e apontadas as forças, lhe deixem ficar e não tendo, cominar-lhes um mês para que o tirem.40 40 ANTT. Conferência de 27 out. 1758. JC, L. 348 “Livro de Conferências da Mesa”, f° 37v-38.

O interesse particular de cada mercador impunha-se com frequência, o que chocava com a Mesa e, por vezes, com a sua própria classe. Esse foi o caso de alguns mercadores que empregavam pessoas para vender pelas ruas e de porta em porta. Violavam, dessa forma, o que estava estabelecido nos estatutos para proteção de cada classe: “todas as fazendas que houverem de ser vendidas por miúdo o sejam sempre em lojas estabelecidas no mesmo pavimento das ruas”.41 41 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § II.

Um outro sinal de debilidade da instituição criada em 1757 encontra-se na redução abrupta do número de reuniões da Mesa, ou pelo menos de reuniões formais que os estatutos previam. Esses previam duas reuniões semanais, onde os “Procuradores [dariam] conta de tudo o que acontece”.42 42 ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. I, § IX. Como se pode ver no gráfico abaixo, a Mesa só esteve perto de cumprir com o estipulado no princípio.

Não é de excluir a possibilidade de as reuniões terem tido lugar de forma menos solene, só com parte dos representantes, e sem registo no livro de conferências. Mas a quebra de protocolo previsto denuncia, no mínimo, a diminuição da confiança dos lojistas na instituição onde tinham depositado as suas expetativas. A Mesa teria fracassado na missão de proteção de grupo, que terá percebido que a Mesa não servia para canalizar as suas demandas (em boa verdade, nem sempre partilhadas). Para assuntos mais circunscritos, talvez se preferisse proceder dentro do grupo específico, de cada classe, ao invés de encaminhá-los para a Mesa.

COESÃO POR OUTROS MEIOS

Nos primeiros vinte anos de existência da Mesa, assistiu-se a uma redução de quase 30% no número de retalhistas. Em 1778, restavam 359 dos 503 conhecidos em 1758, distribuídos da seguinte maneira: noventa de lã e seda; 57 de lençaria; 52 de capela; 58 de retrós; 102 de misericórdia.43 43 ANTT. Demonstração das contribuições das cinco classes para o cofre da respectiva Mesa, set. 1778. JC, maço 367, cx. 738 (pasta não identificada da Mesa do Bem Comum). Será isto um outro sinal de crise? Não, necessariamente. A redução do número de retalhistas não aparece nas conferências da Mesa como tema recorrente ou mesmo como uma preocupação. Na verdade, se os mercadores tivessem mais sucesso nas reclamações que apresentavam acerca da concessão de licenças, a diminuição teria sido mais pronunciada. Ficamos com a impressão de que muitas lojas foram abertas no rescaldo do Terramoto sem cumprirem as disposições inseridas nos estatutos das cinco classes, que tudo fizeram para as encerrar. Nesse sentido, o “abatimento de alguns mercadores de menor comércio”,44 44 Referido na demonstração citada no número anterior. decidido por D. José em 1759, terá inclusivamente agradado à Mesa. O monarca eliminou concorrência interna (eventualmente ilegal) e consolidou o lugar dos estabelecimentos mais prósperos.

A estrutura corporativa do retalho em Lisboa seria suficientemente sólida e próspera para integrar outros mercadores que operaram sem proteção corporativa até 1786. Foi esse o caso das lojas de ferragens, agregadas à classe da misericórdia, e das lojas de “fazendas da Índia”, onde se vendiam loiças da Ásia, integradas na classe da capela (NEVES, 1984NEVES, José Acúrsio das. Obras completas de José Acúrsio das Neves. Variedades sobre objectos relativos às artes, comércio e manufacturas, consideradas segundo os princípios da economia política, v. III. Porto: Afrontamento, 1984. , p. 186).

Os mecanismos de garantias financeiras usados aquando da constituição de uma nova loja são um outro bom indicador da coesão do grupo. O recurso a escrituras de abonação ou de fiança, que se parecem generalizar no retalho a partir da década de 1790, assegurava um dos principais objetivos do grupo: o fechamento das classes a agentes externos. Esses mecanismos mostram que o exercício de caixeiro era geralmente condição indispensável para a concessão de um alvará, como os retalhistas exigiam desde o início. Mostram, também, que o grupo terá conseguido impedir o aliciamento de caixeiros por outros grupos ou agentes legalmente impedidos de tomar parte no retalho. Mas, é bom notar que isso só terá acontecido depois de alguma contestação. Sabemos que no início se convidavam caixeiros para sociedades quase sempre marcadas pelo fracasso e pelo descrédito do caixeiro. Em conferência de agosto de 1760, Mesa queixou-se do

grande dano que se experimentava em todas as corporações, ocasionado de se estarem quotidianamente induzindo os caixeiros dos mercadores delas, por outros mercadores, e principalmente por pessoas que o não são, estrangeiros e portugueses, para lhes porem lojas com obrigação de lhes surtirem as fazendas, convencionando pertencerem-lhe a maior parte dos lucros, e aos caixeiros ténue ordenado; conseguindo estes alvarás, e passados poucos tempos, como dá parte destes não há a ciência necessária para saberem continuar no comércio, os mesmo interessados, não experimentando os lucros que ambiciosos buscavam, mas sim certa perda no principal, (...) e vem a faltar de crédito os caixeiros a quem induziram, e gravados de muitas dívidas, resulta não poderem os caixeiros para o futuro estabelecerem-se em descrédito das corporações.45 45 ANTT. Conferência de 26 ago. 1760. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 97v-98.

Nestas sociedades, que se criticam, o caixeiro traria a legitimidade, indispensável à abertura da loja, e o outro agente traria o capital necessário, ficando este com os lucros, e o caixeiro apenas um dependente. A escritura de abonação, sugerida pela Mesa, pelo menos uma vez,46 46 ANTT. Parecer de 10 nov. 1789. JC, maço 332, cx. 671 “Requerimentos de licença para abertura de lojas de lã e seda”. ultrapassaria esse problema. Formalizava-se um acordo em que o fiador se comprometia em suportar as eventuais dívidas não satisfeitas pelo novo estabelecimento (ainda que só até um certo limite). Isso implicava a existência de uma relação de confiança entre fiador e o novo lojista. A legitimidade da operação era assegurada, assim como a autonomia do mercador. O discurso inscrito nos termos das escrituras é previsível, formal, e sem variações: o fiador prestava “a sua competente fiança a quantia de (...) [x] (...) para pagamentos de seus [i.e., do novo mercador] credores, no caso não esperado, de com estes ter algum alcance, e para os mesmos credores serem indemnizados, quaisquer que eles sejam e haverem as suas respetivas quantias”.47 47 ANTT. JC, maço 332, cx. 671.

O gráfico 2 resulta da recolha ainda em curso, mas vai já apontado para o protagonismo das cinco classes. As lojas eram abertas sobretudo com o apoio de outros mercadores que abonavam os caixeiros pretendentes, e que assim controlavam o acesso o mundo do retalho. Os mercadores aparecem como fiadores em 59 das 105 escrituras, por vezes associados entre si, por vezes associados a outras profissões.48 48 Base de dados em elaboração. Os dados dizem respeito ao primeiro volume da coleção intitulada Termos de fianças para abertura de lojas (1772-1798). ANTT. JC, L. 323. Não será também despiciendo o número de negociantes, envolvidos em 21 escrituras. Os dados recolhidos reforçam também a importância das relações familiares. O pai aparece como fiador em quase 18 casos, e em outros 17 casos o fiador também parece provir do universo familiar.

Gráfico 2
Profissão dos fiadores

À imagem do que acontecia com o padrão de crédito prevalecente em Lisboa (ROCHA, 1998ROCHA, Maria Manuela. Crédito privado em Lisboa numa perspetiva comparada (séculos XVII-XIX). Análise Social , v. XXXIII, n. 145, p. 91-115, 1998. , p. 92), existe uma clara tendência para a dispersão. Em 105 escrituras apenas seis nomes se repetem, e nunca mais do que uma vez. Esses seis agentes eram todos mercadores. Não havia, portanto, especialistas nesta atividade. De notar por fim o sítio de residência dos fiadores, com os lisboetas a aparecerem muito destacados, o que não surpreende. Afinal, este comércio estava centrado na capital e era dirigido maioritariamente aos consumidores de Lisboa.

A DESARTICULAÇÃO DO MERCADO E A AGENDA LIBERAL

Não é líquido que flutuações da moda e do gosto, arrasadoras para outras profissões organizadas em corpo (MADUREIRA, 1997MADUREIRA, Nuno Luís. Mercado e Privilégios. A Indústria Portuguesa entre 1750 e 1834. Lisboa: Editorial Estampa , 1997., p. 233), tivessem prejudicado a atividade das cinco classes. A redução do número de lojas, já referido, terá sido sobretudo resultado de um processo de consolidação, eventualmente desejado. Foi apenas em 1810 que os privilégios foram verdadeiramente ameaçados. Quase no mesmo momento em que franqueou o Brasil ao comércio internacional, D. João VI decretou o fim das restrições que se observavam no comércio interno da Monarquia. O decreto de 27 de março não se dirigia especificamente às cinco classes de Lisboa. O alvo do diploma, que já foi visto como a “medida porventura mais ousada da política económica joanina” (PEREIRA, 1992PEREIRA, Miriam Halpern. Negociantes, fabricantes e artesãos, entre velhas e novas instituições. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1992., p. 37), era a legislação restritiva e sumptuária. No entanto, a derrogação de “legislação que proibia nas cidades e vilas a venda das fazendas pelas ruas e casas”, acertava em cheio nos privilégios das cinco classes do retalho de Lisboa. Doravante, não haveria mais os exclusivos, que no entender do legislador prejudicavam o “Interesse geral”, a expansão do mercado e o “proporcional acréscimo na Coleta”.49 49 Alvará de 27 mar. 1810. In: SILVA, 1826, p. 866-867. Esses objetivos deixam antever a influência do pensamento smithiano que tinha cativado alguns membros do governo português, caso de Rodrigo de Sousa Coutinho. Pretendia-se “um justo equilíbrio pela Concorrência de maior número de distribuidores”.50 50 Alvará de 27 mar. 1810. In: SILVA, 1826, p. 866-867.

A reação da Mesa já foi seguida de perto por Miriam Halpern Pereira (1992, p. 37-38)PEREIRA, Miriam Halpern. Negociantes, fabricantes e artesãos, entre velhas e novas instituições. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1992., Cláudia Chaves (2006, p. 155-157)CHAVES, Cláudia. O outro lado do Império: as disputas mercantis e os conflitos de jurisdição no Império Luso-Brasileiro. Topoi, v. VII, n. 12, p. 147-177, 2006. e Miguel Dantas da Cruz (2018, p. 91-93)CRUZ, Miguel Dantas da. Soterrados em petições: os liberais e a regulamentação do comércio itinerante em Portugal, 1820-1823. Ler História, v. 73, p. 145-168, 2018. , não se justificando entrar em grandes detalhes. Bastará sublinhar que a réplica da Mesa teve êxito. Ao contrário do que aconteceu com outras praças dos domínios portugueses, a começar pelas cidades americanas (CHAVES, 2006CHAVES, Cláudia. O outro lado do Império: as disputas mercantis e os conflitos de jurisdição no Império Luso-Brasileiro. Topoi, v. VII, n. 12, p. 147-177, 2006., p. 167-169), os privilégios das cinco classes foram integralmente reinstalados.51 51 O alvará de 27 abr. 1812 voltou a insistir na proibição de vendas porta em porta, até nova resolução (RIBEIRO, 1818, p. 385). A venda de porta em porta e pelas ruas dos muitos produtos estancados pelas cinco classes continuaria proibida em Lisboa. Fica patente a preponderância que o grupo ainda tinha, e continuaria a ter. A promessa expressa de se dar resolução definitiva não viria a concretizar-se, para sossego das corporações.

O aumento súbito de conferências formais da Mesa em meados da década de 1810 (ver Gráfico 1) pode ter sido fruto da necessidade de vigilância acrescida no rescaldo da guerra com Napoleão. As invasões, segundo a própria Mesa, terão provocado o afluxo de pessoas desesperadas à capital, onde recorreriam a qualquer tipo de expediente para sobreviver. Muitas encontravam nas vendas por miúdo, pelas ruas, o sustento que a guerra lhes tinha tirado.52 52 ANTT. Papéis que servem de instrução à resposta que a Mesa tem de dar sobre o exclusivo das Classes e sua extinção, Memória de 2 jun. 1812. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”. Foi, no entanto, uma reativação do protocolo de curta duração. Dois anos depois, os representantes das classes voltaram a deixar de reunir-se.

Gráfico 1
Número de reuniões da Mesa dos Mercadores de Retalho (1758-1830)

A Revolução Liberal de 1820 e a convocação das Cortes Constituintes ofereceram novas oportunidades para se revisitar problemas antigos. O sistema corporativo ainda vigente em Portugal foi um desses problemas, subitamente catapultados para as comissões de artes e manufaturas e de comércio. A enxurrada de petições provenientes do meio artesanal reflete as expetativas das corporações perante o novo sistema político. A chegada dos liberais foi “claramente interpretada como favorável à recuperação dos privilégios atingidos pelo absolutismo”, como escreveu Miriam Halpern Pereira (1988)PEREIRA, Miriam Halpern. Artesãos, operários e o liberalismo. Dos privilégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840). Ler História, n. 14, p. 41-86, 1988. . No que toca ao comércio interno, o problema dos vendilhões foi central: das 91 petições relacionadas com relações comerciais internas, 46 diziam respeito àqueles que andavam a vender de porta em porta em Portugal, mas também no Brasil.53 53 Detetaram-se duas petições referentes à América nas caixas da Comissão de Comércio das Cortes. Uma proveniente do Maranhão contra vendilhões supostamente de origem francesa, e outra proveniente dos comerciantes do Rio de Janeiro contra os “volantes mascates”. ARQUIVO HISTÓRICO PARLAMENTAR (doravante AHP), Lisboa. Comissão de comércio, Seção I e II, maço 92; e AHP. Comissão de comércio, secção I e II, maço 40.

Os deputados vintistas eram maioritariamente hostis à organização corporativa, criticando os exclusivos, os monopólios e a obrigação de exames exigida pelas corporações de ofícios. Mas, apesar de não esconderem essa hostilidade, acabaram por contemporizar. Se é certo que não devolveram privilégios perdidos, reclamados por algumas corporações de artesãos, também é verdade que não as penalizaram. Reconhecia-se, enfim, a dificuldade de eliminar as corporações. O cálculo político terá sido determinante nestas meias-medidas. Os vintistas estavam paralisados com o receio de alienar os ofícios, e nem a extinção dos arruamentos foi aprovada. Ficou apenas expresso o desejo de abolir gradualmente os exclusivos, sem, contudo, se definirem compromissos concretos (PEREIRA, 1988PEREIRA, Miriam Halpern. Artesãos, operários e o liberalismo. Dos privilégios corporativos para o direito ao trabalho (1820-1840). Ler História, n. 14, p. 41-86, 1988. ).

Com o comércio não foi diferente. Muitos deputados criticavam as petições que lhes chegavam às Cortes encaminhados por comerciantes estabelecidos. A Comissão de Comércio, em maio de 1821, escreveu que as petições não eram mais do “que clamores dos que procuram afastar a concorrência (...), filhos da sede de monopólios, própria de semelhantes classes, contra os quais deve estar sempre em guarda um governo ilustrado e providente”.54 54 AHP. Parecer da Comissão de Comércio, 23 mai. 1821. Comissão de comércio, Seção I e II, maço 92, doc. 6. Outros, porém, posicionavam-se contra os homens e mulheres que vendiam pelas ruas. Francisco Lemos Bettencourt, por exemplo, considerava esses vendilhões uma “cáfila”, “inúteis e muito prejudiciais”.55 55 Sessão de 30 maio 1821. DIARIO das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza. Lisboa: Impressão Nacional, n. 93, p. 1081. Disponível em: <http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/093/1821-05-30>. Acesso em: 15 mar. 2020.

O impasse ditou a manutenção da legislação em vigor. Os vendilhões seriam tolerados nas províncias somente. A sua atividade deveria ser regulada e vigiada, conforme projeto cuja discussão sofreu sucessivos adiamentos. Se aprovado, o projeto imporia grandes restrições à circulação desses agentes pelas comarcas do país.56 56 AHP. Projeto de lei sobre os vendilhões e tendeiros volantes, 5 out. 1821. Comissão de comércio, secção I e II, maço 92.

Quanto à Mesa do Bem Comum dos Mercadores de Retalho, é muito significativo que os seus estatutos tivessem sido confirmados em 1821, sem sequer terem sido postos à discussão (PEREIRA, 1992PEREIRA, Miriam Halpern. Negociantes, fabricantes e artesãos, entre velhas e novas instituições. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1992., p. 41). De nada valeu a recomendação dos grandes negociantes e grossistas de Lisboa, que aconselharam a extinção da Mesa e das cinco classes. Quando foi finalmente convidada a encontrar meio “seguro para a extinção do exclusivo, e das Cinco Classes, sem os inconvenientes”,57 57 ANTT. Papéis que servem de instrução à resposta que a Mesa tem de dar sobre o exclusivo das Classes e sua extinção, Aviso para a regência, 18 jun. 1821. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”. a Mesa teimou na validade histórica e nas vantagens económicas dos seus monopólios.58 58 A resposta da Mesa está no mesmo conjunto de papéis, mas não tem data. Começa com a seguinte expressão: “A Mesa do Bem Comum dos Mercadores e classes de sua dependência, contando-se-lhes pelo Diário do Governo de 13 do corrente mês”. O convite foi feito em termos tão moderados (quase cautelosos), que a Mesa abdicou de se acomodar ao regime, continuando a fazer lobby contra a liberdade de comércio durante todo o triénio vintista (PEREIRA, 1992, p. 42).

A extinção da Mesa a 10 de Setembro de 1833, aproximadamente um mês depois da tomada de Lisboa aos absolutistas, terá constituído um choque para os mercadores. Não será de excluir a existência de intenções punitivas, ainda que desse setor fossem originários alguns dos “radicais” mais temidos pela contrarrevolução, como escreveu Pulido Valente (2018, p. 40-41)VALENTE, Vasco Pulido. O Fundo da Gaveta. Lisboa: D. Quixote, 2018. . Faltou, contudo, tempo ou força para reagir. Em 7 de Abril de 1834 era extinto todo o edifício corporativo português. De um só golpe, desapareceram todas as corporações de ofícios, os juízes do povo, os procuradores dos mesteres e a Casa dos Vinte e Quatro. Entrava-se, finalmente, numa nova era em matéria de organização do trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta é a altura de recuar ao início, e perguntar de que forma a Mesa do Bem Comum e os seus mercadores se inserem no debate historio gráfico mais geral dedicado às corporações. Mais miudamente, importava perceber se as corporações do retalho lisboeta se inserem na trajetória de declínio que tem sido apontada para outros agrupamentos similares.

Neste momento da pesquisa emergem sobretudo sinais de sentido contrário. A criação de uma estrutura de suporte e de supervisão como a Mesa do Bem Comum terá fracassado nos seus objetivos. A Mesa não conferiu necessariamente maior capacidade de intervenção junto das autoridades políticas portuguesas. Parece claro que a Mesa teve uma convivência difícil com a Junta do Comércio, mais uma vez, como outros agrupamentos corporativos. Por exemplo, o controlo que os mercadores queriam exercer sobre a concessão de licenças foi frequentemente contrariado pela direção da Junta, que nem sempre observava as condições de acesso mínimas estabelecidas em 1757. Se as cinco classes dominavam o retalho em Lisboa durante a segunda metade de Setecentos, talvez isso se prenda, pelo menos em parte, com os benefícios económicos que o modelo corporativo oferecia naquele contexto específico e não tanto à proteção de autoridades políticas. Ou seja, se as corporações de comércio não eram o paradigma de eficiência económica, como por vezes somos levados a crer por leituras mais institucionalistas, também não eram o exemplo acabado de parasitismo e de ineficácia que sobrevivia somente por conta do apoio de um Estado decadente.

A criação de uma estrutura supraciliar também não terá reforçado os laços corporativos ou a coesão interna. A aparente rutura do protocolo, que previa duas reuniões semanais, é um forte sintoma de desânimo com o potencial da instituição. De resto, o interesse individual sobrepunha-se com facilidade ao interesse mais geral do grupo, como ficou claro. Talvez seja aqui que se deva procurar os sinais da decadência greminal e não necessariamente nos “cortes” dados por autoridades políticas, de que falou Acúrsio das Neves.

A coesão ambicionada manifestou-se por outras formas, menos discutidas na literatura. As soluções encontradas para apoiar a abertura de lojas mostram que os mercadores conseguiram, de facto, manter-se relativamente entrincheirados. Os dados recolhidos, ainda que provisórios, apontam para a gradual consolidação dos interesses corporativos, que estavam por detrás da maioria dos novos estabelecimentos.

O grupo também parece ter resistido bem aos ventos de mudança do início de Oitocentos. Ao contrário do que aconteceu aos demais mercadores de retalho estabelecidos no reino e Brasil, as cinco classes de Lisboa viram os seus exclusivos e monopólios reconfirmados por um governo já influenciado pelos princípios da economia clássica. A Mesa parece conseguir projetar uma imagem de respeitabilidade, que convinha preservar aos olhos do legislador, quer em 1810, quer no início da década de 1820. Sobre esses mercadores de Lisboa se dizia serem bons “pais de famílias, certos e úteis” ao Estado. Como já se escreveu, faziam, definitivamente, parte da nação portuguesa regenerada que os primeiros liberais lusos ambicionavam construir (CRUZ, 2018CRUZ, Miguel Dantas da. Soterrados em petições: os liberais e a regulamentação do comércio itinerante em Portugal, 1820-1823. Ler História, v. 73, p. 145-168, 2018. , p. 165). Adicionalmente, os mercadores de Lisboa nunca contaram com uma oposição de um grupo poderoso e determinado. Os vendilhões que marcam o debate gerado em torno da liberdade de comércio interno no início de Oitocentos não eram um adversário de peso. Eram, na verdade, um grupo desqualificado, que no limite ajudava a narrativa apresentada pelos retalhistas, assente no que eles consideravam ser uma questão de dignidade, estatuto e ordem. No início do século XIX, a grande oposição fez-se no “gabinete”, para recuperar as palavras de Acúrsio das Neves, mas certamente não em todos os gabinetes. Talvez por isso este agrupamento de corporações tivesse resistido bem à hostilidade que lhe foi movida, apesar das múltiplas contradições internas que o afligiram.

  • 1
    José Acúrsio das Neves foi um alto funcionário da administração portuguesa nos últimos anos de Setecentos e nas primeiras décadas de Oitocentos, tendo desempenhado funções na Junta do Comércio e na Real Fábrica das Sedas, onde foi diretor. Transportou para esses lugares a sua visão liberal da economia, que em Acúrsio das Neves coexistia com ideias conservadoras no plano político. Acúrsio das Neves foi crítico das Cortes e um grande apoiante de D. Miguel. Formado em Direito, foi magistrado nos Açores. Mais tarde viria a tornar-se membro da Academia de Ciências de Lisboa. Tem uma obra vasta, que inclui ensaios e produção histórica.
  • 2
    Trad. livre do autor: “a conspiracy against the public”.
  • 3
    Trad. livre do autor: “The pretence that corporations are necessary for the better government of the trade, is without any foundation”. As guildas e as corporações de ofícios procuravam controlar a produção e impedir a concorrência, o que se repercutiria nos preços. Daí a hostilidade de Smith (SMITH, 1976SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Oxford: Clarendon Press, 1976. , p. 145-146).
  • 4
    Longe de ser o único, Robert Allen foi especialmente eloquente na forma como demoliu essa visão linear e enviesada da história, que persiste em ambientes académicos mais tradicionais. Vale a pena citá-lo: “O governo arbitrário é prejudicial ao crescimento económico porque conduz impostos elevados, excesso de regulamentação, corrupção e parasitismo - todos os quais reduzem o incentivo à produção. Essas perspetivas são aplicadas à história, argumentando-se que monarquias absolutas como Espanha e França ou impérios como os da China, Roma ou o Azteca sufocaram a atividade econômica através da proibição do comércio internacional, amea çando, dessa forma, a propriedade ou mesmo a própria vida. Essas perspetivas reproduzem, é claro, as perspetivas de Adam Smith e de outros liberais do século XVIII. O desenvolvimento económico foi fruto da substituição do absolutismo por governos representativos (...). No entanto, enquanto os economistas comemoram a superioridade das instituições inglesas, os historiadores têm investigado como a monarquia absolutista e o despotismo oriental funcionavam na verdade (...) Embora dissessem ser absolutos, os monarcas franceses não podiam aumentar os impostos sem consentimento”. Trad. livre do autor: “Arbitrary government is bad for growth because it leads to high taxes, regulations, corruption, and rent-seeking - all of which reduce the incentive to produce. These views are applied historically by arguing that absolutist monarchies such as Spain and France or empires like those of China, Rome, or the Aztecs stifled economic activity by prohibiting international trade, threatening property or, indeed, life itself. These views, of course, echo those of Adam Smith and other 18th century liberals. Successful economic development was due to the replacement of absolutism with representative government (…) However, as economists have been celebrating the superiority of English institutions, historians have been investigating how absolutist monarchy and Oriental despotism actually worked (…) While French monarchs claimed to be absolute, they could not increase taxes without consent (…) The nobility in France were exempt from taxation, but the English Parliament introduced a land tax in 1693 that was imposed on peers as well as commoners” (ALLEN, 2011ALLEN, Robert C. A Global economic history. Oxford: Oxford University Press, 2011. , p. 15-16, p. 28). Especificamente sobre a crítica à nova economia institucional, ver, entre outros, ANKARLOO, 2002ANKARLOO, Daniel. New Institutional Economics and Economic History. Capital & Class, v. 26, n. 3, p. 9-36, 2002. .
  • 5
    A literatura produzida no contexto dessa viragem historiográfica é vasta, não cabendo aqui elencá-la extensamente. Remete-se o leitor interessado para a discussão apresentada em S. R. Epstein (2008). Sublinhe-se também que uma nova unanimidade não substituiu a anterior unanimidade, de crítica intensa ao papel das guildas e corporações. Para uma visão oposta à de Epstein, ver, entre outros, Sheilagh Ogilvie e no seu novíssimo The European Guilds: An Economic Analysis (2019)OGILVIE, Sheilagh. The European Guilds: An Economic Analysis. Princeton: Princeton University Press, 2019..
  • 6
    Trad. livre do autor: “Modern research had already revealed the old, stark dichotomy between ‘guilded’ and ‘conservative’, and ‘non-guilded’ and ‘progressive’ industries as profoundly simplistic”.
  • 7
    Ver ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757.
  • 8
    ARQUIVO NACIONAL TORRE TOMBO (doravante ANTT), Lisboa. Petição de 18 ago. 1756. Junta do Comércio (doravante JC), maço 373, cx. 748 “Avisos e portarias para e da Junta do Comércio para a Mesa”.
  • 9
    Essas similitudes não deixam de ser interessantes. Trata-se, afinal, de instituições com mandatos bem diferentes. Pressente-se, porém, que ambos os documentos circularam pelas mesmas mãos. De resto, a data de registo dos estatutos da Mesa está separada por alguns dias da data de publicação dos estatutos da Junta do Comércio.
  • 10
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § I. ESTATUTOS da Junta do Comércio, ordenados por El Rey Nosso Senhor no seu decreto de 30 de setembro de 1755. Lisboa: Officina Antonio Rodrigues Galhardo, 1803, cap. 20, cap. 21.
  • 11
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § VII.
  • 12
    Ver argumentos de Ogilvie (2004, p. 303)OGILVIE, Sheilagh. Guilds, efficiency, and social capital: evidence from German proto-industry. Economic History Review , v. 57, n. 2, p. 286-333, May 2004. sobre lanifícios.
  • 13
    Prevista nos estatutos da Junta do Comércio de 1756, a aula do comércio só viria a ser estabelecida em 1759.
  • 14
    As Casas dos Vinte e Quatro foram estruturas de representação das corporações de ofícios, estabelecidas em diversas cidades de Portugal, entre meados do século XV e inícios do século XVI. As Casas dos Vinte e Quatro reuniam os procuradores dos doze mesteres de cada cidade (nem todos os ofícios estavam representados), que através dessa plataforma intervinham no governo das câmaras municipais, votando nas matérias que lhes tocavam e participando nas eleições para a vereação. Por vezes, era entre os afiliados da Casa dos Vinte e Quatro que se encontrava alguém para representar a cidade junto da Corte.
  • 15
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § VII.
  • 16
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § X e XI.
  • 17
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. III, § IV.
  • 18
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § III.
  • 19
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, preâmbulo.
  • 20
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. III, § I.
  • 21
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. III, § V.
  • 22
    Ver, por exemplo, conferência sobre o capelista Benedito Boero de 17 dez. 1766. ANTT. JC, maço 373, cx. 748 “Avisos e portarias para e da Junta do Comércio para a Mesa”. Nuno Madureira já tinha chamado a atenção para essa tolerância (MADUREIRA, 1992, p. 33-35).
  • 23
    ANTT. Conferência de 28 fev. 1758. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 8. O assunto volta à Mesa mais duas vezes: em 6 maio 1760 (90-90v) e em 13 maio 1760 (91v-92), quando se refere um pedido especial de ajuda ao secretário de Estado.
  • 24
    Existem vários documentos assinados por António Gonçalves Basto em ANTT. JC, maço 332, cx. 671.
  • 25
    Agradeço muito ao Nuno Gonçalo Monteiro por me ter facultado essas informações. A obra em curso tem como título provisório Trinta Casamentos contrariados e outras histórias. Disciplina familiar e noções de nobreza em Portugal (1775-1832), e está a ser preparada por Nuno Gonçalo Monteiro.
  • 26
    ANTT. Parecer da Mesa de 22 mar. 1758. JC, maço 331, cx. 668.
  • 27
    Existem várias versões do mesmo requerimento, cada uma mais contundente que a anterior. Os autores são os mercadores da classe de lã e seda, maioritariamente, e o documento está datado de 14 maio 1819. ANTT. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”.
  • 28
    ANTT. Papéis que servem de instrução à resposta que a Mesa tem de dar sobre o exclusivo das Classes e sua extinção. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”.
  • 29
    Trad. livre do autor: “Merchant guilds had two powerful beneficiaries - mercants who belonged to them and the political authorities who granted their privileges”.
  • 30
    Sobre os avanços do pensamento económico em Portugal ver os trabalhos de José Luís Cardoso. Ver, por exemplo, CARDOSO, 1989CARDOSO, José Luís. O Pensamento Económico em Portugal nos Finais do Século XVIII. Lisboa: Editorial Estampa, 1989. ; CARDOSO; CUNHA, 2011CARDOSO, José Luís; CUNHA, Alexandre Mendes. Discurso econômico e política colonial no Império Luso-Brasileiro (1750-1808). Tempo, v. 17, n. 31, p. 65-88, 2011..
  • 31
    ANTT. Parecer da Mesa de 25 nov. 1760. JC, maço 331, cx. 668 “Requerimentos de licença para abertura de lojas de lã e seda”.
  • 32
    ANTT. Atestação de 28 nov. 1758. JC, maço 331, cx. 668 “Requerimentos de licença para abertura de lojas de lã e seda”.
  • 33
    ANTT. Conferência de 7 jul. 1758. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 28v-29.
  • 34
    ANTT. Conferência de 18 jul. 1758. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 31v-32.
  • 35
    ANTT. Conferência de 30 jan. 1759. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 49v-50.
  • 36
    ANTT. Conferência de 17 nov. 1758. JC, L. 348 “Livro de Conferências da Mesa”, f° 40v-41.
  • 37
    ANTT. Conferência de 10 nov. 1769. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”.
  • 38
    ANTT. Conferência de 26 fev. 1760. JC, L. 348 “Livro de Conferências da Mesa”, f° 88-89.
  • 39
    ANTT. Conferência de 25 set. 1761. JC, L. 348 “Livro de Conferências da Mesa”, f° 113v-114.
  • 40
    ANTT. Conferência de 27 out. 1758. JC, L. 348 “Livro de Conferências da Mesa”, f° 37v-38.
  • 41
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. II, § II.
  • 42
    ESTATUTOS dos Mercadores de Retalho. Lisboa: Officina de Miguel Rodrigues, 1757, cap. I, § IX.
  • 43
    ANTT. Demonstração das contribuições das cinco classes para o cofre da respectiva Mesa, set. 1778. JC, maço 367, cx. 738 (pasta não identificada da Mesa do Bem Comum).
  • 44
    Referido na demonstração citada no número anterior.
  • 45
    ANTT. Conferência de 26 ago. 1760. JC, L. 348 “Livro de conferências da Mesa”, f° 97v-98.
  • 46
    ANTT. Parecer de 10 nov. 1789. JC, maço 332, cx. 671 “Requerimentos de licença para abertura de lojas de lã e seda”.
  • 47
    ANTT. JC, maço 332, cx. 671.
  • 48
    Base de dados em elaboração. Os dados dizem respeito ao primeiro volume da coleção intitulada Termos de fianças para abertura de lojas (1772-1798). ANTT. JC, L. 323.
  • 49
    Alvará de 27 mar. 1810. In: SILVA, 1826, p. 866-867.
  • 50
    Alvará de 27 mar. 1810. In: SILVA, 1826, p. 866-867.
  • 51
    O alvará de 27 abr. 1812 voltou a insistir na proibição de vendas porta em porta, até nova resolução (RIBEIRO, 1818, p. 385).
  • 52
    ANTT. Papéis que servem de instrução à resposta que a Mesa tem de dar sobre o exclusivo das Classes e sua extinção, Memória de 2 jun. 1812. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”.
  • 53
    Detetaram-se duas petições referentes à América nas caixas da Comissão de Comércio das Cortes. Uma proveniente do Maranhão contra vendilhões supostamente de origem francesa, e outra proveniente dos comerciantes do Rio de Janeiro contra os “volantes mascates”. ARQUIVO HISTÓRICO PARLAMENTAR (doravante AHP), Lisboa. Comissão de comércio, Seção I e II, maço 92; e AHP. Comissão de comércio, secção I e II, maço 40.
  • 54
    AHP. Parecer da Comissão de Comércio, 23 mai. 1821. Comissão de comércio, Seção I e II, maço 92, doc. 6.
  • 55
    Sessão de 30 maio 1821. DIARIO das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza. Lisboa: Impressão Nacional, n. 93, p. 1081. Disponível em: <http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/093/1821-05-30>. Acesso em: 15 mar. 2020.
  • 56
    AHP. Projeto de lei sobre os vendilhões e tendeiros volantes, 5 out. 1821. Comissão de comércio, secção I e II, maço 92.
  • 57
    ANTT. Papéis que servem de instrução à resposta que a Mesa tem de dar sobre o exclusivo das Classes e sua extinção, Aviso para a regência, 18 jun. 1821. JC, maço 367, cx. 738 “Mesa do Bem Comum”.
  • 58
    A resposta da Mesa está no mesmo conjunto de papéis, mas não tem data. Começa com a seguinte expressão: “A Mesa do Bem Comum dos Mercadores e classes de sua dependência, contando-se-lhes pelo Diário do Governo de 13 do corrente mês”.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da celebração do contrato-programa previsto nos números 4, 5 e 6 do artº 23º do D.L. nº 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei nº 57/2017, de 19 de julho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2020
  • Revisado
    23 Jul 2020
  • Aceito
    21 Ago 2020
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