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Citopatológico de colo uterino entre gestantes no Sul do Brasil: um estudo transversal de base populacional

Pap smears among pregnant women in Southern Brazil: a representative cross-sectional survey

Resumos

OBJETIVO: Determinar a prevalência e identificar fatores associados ao não rastreamento voluntário para citopatológico (CP) de colo uterino entre puérperas em Rio Grande (RS). MÉTODOS: Entrevistadores previamente treinados aplicaram questionário padronizado, ainda na maternidade, em busca de informações sobre características demográficas da gestante, nível socioeconômico da família e tipo de assistência recebida durante o pré-natal para todas aquelas residentes nesse município que tiveram filhos entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2010. Foram utilizados o teste do χ² para comparar proporções e a regressão de Poisson com ajuste robusto da variância na análise multivariável. RESULTADOS: Dentre as 2.288 entrevistadas, 33% não se submeteram ao CP de colo uterino. Destas, dois terços disseram desconhecer a necessidade de realizá-lo, 18% não fizeram este exame por medo ou vergonha e as demais por outras razões. Após ajuste para diversos fatores de confusão, as maiores razões de prevalência (RP) para não buscar por CP ocorreram entre aquelas de menor idade (RP=1,5; IC95% 1,25 - 1,80) e escolaridade (RP=1,5; IC95% 1,12 - 2,12), que viviam sem companheiro (RP=1,4; IC95% 1,24 - 1,62), fumantes (RP=1,2; IC95% 1,07 - 1,39), que não planejaram a gravidez (RP=1,3; IC95% 1,21 - 1,61), que completaram menos de seis consultas durante pré-natal (RP=1,4; IC95% 1,32 - 1,69) e usuárias de contraceptivo oral (RP=1,2; IC95% 1,04 - 1,38). CONCLUSÕES: Quanto maior o risco para câncer de colo uterino, menor a probabilidade de a gestante se submeter ao CP de colo uterino. Isso, certamente, tem contribuído para o aumento da morbimortalidade por esta doença nesta localidade.

Gestantes; Esfregaço vaginal; Fatores de risco; Neoplasias do colo do útero; Citodiagnóstico; Programas de rastreamento; Cobertura de serviços de saúde


PURPOSE: To determine the prevalence and risk factors associated with failure of voluntary screening for cervical cancer during the gestational period in Rio Grande, Rio Grande do Sul State, Southern Brazil. METHODS: Previously trained interviewers applied a standardized questionnaire in the maternity to all mothers from this municipality who had delivered from January 1st to December 31st 2010 to obtain information about the demographic characteristics of the pregnant women, family socioeconomic status, and prenatal care received. The χ² test was used to compare proportions and Poisson regression with robust adjustment of variance was used in the multivariate analysis. RESULTS: Among the 2,288 respondents, 33% were not submitted to the Pap smear during pregnancy. Two thirds of these women stated that they were not aware of the need to perform it, 18% were not screened out of fear or shame, and the rest for other reasons. After adjustment, the highest prevalence ratios (PR) for noncompliance with the Pap smear occurred among young women (PR=1.5; 95%CI 1.25 - 1.80), with lower educational level (PR=1.5; 95%CI 1.12 - 2.12), who were living without a partner (PR=1.4; 95%CI 1.24 - 1.62), smokers (PR=1.2; 95%CI 1.07 - 1.39), who did not plan the current pregnancy (PR=1.3; 95%CI 1,21 - 1.61), who had attended less than six medical visits during the prenatal period (PR=1.4; 95%CI 1.32 - 1.69) and among users of oral contraceptives (PR=1.2; 95%CI 1.04 - 1.38). CONCLUSIONS: The higher the risk for uterine cervical cancer, the less likely a pregnant woman is to undergo a Pap smear. This definitely contributed to the increased morbidity and mortality from this disease in this setting.

Pregnant women; Vaginal smears; Risk factors; Uterine cervical neoplasms; Cytodiagnosis; Mass screening; Health services coverage


ARTIGO ORIGINAL

Citopatológico de colo uterino entre gestantes no Sul do Brasil: um estudo transversal de base populacional

Pap smears among pregnant women in Southern Brazil: a representative cross-sectional survey

Juraci Almeida CesarI; Gabriela Breitembach dos SantosII; Andrea Tomais SutilII; Carolina Fischer CunhaII; Samuel de Carvalho DumithI

IDivisão de População & Saúde da Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS), Brasil

IICurso de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS), Brasils

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Juraci Almeida Cesar Rua General Osório, s/nº, 4º Andar Campus Saúde Área Acadêmica Prof. Newton Azevedo CEP: 96201-900 Rio Grande (RS), Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a prevalência e identificar fatores associados ao não rastreamento voluntário para citopatológico (CP) de colo uterino entre puérperas em Rio Grande (RS).

MÉTODOS: Entrevistadores previamente treinados aplicaram questionário padronizado, ainda na maternidade, em busca de informações sobre características demográficas da gestante, nível socioeconômico da família e tipo de assistência recebida durante o pré-natal para todas aquelas residentes nesse município que tiveram filhos entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2010. Foram utilizados o teste do χ2 para comparar proporções e a regressão de Poisson com ajuste robusto da variância na análise multivariável.

RESULTADOS: Dentre as 2.288 entrevistadas, 33% não se submeteram ao CP de colo uterino. Destas, dois terços disseram desconhecer a necessidade de realizá-lo, 18% não fizeram este exame por medo ou vergonha e as demais por outras razões. Após ajuste para diversos fatores de confusão, as maiores razões de prevalência (RP) para não buscar por CP ocorreram entre aquelas de menor idade (RP=1,5; IC95% 1,25 - 1,80) e escolaridade (RP=1,5; IC95% 1,12 - 2,12), que viviam sem companheiro (RP=1,4; IC95% 1,24 - 1,62), fumantes (RP=1,2; IC95% 1,07 - 1,39), que não planejaram a gravidez (RP=1,3; IC95% 1,21 - 1,61), que completaram menos de seis consultas durante pré-natal (RP=1,4; IC95% 1,32 - 1,69) e usuárias de contraceptivo oral (RP=1,2; IC95% 1,04 - 1,38).

CONCLUSÕES: Quanto maior o risco para câncer de colo uterino, menor a probabilidade de a gestante se submeter ao CP de colo uterino. Isso, certamente, tem contribuído para o aumento da morbimortalidade por esta doença nesta localidade.

Palavras-chave: Gestantes, Esfregaço vaginal, Fatores de risco, Neoplasias do colo do útero, Citodiagnóstico, Programas de rastreamento, Cobertura de serviços de saúde

ABSTRACT

PURPOSE: To determine the prevalence and risk factors associated with failure of voluntary screening for cervical cancer during the gestational period in Rio Grande, Rio Grande do Sul State, Southern Brazil.

METHODS: Previously trained interviewers applied a standardized questionnaire in the maternity to all mothers from this municipality who had delivered from January 1st to December 31st 2010 to obtain information about the demographic characteristics of the pregnant women, family socioeconomic status, and prenatal care received. The χ2 test was used to compare proportions and Poisson regression with robust adjustment of variance was used in the multivariate analysis.

RESULTS: Among the 2,288 respondents, 33% were not submitted to the Pap smear during pregnancy. Two thirds of these women stated that they were not aware of the need to perform it, 18% were not screened out of fear or shame, and the rest for other reasons. After adjustment, the highest prevalence ratios (PR) for noncompliance with the Pap smear occurred among young women (PR=1.5; 95%CI 1.25 - 1.80), with lower educational level (PR=1.5; 95%CI 1.12 - 2.12), who were living without a partner (PR=1.4; 95%CI 1.24 - 1.62), smokers (PR=1.2; 95%CI 1.07 - 1.39), who did not plan the current pregnancy (PR=1.3; 95%CI 1,21 - 1.61), who had attended less than six medical visits during the prenatal period (PR=1.4; 95%CI 1.32 - 1.69) and among users of oral contraceptives (PR=1.2; 95%CI 1.04 - 1.38).

CONCLUSIONS: The higher the risk for uterine cervical cancer, the less likely a pregnant woman is to undergo a Pap smear. This definitely contributed to the increased morbidity and mortality from this disease in this setting.

Keywords: Pregnant women, Vaginal smears, Risk factors, Uterine cervical neoplasms, Cytodiagnosis, Mass screening, Health services coverage

Introdução

O câncer de colo uterino é a segunda neoplasia mais comum entre mulheres no Brasil. Estima-se, para 2012, a ocorrência de 17,5 mil casos. Isso representa cerca de 10% de todos os tipos de cânceres no sexo feminino e uma taxa de incidência de 18 casos para cada 100 mil mulheres1.

Essa neoplasia tem bom prognóstico, desde que diagnosticada e tratada precocemente1,2. A detecção dessa doença faz parte das ações de prevenção secundária, cuja principal estratégia é o rastreamento entre mulheres sexualmente ativas por meio do exame citopatológico (CP) do colo uterino3.

Dentre os fatores associados à ocorrência de câncer de colo uterino já definidos destacam-se: início precoce de atividade sexual; idade mais avançada; baixo nível socioeconômico; múltiplos parceiros; tabagismo; e, principalmente, infecção por papilomavírus humano (HPV)1,4-9.

A avaliação do câncer de colo uterino em grupos populacionais, como por exemplo, de gestantes, permite identificar o perfil daquelas submetidas (ou não) a esse tipo de exame, independentemente de tê-lo feito no sistema público ou no sistema privado. Esta informação é fundamental para estimar a cobertura e o foco dos programas em andamento, definir metas a ser alcançadas e, ao fazê-lo, priorizar aquelas com maior risco4,10, permitindo um planejamento mais realístico das necessidades em saúde, potencializando o impacto das ações a ser desenvolvidas e otimizando o uso de recursos em saúde10.

Considerando a ocorrência quase universal (99,5%) de parto hospitalar no município de Rio Grande (RS), a facilidade em identificar e abordar gestantes nas maternidades, a importância desse grupo populacional na utilização de serviços de saúde e na determinação da carga de doenças na população, é que se decidiu pela realização do presente estudo, o qual teve por objetivo medir a prevalência e identificar fatores associados a não submissão ao exame citopatológico de colo uterino entre gestantes residentes em Rio Grande.

Métodos

Foram incluídas neste estudo todas as puérperas cujo filho nasceu com peso igual ou superior a 500 gramas ou pelo menos 20 semanas de idade gestacional nas maternidades da Santa Casa de Misericórdia de Rio Grande e no Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio Grande (HU - FURG), Rio Grande do Sul entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2010. Além disso, essas mães deveriam residir no município de Rio Grande. Especificamente no caso do desfecho avaliado neste artigo, a gestante deveria ter, ainda, feito pelo menos uma consulta de pré-natal. O delineamento utilizado foi do tipo transversal11, com as puérperas sendo entrevistadas na maternidade nas primeiras 24 horas após o parto.

Todas as informações foram coletadas por meio de questionário único pré-codificado com a quase totalidade das perguntas fechadas. Esse questionário foi aplicado por entrevistadoras previamente treinadas nas maternidades desses hospitais, em geral, em até 24 horas após o parto, e foi dividido em blocos com perguntas sobre caraterísticas demográficas (idade, estado civil, cor da pele e situação conjugal), reprodutivas maternas (número de gestações, de filhos tidos vivos e mortos, ocorrência prévia de abortamento, de prematuridade e de filho com baixo peso ao nascer, planejamento da gravidez atual e uso prévio de método contraceptivo) e comportamentais maternas (consumo de álcool, tabaco, chimarrão e atividade física). Em relação à assistência recebida durante a gestação e o parto, as seguintes variáveis foram investigadas: idade gestacional por ocasião do inicio do pré-natal, número de consultas realizadas, tipo e quantidade de exames laboratoriais efetivados, exames clínicos a que foram submetidas essas gestantes, recebimento de vacina antitetânica, suplementação com sulfato ferroso e vitaminas, profissional que fez o parto e ocorrência de doenças e hospitalizações ao longo do período gestacional. Além dessas características, foram obtidas informações sobre nível socioeconômico (escolaridade da gestante e do companheiro, renda e valor recebido de aposentadoria para cada um dos moradores do domicílio no mês anterior à entrevista).

Três entrevistadoras graduadas em Ciências Sociais foram contratadas para realizar essas entrevistas. O treinamento dessas entrevistadoras consistiu de leitura do questionário e do manual de instruções e aplicação do questionário em estudo piloto na primeira quinzena de dezembro de 2009. Durante o período de coleta de dados, essas entrevistadoras realizaram rodízio mensal nas duas maternidades. O questionário era aplicado somente após concordância da mãe e assinatura do termo de consentimento.

O desfecho foi constituído pela não submissão no período gestacional ao CP de colo uterino segundo relato da gestante. Aquelas submetidas ao CP há menos de cinco anos foram consideradas como tendo realizado o exame. Apesar de um grande número de variáveis terem sido investigadas, somente as incluídas no modelo hierárquico previamente definido e que mostraram associação com valor p de até 0,20 foram levadas às análises bruta e ajustada. Como variáveis independentes incluíram-se no modelo: idade em anos completos, cor da pele autorreferida, se viviam com companheiro e escolaridade materna em anos completos, renda familiar, tabagismo da gestante nos seis meses anteriores à gestação, ocorrência prévia de aborto, planejamento da gravidez, número de consultas de pré-natal realizadas, uso de anticoncepcional oral e ocorrência de hospitalização no período gestacional.

Os questionários aplicados foram codificados pelas próprias entrevistadoras ao final de cada dia de trabalho e entregues na sede do projeto onde eram revisados, digitados e analisados em blocos de, no máximo, 100 questionários quanto à presença de valores inesperados. Nesse caso, o questionário físico foi buscado e eventuais distorções foram corrigidas. Persistindo a dúvida, a puérpera foi contactada por telefone ou através de visita domiciliar. Em seguida, foram colocados rótulos e realizada categorização de variáveis, bem como criadas variáveis derivadas. Essa entrada de dados foi feita por meio do programa Epidata 3.112, enquanto a análise dos dados foi conduzida no programa Stata 11.013.

A análise dos dados baseou-se em modelo hierárquico previamente definido com três níveis de determinação causal14. No primeiro deles, incluiu-se as variáveis idade, cor da pele, se vive com companheiro, escolaridade da gestante e renda familiar; no segundo nível, as variáveis tabagismo, ocorrência de aborto prévio e planejamento da gravidez. Por fim, no terceiro nível, foram incluídas frequência a seis ou mais consultas de pré-natal, uso de anticoncepcional oral e ocorrência de hospitalização durante a gravidez atual. O nível de significância estatístico empregado foi de 95% para testes bicaudais15.

Para a obtenção das prevalências conforme a categoria das variáveis utilizou-se o teste do χ2 de Pearson para proporções, enquanto a medida de efeito - no caso a razão de prevalência, porque a ocorrência do desfecho em questão era superior a 10% -, foi obtida por meio da regressão de Poisson com ajuste para variância robusta15.

O protocolo de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande. Garantiu-se ainda, à mãe, confidencialidade dos dados coletados, participação voluntária e possibilidade de deixar o estudo quando desejasse, sem necessidade de justificativa.

Resultados

Em 2010, houve 2.464 partos cujas mães residiam no município de Rio Grande. Dessas, 2.395 (97,2%) foram entrevistadas. O denominador deste estudo foi constituído por 2.288 gestantes, ou seja, somente por aquelas que compareceram a pelo menos uma consulta de pré-natal. A média de idade foi 25,9 anos, variando de 11 a 47 anos, enquanto a mediana de renda familiar foi de R$ 1.000,00. Das gestantes, 19% eram adolescentes (<20 anos), 68% de cor de pele branca, 83% viviam com companheiro, 6% completaram ensino superior, 26% haviam fumado pelo menos um cigarro por dia nos seis meses anteriores à gestação, 44% eram primigestas, 14% já tinham sofrido pelo menos um aborto (espontâneo ou provocado), 36% afirmaram ter planejado a gravidez, 80% haviam realizado seis ou mais consultas de pré-natal, 84% relataram uso de contraceptivo oral antes de engravidar e 11% foram hospitalizadas durante a gestação.

Dentre as 2.288 mulheres que frequentaram pré-natal, 33% (IC95% 30,8 - 34,6) não foram submetidas ao CP de colo uterino, mas deveriam tê-lo feito. Os principais motivos para sua não efetivação foram: desconhecimento da necessidade de realizá-lo (66%), sentir medo ou vergonha (18%), falta de oportunidade para ir ao serviço de saúde (6%) ou de material ou de profissional para realizá-lo (10%).

A Tabela 1 mostra que a prevalência de não coleta de CP conforme a categoria das variáveis do modelo variou de 19% para puérperas com 12 anos ou mais de estudo a 52% entre para aquelas que tiveram menos de 6 consultas no pré-natal.

Essa mesma tabela mostra que, após ajuste para diversos fatores de confusão, mantiveram-se significativamente associadas ao desfecho as seguintes variáveis: idade, viver com companheiro, escolaridade, renda familiar, tabagismo nos seis meses anteriores à gravidez, planejamento da gravidez, número de consultas de pré-natal realizadas e hospitalização durante o período gestacional.

Discussão

Um terço das puérperas riograndinas cujos filhos nasceram em 2010 não se submeteram ao CP de colo uterino. A maior probabilidade de não coleta desse exame ocorreu entre aquelas de menor idade, que não viviam com companheiro, que tinham menor escolaridade e renda familiar, que fumaram nos seis meses anteriores à gestação, que referiram ocorrência de aborto em algum momento no passado, que não planejaram a gravidez, que concluíram menos de seis consultas durante o pré-natal, que usaram anteriormente contraceptivo oral e que foram hospitalizadas durante a gestação. Excetuando-se idade, todas as demais variáveis revelam que as puérperas com maior risco de adoecer e morrer por câncer de colo uterino foram as que mostraram maior probabilidade de não se submeterem ao CP de colo uterino durante a gestação.

A taxa de não efetivação do CP em estudos de base populacional varia de 15 a 45% em diferentes localidades6,16-20. No entanto, vale destacar que as pesquisas citadas incluem mulheres em diferentes faixas etárias, o que dificulta a comparabilidade dos resultados. De qualquer forma, essa taxa vem diminuindo nos últimos anos, ao mesmo tempo em que a proporção daquelas que concluem o exame em demasia praticamente não se modifica16,20,21. Isso sugere que, apesar de a cobertura para CP estar aumentando, o foco segue inadequado10,21. Em geral, quem mais precisa menos faz CP e, quando o faz, é com atraso, o que gera importantes implicações para o tratamento e para o prognóstico da doença5,6,21.

Esta situação parece ainda ocorrer no município de Rio Grande. Entre 1994 e 2004, a taxa de mulheres em idade fértil não submetidas à CP foi reduzida de 575 para 42%22. No entanto, foram exatamente as mulheres com maiores risco para câncer de colo uterino que apresentaram maior probabilidade de não efetivação do exame. Em 2010, 33% das gestantes deveriam ter sido submetidas ao exame, mas não foram. Essa diminuição observada ao longo dos anos para esse município pode ter sido decorrente da expansão da Estratégia de Saúde da Família (ESF). A implantação da ESF em Rio Grande foi iniciada em 2002 com duas equipes. Atualmente possui 24 equipes cobrindo cerca de 30% da população total, o que corresponde a cerca de metade da população mais pobre, exatamente onde se encontra a maioria das mulheres com maior risco e que muito frequentemente não se submetem ao citopatológico de colo uterino.

Mulheres de menor idade, em geral adolescentes, tradicionalmente são as que menos aderem a esse tipo de exame5,6,9,21. As principais razões são desconhecimento da sua necessidade, vergonha ou medo, constrangimento, dificuldade de comunicação, desconforto, ausência de problemas ginecológicos, dificuldade de acesso e discriminação social e racial4,16,17,23,24. Em geral, são essas mesmas mulheres que vivem sem companheiro, fator de risco amplamente conhecido para câncer de colo uterino16-18,20,22.

Mulheres com pouca escolaridade e pertencentes a famílias de baixa renda tradicionalmente se submetem a esse exame com muito menos frequência que as demais5,6,9,16-21. Em 1995, a razão de prevalências (RP) a não adesão ao CP entre mulheres com até quatro anos de escolaridade e renda familiar de até dois salários-mínimos foram, respectivamente, de 1,29 e 1,3 (1,12 - 1,51) em comparação àquelas com nove anos ou mais de escolaridade e renda familiar mensal superior a cinco salários-mínimos5. Essas RP são inferiores às observadas neste estudo, sugerindo que a probabilidade de não efetivação do CP entre gestantes é maior do que aquela observada para mulheres em idade fértil. Riscos semelhantes para renda e escolaridade foram observados em outras localidades6,9,18,21..Maior nível de escolaridade e melhor renda facilitam o acesso aos serviços de saúde, com consequente aumento da cobertura e redução no risco de desenvolvimento de câncer de colo uterino16.

O tabagismo tem sido identificado como um fator associado ao atraso ou a não efetivação de CP em vários estudos9,18,21. É bem provável que entre tabagistas isso seja decorrente de comportamento de risco característico dessas mulheres que, além de não buscarem por esse cuidado junto aos serviços de saúde, também estão expostas a outras situações que implicam maior risco à sua saúde16.

Não se encontrou um único estudo de base populacional cuja análise tenha sido ajustada para fatores de confundimento, em que o não planejamento da gravidez tenha se mostrado associado de forma significativa a não se submeterem ao CP. Este achado necessita de avaliação em outros estudos, a fim de verificar sua consistência.

Maior número de consultas de pré-natal favorece o contato com o serviço de saúde e, consequentemente, facilita a adesão ao CP de forma oportunista17,24. Por essa razão, a frequência de consultas aparece diretamente associada, e de forma significativa, à maior cobertura para este tipo de exame entre essas mulheres.

Mulheres hospitalizadas durante a gestação mostraram RP maior para não se submeterem ao CP em relação às demais. A internação hospitalar, apesar de ser um evento esporádico, em geral, decorre de doença já instalada, o que favorece a investigação e aumenta a probabilidade de receber cuidados preventivos, sugerindo que o rastreamento do câncer de colo uterino ocorra de maneira oportunista9,17,25.

Por fim, o não uso de contraceptivo oral no período imediatamente anterior à gravidez foi identificado neste estudo como fator de risco a não adesão de CP durante o período gestacional. Mulheres que se preocupam em prevenir a gravidez ou que decidem assumir essa condição em momento julgado por elas como mais apropriado estão certamente mais preocupadas com seu estado físico, e isso faz com que procurem por outros cuidados, sobretudo aqueles que possibilitam a identificação precoce de enfermidades que mais comumente afetam sua saúde como, por exemplo, o câncer de colo uterino16,25.

O rastreamento do câncer cérvico-uterino depende, acima de tudo, do estabelecimento de políticas públicas que visem à redução da vulnerabilidade individual e social a que estão potencialmente expostas as mulheres, sobretudo as mais pobres16. É certo que intervenções com a vacina contra o HPV, o principal causador deste tipo de câncer, terão enorme impacto sobre a morbimortalidade por esta doença, mas isto está ainda longe de acontecer, sobretudo em países não ricos e populosos como o Brasil1,26.

A situação observada para o município de Rio Grande é preocupante, muito mais pela desorganização (de gestores e usuárias) do que pela quantidade de serviço oferecido. Nesse município, apesar de oito em cada dez gestantes irem a não menos que seis consultas de pré-natal ao longo de nove meses, três em cada dez delas chegam ao momento do parto sem estar com o CP atualizado. É inaceitável que em um município com extensa rede de serviço de saúde - cerca de três quartos da população vive a menos de 1 km de algum serviço publico de saúde -, 1 em cada 20 gestantes não complete uma única consulta durante todo o pré-natal. Não custa também lembrar que Rio Grande está localizado em uma das regiões mais desenvolvidas do país. Isto carece de modificação, e uma das formas seria incentivar a busca ativa nos domicílios pelos agentes comunitários de saúde, sobretudo daquelas gestantes que não realizam uma consulta de pré-natal. Em relação àquelas que vão às consultas de pré-natal, os profissionais de saúde deveriam esclarecer, incentivar e oferecer este exame.

Por fim, ao interpretar os resultados aqui apresentados há que se considerar a possibilidade de a entrevistada ter dificuldade em diferenciar exame ginecológico de CP. Há, também, a possibilidade de a entrevistada responder positivamente, ou seja, dizer que foi submetida ao CP em virtude de ser este o comportamento esperado de todas elas. Apesar dessas limitações, o cenário não seria melhor que o apresentado e, além disso, a quase totalidade dos estudos que trata deste assunto o faz desta maneira, ou seja, a partir de informação prestada pela entrevistada.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelas Bolsas de Iniciação Científica para Gabriela Breitembach dos Santos e Andreia Tomais Sutil; e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pela Bolsa de Iniciação Científica para Carolina Fischer Cunha.

Recebido 11/06/2012

Aceito com modificações 27/09/2012

Trabalho realizado na Divisão de População & Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Juraci Almeida Cesar
    Rua General Osório, s/nº, 4º Andar
    Campus Saúde Área Acadêmica Prof. Newton Azevedo
    CEP: 96201-900 Rio Grande (RS), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2012

    Histórico

    • Recebido
      11 Jun 2012
    • Aceito
      27 Set 2012
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