Acessibilidade / Reportar erro

Agências e linhas dos correios na integração do território catarinense no século XIX Pesquisa financiada pelo MCTI/CNPq.

Resumo

O objetivo deste artigo é descrever e analisar a trajetória da expansão dos serviços postais em Santa Catarina por meio da abertura de agências e linhas postais (terrestres, fluviais e marítimas) na integração e formação do território catarinense no século XIX. Além da introdução e das considerações finais, o texto está divido em três tópicos: a) uma análise do financiamento dos transportes e das comunicações por meio de recursos advindos do Tesouro e a geração de déficits constantes; b) um breve debate sobre a formação do território catarinense do século XIX; e c) a trajetória da abertura das agências e das linhas postais como elemento constitutivo do território catarinense.

Palavras-Chave:
Comunicações; Correio; Território; História Econômica; Santa Catarina

Abstract

The purpose of this article is to describe and analyze the trajectory of expansion of postal services in Santa Catarina through the opening of agency and postal lines in the integration and formation of the state of Santa Catarina in the nineteenth century. Besides the introduction and closing remarks, the text is divided into three topics: a) a transport funding analysis and communication through arising from the Treasury resources and the generation of constant deficits; b) a brief debate on the formation of this state territory of the nineteenth century; and c) the trajectory of the opening of agencies and line cards as a constitutive element of the state of Santa Catarina.

Keywords:
Communications; Mail; Territory; Economic History; Santa Catarina

1. Introdução: correios na formação do sistema nacional e regional de economia

Nos estudos sobre a formação do sistema nacional de economia, há uma predominância de pesquisas que apresentam o transporte como elemento unificador do território. Ao mesmo tempo em que o ritmo de expansão e retração do sistema de transportes é determinado pelo desenvolvimento das forças produtivas, também deve ser entendido como indutor do processo de acumulação. Transportes e produção formam uma totalidade dentro do modo de produção capitalista em que o desempenho de um está associado ao do outro. A construção e as melhorias realizadas em estradas, ferrovias, vias navegáveis e portos partem de demandas impulsionadas pelo fluxo mercantil, pela expansão demográfica e pelas estratégias militares na definição e na ocupação do território. As melhorias nos transportes também partem da necessidade de acelerar as comunicações e difundir as informações.

Portanto, temos de entender que as comunicações ocupam a mesma centralidade que assume o transporte na formação do sistema nacional de economia (LIST, 1986LIST, Georg Friedrich. Sistema nacional de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1986. (Coleção Os Economistas).). Ocupar e definir território, acelerar a produção e promover a expansão demográfica são ações que se desenvolvem concomitantemente a partir da disponibilidade de meios de comunicação. A produção e o comércio impulsionam o aperfeiçoamento dos meios de comunicação, ao mesmo tempo em que estes disponibilizam acesso às informações vitais para gerar mais acumulação. Dessa forma, transporte e comunicação podem ser pensados como camadas geoeconômicas que formam o sistema nacional de economia, dentro do movimento geral da acumulação capitalista, que adensam o Estado no território. Com base em Georg List (1986)LIST, Georg Friedrich. Sistema nacional de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1986. (Coleção Os Economistas)., que versou sobre sistema nacional de economia, é possível pensarmos um sistema regional de economia no qual as diversas camadas geoeconômicas se interligam na escala regional com uma "autonomia relativa" em relação à esfera nacional.

Transportes e comunicações operam com intuitos diferenciados, mas são unidos pela semelhança dos objetivos. As melhorias realizadas nos transportes possibilitam acelerar as comunicações, mas a necessidade de qualificar a comunicação entre diferentes regiões obriga os agentes econômicos a realizar melhorias nos transportes. As comunicações aproximam as pessoas, difundem informações e atualizam o conhecimento. Se no início de século XXI os meios de difusão das informações e do conhecimento são na sua grande maioria online, no século XIX, os correios e os telégrafos eram os meios mais utilizados para aproximar pessoas, povos e civilizações. Neste artigo as linhas postais e as agências dos correios, enquanto camadas geoeconômicas, assumem a centralidade da análise para que se possa entender a formação do sistema regional e nacional de economia e em torno dele giram atividades de valorização do capital, expansão demográfica, estratégia militar e definição, ocupação e construção contínua do território. São diversidades que adensam o Estado no território e formam uma região e uma nação.

No Brasil, a presença dos serviços postais no período colonial dava-se por meio do Correio-Mor das Cartas do Mar, que estava restrito à troca de correspondências entre Lisboa, Rio de Janeiro e Salvador. Enquanto instituição, os serviços dos correios foram autorizados a serem criados no Brasil por meio do alvará de 20 de janeiro de 1798, denominados Correios Marítimos e vinculados à Repartição da Marinha e Domínios Ultramarinos. No Norte e Nordeste, os paquetes dos Correios Marítimos frequentariam os portos das capitanias de Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Piauí e Pará; no Sul, os portos da Bahia e do Rio de Janeiro. Também estava autorizada pelo alvará a criação de linhas terrestres nas capitanias do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pará e Mato Grosso. No ano seguinte, em 16 de março, foi publicado o primeiro alvará que regulamentou as atividades e os procedimentos para recebimento e despacho das correspondências. No mesmo alvará, o recém-criado Correio Marítimo passou a ser designado como Correio Geral. Ainda em 1799, no dia 6 de junho, foram aprovadas as instruções práticas para os correios assistentes, que normatizaram o trabalho dos agentes, carteiros e estafetas (PORTUGAL, 1828PORTUGAL. Coleção da legislação portuguesa desde a última compilação das ordenações. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828.).

Com a chegada da Família Real ao Brasil em 1808, iniciou-se um processo de institucionalização das atividades econômicas e políticas, com a criação de diversos órgãos controlados pela Coroa. Entre esses novos órgãos, estava a Administração Geral dos Correios da Coroa e Província do Rio de Janeiro, que por meio da Decisão 53, de 22 de novembro de 1808, também criou cargos, ordenados e funções administrativas (BRASIL, 1891_______. Relatório dos serviços dos correios apresentado pelo diretor Luiz Betim Paes Leme no ano de 1889. Rio de Janeiro, 1891.). Com a Independência em 1822, foi realizado um novo ordenamento jurídico e administrativo no Brasil. Foram criados os ministérios dos Negócios do Império, do Estrangeiro, da Marinha, da Guerra, da Fazenda e da Justiça. Também foi organizado o Tesouro Público Real, a Casa da Moeda e os Correios. A administração dos correios, tanto da capital como das províncias, estava vinculada ao Ministério dos Negócios do Império (AVELLAR, 1976AVELLAR, Hélio de Alcântara. História administrativa e econômica do Brasil. Rio de Janeiro: FENAME, 1976.).

No que tange às normas e diretrizes gerais dos serviços dos correios, ao longo do século XIX, foram aprovados três regulamentos. O primeiro no começo do Império por meio do Decreto de 5 de março de 1829, que criou a Administração Geral dos Correios; o segundo no início do Segundo Reinado, pelo Decreto nº 399, de 21 de dezembro de 1844, que criou a Diretoria-Geral dos Correios; e o terceiro no final do Império, pelo Decreto nº 9.912-A, de 26 de março de 1888 (LOPES, 1909LOPES, Domingos de Castro. O correio brasileiro: notícia histórica. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1909.). Em 1860, a Diretoria-Geral dos Correios passou a ser vinculada ao recém-criado Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Num breve interregno entre 1890 e 1891, a Diretoria foi transferida para o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. No ano de 1892, após a extinção desse ministério, a Diretoria-Geral dos Correios passou ao comando do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas (Quadro 1).

Quadro 1
Trajetória institucional e normativa dos correios

Durante todo o século XIX, o Brasil estabeleceu-se como uma periferia subordinada dentro da economia mundial. Nossa herança colonial era reposta cotidianamente pela aristocracia e pela nascente elite nativa que reforçava o caráter inorgânico da sociedade e desarticulado da economia. Éramos uma sociedade escravocrata, latifundiária, exportadora de produtos primários tropicais, sem a presença de base produtiva e comercial mais complexa (PRADO JÚNIOR, 1990PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1990.). Como consequência dessa baixa concentração de capital, tínhamos ritmo muito lento de acumulação, ausentes mecanismos de financiamento e um fluxo de renda pouco monetizado, desigual e distorcido. Mesmo apresentando fragilidades estruturais com um sistema tributário débil, a maior capacidade de intervenção e financiamento concentrava-se no Estado (FURTADO, 1989FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Nacional, 1989.).

2. Objetivos e aspectos metodológicos

A partir da combinação das categorias adensamento do Estado no território, sistema regional de economia e camadas geoeconômicas, o objetivo deste artigo é descrever e analisar a trajetória da expansão dos serviços postais em Santa Catarina por meio da abertura de agências dos correios e linhas postais na integração e formação do território catarinense no século XIX.

Além destas três categorias centrais de análise, também podemos entender a expansão das agências dos correios e das linhas postais a partir das categorias redes urbanas, sistemas de cidades e lugares centrais. Charles Tilly (1996)TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus. São Paulo: Edusp, 1996. nos ajuda entender a formação da rede de cidades baseadono argumento de que o processo de acumulação engendrado pelas atividades produtivas, comerciais e serviços concentrados numa cidade, impulsionam o crescimento de outras cidades que estabelecem contatos entre si. A formação da rede de aglomerados urbanos maiores e menores acompanha o movimento de acumulação e concentração de capital. Segundo Tilly, historicamente a definição dos centros urbanos sempre esteve associada ao poder da força, da coerção que garantiam a existência das próprias cidades, sobretudo em relação aos "inimigos" externos. Outro fator determinante é a atuação do estado na consolidação e na sobrevivência das cidades. É a combinação do capital, da coerção e do estado na formação das redes de cidades.

Mesmo fundada na tradição neoclássica Walter Christaller (1966)CHRISTALLER, Walter. Central Places in Southern Germany. New Jersey: Prentice-Hall Inc., 1966., também nos dá algumas pistas para entendermos os serviços postais na formação econômica de Santa Catarina no século XIX. A partir de uma hierarquia na disposição entre cidades, Christaller define a cidade central com um lugar onde centralizam e difundem os bens e serviços num entorno de influência. Quanto maior a oferta destes bens e serviços, maior será a capacidade de influência do lugar central na hinterland. Esta disposição de cidades, articuladas entre si, forma uma rede urbana de circularidade em que a cidade maior assume o lugar central. Também podemos pensar este lugar central com a polarização de uma aglomeração. Quando maior a cidade, maior será a sua influência sobre o território, abrangendo um número significativo de cidades médias e pequenas.Numa perspectiva dialética, podemos pensar o lugar central na sua interdependência entre a disposição de cidades menores no abastecimento de bens e serviços. Os fluxos possibilitam o lugar central consolidar sua posição superior na hierarquia urbana e econômica. A logística da distribuição dos objetos postais e da gestão administrativa e financeira dos correios, em boa medida, também pode ser pensada partir desta interpretação de Christaller. Em Santa Catarina, Desterro, a capital da província, centraliza os serviços e a gestão postal que distribuía as correspondências e encomendas para cidades menores, que por sua vez as repassavam para vilas e comunidades no interior catarinense.

Esta análise da disposição hierárquica entre cidades num território determinado por meio dos fluxos aproxima-se da abordagem desenvolvida por Allan Pred (1979)PRED, Allan. Sistemas de cidades em economias adiantadas. São Paulo, Zahar Editores, 1979.. Pred criou o conceito de "sistema social complexo", que engloba toda área de abrangência do grande centro urbano. Nesta interação, entre o centro maior com os menores, ambos são influenciados pelos acontecimentos que ocorrem nos dois lugares. Bens e serviços e o conjunto da economia formam um sistema aberto em que as múltiplas relações se combinam beneficiando tanto as cidades maiores como as menores. Quanto maior o grau de abertura para os fluxos entre os diversos centros, mais os benefícios serão compartilhados.

Utilizando o aporte teórico de Charles Tilly (1996)TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus. São Paulo: Edusp, 1996., Walter Christaller (1966)CHRISTALLER, Walter. Central Places in Southern Germany. New Jersey: Prentice-Hall Inc., 1966. e Allan Pred (1979)PRED, Allan. Sistemas de cidades em economias adiantadas. São Paulo, Zahar Editores, 1979., Marcos Sampaio Rodarte (1999)RODARTE, Mario M. S. O caso das minas que não se esgotaram: a pertinácia do antigo núcleo central minerador na expansão da malha urbana da Minas Gerais Oitocentista. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 1999. (Dissertação de mestrado). estudou a formação da rede de cidades mineiras no século XIX por meio do fluxo postal entre os centros maiores e as vilas.Rede urbana, sistema de cidade e lugares centrais são categorias da geografia urbana que neste artigo são complementares para entender a formação da rede de vilas e cidades em Santa Catarina no século XIX por meio da expansão das linhas postais e da abertura de agência dos correios. Nosso foco concentra-se na história econômica e nas categorias de adensamento do Estado no território, sistema regional de economia e camadas geoeconômicas que foram pensadas e desenvolvidas a partir dos estudos que estamos realizando sobre correios, telégrafos e telefonia em Santa Catarina por meio de um amplo estudo financiado pelo CNPq desde 2012.

As principais fontes utilizadas para construir este artigo foram relatórios dos seguintes órgãos executivos: Ministério dos Negócios do Império, Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Tesouro Nacional (Balanço das Receitas e Despesas) e Diretoria-Geral dos Correios. Também foi realizada uma pesquisa na Coleção de Leis do Império e República e na base digitalizada dos jornais catarinenses disponíveis na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional. O padrão de expansão das linhas postais e abertura de agências dos correios no Brasil segue com lógicas semelhantes nas diversas provinciais do país. Ocupar e definir o território nacional fez parte das estratégias de todos os gabinetes ministeriais, sobretudo do Exército, principalmente nas áreas de fronteira. Seguir em marcha para o interior, fundar vilas e cidades e desenvolver atividades econômicas rentáveis acompanhou simultaneamente a abertura de estradas, construção de ferrovias, expansão das linhas postais e de telégrafos e instalação de instituições públicas de interesse local e nacional. Este era o movimento geral com características semelhantes em todas as regiões brasileiras no século XIX. Neste sentido, a história econômica postal em Santa Catarina é comparável com as demais unidades federativas. Porém, Santa Catarina assume especificidades próprias quando observada mais de perto, levando em conta o processo de colonização açoriana no litoral, o tropeirismo no planalto serrano e a colonização europeia no vale do Itajaí, litoral norte e sul. Podemos encontrar semelhanças na formação econômica de Santa Catarina com seus estados vizinhos (Paraná e Rio Grande do Sul), mas o caso catarinense torna-se redutível quando somam-se aspectos geográficos. Por exemplo, na relação entre Desterro, que fica no litoral, com o "sertão da terra firme" (interior), o planalto serrano (que para atingi-lo era necessário transporto a Serra Geral) e o extremo oeste, próximo à fronteira com a Argentina. Neste artigo não faremos comparação com outras províncias ou estados, apenas algumas aproximações com a dinâmica mais geral das atividades postais no Brasil.

3. Ocupação e colonização do território catarinense no século XIX

Podemos olhar para o século XIX em Santa Catarina como o momento de formação do mercado interno e de constituição de uma rede de cidades. Um mercado interno em formação que imprimia seu próprio ritmo de acumulação diferenciada dentro do movimento geral da economia e da sociedade brasileira. Podemos observar esse movimento endógeno de acumulação, por exemplo, na formação da rede de caminhos e estradas e na expansão da colonização. Neste artigo pretendemos demonstrar que a abertura de agências e de linhas dos correios também faz parte do movimento de formação do mercado interno e do território em Santa Catarina no século XIX.

A colonização portuguesa em Santa Catarina teve início com a fundação de São Francisco do Sul, em 1658, seguida pelas de Laguna, em 1676, e de Desterro (Florianópolis), em 1675. Essas três vilas portuárias tornaram-se referência em Santa Catarina durante os séculos XVIII e XIX. No Sul, Laguna constitui-se no principal centro da região e era rota de passagem das tropas que vinham do extremo sul em direção ao norte por meio da Estrada do Litoral. No último quartel do século XIX, a cidade serviu como ponto irradiador da colonização de toda a região Sul. Com a construção da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, inaugurada em 1884, novamente Laguna reforça sua posição estratégica na região e no Estado, servindo de escoadouro da produção de carvão extraída das minas de Lauro Müller, Criciúma e Urussanga. Em direção a Lages, no planalto serrano, era possível chegar por meio de trechos navegáveis do rio Tubarão e pela Estrada do Imaruí ou pela Estrada do Tubarão (GOULARTI FILHO, 2013______. Portos, ferrovias e navegação em Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.). Com a organização dos correios após 1822, a primeira agência aberta no sul catarinense foi em Laguna.

No norte, São Francisco do Sul cumpria o mesmo papel que Laguna. Além do porto localizado na navegável Baía da Babitonga, a vila também era servida pela Estrada Três Barras, que fazia a comunicação de São Francisco do Sul com o planalto de Curitiba, rota do gado que vinha do sul. Com a fundação de Joinville, em 1851, o porto de São Francisco passou a escoar a produção colonial e receber os imigrantes do norte catarinense. Em direção ao planalto norte, a partir de Joinville, era possível seguir pela moderna Estrada Dona Francisca até a vila de Rio Negro, no Paraná. Em Rio Negro, havia o cruzamento com a Estrada da Mata - que fazia parte do extenso Caminho de Viamão a Sorocaba - e o acesso aos rios Negro e Iguaçu, ambos navegáveis.

Desterro era a capital da província, o centro de defesa militar da Colônia e ponto de partida para norte, sul e planalto. Em direção ao planalto seguia-se a Estrada de Lages, uma das principias obras levadas a cabo pelo governo provincial. No sentido norte-sul, a capital ficava no meio da Estrada do Litoral. Além disso, a cidade possuía o porto mais movimentado da província, de onde partiam as principais rotas nacionais e internacionais.Lages, localizada no planalto central e fundada por tropeiros em 1766, era a principal vila do "sertão da terra firme" porque ficava no meio da passagem das tropas que subiam das fazendas gaúchas em direção às feiras paulistas. De Lages, seguiam estradas em direção a Laguna, Desterro e ao planalto norte. Com a fundação da colônia de Blumenau duas décadas mais tarde, em 1850, começou a ser construída uma estrada que levaria os tropeiros do planalto serrano em direção ao vale do Itajaí e litoral.

A colonização em Santa Catarina ocorreu de forma mais acentuada a partir do último quartel do século XIX por meio da vinda de mais imigrantes para Blumenau e Joinville e da fundação de novas colônias no sul, como Urussanga e Criciúma. No vale do Itajaí, a cidade de Blumenau se tornou o principal centro regional, integrando-se ao porto de Itajaí por meio da navegação fluvial, e com o interior seguindo pela Estrada de Blumenau a Curitibanos. Também merecem destaque as comunidades açorianas dispersas no litoral catarinense, como Porto Belo, Itajaí, São José, Garopaba e Imbituba.

Portanto, ao longo de todo o século XIX foi se formando uma rede de vilas e cidades catarinenses integradas por estradas, navegação fluvial e ferrovias. Essas vilas e cidades tornaram-se sedes de agências dos correios e foram estabelecidas, entre elas, as linhas postais. O serviço dos correios soma-se ao processo de integração e formação do território catarinense posto em marcha ao longo do século XIX.

4. Abertura de agências e de linhas postais

Neste item apresentaremos a expansão das linhas postais e a abertura de agências em Santa Catarina durante todo o século XIX. O período está subdivido em três momentos: a) primeira metade do século XIX; b) 1850 a 1889; e c) 1889 a 1900.

4.1. Primeira metade do século XIX

Quando foi publicado o alvará de 1798, que autorizou a criação do Correios Marítimos no Brasil, estava previsto o estabelecimento de "comunicações interiores" entre as capitanias de São Paulo e Rio Grande. Era uma linha que obrigatoriamente passaria pelo território catarinense, por meio do Caminho de Viamão a Sorocaba, via planalto, ou pela Estrada do Litoral, cruzando São Francisco, Desterro e Laguna. Caso a comunicação fosse feita pelo Atlântico, no meio da viagem tinha o porto de Santa Catarina (Desterro). Essa linha foi estabelecida pela Carta Régia de 24 de setembro de 1817. Mas o primeiro documento que se conhece até o momento que menciona uma linha postal em Santa Catarina é a Decisão do Império de 5 de janeiro de 1825, que aprovou o estabelecimento de uma linha entre Desterro e São Pedro [Rio Grande do Sul] e outra entre Desterro e Paranaguá, onde havia uma agência da província de São Paulo (BRASIL, 1883). Segundo Rodolpho Baptista de Araujo, em sua "Notas históricas", de 1920, publicada no jornal "República" de Florianópolis, em 1813 foi aberta a primeira agência de correios em Desterro (ARAUJO, 1920ARAUJO, Rodolpho Baptista de. Notas históricas da divisão civil a jurídica do estado: contribuição para o livro do centenário. Florianópolis: Jornal República, 03/03/1920 a 23/03/1920 (Edições 422 a 438).). Como a Ilha de Santa Catarina era uma fortaleza e guarnecia as terras lusitanas, e depois brasileiras, em direção ao sul, era fundamental manter uma ligação postal entre Rio de Janeiro e Desterro. Em 22 de março de 1828, por meio de uma portaria, foi definido que deveriam ser tomadas providências para facilitar e acelerar as trocas de correspondências entre Santa Catarina e a Corte (MENDONÇA, 1850MENDONÇA, Francisco Maria de Souza Furtado. Repertório geral ou índice alfabético das leis do Império do Brasil publicadas desde o começo do ano de 1808 até o presente. Rio de Janeiro: Livraria Universal, 1850.). A agência de Laguna foi aberta em 30 de setembro de 1830 (ARAUJO, 1920ARAUJO, Rodolpho Baptista de. Notas históricas da divisão civil a jurídica do estado: contribuição para o livro do centenário. Florianópolis: Jornal República, 03/03/1920 a 23/03/1920 (Edições 422 a 438).).

No regulamento aprovado em 1829, no título sobre correios marítimos, ficou definido que no início e no meio de cada mês, a partir do Rio de Janeiro, seria realizada uma viagem de paquete para os portos de Santos e Santa Catarina. Os portos frequentados pelos paquetes que transportavam as malas reais eram: Santos, Santa Catarina, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará (BRASIL, 1877). Esse serviço estaria a cargo do Correio Marítimo, sob a jurisdição da Repartição da Marinha.

Em 1839, a pedido do presidente da Província de Santa Catarina, foi solicitada a abertura de uma linha postal entre Desterro e a vila de Lages (BRASIL, 1839______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1839. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
). Lages, desmembrada de São Paulo, havia sido incorporada ao território catarinense em 1820. Para demarcar a presença do governo provincial no sertão catarinense foi construída a Estrada de Lages, estabelecidas colônias nas margens da estrada e aberta uma linha postal, ou seja, estava sendo definido o território catarinense em direção ao "sertão da terra firme". Em 1841, foi solicitada à Administração Geral dos Correios autorização para abrir agências nas vilas de São José, São Miguel (atual município de Biguaçu) e Porto Belo e nos distritos de Tijucas Grandes, Itajaí e Itapocoroy - atual município de Penha - (BRASIL, 1841______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro Candido José Araujo Vianna à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional , 1841. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
). Essa solicitação demonstra a necessidade de colocar a cidade de Desterro em contato com as comunidades açorianas que ocupavam o litoral catarinense.

Nesse mesmo ano, 1841, o governo Imperial contratou o armador Guilherme Morgan para fazer o transporte a vapor entre Brasil e Inglaterra, passando por Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina e depois seguindo para Montevidéu e Buenos Aires. Na volta, o barco deveria passar novamente por todos os portos. Portanto, a partir desse momento, os correios de Santa Catarina teriam uma ligação direta com o centro do capitalismo mundial (BRASIL, 1841______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro Candido José Araujo Vianna à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional , 1841. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
). Outra empresa contratada para fazer o transporte das malas postais era a Companhia Brasileira de Paquete a Vapor, criada em 1837, que recebia subvenções do Ministério dos Negócios do Império, encarregada da linha sul, que atracava nos portos de Santos, Paranaguá e Santa Catarina. A Paquete a Vapor foi a primeira grande companhia de navegação nacional a frequentar os principais portos brasileiros e ficou em operação até 1871, quando faliu e foi desmembrada em duas empresas: a Companhia Nacional de Navegação a Vapor e a Companhia Brasileira de Navegação a Vapor. Ambas transportavam as malas postais, a primeira fazia a linha sul (Santos, Paranaguá, São Francisco, Desterro, Rio Grande, Pelotas, Porto Alegre, Montevidéu e Buenos Aires) e a segunda, a linha norte (Espírito Santo, Bahia, Maceió, Pernambuco, Paraíba, Natal, Ceará, Maranhão, Pará e Manaus) (GOULARTI FILHO, 2011______. Abertura da navegação de cabotagem brasileira no século XIX. Ensaio FEE. Porto Alegre: FEE, v. 32 (2): 2011.).

No ano de 1842, definiu-se que seria criada uma linha postal por terra entre São Paulo e Santa Catarina, de 15 em 15 dias, para transportaras correspondências militares e gerais. O serviço deveria ser coberto pelo Ministério dos Negócios do Império, com valor mensal de 40$000 (BRASIL, 1843______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro José Antonio da Silva Maia à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1843. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
). Contudo, como não foram destinados os recursos necessários para manter a linha terrestre entre as duas províncias, o serviço postal foi suprimido (BRASIL, 1844_______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro José Carlos Pereira de Almeida Torres à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1844. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
). Como o transporte deveria ser feito por via terrestre, poderiam ser utilizados apenas dois caminhos. O primeiro seria a partir de Curitiba, descendo a Estrada Três Barras em direção a São Francisco para depois seguir pela Estrada do Litoral até Desterro. O segundo seria pelo Caminho de Viamão a Sorocaba, que levaria até Lages para depois descer a serra em direção a Desterro pela Estrada de Lages. Todos esses caminhos já estavam definidos, porém eram de difícil acesso e muito arriscados.

O serviço de transporte das malas postais entre as diversas agências do Império por via terrestre era feito pelos estafetas por contrato de prestação de serviço. Os estafetas utilizavam todos os meios de locomoção disponíveis para entregar as correspondências, como cavalo, carroça, barco (fluvial e lacustre) e trem. Esse tipo de serviço privado gerava desconfiança entre a população em geral, que reclamava da demora da entrega das correspondências. No ano de 1846, foram arrematadas diversas linhas no País, entre elas o trecho de Porto Alegre à província de Santa Catarina. Entre as duas capitais, Porto Alegre e Desterro, o percurso terrestre era feito pela Estrada do Litoral, com a possibilidade de utilizar alguns trechos navegáveis de lagoas e rios existentes no caminho (BRASIL, 1846_______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro Joaquim Marcellino de Brito a Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1846. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
).

Em relação ao número de trabalhadores, num levantamento estatístico realizado pela Diretoria Geral dos Correios, em 1846, havia em todo o País 913 trabalhadores, distribuídos entre as 17 províncias e a Corte. Em Santa Catarina, eram 16 trabalhadores, sendo que oito eram agentes, que faziam o atendimento ao público, e quatro eram estafetas e quatro pedestres, que faziam o transporte das malas entre as agências (BRASIL, 1846_______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro Joaquim Marcellino de Brito a Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1846. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
).

A partir de 1840, também passou a ser publicado o balanço financeiro da Diretoria Geral dos Correios e de todas as agências provinciais. Como o serviço dos correios não era visto como uma atividade econômica com fins lucrativos, os constantes déficits gerados ao longo de todo o século XIX eram absorvidos pelo Tesouro. As dificuldades financeiras não impediam que os serviços fossem ampliados e melhorados. Santa Catarina, a exemplo das demais províncias, também acumulava déficits financeiros crescentes. O alargamento da divisão social do trabalho, os melhoramentos nos meios de transportes e o adensamento das funções do Estado no território demandavam a abertura de novas agências dos correios e linhas postais, independentemente do acúmulo de déficits.

Em 1849, já estavam estabelecidas as linhas postais de Desterro a São Francisco e Laguna, por via marítima, e em direção a Lages, por via terrestre (Quadro 2). Lages era atendida por uma linha postal, mas não tinha agência dos correios.

Quadro 2
Linhas postais partindo de Desterro em 1849

Os estafetas que realizavam esses serviços eram remunerados pela administração provincial com uma gratificação mensal de 30$000 (O CONCILIADOR CATHARINENSE, 6/2/1850). Portanto, em meados do século XIX, as principais vilas e cidades de Santa Catarina estavam todas atendidas pelos correios. Com destaque para Lages, uma vez que as condições precárias da Estrada de Lages não impediam que os estafetas chegassem até o planalto para levar e trazer cartas e encomendas.

4.2. Período de 1850 a 1889

O período de 1850 até a Proclamação da República foi marcado pela expansão dos complexos agrário-mercantis exportadores regionais que geraram diversos desdobramentos políticos e sociais na economia brasileira, como o crescimento demográfico, o surgimento de novas cidades e a construção da rede ferroviária. Em Santa Catarina, iniciou-se a extração do carvão mineral no sul, a colheita e o beneficiamento da erva-mate no planalto norte e a expansão da pecuária em Lages. Também se destaca a intensificação do processo de colonização no Sul do País. Em Santa Catarina foram fundadas colônias no norte quanto no sul e no Vale do Itajaí. Os imigrantes não se concentraram apenas nos núcleos coloniais, mas também se espraiaram pela hinterland da sede da colônia. Com a expansão econômica e demográfica das colônias, o governo da província se empenhou em melhorar e construir novas estradas, estabelecer linhas postais e abrir agências dos correios.

Em 1854, havia três agências em Santa Catarina (Desterro, Laguna e São Francisco) e linhas na Estrada do Litoral e na Estrada de Lages. O estabelecimento de linhas postais não significava que havia uma agência dos correios nas vilas, como em Porto Belo, Tijuca Grande e Lages. Na ausência das agências, a distribuição das correspondências era atribuída à autoridade pública local. Em todo o País havia 412 agências, com a maior concentração no Rio de Janeiro (76) e Minas Gerais (57); Santa Catarina era a província que tinha menos agências (BRASIL, 1857_______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro Luiz Pereira de Coutto Ferraz à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1857. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
). Em 1857, foi aberta a agência na Colônia Dona Francisca (Joinville) e uma linha postal com a capital. Também foi estabelecida a linha de São Francisco a Guaratuba (no litoral do Paraná). As quatro linhas postais terrestres em Santa Catarina em 1858 tinham ao todo 92,5 léguas, assim distribuídas:

  1. Linha 1: Desterro a São Francisco, 32,5 léguas;

  2. Linha 2: São Francisco a Colônia Dona Francisca, 5 léguas;

  3. Linha 3: Desterro a Laguna, 25 léguas;

  4. Linha 4: Laguna a Torres, 30 léguas (BRASIL, 1860).

A agência de Itajaí, cuja solicitação de abertura foi expedida em 1841, de fato ocorreu somente em 1857, e foi a quarta agência dos correios instalada em Santa Catarina. Itajaí e seu porto constituíram uma importante referência para a província, onde atracavam embarcações provenientes de centros urbanos nacionais e internacionais. O porto consolidou-se como a "porta de entrada" para as colônias do vale do Itajaí. Com a criação da agência, os paquetes contratados pelo Ministério também fariam uma parada em Itajaí.

Na Tabela 1, podemos acompanhar a trajetória do crescimento da entrada e saída de correspondências de Santa Catarina, registrado pela Diretoria Geral do Correios. Entre 1846 e 1863, em apenas 17 anos, o volume das correspondências (que inclui também as encomendas e seguros) saltou de 10.563 para 114.846. Foi um aumento significativo, dadas as precárias condições do sistema de transportes.

Tabela 1
Movimentação postal em Santa Catarina

Como reflexo desse volume crescente de correspondências, dobrou o transporte das malas postais por meio de paquetes a vapor na linha entre Desterro e Laguna, com saídas da capital nos dias 3, 10, 18 e 23 e com retornos marcados para os dias 6, 14, 22, e 30 (O CORREIO OFICIAL, 6/10/1860O CORREIO OFICIAL, 6/10/1860). Para São Francisco, continuavam duas partidas, agora nos dias 12 e 28 de cada mês (O ARGOS, 7/4/1861O ARGOS, 7/4/1861). O vapor Imperador fazia o transporte das malas dos correios provenientes da região do Prata (Uruguai e Argentina), passava pelo Rio Grande e atracava na cidade de Desterro pelo menos uma vez por mês (O ARGOS, 28/5/1861O DESPERTADOR, 29/5/1875). Além da linha postal realizada pelos correios marítimos entre Desterro e Laguna, também havia o serviço de estafeta que partia da capital em direção ao sul com entrega de correspondência nas freguesias de Vila Nova e Mirim (atual município de Imbituba) (O ARGOS, 2/10/1861O ARGOS, 2/10/1861). As quatro linhas terrestres existentes então (Desterro-São Francisco, São Francisco-Dona Francisca, Desterro-Laguna e Laguna-Torres) passaram a ser feitas quatro vezes por mês em cada linha. Em relação ao correio marítimo, atracavam nos portos catarinenses a Companhia de Navegação Intermediária a Vapor e a Companhia Brasileira de Navegação a Vapor, ambos com duas viagens por mês, que resultavam em quatro viagens mensais, uma a cada semana (BRASIL, 1862_______. Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas apresentado pelo Ministro Manuel Felizardo de Souza e Mello à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1862. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
).Em 1865, as partidas do correio marítimo da capital da província até Laguna estavam ocorrendo nos dias 3, 10, 18 e 28 e, para São Francisco, nos dias 12 e 28 (PERIÓDICO DA SEMANA, 13/3/1865PERIÓDIO DA SEMANA, 13/3/1865).

Analisando os relatórios dos serviços dos correios ao longo das décadas de 1860 e 1880, a crítica mais recorrente dos diretores era a necessidade de uma ampla reforma administrativa que desse mais agilidade aos serviços postais. Também havia solicitações dirigidas ao Ministério para que fosse ampliado o quadro de funcionários, pois a crescente demanda dos serviços era sempre incompatível com a remuneração e a disponibilidade de funcionários. Merecem igual destaque os relatos das condições de trabalho dos estafetas, que enfrentavam os mais diversos tipos de adversidades quando se embrenhavam por caminhos no meio da mata e no sertão. O perigo estava em todos os lugares. Essas adversidades levavam, muitas vezes, à rescisão dos contratos assinados pelos estafetas junto à administração dos correios. A soma desses fatores negativos resultava em atraso e insegurança na entrega das correspondências e encomendas (BRASIL, 1860_______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro João Pereira de Almeida Filho à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional ,1860. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
-1880_______. Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, vários anos (1860-1880). Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministeri...
).

As constantes reclamações do público em geral em relação ao serviço dos correios eram justificadas pelos administradores pelas péssimas condições do sistema de transportes no Brasil. Estradas ruins, ausência de ferrovias e navegação a vapor eram os principais entraves para tornar os serviços mais confiáveis e ágeis. Portanto, também havia uma pressão dos correios sobre o governo para que o sistema de transporte fosse melhorado por meio de abertura de novas estradas, da construção e do prolongamento de ferrovias ou pela introdução de vapores em rios navegáveis. Mesmo com tantas situações adversas, novas agências e linhas eram abertas e o volume de correspondências postadas crescia continuadamente. Havia uma relação direta entre alargamento social e crescimento econômico com o aumento do movimento postal.

Ao longo da Estrada de Lages, foram fundadas as colônias de Santa Izabel, em 1844, a colônia militar de Santa Tereza (atual município de Alfredo Wagner), em 1853, e Teresópolis, em 1860. Entre as demandas apontadas pelos imigrantes ao governo provincial, estava a abertura de uma linha do correio terrestre entre as colônias e a capital. Como já havia um estafeta que fazia linha entre Lages e Desterro, encarregou-se o governo apenas de normatizar o serviço. Numa Decisão publicada em 20 de junho de 1872, ficou estabelecido que o estafeta também passaria pela colônia militar de Santa Tereza para coletar e entregar correspondências provenientes de Lages e de Desterro. No Quadro 3 temos o calendário das chegadas e partidas do estafeta na linha Desterro-Santa Tereza-Lages.

Quadro 3
Calendário da linha dos correios terrestres entre Desterro–Santa Tereza–Lages em 1872

No ano seguinte, por meio da Decisão de 2 de abril de 1873, a linha entre Desterro e Lages foi reduzida para apenas uma vez por mês, sendo pago pelo Tesouro Provincial o valor mensal de 16$000 (SANTA CATARINA, 1920SANTA CATARINA. Actos de 1871 a 1874. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1920.).

A contratação do serviço dos estafetas era feita por meio de chamadas públicas (arremates) publicadas nos jornais. Na edição de 25 de dezembro de 1873 do jornal "A Regeneração", há uma chamada para a contratação de estafetas para fazer a condução das malas postais por via terrestre para norte e sul da província. A partir de Desterro, seriam três viagens por mês para Laguna e uma até Itajaí. De Laguna seria mais uma viagem até Torres e de Itajaí, outra até Joinville (A REGENERAÇÃO, 25/12/1873A REGENERAÇÃO, 25/12/1873). Ocorriam suspensões de contratos tanto por parte da administração, que desconfiava dos serviços privados, quanto dos contratados, que reclamavam dos vencimentos. As maiores dificuldades eram enfrentadas pelos estafetas que faziam a linha de Lages, uma vez que a Estrada de Lages era de dificílimo trânsito, mesmo com os recorrentes melhoramentos realizados pelo governo provincial.

Em meados da década de 1870, havia 12 linhas postais em Santa Catarina, seis terrestres e seis marítimas. As marítimas eram realizadas pelos vapores Itapirubá e São Lourenço, que chegavam até Blumenau navegando pelo rio Itajaí-Açú, e as terrestres todas eram por meio de serviços de estafetas (Quadro 4).

Quadro 4
Partidas e chegadas das malas postais da província de Santa Catarina 1874-1875

No gráfico abaixo, podemos acompanhar a evolução do número de agências em Santa Catarina entre 1854 e 1900. Desde o início das atividades dos correios no Império até meados do século, havia apenas três agências em Santa Catarina. A partir do último quartel do século XIX, começou a ser solicitada a abertura de novas agências, sobretudo nos novos núcleos coloniais. Contudo, havia casos em que o pedido era negado, como a solicitação feita em 1874 para que fosse aberta uma agência em Tubarão (O DESPERTADOR, 20/1/1874O DESPERTADOR, 20/1/1874). Em 1879, foi solicitado pelo juiz de Direito de Curitibanos que fosse aberta uma agência na cidade, o que foi em seguida encaminhado para ser executado (O DESPERTADOR, 25/7/1879O DESPERTADOR, 25/7/1879).

Gráfico 1
Número de agências dos correios em Santa Catarina (1854-1900)

Num artigo publicado no jornal A Verdade, no dia 14 de setembro de 1879, o administrador dos correios da capital, Almeida de Oliveira, reclamava das péssimas condições de trabalho dos estafetas que partiam de cidade de Desterro em direção a Laguna e Lages. O administrador tentava justificar os motivos dos atrasos da entrega das correspondências, explicando que tanto a Estrada do Litoral como a de Lages não ofereciam segurança e agilidade para o trânsito dos estafetas. Além disso, utilizava-se apenas um animal de carga, que mal conseguia dar conta do volume e do peso das malas postais. De Desterro a Laguna, era prevista uma viagem de 48 horas, porém nunca era possível cumprir o estabelecido. As viagens realizadas pelos paquetes também sofriam atraso, pois o regime dos ventos e o problema da entrada na barra do porto de Laguna dificultavam a chegada das malas à cidade. No mesmo artigo, Almeida de Oliveira solicitava que fosse criada uma agência em Enseada do Brito (A VERDADE, 14/9/1879A VERDADE, 14/9/1879).

A partir da década de 1880, as linhas postais terrestres seguiram outros caminhos além dos tradicionais (Desterro-Lages-Laguna-São Francisco). Os estafetas começaram a chegar às vilas mais distantes do litoral e às novas colônias do sul, do vale do Itajaí e do planalto norte. No sul, na linha de Laguna a Torres, foi incluída a vila de Araranguá. Também foram feitos cruzamentos de velhos caminhos com a abertura da linha entre Tubarão e São Joaquim pela Estrada do Imaruí, com parada em Imaruí. Em 1882 foi aberta a agência de Campos Novos, tornando necessária a extensão da linha de Lages ao oeste catarinense. Ao todo, em 1881, eram 17 linhas postais conforme descrição abaixo:

  1. Da capital para Laguna, São José, Enseada do Brito, Garopaba, Mirim, Vila Nova, Tubarão, Azambuja, Lagos, Colônia Angelina, Teresópolis e Santa Tereza

  2. De Barra Velha para São Miguel, Tijucas, Camboriú e Penha

  3. De Laguna para Tubarão, Araranguá e Torres

  4. De Tubarão para Azambuja

  5. De Lages para Curitibanos

  6. De Itajaí para Colônia Itajaí

  7. De Porto Belo para Tijucas

  8. De Joinville para Saguaçu

  9. De Joinville para São Francisco (DIRETORIA-GERAL DOS CORREIOS, 1881)

Em meados da década de 1880, os serviços dos correios, por meio da abertura de novas agências ou pela passagem dos estafetas, já alcançavam boa parte do território catarinense. Do extremo sul, na linha de Laguna a Torres, os estafetas passavam pelas vilas açorianas, como Garopaba, Imaruí e Mirim, e pelos novos núcleos coloniais. As correspondências entregues em Azambuja eram em seguida repassadas às colônias de Urussanga e Criciúma. Em direção ao norte, a linha terrestre chegava até Barra Velha, com passagem em São Miguel, Camboriú e Tijucas. Para Blumenau, o transporte era feito pelo correio marítimo, via rio Itajaí-Açú, por meio da Companhia de Navegação Fluvial a Vapor Itajahy-Blumenau ou pelo vapor São Lourenço. Entre São Francisco e Joinville era utilizada a navegação fluvial no rio Cachoeira. Em direção ao planalto serrano, por meio da combinação da Estrada de Lages com a Estrada de Campos Novos, era possível penetrar ainda mais em direção ao oeste com ramificações de caminhos que seguiam em direção a Canoinhas. Pela Estrada de Lages eram utilizados dois caminhos: o que passava pelas colônias de Teresópolis e Santa Tereza e margeava o rio Cubatão; e o que chegava até São Pedro de Alcântara e Angelina e margeava o rio Maruim. No Quadro 5, temos um panorama das linhas postais em Santa Catarina no ano de 1889 com suas 22 linhas distribuídas em 40 agências.

Quadro 5
Linhas postais em Santa Catarina 1889

Além das linhas terrestres, também havia o correio marítimo realizado pela Companhia Nacional de Navegação a Vapor, por meio do vapor Laguna, com uma subvenção anual de 30:000$000. Partindo de Desterro em direção ao norte, o vapor seguia para Joinville, com paradas em Porto Belo, Itajaí, São Pedro Apóstolo e São Francisco. Em direção ao sul, o vapor chegava até Laguna (DIRETORIA-GERAL DOS CORREIOS, 1889).

Com a colonização do planalto norte catarinense a partir do movimento migratório de Joinville, foi fundada a colônia de São Bento, em 1873, que depois se desdobrou nos distritos de Campo Alegre e Rio Negrinho. Em 1887 foi solicitada a abertura da linha postal terrestre que partia de Joinville, subia a Estrada Dona Francisca, passava por São Bento e terminava em Rio Negro (FOLHA LIVRE, 3/4/1887FOLHA LIVRE, 3/4/1887).

Além da navegação do rio Itajaí-Açú e do rio Cachoeira, a partir do final do século XIX também começou-se a utilizar a navegação fluvial a vapor nos rios Negro e Iguaçu - divisa entre Santa Catarina e Paraná - e passava pelas vilas de Rio Negro e Porto União da Vitória. Os demais rios navegáveis em Santa Catarina constituíam-se em pequenos trechos na planície litorânea, como o Araranguá, Urussanga, Tubarão, Cubatão, Tijuca e Itapocú,que integravam as comunidades localizadas às margens desses rios. Como por exemplo, a partir de Laguna era possível chegar até Tubarão navegando pelo rio Tubarão, cuja navegabilidade se estendia até a localidade de Pindotiba.

Com a inauguração da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina em 1º de setembro de 1884, os serviços dos correios começaram a mudar no sul de Santa Catarina. Agora, por meio da ferrovia, era possível partir de Imbituba, passar por Laguna, Tubarão, Pedras Grandes, Orleans e chegar a Lauro Müller. Esse foi o único trecho ferroviário inaugurado no século XIX em Santa Catarina. O Brasil vivia o boom da "era ferroviária" que prometia aos correios melhorias nos serviços de entrega das correspondências e encomendas.

O crescimento na movimentação de encomendas estava diretamente relacionado à ampliação da divisão social do trabalho no território catarinense e a formação do sistema regional de economia, que, de certa forma, acompanhou o crescente movimento nacional de envios de correspondência. Na Tabela 2, podemos acompanhar a trajetória da movimentação postal em Santa Catarina entre os anos de 1880 e 1899, que apresenta um crescimento médio para o período de 4,88% ao ano. O aumento das correspondências registradas (privadas) ao longo deste período, demonstra que as frentes abertas pelo movimento postal oficial, permitiu também criar um "mercado postal", que cada vez mais atendia famílias, comerciantes, industriais, fazendeiros e outros. O crescimento do movimento postal oficial criava simultaneamente condições materiais para a expansão do fluxo privado de correspondências e encomendas.

Tabela 2
Movimentação postal em Santa Catarina 1880-1899

No que tange à distribuição territorial das agências, no Quadro 6 temosa relação das 40 agências instaladas em Santa Catarina. Percebe-se que o correio se fazia presente no sul, litoral, vale do Itajaí, norte, planalto norte e serrano. Em direção ao oeste, o ponto mais distante era Campos Novos.

Quadro 6
Relação das agências dos correios em Santa Catarina em 1888

O advento dos telégrafos trouxe uma nova dinâmica às comunicações no Brasil, sobretudo pós-1870. A expansão da rede de telégrafos ocorreu de forma relativamente acelerada com a integração de todas as capitais com a Corte. Na década de 1870, o Brasil já se conectava com a Europa por meio de cabos submarinos. A chegada dos serviços telegráficos, de certa forma, aliviava a pressão sobre os correios, uma vez que as informações de maior urgência eram transmitidas pela comunicação telegráfica.

4.3. Período de 1889 a 1900

A República começou com expectativas de que seriam realizadas melhorias na estrutura estatal e na infraestrutura social. O positivismo dos marechais republicanos e da intelectualidade civil vislumbrava um país moderno com amplo serviço de transportes e sistema produtivo mais integrado. No entanto, o projeto vencedor foi o da acomodação de interesses liderado pelos Barões do Café sediados nas fazendas paulistas. A nova classe dirigente paulista, para se manter no poder, fez mudanças sem alterar o pacto conservador. O crescimento das forças produtivas lideradas pela expansão dos complexos agrorregionais criava uma base material mais complexa e avançada (CANO, 1990CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1990.; LINS, 1967LINS, IVAN. História do positivismo no Brasil. São Paulo: Brasiliana, 1967.).

No final do século XIX, houve uma ampliação da malha ferroviária, criação de novas linhas de navegação a vapor, melhorias nos portos e ampliação da rede telegráfica. Os telégrafos se somaram aos correios na função de disseminar informação. Com a integração telegráfica entre as principais cidades brasileiras, o governo federal assumia o papel de investidor direto na infraestrutura das comunicações, uma vez que grande parte da rede telegráfica era estatal (REPARTIÇÃO GERAL DOS TELÉGRAFOS, 1908REPARTIÇÃO GERAL DOS TELÉGRAFOS. Memória histórica. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.).

Em relação aos correios, a República começou herdando o novo regulamento aprovado pelo Decreto nº 9.912-A, de 26 de março de 1888. Para melhor gerenciar os serviços postais a partir do Rio de Janeiro, às unidades distribuídas nos estados foram designadas "classes", que hierarquizavam o País da seguinte forma: 1ª classe - São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e Pará; 2ª classe - Ceará, Maranhão, Paraná; 3ª classe - Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Santa Catharina; 4ª classe - Goiás, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe; 5ª classe - Mato Grosso e Piauí. O monopólio estatal dos correios era considerado natural, sendo garantido pela Constituição de 1891 no Artigo 34, item 15, que garantia ao Estado o direito de "legislar sobre o serviço dos correios e telégrafos federais".Em Santa Catarina, mesmo com a chegada dos telégrafos durante a Guerra do Paraguai (1864-1870) e a entrada em operação da Estrada Dona Tereza Cristina, em 1884, a expansão dos serviços do correio terrestre não parou. Novas agências e linhas eram constantemente abertas. A colonização nos vales dos rios Tubarão e Urussanga, no interior do vale do Itajaí e no planalto norte exigiam que o governo catarinense construísse novas estradas e linhas postais com serviço de estafetas. Garantir as condições materiais mínimas para a expansão demográfica das colônias fazia parte dos objetivos do governo estadual que visava melhorar o desempenho econômico e financeiro do Estado.

Com relação à abertura de novas agências, após 1889 foram abertas: Campo Alegre, Jaraguá do Sul, Luiz Alves, Gaspar, Gravatal, Pedras Grandes, Criciúma, Nova Veneza, Pescaria Brava e São Pedro de Alcântara. No planalto norte, após a abertura das agências em São Bento do Sul e Campo Alegre, ficou definido que partiriam de Joinville quatro malas postais por mês nos dias 2, 10, 17 e 25, com saída marcada para as 7 horas da manhã. O retorno estava previsto para os dias 7, 15, 22 e 30 às 14 horas da tarde (GAZETA DE JOINVILLE, 15/2/1891). Como a Estrada Dona Francisca já estava concluída e em boas condições de trafegabilidade, os serviços poderiam ser feitos regularmente e com agilidade. Na definição de novas linhas no planalto serrano, intensificou-se a ligação entre Tubarão e Lages, passando por São Joaquim. Esta opção se dava mais pela impossibilidade de transitar na Estrada de Lages do que para agilizar as entregas das correspondências (REPÚBLICA, 9/8/1894). Nessa linha, o transporte das malas era feito pela Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina até a estação de Lauro Müller e depois seguia pela Serra do Oratório até o planalto serrano.

Em novembro de 1894 foi lançado edital pela administração dos correios de Santa Catarina, publicado no jornal "República" (16/10/1894), contratando os serviços para a condução das malas postais em 27 linhas. Em relação às linhas detalhadas no Quadro 6, foram acrescidas as seguintes: Camboriú a Itajaí, Itajaí a Luiz Alves, Gravatal a Tubarão, Lages a Campo Belo e Pedras Grandes a Urussanga (com paradas em Orleans, Nova Veneza e Criciúma). A ampliação das linhas está associada à expansão da sociedade e da economia catarinense, cujo padrão de crescimento nas duas décadas finais do século XIX era conduzido pela pequena produção mercantil e pelo extrativismo vegetal (erva-mate e madeira) (GOULARTI FILHO, 2002GOULARTI FILHO, Alcides. Formação econômica de Santa Catarina. Florianópolis: Cidade Futura, 2002.). Santa Catarina chegou ao final do século com uma rede de vilas e cidades que estabeleciam contatos entre si, independentemente de Desterro, a capital da província. Isso revela que o mercado interno catarinense estava se alargando. Não podíamos mais olhar para o estado como simples território de passagem ou de subsistência, mas como um sistema regional de economia em formação. Porto, ferrovias, estradas, telégrafos, colonização e correios eram as camadas geoeconômicas que adensavam o Estado no território.

Temos que entender a formação do sistema regional de economia dentro do movimento maior da formação da economia brasileira, que também estava construindo a passos largos um sistema nacional de economia. Nesse movimento estadual e nacional, o papel desempenhado pelos correios deve ser entendido, ao mesmo tempo, como condicionante e condicionado. Na combinação entre transportes e comunicação, ambos assumem o papel de determinantes e impulsionadores da modernização.

A série histórica mais completa que temos para os correios em Santa Catarina no século XIX é o balanço financeiro das receitas e despesas. A exemplo da DiretoriaGeral dos Correios, o resultado financeiro de Santa Catarina também se perpetuou como negativo. Analisando todos os relatórios dos correios, não identificamos maiores preocupações por parte dos administradores em relação ao acúmulo de déficits. Havia sempre uma tentativa de melhorar a arrecadação por meio da venda de selos. O fato de gerar déficits constantes não impedia que seus dirigentes solicitassem ao ministro mais investimentos e contratação de trabalhadores. No século XIX, o princípio das finanças sadias, baseado no equilíbrio fiscal, também era a ideologia que rondava o Ministério da Fazenda, mas isso não evitou que, paulatinamente, novas agências fossem abertas, novas linhas entrassem em operação e mais funcionários fossem contratados.

A Tabela 3 traz a trajetória quase completa do resultado financeiro dos correios em Santa Catarina entre 1841 e 1900. A abertura de novas agências e linhas, que deveria contribuir para aumentar a receita, na verdade gerava um efeito contrário, contribuía para aumentar proporcionalmente o déficit. Contudo, esse desequilíbrio financeiro não impediu que o correio catarinense avançasse da capital em direção ao planalto serrano e que as colônias de imigrantes fossem atendidas pelos serviços postais. As externalidades positivas geradas para a sociedade compensavam os déficits. A integração do território a difusão e o controle das informações são elementos constitutivos na formação de um sistema nacional e regional de economia. Para o Exército, as linhas postais e as agências dos correios faziam parte dos instrumentos que compunham as estratégias de defesa do território.

Tabela 3
Trajetória financeira da administração dos correios em Santa Catarina 1841-1900 (em réis)

5. Considerações finais

Os estudos sobre a formação e a expansão das atividades postais, a exemplo dos estudos sobre transportes, nos ajudam a entender a combinação das diversas escalas territoriais - local, regional e nacional - na formação do sistema nacional e regional de economia. A abertura de agências dos correios e de linhas postais (terrestres e marítimas) marca a presença do Estado nas mais longínquas vilas e cidades do território brasileiro. Isso ainda é uma realidade no século XXI, em que os correios se fazem presentes nos 5.570 municípios brasileiros.

Na definição do território catarinense, a presença dos serviços postais também contribuiu para a fixação dos imigrantes nas colônias e para a definição dos caminhos e estradas. A exigência de melhoria nos transportes também partia dos estafetas e dos administradores dos correios, que atribuíam a demora na entrega das correspondências às precárias condições do sistema de transportes.Mesmo com dificuldades financeiras, os correios em Santa Catarina mantiveram uma trajetória de crescimento, sobretudo pós-1870. Durante o período imperial, predominavam as linhas terrestres e marítimas entre a capital e as principais vilas e cidades. Com a consolidação das diversas vilas e cidades espalhadas ao longo do litoral, do planalto norte e do planalto serrano, passaram a ser estabelecidas linhas postais entre as próprias cidades, independentemente da capital.

Podemos destacar três momentos que demonstram o movimento de expansão territorial em Santa Catarina a partir dos serviços postais:

  1. Direção litoral ao planalto serrano: pedido para abertura de uma linha postal entre Desterro e Lages, em 1839;

  2. Direção planalto serrano ao oeste: abertura da agência em Campos Novos, em 1882;

  3. Direção litoral ao planalto norte: solicitação para abertura da linha postal entre Joinville e Rio Negro, em 1887.

Nesse entremeio, houve a abertura de diversas agências e linhas, porém as três acima selecionadas representam o movimento de deslocamento do poder centralizado no litoral em direção ao interior. Construir estradas, gerar fluxos mercantis e abrir linhas postais são camadas geoeconômicas que formam a totalidade de um sistema regional e nacional de economia e adensam o Estado no território.

  • Pesquisa financiada pelo MCTI/CNPq.

Referências

Referências
  • BRASIL. Balanço das receitas e despesas do Império Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1860-1892. Disponível em <http://memoria.nemesis.org.br/index.php>. Acesso em: maio/2015.
    » http://memoria.nemesis.org.br/index.php
  • ______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1839. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • ______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro Candido José Araujo Vianna à Assembleia Geral Legislativa Rio de Janeiro: Tipografia Nacional , 1841. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • ______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro José Antonio da Silva Maia à Assembleia Geral Legislativa Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1843. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • _______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro José Carlos Pereira de Almeida Torres à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1844. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • _______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro Joaquim Marcellino de Brito a Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1846. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • _______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro Luiz Pereira de Coutto Ferraz à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1857. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • _______. Relatório do Ministério dos Negócios do Império apresentado pelo Ministro João Pereira de Almeida Filho à Assembleia Geral Legislativa Rio de Janeiro: Tipografia Nacional ,1860. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • _______. Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas apresentado pelo Ministro Manuel Felizardo de Souza e Mello à Assembleia Geral Legislativa Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1862. Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • _______. Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, vários anos (1860-1880). Disponível em <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio> Acesso em: maio/2015.
    » http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio
  • DIRETORIA GERAL DOS CORREIOS. Relatório dos serviços dos correios apresentado pelo diretor João Wilkens de Mattos Rio de Janeiro: Tipografia de G. Leuzinger& Filho, 1881.
  • _______. Relatório dos serviços dos correios apresentado pelo diretor Luiz Betim Paes Leme. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890.
  • _______. Relatório dos serviços dos correios apresentado pelo diretor Luiz Betim Paes Leme no ano de 1889. Rio de Janeiro, 1891.
  • _______. Relatório dos serviços dos correios apresentado pelo diretor Emygdio Adolpho Victorio da Costa no ano de 1896. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1898.
  • _______. Relatório dos serviços dos correios apresentado pelo diretor E. A. Victório da Costa no ano de 1890. Rio de Janeiro: Tipografia Leite & Vianna, 1899.
  • _______. Relatório dos serviços dos correios apresentado pelo diretor Antônio Pires de Souza no ano de 1897. Rio de Janeiro: Tipografia Leite & Vianna, 1899.
  • _______. Relatório dos serviços dos correios apresentado pelo diretor Antônio Pires e Souza no ano de 1900. Rio de Janeiro: Tipografia da Tribuna, 1901.
  • Periódicos disponíveis na Biblioteca Nacional Digital: Hemeroteca Digital Brasileira Disponíveis em <http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx> Acesso em maio de 2015
    » http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx
  • A REGENERAÇÃO, 25/12/1873
  • A REGENERAÇÃO, 8/1/1874
  • A VERDADE, 14/9/1879
  • FOLHA LIVRE, 3/4/1887
  • GAZETA DE JOINVILLE, 15/02/1891
  • O ARGOS, 7/4/1861
  • O ARGOS, 28/5/1861
  • O ARGOS, 2/10/1861
  • O CONCILIADOR CATHARINENSE, 16/5/1849
  • O CONCILIADOR CATHARINENSE, 6/2/1850
  • O CORREIO OFICIAL, 6/10/1860
  • O DESPERTADOR, 20/1/1874
  • O DESPERTADOR, 29/5/1875
  • O DESPERTADOR, 25/7/1879
  • PERIÓDIO DA SEMANA, 13/3/1865
  • REPÚBLICA, 9/8/1894
  • REPÚBLICA, 16/10/1894
  • ALBUQUERQUE, Cícero Cavalcanti. Correio e legislação postal brasileira Rio de Janeiro: A. Coelho Banco Filho Editor, 1965.
  • ARAUJO, Rodolpho Baptista de. Notas históricas da divisão civil a jurídica do estado: contribuição para o livro do centenário. Florianópolis: Jornal República, 03/03/1920 a 23/03/1920 (Edições 422 a 438).
  • AVELLAR, Hélio de Alcântara. História administrativa e econômica do Brasil Rio de Janeiro: FENAME, 1976.
  • BARATA, Mario. Aspectos históricos dos correios do Brasil. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Rio de Janeiro, v. 259 (1963): abril-junho.
  • CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1990.
  • CUNHA, Idaulo José. Evolução econômica-industrial de Santa Catarina Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982.
  • CENTRO DE ASSISTÊNCIA GERENCIAL DE SANTA CATARINA. Evolução histórico-econômica de Santa Catarina: estudos das alterações estruturais século XVII-1960. Florianópolis: CEAG/SC, 1980.
  • CHRISTALLER, Walter. Central Places in Southern Germany New Jersey: Prentice-Hall Inc., 1966.
  • FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Nacional, 1989.
  • GOULARTI FILHO, Alcides. Formação econômica de Santa Catarina. Florianópolis: Cidade Futura, 2002.
  • ______. Abertura da navegação de cabotagem brasileira no século XIX. Ensaio FEE. Porto Alegre: FEE, v. 32 (2): 2011.
  • ______. Portos, ferrovias e navegação em Santa Catarina Florianópolis: Editora da UFSC, 2013.
  • LINS, IVAN. História do positivismo no Brasil São Paulo: Brasiliana, 1967.
  • LIST, Georg Friedrich. Sistema nacional de economia política São Paulo: Nova Cultural, 1986. (Coleção Os Economistas).
  • LOPES, Domingos de Castro. O correio brasileiro: notícia histórica. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1909.
  • MENDONÇA, Francisco Maria de Souza Furtado. Repertório geral ou índice alfabético das leis do Império do Brasil publicadas desde o começo do ano de 1808 até o presente. Rio de Janeiro: Livraria Universal, 1850.
  • PRED, Allan. Sistemas de cidades em economias adiantadas. São Paulo, Zahar Editores, 1979.
  • PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
  • REPARTIÇÃO GERAL DOS TELÉGRAFOS. Memória histórica Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.
  • RODARTE, Mario M. S. O caso das minas que não se esgotaram: a pertinácia do antigo núcleo central minerador na expansão da malha urbana da Minas Gerais Oitocentista. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 1999. (Dissertação de mestrado).
  • ROSÁRIO, Irari de Oliveira. Três séculos e meio da história postal brasileira (1500-1843). Rio de Janeiro: ECT, 1993.
  • TILLY, Charles. Coerção, capital e estados europeus São Paulo: Edusp, 1996.

Anexos

Anexo 1
Trajetória financeira da administração dos correios em Santa Catarina 1841-1900 (em réis - Corrigido 1930=100 - FGV/1947)

Anexo 1
Mapa das linhas postais em Santa Catarina em 18 25

Anexo 2
Mapa das linhas postais em Santa Catarina em 1839

Anexo 3
Mapa das linhas postais em Santa Catarina em 1839

Anexo 4
Mapa das linhas postais em Santa Catarina em 1872

Anexo 5
Mapa das linhas postais em Santa Catarina em 1881

Anexo 6
Mapa das linhas postais em Santa Catarina em 1889

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2016
  • Aceito
    08 Dez 2016
Departamento de Economia; Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - FEA 01 - Cid. Universitária, CEP: 05508-010 - São Paulo/SP - Brasil, Tel.: (55 11) 3091-5803/5947 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: estudoseconomicos@usp.br