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EDITORIAL

EDITORIAL

Em primeiro de janeiro de 2003, ao encerrar-se o segundo governo FHC, poder-se-á avaliar com mais vagar os impactos e alcances das medidas implementadas na área da educação no período 1995-2002. Aproveitando o profícuo período de reflexão ensejado pela disputa eleitoral, este número de Educação e Sociedade é dedicado a realizar, por meio de múltiplos olhares, um primeiro balanço desses anos, enfocando as Políticas Educacionais.

Em nossa história republicana, Paulo Renato de Sousa ocupa o segundo lugar em tempo de permanência à testa da pasta da educação, sendo superado apenas por Gustavo Capanema, ministro no período 1934-1945, inclusive durante o Estado Novo (1937-45). Os oito anos no governo FHC conferem ao atual ministro a maior longevidade no cargo em período democrático.

A gestão FHC-Paulo Renato implementou um conjunto de modificações na educação brasileira que condicionará o debate e as políticas educacionais nos próximos anos. As ações desdobraram-se, inicialmente, em uma série de modificações legais. As primeiras dignas de nota foram a Lei 9.131/95, que extinguiu o antigo Conselho Federal de Educação, criou o Conselho Nacional de Educação (CNE) e instituiu o processo de avaliação do ensino superior que redundou no Exame Nacional de Cursos, o Provão, e a Lei nº 9192/95, que regulamenta o processo de escolha dos dirigentes universitários.

Em seguida, foram aprovadas as modificações legais de maior amplitude do período, a EC 14 de setembro de 96 que institui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e, ao final do mesmo ano, a Lei 9.394 que fixa as diretrizes e bases da educação nacional e a Lei 9.424 que regulamenta o Fundef. A regulamentação dos dispositivos explicitados nesses documentos legais, particularmente o Decreto 2.208/97 que reestruturou o ensino profissional e a Lei 10.172/2001, que aprova o Plano Nacional de Educação, completam as modificações de longo alcance implementadas na legislação. Como conseqüência, estabelecem-se as bases de um sistema nacional de avaliação, do ensino fundamental à pós-graduação, seja com o fortalecimento de instrumentos avaliativos já existentes como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e a avaliação da CAPES para a pós-graduação, seja introduzindo inovações como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Provão. A avaliação torna-se o principal mecanismo de gestão do sistema utilizado pelo Governo Federal, conferindo-lhe poder de regulação e controle inédito em nossa história educacional. O CNE passa a ser subordinado ao Ministério da Educação e, ainda que tivesse seus membros indicados por consultas a entidades da sociedade civil, manteve-se a escolha final de seus membros nas mãos do Poder Executivo e a sua composição manteve o tradicional predomínio de representantes do setor privado.

Implanta-se o Fundef, que altera substantivamente a forma de distribuição dos recursos educacionais, mesmo que sem aumentá-los, induzindo à ampliação da municipalização do ensino, objetivo perseguido por certos setores desde pelo menos a Lei 5.692/71. Além disso, Paulo Renato é o primeiro ministro da educação a demonstrar uma evidente preocupação com a utilização sistemática da mídia na divulgação de suas ações, granjeando, durante boa parte de sua administração, índices bastante positivos de aceitação junto à opinião pública.

Pari passu a essas modificações, sempre acompanhadas de muita pirotecnia jornalística e propagandística, mesclam-se ganhos significativos e retumbantes fracassos, deixando a seus sucessores desafios de larga magnitude.

Apesar de os ganhos formais alcançados ao longo do governo serem significativos, as contradições geradas pelo modelo adotado avolumam-se. Amplia-se a cobertura do atendimento no ensino fundamental, suplantando-se a marca dos 100% de matrícula bruta, já na virada dos anos 90 e alcançando-se, ao final da década, a marca de 132%. Aproxima-se da marca de 100% da matrícula na faixa etária dos 7 aos 14 anos e a taxa de conclusão do ensino fundamental passa de modestos 22% para mais de 72% no mesmo período. A matrícula no ensino médio quase triplica, passando de um total de 2,6 milhões para mais de 8,1 milhões de alunos. No entanto, a incorporação de amplos contingentes da população ao ensino formal se dá sem a devida preparação das redes de ensino para enfrentar o enorme desafio pedagógico de trabalhar com populações historicamente marginalizadas da escolarização, recolocando-se o impasse entre aprofundar o processo de democratização das oportunidades de escolarização ou retroceder às tradicionais práticas excludentes em nome da "qualidade de ensino". A redução da diferenciação dos patamares per capita de financiamento da educação, no interior de cada estado, evidencia a insuficiência dos recursos investidos na área e o não cumprimento da lei do FUNDEF por parte do governo federal que, ao reduzir os montantes de complementação nacional aos estados mais pobres, mantém em patamares altos a desigualdade interestados, situação que contradiz uma das mais apreciadas teses governamentais: os recursos para a educação são suficientes e o problema é de gestão.

No ensino superior, área diretamente sob sua responsabilidade, o governo federal introduziu diversas medidas e também enfrentou reações tais que impossibilitaram a implementação plena de seu projeto para o setor. Detendo-nos apenas nas mais conhecidas, instituiu o Provão, que supostamente serviria de instrumento de pressão para o aperfeiçoamento das instituições privadas de ensino, mas enfrentou boicote considerável por parte dos estudantes, notadamente do setor público. Nas instituições federais de ensino superior, como medida inicial de um projeto de reforma do sistema, instituiu a Gratificação de Estímulo à Docência (GED), que, se proporcionou melhoria em alguns indicadores de desempenho dessas instituições, encontrou grandes resistências para ser implementada em sua totalidade. Não se materializou a tendência de cobrança de anuidades no ensino superior e nem mesmo a "autonomização" das IFES. Por fim, já ao final de seu mandato, a longa greve das universidades federais por reajuste salarial, realizada em 2001, contribuiu para inviabilizar as pretensões políticas do Ministro. Sem conseguir implementar seu projeto por inteiro, viu-se ele envolvido em intermináveis conflitos com essas instituições universitárias federais que, ao fim e ao cabo, redundaram em visível paralisia de sua ação na área.

A dificuldade de se apreender as contradições desse cenário fez com que Educação & Sociedade solicitasse a diferentes especialistas a elaboração de análises e balanços sobre temas específicos dessas Políticas Educacionais de forma a compor um quadro a um tempo plural e crítico. A partir dessa iniciativa, a Revista espera publicar outros estudos e avaliações do período em encerramento.

Neste número, o leitor de E&S notará algumas pequenas modificações na apresentação da revista, no tocante às informações internas e de capa. Foi alterada, por exemplo, a indicação de ano para volume. Dessa forma, esta revista passa a constar como volume 23. Na lombada da revista foram incluídas informações necessárias à sua melhor catalogação e organização. As legendas bibliográficas e as referências bibliográficas à E&S passam a indicar o nome abreviado do periódico (Educ. Soc.). Os leitores contarão ainda com indicações, na legenda, das páginas iniciais e finais dos artigos, além do site em que se encontram disponíveis. A partir do presente número, procurando atender às normas e diretrizes que orientam as revistas científicas no Brasil, E&S terá o acompanhamento de uma bibliotecária assessora, que cuidará da padronização e organização das listas e referências dos artigos.

Elizabeth de Almeida Silvares Pompêo de Camargo

Ivany Rodrigues Pino

José Augusto Pacheco

Patrizia Piozzi

Pedro Goergen

Romualdo Portela de Oliveira

Valdemar Sguissardi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2002
  • Data do Fascículo
    Set 2002
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