Acessibilidade / Reportar erro

RESGATAR A PARTICIPAÇÃO: DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO DEBATE CONTEMPORÂNEO1 2 1 Uma versão muito inicial do presente texto foi apresentada na mesa-redonda "Teorias da participação", no Seminário Participação política e democracia: teorias e práticas, em Maringá (20-22/5/2013). Versões mais desenvolvidas foram apresentadas no 3rd ISA Forum of Sociology, em Viena (10-14/7/2016), e no 10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em Belo Horizonte (30/810/9/2016). Agradeço aos debatedores desses eventos e também a leitura prévia e os comentários de Regina Dalcastagnè, Flávia Biroli, Thiago Trindade e dos pareceristas anônimos de Lua Nova. O texto faz parte do projeto "Teoria democrática, dominação política e desigualdades sociais", apoiado pelo CNPq com bolsa de Produtividade em Pesquisa.

BACK TO PARTICIPATION: PARTICIPATORY DEMOCRACY AND POLITICAL REPRESENTATION IN THE CONTEMPORARY DEBATE

Resumo

O artigo discute o esvaziamento, na ciência política das últimas décadas, do ideal de democracia participativa. Enquanto as formulações originais, dos anos 1960 e 1970, indicavam a necessidade de ampliação dos espaços de gestão democrática coletiva na vida cotidiana, em particular nos locais de trabalho, os modelos das décadas seguintes aceitam a circunscrição das práticas democráticas ao Estado. Em movimento paralelo, a crítica às instituições representativas e à passividade política que elas promovem foi deixada de lado, em favor de uma percepção em que a diferença entre participação e representação é praticamente anulada. Com isso, a radicalidade da crítica participacionista às democracias liberais é perdida.

Palavras-chave:
Participação; Democracia; Estado

Abstract

The article discusses the deflation of the participatory democracy ideal in the political science of recent decades. While the 1960's and 1970's original formulations indicated the need to increase opportunities for collective democratic management in the everyday life, particularly in the workplace, the models in the following decades accept the circumscription of democratic practices to the State. At the same time, the criticism to representative institutions and to the political passivity they promote has been set aside in favor of a perception in that the difference between participation and representation is practically annulled. Thus, the radicalism of participationist criticism to liberal democracies is lost.

Keywords:
Participation; Democracy; State

O ponto de partida deste artigo é a constatação de um paradoxo. Por um lado, tivemos - no Brasil, mas não só - muitos dos acadêmicos críticos e dos ativistas progressistas enaltecendo a proliferação e o fortalecimento de espaços participativos. A partir sobretudo dos orçamentos participativos (OPs), nos anos finais do século XX, prosperou a ideia de que novas formas de inclusão podiam oxigenar e revigorar os regimes democráticos. Por outro lado, o sentido atribuí- do à "participação política" se alterou de forma significativa, dos primeiros experimentos institucionais até hoje. Parte dessa alteração corresponde à superação de algumas percepções demasiado ingênuas, que marcavam boa parcela das abordagens iniciais. Outra parte, porém, indica uma séria deflação das exigências normativas associadas à ampliação dos mecanismos participativos.

Com isso, ficou reduzida, de maneira drástica, a capacidade de interpelar criticamente sejam os limites das democracias liberais, seja o impacto das diferentes formas de desigualdades de recursos nas possibilidades de intervenção política. Há um descompasso entre o entusiasmo com que foram acolhidos os espaços participativos por aqueles que desejam uma democracia aprofundada e o quão pouco essa participação ressemantizada de fato foi capaz de desafiar a reprodução dos padrões de dominação entranhados nas estruturas políticas vigentes.

Identifico, na verdade, um movimento em dois passos: a redução da participação à esfera do Estado e a diluição da fronteira entre participação e representação. A compreensão "clássica" da democracia participativa, cuja elaboração mais influente foi apresentada por Carole Pateman (1992 [1970]), previa a expansão dos procedimentos democráticos para além do Estado, vinculando a vivência cotidiana à educação política e propondo um modelo que exigia transformações profundas nas relações de produção (conforme discuto na primeira seção do texto)2 3 2 A obra de Pateman só se tornou mais acessível ao público brasileiro nos anos 1990, quando foram traduzidos os livros Participação e teoria democrática, em 1992, e O contrato sexual, no ano seguinte. Uma visão de democracia participativa que guarda pontos de contato com a dela, a de C. B. Macpherson, já estava disponível desde 1978, ano da tradução de A democracia liberal, que aliás a cita. Não tenho elementos para discutir a recepção às ideias de Pateman no Brasil, mas é possível dizer com segurança que modelos de democracia participativa próximos do seu alimentaram, a partir do final da ditadura militar, reflexões da esquerda que buscava modelos alternativos ao socialismo soviético. Eles confluem com a revalorização da "sociedade civil", nascida de uma determinada leitura de Gramsci, o que por si só já representa um deslocamento em relação ao pensamento da autora. Para interpretações panorâmicas desse movimento no Brasil, ver Costa (1997, pp. 12-17) e Dagnino (2000 [1998]). . Os experimentos participativos iniciados no final da década de

1980 já sinalizam uma redução de ambições, uma vez que tendem a focar na distribuição do investimento público e não ameaçam a fronteira que separa o Estado, espaço disponível para a decisão democrática, e a esfera privada, invulnerável a ela (o que é o ponto desenvolvido na segunda seção do artigo).

Os analistas não tardaram a perceber, também, que a promessa de participação direta no processo decisório encobria uma estrutura representativa paralela. Em vez disso levar a uma avaliação mais elaborada das potencialidades e dos limites dessas novas instituições, conduziu a uma renúncia crescente ao ideal de presença direta na tomada de decisões, estimulada por uma literatura teórica que se empenha em apagar a distinção entre representação e participação (o que corresponde à terceira seção do texto). Na conclusão, por fim, busco indicar o que se perdeu com o abandono do compromisso com a participação política entendida de forma mais densa, do ponto de vista de uma democracia aprofundada.

A participação "patemaniana"

As investigações iniciais sobre a participação política, no ambiente acadêmico estadunidense dos anos 1960, aproximam-se dos trabalhos da mesma época sobre "cultura política" (Almond e Verba, 1963ALMOND, G. A.; VERBA, S. 1963. The civic culture: political attitudes and democracy in five nations. Boston: Little, Brown.). No pós-guerra, a preocupação com a estabilidade dos regimes democráticos eleitorais leva a ciência política a observar os cidadãos comuns e sua relação com as instituições - e a centralidade concedida ao sistema político é outra característica comum às duas abordagens. Assim, a partir já dos estudos pioneiros de Milbrath (1965MILBRATH, L. W. 1965. Political participation. Chicago: Rand McNally.), estabelecem-se escalas de participação política, que começam com o ato de votar, passam por tentar angariar votos, contribuir com doações a campanhas ou fazer contato com funcionários públicos e culminam na candidatura às eleições e na ocupação de cargos públicos. A participação, portanto, é integralmente enquadrada pela organização do sistema político e só conta como participação política aquilo que se dirige a esse sistema. Sob tal perspectiva, é possível inquirir como o controle de diferentes recursos materiais, simbólicos e informacionais ou as clivagens de classe, gênero e raça afetam as possibilidades de participação, mas há pouco espaço para colocar em questão o processo geral de tomada de decisões políticas3 4 3 Para uma discussão sobre os limites da escala de Milbrath, ver Pizzorno (1993). .

São estudos, enfim, que podem - em suas franjas mais críticas - problematizar a exclusão política de alguns grupos sociais, como trabalhadores, mulheres ou negros, mas que não alcançam o fato de que tal exclusão não é um desvio, mas uma condição para o funcionamento de um sistema que, como dizia Pierre Bourdieu (1979BOURDIEU, P. 1979. La distinction: critique sociale du jugement. Paris: Minuit., p. 464), é formalmente democrático, mas efetivamente censitário. Justamente por isso, a corrente da "democracia participativa", que propõe formas alternativas de organização política, precisa compreender a participação política em outra chave.

Embora existam muitas versões da democracia participativa - Macpherson (1978MACPHERSON, C. B. 1978 [1977]. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar. [1977]), Poulantzas (2013POULANTZAS, N. 2013 [1978]. L'État, le pouvoir, le socialisme. Paris: Les Prairies Ordinaires. [1978]), Mansbridge (1983MANSBRIDGE, J. J. 1983. Beyond adversary democracy. With a revised preface. Chicago: The University of Chicago Press.), Barber (1984BARBER, B. R. 1984. Strong democracy: participatory politics for a new age. Berkeley: University of California Press.), Dahl (1990______. 1990 [1985]. Um prefácio à democracia econômica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. [1985]), Bachrach e Botwinick (1992BACHRACH, P.; BOTWINICK, A. 1992. Power and empowerment: a radical theory of participatory democracy. Philadelphia: Temple University Press.), para citar só algumas -, vou centrar aqui na elaboração de Carole Pateman (1992 [1970]), que permanece como a mais influente e é também, como assinalou Jane Mansbridge (2008______. 2008. Carole Pateman: radical liberal? In: O'NEILL, D. I.; SHANLEY, M. L.; YOUNG, I. M. (eds.). Illusion of consent: engaging with Carole Pateman. University Park: The Pennsylvania State University Press., p. 23), a que aposta na compreensão mais radical da participação e da igualdade políticas. Seu modelo enfatiza a democratização da vida cotidiana, especialmente nos locais de trabalho (a chamada "democracia industrial", que exige formas de autogestão nas empresas). Com isso, as pessoas ganhariam maior controle sobre suas próprias vidas, uma vez que, ao menos parcialmente, a alienação própria do trabalho assalariado seria desafiada. Na medida em que procedimentos democráticos fossem estendidos também às escolas, às vizinhanças etc., haveria uma retomada coletiva da autonomia4 5 4 Sobretudo quando se tem em mente que Pateman tornou-se em seguida uma destacada teórica feminista, chama a atenção a ausência de discussão sobre a democratização das relações familiares em sua obra sobre a democracia participativa. Ela mesma assinalou o ponto, em autocrítica; ver Pateman (1989a) e também Miguel (2017a). . É possível ver, na democratização do cotidiano, uma forma de resistir à sua colonização pelo poder e pelo dinheiro, sem apelar à noção idealizada das trocas comunicativas habermasianas.

É claro que a democracia industrial é incompatível com a manutenção do capitalismo. Há uma séria incompreensão da teoria de Pateman quando ela é incluída entre aqueles que buscam "reconciliar a propriedade capitalista com o controle da fábrica pelos trabalhadores", como fez Nadia Urbinati (2000URBINATI, N. 2000. Representation as advocacy: a study of democratic deliberation. Political Theory, v. 28, n. 6, pp. 758-86., p. 779). O controle dos trabalhadores sobre o processo produtivo, aí incluídas as decisões sobre jornada de trabalho, taxas de investimento e remunerações, anula a efetividade da propriedade. Caso, por outro lado, os empregados sejam chamados a "participar" da gestão da empresa, mas os proprietários retenham algum tipo de palavra final, o que temos é um tipo de "pseudoparticipação" (Pateman, 1992______. 1992 [1970]. Participação e teoria democrática. São Paulo: Paz e Terra. [1970], p. 97), cujo resultado não é uma ampliação do controle dos trabalhadores sobre suas vidas, mas a cooptação.

Ao mesmo tempo, as virtudes da participação direta não se materializam em economias centralizadas, de tipo soviético. Mesmo que as decisões econômicas fossem tomadas de forma democrática, por toda a sociedade, o plano econômico ainda apareceria, diante dos trabalhadores nas empresas, como uma "consciência exterior separada" (Gorz, 1988GORZ, A. 1988. Métamorphoses du travail: quète du sens. Critique de la raison économique. Paris: Galilée., p. 58). Para que os trabalhadores recuperem sua autonomia na produção, o único caminho possível parece ser a autogestão, em que cada empresa decide por si mesma de forma relativamente independente.

Há uma segunda virtude na participação, tão importante quanto a ampliação da autonomia na vida cotidiana: a educação política. Duas das principais inspirações de Pateman, sobre as quais ela discorre amplamente em seu livro, são Jean-Jacques Rousseau e John Stuart Mill. Para ambos, o envolvimento político possui um caráter pedagógico, ampliando os horizontes de indivíduos que, de outra maneira, ficariam presos a seus afazeres particulares. Na leitura de outro teórico participacionista, Stuart Mill é o expoente de uma visão "desenvolvimentista" da democracia: a democracia serve para desenvolver potencialidades presentes nos seres humanos (Macpherson, 1978MACPHERSON, C. B. 1978 [1977]. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar. [1977]). Ele julgava que o direito de voto, por si só, garantiria tal desenvolvimento, defendendo por isso o sufrágio universal, tanto masculino quanto feminino (Mill, 1985MILL, J. S. [John Stuart]. 1985 [1861]. O governo representativo. São Paulo: Ibrasa. [1861]). A experiência demonstrou, porém, que a participação permitida pelo voto é débil demais para estimular a qualificação política.

A aposta de Pateman é que a participação direta nos locais da vida cotidiana supriria tal estímulo. Ao contrário do trabalhador assalariado na empresa capitalista, aquele que participa da autogestão precisa estar mais bem informado e compreender mais do mundo para contribuir de forma efetiva no processo de tomada coletiva de decisões - que são decisões que afetam diretamente sua vida. Em suma, a participação levaria tanto a maior controle das pessoas sobre a própria vida quanto à ampliação de seu entendimento sobre o funcionamento da política e da sociedade. O resultado líquido desta segunda consequência seria uma capacidade maior de interlocução com seus representantes políticos e de fiscalização de seus atos. Isto é, a accountability, que na democracia eleitoral tende a funcionar precariamente, dada a incompetência política generalizada dos representados, seria aprimorada com o treinamento oferecido pela participação na base. A compreensão desse vínculo entre os níveis micro e macro, que recupera o caráter educativo da atividade política apontado por Rousseau e Stuart Mill, entre outros, é essencial para que o modelo participativo ganhe sentido.

Portanto, a participação na base não é um substituto à representação política. Ao contrário, entre suas funções está o aprimoramento das instituições representativas. O modelo sugerido por Macpherson (1978MACPHERSON, C. B. 1978 [1977]. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar. [1977]) também julga que a ampliação das oportunidades de participação geraria um salto na qualidade da representação. Ele dá ênfase menos à democracia industrial e mais a instituições de tipo soviético, isto é, comitês simultaneamente deliberativos e executivos, com a participação de todos, para gerir a vida quotidiana, nas fábricas, mas também em escolas e vizinhanças. Ao lado deles, administrando as estruturas maiores da sociedade, permaneceriam os mecanismos da democracia liberal, só que providos de mais conteúdo, graças à qualificação da cidadania. Uma proposta próxima é indicada pelo último Poulantzas (2013POULANTZAS, N. 2013 [1978]. L'État, le pouvoir, le socialisme. Paris: Les Prairies Ordinaires. [1978]).

Críticos de Pateman ou do participacionismo em geral tendem a ignorar tal vínculo. Assim, é dito que Pateman "termina com um sistema completamente participativo e antirrepresentacional, baseado no que ela caracteriza como voluntarismo e obrigações autoassumidas" (Gould, 1988GOULD, C. C. 1988. Rethinking democracy: freedom and social cooperation in politics, economy, and society. Cambridge: Cambridge University Press., p. 21). De uma posição francamente conservadora, Giovanni Sartori desqualifica toda a empreitada participacionista argumentando que a intensidade da participação "é inversamente proporcional ao número de participantes" (Sartori, 1994SARTORI, G. 1994 [1987]. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática. 2 v. [1987], v. 1, p. 159; ênfase retirada), logo ela seria inócua ao nível das unidades políticas maiores, como os Estados nacionais. Mas a combinação entre descentralização, participação na base e representação aprimorada pela maior qualificação dos constituintes busca exatamente superar tal obstáculo.

Em suma, é incorreto equivaler a democracia participativa patemaniana à democracia direta. Ela privilegia, é verdade, os laços entre cidadãos iguais entre si e a solidariedade horizontal; sem eles, o vínculo de representação política, excessivamente desequilibrado, torna-se uma forma de subordinação (Pateman, 1985PATEMAN, C. 1985 [1979]. The problem of political obligation: a critique of liberal theory. [Reedição com novo posfácio]. Berkeley: University of California Press . [1979]). Mas isso não implica fantasiar a abolição dos mecanismos representativos. Desta perspectiva, a questão não é, como por vezes falam teóricos posteriores da participação, um "debate entre democracia representativa e democracia participativa" (Santos e Avritzer, 2002SANTOS, B. S.; AVRITZER, L. 2002. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, B. S. (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira ., p. 50), mas a compreensão de que a ampliação da qualidade da representação está vinculada à ampliação das oportunidades de participação.

Para que os efeitos positivos da participação se manifestem, porém, é necessário que ela detenha poder decisório final. A participação consultiva, em que as resoluções tomadas coletivamente são depois revisadas por um indivíduo ou por outro grupo, como na "pseudoparticipação" empresarial em que os proprietários detêm a palavra final, já referida, ou como em estruturas representativas (da qual são exemplo os OPs, analisados na próxima seção), não fornece efetivo controle às pessoas comuns e representa estímulo muito menor à qualificação política.

É importante registrar que o participacionismo não contesta o fato de que a maior parte das pessoas, na maior parte do tempo, é apática, desinformada e desinteressada. Pateman e outros autores da corrente não ignoram os achados das pesquisas sobre comportamento político, de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet (1969LAZARSFELD, P. F.; BERELSON, B.; GAUDET, H. 1969 [1944]. The people's choice: how the voter makes up his mind in a presidential election. 3. ed. New York: Columbia University Press. [1944]) em diante. Eles afirmam é que todos temos, em potencial, condições de entender e atuar de forma ativa na discussão e na gestão dos negócios públicos. Rompem com a ideia, central para o mainstream da teoria democrática liberal, de que agir politicamente é um dom da "elite". A apatia seria efeito apenas de ausência de oportunidades e do desestímulo estrutural, isto é, do fato de que o sistema político ensina às pessoas que, em geral, suas tentativas de influenciá-lo são infrutíferas, fazendo com que elas parem de tentar.

Mas a aposta do participacionismo na disposição das pessoas para o envolvimento político, uma vez liberadas de tais constrangimentos, talvez tenha se mostrado excessiva.

Estudos de campo revelaram que os processos decisórios participativos em grupos pequenos continuam suscetíveis à forte influência de desigualdades, que a teoria em geral ignorava. Em especial, as relações interpessoais no ambiente de participação democrática inibem a expressão de discordâncias; e, por outro lado, o poder de quem faz a agenda de deliberação permanece inconteste (Mansbridge, 1983MANSBRIDGE, J. J. 1983. Beyond adversary democracy. With a revised preface. Chicago: The University of Chicago Press.). O entusiasmo com experiências de autogestão, em especial as que ocorriam na antiga Iugoslávia, recuou à medida em que se obtiveram dados mais acurados sobre seu real funcionamento (Pateman, 1989b______. 1989b. The civic culture: a philosophic critique. In: ______. The disorder of women: democracy, feminism and political theory. Stanford: Stanford University Press.). Por fim, os participacionistas ignoraram a família, que é tanto um espaço de assimetrias de poder e de exploração econômica quanto de socialização para a atividade (ou passividade) política. Com isso, "negligenciaram uma dimensão crucial da transformação social democrática" (Pateman, 1989a______. 1989a. Feminism and democracy. In: ______. The disorder of women: democracy, feminism and political theory. Stanford: Stanford University Press., p. 220).

A participação dos orçamentos

A partir dos anos 1980, a vertente participacionista da democracia perdeu terreno, como principal alternativa crítica às democracias liberais, para a corrente deliberacionista. Em que pese sua maior sofisticação teórica, o deliberacionismo apresenta menor sensibilidade para o efeito político das assimetrias sociais e, portanto, um potencial crítico mais reduzido (Miguel, 2014______. 2014. Democracia e representação: territórios em disputa. São Paulo: Ed. Unesp., cap. 3). Apresenta, por outro lado, uma capacidade onívora, que faz com que ele tenha absorvido e reinterpretado a doutrina liberal da democracia e também, em grande medida, a própria ideia de democracia participativa. Boa parte da literatura mais recente, incluída aí a própria Pateman (2012______. 2012. Participatory democracy revisited. Perspectives on Politics, v. 10, n. 1, pp. 7-19., 2015______. 2015. Democracy versus markets: some reflections on AngloAmerican democracy. Conferência na Universidade de Brasília. Brasília, 13 abr.), trabalha com uma confluência entre participação e deliberação; mas, como regra, a participação política passou a ser vista apenas como um requisito para a adequada deliberação. Ela deve propiciar não mais a autonomia estendida ou mesmo a educação política previstas na literatura participacionista propriamente dita, e sim o ambiente de realização das trocas deliberativas.

A maior parte da sobrevivência da noção de participação no debate político vem não da elaboração teórica, mas de um conjunto de experiências institucionais inovadoras, entre as quais, com destaque, o "orçamento participativo", cujo exemplo mais importante foi aquele implantado no município de Porto Alegre, a partir de 1989. Para entender a recepção a tais experiências, no Brasil e fora dele, convém associá-la ao desencanto com os mecanismos representativos, vistos como incapazes de garantir a realização de um genuíno governo do povo.

No caso brasileiro, a frustração com as instituições de representação política está ligada ao processo de transição para a democracia, com a derrocada da ditadura militar. A mobilização popular foi abafada pelos acertos entre elites. A transição pactuada garantiu, num primeiro momento, enormes prerrogativas às Forças Armadas, a começar pelo veto a qualquer punição pelos crimes cometidos no exercício do poder. Garantiu também que não estariam ameaçados os privilégios das classes dominantes (Vitullo, 2001VITULLO, G. E. 2001. Transitologia, consolidologia e democracia na América Latina: uma revisão crítica. Revista de Sociologia e Política, n. 17, pp. 53-60.). As elites políticas da ditadura continuaram em seu lugar; mesmo o Congresso constituinte, eleito em 1986, era novamente um grupo de integrantes da velha elite política, com pouca oxigenação.

Não é possível dizer que a pressão dos movimentos populares não repercutiu na nova Constituição - repercutiu, é claro, e foi responsável por muitos dos avanços nela presentes. Sempre, porém, muito filtrada por pressões contrárias de grupos mais poderosos e pelo pragmatismo político dos representantes eleitos. As instituições representativas pareciam fadadas a ser o que sempre foram, nicho de elites com interesses desconectados daqueles de seus representados e funcionando como um freio à mudança social.

Entre os avanços mais importantes consignados na Carta de 1988 estava a abertura de espaços para instâncias participativas dentro do Estado. Outras instâncias foram criadas por pressão de movimentos populares, à margem do que estava previsto nas regras legais. E tais instâncias, à medida que foram sendo efetivadas, passaram a canalizar as esperanças de mudança política. Os trabalhos iniciais sobre os OPs, em particular o de Porto Alegre, são marcados por uma indisfarçável euforia5 6 5 Este parágrafo e os seguintes retomam, reformulam e atualizam discussão feita, com mais vagar, em texto anterior (Miguel, 2003). Um exemplo tardio do entusiasmo desabrido quanto ao OP está na própria Carole Pateman (2012). . Um exemplo é o livro da pesquisadora Rebecca Abers (2000ABERS, R. 2000. Inventing local democracy: grassroots politics in Brazil. Boulder: Lynne Rienner.). Ela afirmava que a capital gaúcha promoveu a "revitalização da vida cívica", tornou a distribuição de recursos públicos "mais transparente e accountable para a cidadania", favoreceu e "empoderou" os pobres em lugar dos ricos e transformou-se num "local vibrante de organização e ativismo" (Abers, 2000, p. 4). Avaliando a literatura crítica existente, relativa a como os espaços de participação tendem a ser monopolizados pelos mais afluentes e escolarizados, conclui que o orçamento porto-alegrense conseguia, em grande medida, escapar a tais problemas (p. 132).

Leonardo Avritzer (2000AVRITZER, L. 2000. Teoria democrática e deliberação pública. Lua Nova, n. 50, pp. 25-46., p. 43) apresentava o orçamento participativo como a efetivação da democracia deliberativa. Já Sérgio Baierle (2000BAIERLE, S. G. 2000. A explosão da experiência: emergência de um novo princípio ético-político nos movimentos populares urbanos em Porto Alegre. In: ALVAREZ, S.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A. (orgs.). Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos: novas leituras. Belo Horizonte: Ed. UFMG., p. 212) julgava que ele gerava uma "ética democrática radical". Os efeitos positivos sobre a cultura política, a gestão do Estado e a autonomia popular também eram destacados por Boaventura de Souza Santos (2002SANTOS, B. S. 2002. Orçamento participativo em Porto Alegre: para uma democracia redistributiva. In: SANTOS, B. S. (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.).

A Tabela 1 indica o "estado da arte" do debate acadêmico sobre o orçamento participativo em 2004. É fruto de pesquisa com uma amostra de 28 livros e artigos sobre o assunto publicados desde os anos 1990 até 2004, escolhidos por estarem entre os mais citados na literatura especializada6 7 6 A leitura e tabulação dos textos foi feita por Fernando Mendonça de Magalhães Arruda e Patrícia Semensato Cabral, à época graduandos da Universidade de Brasília, aos quais agradeço. . Fica claro que, até aquele momento, a chave de leitura dominante era a da participação direta, de uma maneira que ecoava os valores perseguidos pela participação patemaniana, tal como apresentados na seção anterior.

Tabela 1
Valores democráticos promovidos pelo OP, segundo a literatura acadêmica (28 livros e artigos selecionados, publicados entre 1990 e 2004)

Conforme mostram os dados da Tabela 1, mais de dois terços dos textos apontam que o OP proporciona uma experiência de participação direta na tomada de decisões. Neste momento, a associação com a perspectiva deliberativa ainda é tênue, apresentada apenas em pouco mais de um quinto dos estudos. Embora os elementos ligados à cultura política, ao capital social (no sentido de Putnam) e à educação cidadã sejam relevantes, sobressai a visão que vincula o OP ao ideal patemaniano.

Essa leitura incorre em equívocos profundos. Não se trata de negar a importância de tais experiências na renovação de práticas políticas locais, na ruptura com esquemas clientelistas cristalizados e na abertura das instâncias decisórias aos movimentos populares urbanos. Mas é necessário perceber que o OP não é capaz de nos dar tudo o que seus apologistas pretendiam extrair dele. Em especial, para a presente discussão, é importante perceber que o OP não é um instrumento pleno de democracia participativa no sentido forte da expressão.

A participação política, tal como entendida pelos "índices de participação" brevemente apresentados na seção anterior, engloba qualquer forma de engajamento com a esfera política. Quando apresenta seu modelo de democratização, Robert Dahl (1971DAHL, R. A. 1971. Polyarchy: participation and opposition. New Haven: Yale University Press. ) indica a "participação" como uma das dimensões relevantes, mas o termo, para ele, expressa apenas a expansão do direito de voto. Já a participação que chamei de patemaniana, pregada pelos teóricos da democracia participativa, está vinculada a um sentido mais forte da palavra. Ela significa o acesso a locais de tomada final de decisão, isto é, implica a transferência de alguma capacidade decisória efetiva do topo para a base. Parte importante das decisões ainda seria tomada por representantes eleitos, é claro; mas a teoria supõe que a experiência na gestão direta de poder na base ampliará a capacidade de compreensão sobre a política mais geral e de escolha esclarecida dos representantes.

Fica evidente que a participação do OP está muito mais ligada ao sentido fraco do que ao sentido forte da palavra. Embora ocorram variações de local para local e ao longo do tempo, ele é tipicamente uma estrutura delegativa piramidal. Todos os moradores têm a possibilidade de participar das discussões em assembleias de base (embora apenas uma minoria o faça), que culminam com a eleição de uma lista de prioridades e de um número de delegados. Muitas vezes, as prioridades ainda são transformadas pela aplicação de pesos predeterminados por especialistas da prefeitura.

E os delegados eleitos se encontram e escolhem outros, num processo que termina por produzir um "conselho", com poderes para negociar, amalgamar e substituir as prioridades votadas. É o conselho que, no final das contas, produz a proposta orçamentária - na verdade, um adendo a uma proposta orçamentária, já que o grosso dos recursos públicos pertence a rubricas fixas e não passa pelo conselho de representantes da base.

Em todo o processo, a participação popular consiste em grande medida na escolha de delegados; nesse sentido, não é qualitativamente diferente da participação eleitoral. As experiências de OP promovem, portanto, uma duplicação de instâncias representativas, sem a transferência de poder decisório final para os cidadãos comuns. E trata-se de uma representação complexa, em vários níveis, não apenas pela estrutura piramidal de escolha de delegados, mas porque é necessário entender os participantes das assembleias de base como representantes da população mais ampla, que, em sua maioria, não comparece7 8 7 Um esboço de sustentação teórica para compreender a relação entre presentes e ausentes como sendo uma relação de representação é dado por Mansbridge (1983, pp. 248-51). .

Não cabe aqui discutir os limites e potencialidades dessas experiências para o aprofundamento das práticas democráticas. Ainda que levando à seleção de delegados e sem efetiva capacidade decisória final, o OP pode proporcionar espaços de capacitação política mais densos do que o processo eleitoral. O que importa é perceber que, entendido dessa forma, o foco da discussão sobre o próprio OP muda. Seu aprimoramento passa a depender do melhor funcionamento dos mecanismos de accountability, ligando os representantes aos representados, nos diferentes níveis em que tal participação se dá. As questões cruciais passam a ser: como se dá a relação entre representantes e representados? Há autorização dos últimos? Há responsividade dos representantes em relação aos interesses dos representados? Foi o caminho seguido por boa parte da literatura, que, a partir daí, pôde investigar como os fenômenos de degradação da qualidade do vínculo representativo surgiam também, por exemplo, no OP de Porto Alegre (Fedozzi et al., 2013FEDOZZI, L. et al. 2013. Orçamento participativo de Porto Alegre: perfil, avaliação e percepções do público participante. Porto Alegre: Hartmann.).

O OP também se distancia da participação patemaniana por seu foco limitado: no Estado; dentro dele, na distribuição dos recursos orçamentários; e nestes, na parcela do orçamento disponível para investimento, em geral bastante diminuta, já que a maior parte do bolo (salários, transferências obrigatórias, rolagem da dívida pública) está fora do seu alcance. A vida dentro das empresas não é atingida; não é desafiada a divisão entre uma esfera aberta ao ordenamento democrático e outra vedada a ele. Já as propostas originais de democracia participativa, ao proporem a transferência da capacidade decisória para os cidadãos comuns dentro dos espaços da vida cotidiana, não tinham como se esquivar do problema da reorganização das relações de produção. Como observaram estudiosos da questão, "a participação passou a ser, cada vez mais, participação-em-espaços-participativos" (Gurza Lavalle e Isunza Vera, 2011GURZA LAVALLE, A.; ISUNZA VERA, E. 2011. A trama da crítica democrática: da participação à representação e à accountability. Lua Nova , n. 84, pp. 95-139., p. 117) - mas esse deslocamento tem implicações profundas.

Em suma, da participação patemaniana ao OP, passa-se da contestação da ordem capitalista e da alienação no trabalho à aceitação dessa ordem, com os objetivos, relevantes mas bem mais modestos, de enfrentamento do viés de classe na elaboração das políticas públicas e de uma desalienação limitada à política em sentido estrito. De uma posição crítica ao OP pode-se observar, como fazem Fung e Wright (1999FUNG, A.; WRIGHT, E. O. 1999. Experimentos em democracia deliberativa. Sociologias, n. 2, pp. 100-43., p. 106), que experiências desse tipo contribuem para "distrair" os agentes sociais, "concentrando sua atenção num conjunto de problemas muito limitados, [em vez] de problemas mais importantes e abrangentes (como[,] por exemplo, taxação redistributiva)". Movimentos sociais, que antes teriam uma pauta de enfrentamentos à opressão em diferentes fronts, agora teriam incentivos para concentrar forças na redefinição do investimento público.

Mas, por outro lado, é necessário lembrar que a abertura de espaços à participação política dentro do Estado é desproporcionalmente importante para os trabalhadores e, de forma mais geral, para integrantes de grupos dominados, por, pelo menos, quatro motivos. Em primeiro lugar, como afirmam as teorias da dependência estrutural do Estado capitalista em relação ao investimento privado (Offe, 1984______. Problemas estruturais do Estado capitalista. 1984. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. [1972]), os interesses dos proprietários serão levados em conta mesmo que eles não se mobilizem para isso. Afinal, a manutenção das atividades do próprio Estado depende de que eles continuem investindo, o que faz com que a influência sobre as decisões políticas não dependa de participação: seus interesses são introjetados pelos funcionários públicos. Para os não proprietários, ao contrário, participar é condição necessária para se fazerem ouvir.

Em segundo lugar, são os trabalhadores que, submetidos à hierarquia autoritária nos espaços de produção, possuem menos treinamento para a atividade política e para a tomada de decisões em sua vida cotidiana. É valioso em si mesmo ganhar acesso a um espaço que permita o desenvolvimento de tais capacidades, incentivando o raciocínio crítico, a capacidade de negociação, as habilidades retóricas e a obtenção de informações ampliadas sobre o mundo social.

Além disso, os grupos em posição subalterna tendem a ter menos acesso aos espaços de difusão das representações do mundo social, a começar pela mídia. Seus interesses e perspectivas tendem a ser silenciados, para os outros, mas também para si mesmos. Por isso, para eles é mais importante encontrar brechas que permitam que suas vozes sejam ouvidas, entre si e também por quem exerce o poder.

Por fim, a intermediação dos mecanismos representativos tem significados diferentes para os diferentes grupos sociais. Se toda representação política é imperfeita, uma vez que já a mera diferenciação funcional distancia o líder de seus constituintes, é necessário levar em conta que ela é uma representação desigualmente imperfeita8 9 8 Adapto aqui a ideia de "autonomia desigualmente imperfeita", apresentada, no contexto das discussões sobre assimetrias de gênero, por Flávia Biroli (2013). . Os grupos subalternos são aqueles que se encontram mais distanciados dos espaços de exercício do poder, aqueles que têm menor familiaridade com o vocabulário da política. Muitas vezes, adotam como representantes pessoas oriundas de outras posições sociais, exatamente porque elas transitam melhor nas arenas de poder. Mas seus próprios integrantes, caso se tornem representantes políticos, são catapultados para outro universo social. Em todos os casos, o fosso entre representantes e representados tende a ser maior; dito de outra forma, o ruído que a representação política impõe à expressão de seus interesses costuma ser mais significativo. Também por isso, a possibilidade de participação política direta ganha maior importância.

De acordo com a visão patemaniana, a ausência de poder decisório final reduziria o incentivo à inclusão das pessoas comuns no processo. Em seu lugar, seria necessário garantir um sentimento de efetividade da participação no OP - isto é, que essas pessoas sentissem que sua presença tinha peso nos resultados das discussões e que esses resultados impactavam de fato nas ações do poder público. Não é muito diferente do que as campanhas cívicas de valorização do voto ("o voto é a arma do cidadão" etc.) buscam promover em relação à participação eleitoral. O fato de o OP permitir uma participação mais expressiva, com intervenção nos debates e não apenas a escolha dentro de um cardápio de opções já pronto, torna mais factível a promoção desse sentimento de efetividade.

Por outro lado, embora os custos de participação sejam mais elevados (deslocamento, consumo de tempo etc.), prejudicando os mais pobres, outros fatores mudam a balança em favor deles. Em geral, os serviços públicos são mais cruciais para os mais pobres do que para os mais ricos, logo há mais incentivo para tentar influenciar a destinação do investimento municipal. E, como visto, eles têm menos acesso a outras formas de influência política. Por isso, os OPs puderam, a despeito de todas as suas limitações, de fato, contribuir para elevação do envolvimento político popular em muitas das cidades em que foram implantados.

A participação mediada

A partir de meados da primeira década do século XXI, a literatura apresenta mudanças significativas. Como dito, a experiência do OP começa a ser vista com maior ceticismo. Percebe-se que nem todas as apostas feitas em suas virtualidades democratizantes eram vitoriosas; alguns dos vícios da participação política tradicional, que se esperava que ele sanasse, ressurgiam de novas maneiras. Além disso, os OPs vão sendo paulatinamente dissolvidos em uma categoria mais ampla, de novos espaços de interlocução entre sociedade civil e Estado. Tais arenas, que ganharam grande impulso com a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal brasileiro, após a vitória nas eleições presidenciais de 2002, incluem em especial conselhos e conferências setoriais de políticas públicas, nas diversas instâncias de governo (municípios, estados, União). Cabe observar que, nesse momento, já há uma mudança no sentido da participação almejada, que deixa de ser a participação popular para ser a de organizações da sociedade civil9 10 9 Evidentemente, a história aqui contada é apenas parcial. Ao mesmo tempo que se ampliam os espaços de interlocução de entidades da sociedade civil com o Estado, surgem movimentos sociais com posição bem mais crítica ao diálogo que ocorre dessa forma, como, por exemplo, o Movimento Passe Livre. É possível discutir se há uma espécie de "divisão do trabalho", com alguns grupos fazendo pressão extrainstitucional, outros ingressando nas arenas estatais. Uma posição radical põe todos num mesmo sistema deliberativo, que engloba simultaneamente "rua" e "mesa de negociação". A esse respeito, ver Mendonça e Ercan (2015). E para uma crítica, ver Trindade (2016). Não tenho como entrar nesse debate, mas assinalo que o deslocamento que trato neste artigo é contrabalançado pela presença de outras estratégias. .

Ao mesmo tempo, muda o enquadramento teórico de grande parcela da literatura que lida com a temática, de maneira à primeira vista paradoxal. Há dois movimentos simultâneos e complementares: uma redução dos requisitos da representação democrática (representação "autoinstituída") e uma aproximação entre participação e representação em que os parâmetros normativos próprios da exigência de participação são anulados.

O que chamo aqui de redução dos requisitos da representação democrática é o abandono das exigências de autorização e accountability, que garantiriam recursos de poder aos representados, em favor da ideia de uma representação voluntarista, "autoinstituída", em que são suficientes a crença na boa vontade do representante e os benefícios alcançados por sua intervenção (Gurza Lavalle, Houzager e Castello, 2006GURZA LAVALLE, A.; HOUTZAGER, P. P.; CASTELLO, G. 2006. Representação política e organizações civis: novas instâncias de mediação e os desafios da legitimidade. RBCS - Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 60, pp. 43-66.; Avritzer, 2007______. 2007. Sociedade civil, instituições participativas e representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados, v. 50, n. 3, pp. 443-64.; Saward, 2010SAWARD, M. 2010. The representative claim. Oxford: Oxford University Press.; Almeida, 2012ALMEIDA, D. R. 2012. Representação política e conferências: os desafios da inclusão da pluralidade. Brasília: Ipea (Textos para Discussão, n. 1750).)10 11 10 Para uma crítica, ver Miguel (2014, cap. 8). . Essa virada em favor da "representação política de resultados" não apenas desloca o conjunto de parâmetros que permite avaliar a qualidade do vínculo representativo nos novos espaços de interlocução, como também anula a preocupação com a educação política, central nas visões participacionistas anteriores.

Trata-se de um deslocamento da relação representante-base para a relação representante-representante. O representante autoinstituído é aquele que se proclama porta-voz de uma causa ou de uma população, sem que estabeleça qualquer interlocução válida com aqueles pelos quais diz falar, mas que é admitido como interlocutor legítimo por outras pessoas ou grupos que já ocupam posição nos espaços decisórios. Em boa parte das novas arenas de interlocução, assumem a posição de representantes da sociedade civil aqueles que detêm visibilidade ou reconhecimento público, isto é, atributos fornecidos pela mídia ou pelo Estado, não por seus representados putativos.

Esse tipo de advocacy pode ser meritório e legítimo, mas não é uma forma de representação democrática. A noção de representação democrática sublinha a capacidade potencial igual que os cidadãos têm de agir politicamente. Se há necessidade de representação, como há em sociedades como as contemporâneas, é a capacidade de supervisão permanente dos representados sobre os representantes que indica a qualidade democrática dessa representação. A virada em favor dos porta-vozes autoinstituídos e da representação política de resultados impede que tais critérios sejam colocados em operação.

É fácil interpretar tais críticas como sendo uma simples defesa da transferência formal de poder por meio das eleições, logo como indício do apego a um instrumento limitado ou mesmo fracassado de controle popular sobre as decisões - fácil, mas equivocado. Mecanismos de autorização e accountability, mesmo que informais, podem estar em funcionamento independentemente do ritual eleitoral. Mas se o representante julga que seu mandato não vem da capacidade de articular e promover interesses da base, e sim do respeito que obteve de seus pares em fóruns fechados, então a sua capacidade de manter a interlocução e a legitimidade democrática de sua atuação está em risco. Na verdade, essa preocupação de vinculação com a base permanece presente em muitos dos representantes que atuam nos espaços de interlocução ainda chamados de "participativos". É algo que transparece no discurso de muitos desses agentes (embora, certamente, não de todos). Mas a literatura acadêmica tende cada vez mais a descartá-la, quer expressa, quer implicitamente.

O segundo movimento no enquadramento teórico, que estou chamando de aproximação entre representação e participação, induz, na verdade, à acomodação com a divisão social do trabalho político, que concentra em uns poucos a capacidade de participação efetiva. É claro que a divisão chapada entre "representativo" e "participativo" é simplista. Qualquer organização política complexa compreenderá os dois; mesmo na democracia direta grega, havia uma forma de representação política em ação, conforme bem mostrou, entre tantos outros, Moses Finley (1988FINLEY, M. I. 1988 [1973]. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal. [1973], 1991______. 1991 [1983]. Politics in the ancient world. Cambridge: Cambridge University Press. [1983]). Mas as fórmulas retóricas do tipo "participação por meio da representação" simplesmente tentam nos fazer ignorar o problema da apatia política estrutural.

A fórmula referida remete, é claro, à obra da cientista política italiana Nadia Urbinati (2000URBINATI, N. 2000. Representation as advocacy: a study of democratic deliberation. Political Theory, v. 28, n. 6, pp. 758-86., 2006______. 2006. Representative democracy: principles & genealogy. Chicago: The University of Chicago Press.). O súbito êxito de Urbinati é sintomático. Sua empreitada teórica pode ser descrita como a busca da valorização dos mecanismos de mediação, como a representação política, em contraste com a ação incompetente e pouco esclarecida das pessoas comuns. Ao afirmar a necessidade de que os representantes sejam dotados de qualidades especiais, distintas de sua base, já que sua ação se mede sobretudo pela efetividade na obtenção de objetivos, Urbinati joga fora toda a reflexão sobre o momento educativo da participação política e nos faz recuar para a velha noção de preferências geradas privadamente, que seriam simplesmente agregadas na política. Se entendemos que as preferências políticas não são dadas, mas precisam ser construídas coletivamente, a noção de um representante como externo e diferente do grupo que representa, como uma espécie de técnico a ser avaliado por resultados, mostra-se desprovida de sentido.

Com Urbinati, volta a velha prevenção elitista contra a participação. A uniformidade social dos representantes, mais parecidos entre si do que com os seus representados, aparece como uma vantagem, ampliando o potencial de diálogo nos fóruns decisórios. Com isso, a disparidade entre os representantes e seus representados deixa de ser um problema: é um efeito inevitável de uma salutar especialização política. O voto é o instrumento de participação ideal e a pressão da chamada "opinião pública" sobre os tomadores de decisão deve ser controlada, uma vez que ela tende a ser irracional e guiada pelos discursos demagógicos presentes na mídia (Urbinati, 2014______. 2014. Democracy disfigured: opinion, truth, and the people. Cambridge, Ma: Harvard University Press.) - retomando aqui a outra velha suspeição elitista, verbalizada já por Schumpeter (1976SCHUMPETER, J. A. 1976 [1942]. Capitalism, socialism and democracy. New York: Harper Perennial. [1942]), e ecoando a denúncia da "videocracia", feita por seu conterrâneo Giovanni Sartori (1998______. 1998 [1997]. Homo videns: la sociedad teledirigida. Buenos Aires: Taurus. [1997])11 12 11 Seriam, lendo-os a partir das observações de mais um autor italiano, todos exemplos da demofobia do pensamento político dominante, que se esforça por restringir o potencial subversivo de uma instituição que não foi mais possível evitar, o sufrágio universal (Losurdo, 2004 [1993]). .

Uma démarche teórica adicional é inspirada em Pierre Rosanvallon. Em sua obra de interpretação das transformações das instituições democráticas, da Revolução Francesa aos nossos dias, ele aponta na direção de uma redefinição da democracia que a esvazia de boa parte de seu sentido normativo. Haveria a superação da ideia de soberania popular, devido tanto ao esgotamento da noção de "povo" (Rosanvallon, 1998______. 1998. Le peuple introuvable: histoire de la représentation démocratique en France. Paris: Gallimard., 2000______. 2000. La démocratie inachevée: histoire de la souveraineté du peuple en France. Paris: Gallimard.) quanto ao fato de que os mecanismos institucionais funcionam cada vez mais de forma reativa, impedindo o abuso do poder, em vez de indicando os caminhos para seu exercício (Rosanvallon, 2006______. 2006. La contre-démocratie: la politique à l'âge de la défiance. Paris: Seuil., 2008______. 2008. La légitimité démocratique: impartialité, réflexivité, proximité. Paris: Seuil.). É como se atualizássemos a velha "democracia protetora", para usar a expressão com que Macpherson (1978MACPHERSON, C. B. 1978 [1977]. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar. [1977]) definia o pensamento de James Mill (1992MILL, J. [James]. 1992 [1820]. On government. In: Political writings. Cambridge: Cambridge University Press . [1820]): o sufrágio serve para impedir que os governantes nos escravizem, não para instituir um governo do povo.

O mais importante é que se tornaria cada vez mais inviá- vel uma representação política autêntica, dada a crescente ilegibilidade do social (Rosanvallon, 2011______. 2011. La société des égaux. Paris: Seuil., 2014______. 2014. Le parlement des invisibles. Paris: Seuil.). Na sociedade contemporânea, a desigualdade social se manifestaria sobretudo na forma da exclusão, mas a exclusão seria um fenômeno eminentemente individual. Os excluídos "não partilham mais do que um certo perfil de ordem biográfica", associado a "rupturas sociais ou familiares" ou "evasões profissionais", sem que sejam perceptíveis "diferenças estáveis" (Rosanvallon, 1995ROSANVALLON, P. 1995. La nouvelle question sociale: repenser l'Étatprovidence. Paris: Seuil., pp. 202, 208). Ao contrário dos pobres ou dos trabalhadores, os excluídos não conseguem se expressar politicamente, uma vez que partilham uma situação, mas não seus determinantes e, portanto, não têm interesses comuns.

Não cabe aqui elaborar a crítica ao fundamento sociológico da formulação de Rosanvallon, que nega relevância política às desigualdades estruturais e, assim, impugna todos os projetos de transformação social mais profunda12 13 12 Para uma discussão mais detida sobre esse aspecto do pensamento de Rosanvallon, ver Miguel (2016). . O ponto é que, aceito seu argumento, fica afastada a preocupação com a disparidade entre a atuação do representante e os interesses dos representados, uma vez que a própria noção de "interesses dos representados" se desvanece. Não apenas a democracia de Rosanvallon é a do século XVIII: sua visão de sociedade também é a do liberalismo clássico, em que contam apenas os indivíduos, com suas vontades particulares, e os grupos sociais não ganham relevância.

De maneira talvez inesperada, Rosanvallon, Urbinati e os teóricos da representação autoinstituída, a despeito das profundas diferenças que os dividem, concorrem em conjunto para muito da reflexão atual sobre os espaços de interlocução entre sociedade civil e Estado. A participação popular direta não é mais exigida, pois a representação garante melhor qualidade na interação política. Os representantes não precisam prestar contas às suas bases, uma vez que o que importam são a pureza de suas intenções e a robustez dos resultados alcançados. E esses resultados se medem pela melhoria de situações individuais, pois não há interesses coletivos, nem são factíveis demandas por transformações estruturais.

É possível ler tais mudanças como sintoma de realismo, de desencanto ou de capitulação. Acadêmicos também são vulneráveis ao fenômeno das "preferências adaptativas" e, assim, rebaixam seus ideais normativos em favor de metas mais facilmente alcançáveis. De qualquer maneira, é inegável o caráter conservador da mudança. Mais do que apenas o abandono da participação direta, há a adesão a uma forma de substitucionismo, em que os grupos populares se tornam muito mais objetos do que sujeitos da ação política. Na introdução ao dossiê de uma revista acadêmica intitulado "Após a participação", o organizador escreve:

Trata-se de um cenário de pesquisa e teorização pósparticipativo no sentido de a institucionalização e capilaridade territorial de arranjos participativos diversos, e a magnitude de atores sociais envolvidos nesses espaços, colocarem um conjunto de problemas impensável a partir do registro original da participação como demanda de inclusão e de autodeterminação (Gurza Lavalle, 2011, p. 14).

A formulação revela quanto os modelos clássicos da participação saíram do horizonte. Afinal, o problema que eles buscavam enfrentar era exatamente como compatibilizar a inclusão direta no processo decisório e a autodeterminação com os problemas de escala próprios dos Estados nacionais. É dito que "os modelos participativos perderam influência ou foram absorvidos pelos modelos mais sofisticados da democracia deliberativa", que se tornaram patentes os "trade-offs entre efeitos desejáveis [da inclusão participativa]" e que "a participação, mesmo quando verificada, não implica garantia alguma quanto à realização das virtualidades positivas esperadas" (Gurza Lavalla e Isunza Vera, 2011, pp. 97, 108-109). É verdade. Mas isso autoriza o abandono das exigências de inclusão e autoderminação popular?

A busca pela democratização da vida cotidiana e por presença popular direta em processos decisórios finais deu lugar à duplicação dos mecanismos representativos em instituições que prometeriam maior abertura para os cidadãos comuns. Quando o caráter representativo de tais instituições foi finalmente reconhecido e se abriu uma agenda de pesquisa voltada à compreensão da qualidade do vínculo entre representantes e suas bases, já surgia a ideia de que as formas de representação se multiplicavam, a interlocução com os representados tornava-se irrelevante e era necessária a "redução da preocupação com a legitimidade dessas novas formas de representação" (Avritzer, 2007______. 2007. Sociedade civil, instituições participativas e representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados, v. 50, n. 3, pp. 443-64., p. 459), ou, então, "superar a concepção monista de legitimidade, apontando a pluralidade das formas de representar e ser representado" (Almeida, 2012ALMEIDA, D. R. 2012. Representação política e conferências: os desafios da inclusão da pluralidade. Brasília: Ipea (Textos para Discussão, n. 1750)., p. 11). Essas novas formas não estão fundadas "no pressuposto da igualdade matemática, mas em uma igualdade que se volta para a consideração das diversas manifestações da sociedade, discursos, preferências e interesses não expressos pela via eleitoral" (Almeida, 2012, p. 41)13 14 13 Para uma crítica, ver Miguel (2015). .

Nessa nova perspectiva, não apenas representação e participação tendem a se confundir (Gurza Lavalle e Isunza Vera, 2011), mas também Estado e sociedade civil convergem. Conferências, conselhos de políticas públicas e mesmo a presença de ativistas ocupando cargos no Poder Executivo, como no caso brasileiro se tornou comum principalmente nos governos do PT, mostrariam uma permeabilidade da máquina do Estado às demandas de diferentes grupos sociais que transforma a participação em uma reivindicação em grande medida ultrapassada (Abers e Von Bülow, 2011ABERS, R.; VON BÜLOW, M. 2011. Movimentos sociais na teoria e na prática: como estudar o ativismo através da fronteira entre Estado e sociedade? Sociologias, n. 28, pp. 52-84.; Abers, Serafim e Tatagiba, 2014ABERS, R.; SERAFIM, L.; TATAGIBA, L. 2014. Repertórios de interação Estado-sociedade em um Estado heterogêneo: a experiência na Era Lula. Dados, v. 57, n. 2, pp. 325-57.). A "reconfiguração dessas relações sociedade-Estado" leva à percepção da "construção de interações cooperativas com os governos como favoráveis à influência na agenda política, ao atendimento de suas demandas históricas e ao acesso aos órgãos públicos" (Carlos, 2011CARLOS, E. 2011. Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização. Lua Nova , n. 84, pp. 315-48., p. 345). Embora se reconheça a permanência de um repertório ativo de formas de pressão por fora dos espaços de interlocução abertos no Estado, elas tomam cada vez mais as feições de mecanismos complementares, cujo objetivo seria fortalecer as posições dos agentes situados dentro das arenas estatais.

Nesses novos espaços formais e informais, espécie de "anéis burocráticos" do bem, as demandas populares fluiriam por meio de representantes autoinstituídos, que não precisariam de interlocução com aqueles para quem desejam produzir benefício. A representação aparece como um novo item no "repertório" das associações da sociedade civil (Lüchmann, 2011______. 2011. Associações, participação e representação: combinações e tensões. Lua Nova, n. 84, pp. 141-74.), mas, caracteristicamente, o foco está na aptidão para assumir tal papel, sem atenção às disposições daqueles que seriam representados14 15 14 É claro que há literatura com perspectiva mais crítica, por exemplo, Teixeira, Souza e Lima (2012). .

Contra isso, acho necessário reafirmar que a representação, não importa quão inevitável seja, é um rebaixamento do ideal democrático original e um mecanismo que introduz desigualdades. A representação não apenas tende a refletir outras desigualdades sociais (os representantes tendem a ser homens, brancos, mais ricos que a média da população, com maior nível de instrução formal), ela cria sua forma própria de desigualdade: a desigualdade entre quem tem e quem não tem acesso aos espaços de exercício de poder.

Os mecanismos de autorização e accountability, por inefetivos que costumem se mostrar, indicam a consciência da emergência dessa desigualdade e os riscos associados a ela. São necessários para que a relação de representação possa almejar o adjetivo "democrática". Sem eles, o que temos é uma forma renovada de patronato político, em que pessoas com acesso a espaços decisórios "protegem" indivíduos ou grupos que deles estão afastados (Miguel, 2017b______. 2017b [no prelo]. Consenso e conflito na democracia contemporânea. São Paulo: Ed. Unesp.). Sua ação se pauta pela satisfação de necessidades (percebidas pelo observador), mais do que interesses (construídos pelos agentes). A "expertise ou qualificação", que fundaria a legitimidade da representação (Lüchmann, 2007LÜCHMANN, L. H. H. 2007. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova , n. 70, pp. 139-70., p. 151), é, ela própria, um índice de desigualdade. Em suma, não se combatem a apatia e a desinformação política, produzidas nos regimes eletivos contemporâneos, por uma estrutura de oportunidades que reduz brutalmente a efetividade da ação política do cidadão comum, cuja relação custo-benefício, para usar a linguagem da escolha racional, se mostra muito desvantajosa.

Era contra essa estrutura de oportunidades que se colocava a vertente participacionista clássica, buscando uma nova institucionalidade que permitisse e estimulasse maior presença política dos cidadãos comuns. E dessa presença, como toda a teoria e prática dos movimentos sociais sempre demonstraram, depende a eficiência de sua pressão política. É dela também que poderiam surgir novas formas de construção institucional, pressionando os limites à participação presentes na configuração atual. Se fosse necessária alguma comprovação da fragilidade dos novos espaços abertos no Estado, em que os tais representantes autoinstituídos obteriam conquistas para "bases", que permaneceriam quase passivas, o início do segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff bastaria. Em dois ou três meses, foram anuladas tantas das conquistas dos doze anos anteriores de governos do PT. Em seguida, o próprio governo reformista foi derrubado por um golpe parlamentar, com resistência pífia. E o novo governo implanta, de forma acelerada, uma agenda de profundo retrocesso nos direitos, mais uma vez diante de uma população quase passiva. Como sempre, os grupos privilegiados mostram ser aqueles que melhor expressam suas preferências na ausência de espaços de pressão popular.

***

Há algo no discurso contemporâneo da participação mediada que ecoa os argumentos antiparticipacionistas dos anos

1970 e 1980. É como se a "descoberta" da representação - como um momento inevitável e complexo da ação política - impugnasse a demanda por participação direta, que passa a ser descartada, de forma implícita ou expressa, como ilusória, ingênua ou mesmo potencialmente nociva. Mas, enquanto um Giovanni Sartori ainda podia afirmar que apostava nos mecanismos formais de autorização e accountability para garantir um fio de soberania popular, nas novas narrativas eles estão muito debilitados.

A abertura de espaços à participação popular direta é importante, entre outros motivos, como forma de redistribuição do capital político - ou, para utilizar um linguajar mais up-to-date, como forma de "empoderamento" dos cidadãos comuns, que ganhariam tanto graus de autonomia em sua vida cotidiana quanto qualificação para melhor dialogar com seus representantes. É a participação que pode ampliar seus horizontes, dar a eles o entendimento da lógica da política, torná-los mais capazes de intervir de maneira consciente, até mesmo estratégica, na formulação de seus próprios interesses.

Não se trata, e nunca se tratou, de opor (inutilmente) participação a representação, mas tampouco de subsumir a participação na representação. Pelo contrário, há a necessidade de entender a tensão existente entre elas e que é constitutiva da relação entre participação e representação. O resultado esperado não é a abolição dos mecanismos de representação, mas o aprimoramento de sua qualidade, algo que - a crer na teoria patemaniana - depende da possibilidade de participação efetiva. É isso que os mecanismos institucionais hoje exaltados suprem mal e que a aposta cada vez mais alta na representação autoinstituída elimina do horizonte.

Nas novas arenas de interlocução entre Estado e sociedade civil, a introdução de mecanismos formais de autorização, como a eleição dos conselheiros, tende a espelhar os vícios da representação política tradicional (Tatagiba e Blikstad, 2011TATAGIBA, L.; BLIKSTAD, K. 2011. "Como se fosse uma eleição para vereador": dinâmicas participativas e disputas partidárias na cidade de São Paulo. Lua Nova , n. 84, pp. 175-217.). Resgatar a accountability "como uma via alternativa para elaborar a eventual legitimidade das novas práticas de representação", produzindo "uma espécie de autorização implícita" (Gurza Lavalle e Isunza Vera, 2011GURZA LAVALLE, A. 2011. Após a participação: nota introdutória. Lua Nova , n. 84, pp. 13-23., p. 129), conduz a outro impasse: qual a qualidade da accountability quando, na ausência de espaços de participação, os cidadãos comuns têm baixa capacidade de supervisão de seus representantes? Sobra, no final das contas, a "representação política de resultados", referida antes, em que, mais do que constituintes, há uma clientela que deve se sentir contemplada pelas decisões adotadas. Um desfecho que é infiel à visão normativa de autonomia coletiva e igualdade cidadã presente no cerne da democracia. A despeito das críticas que possam ser dirigidas a Pateman e aos outros teóricos do participacionismo de primeira geração, qualquer alternativa de aprimoramento democrático parece passar pela ampliação das possibilidades de participação popular direta.

Não custa repetir: participação popular direta não é retorno à democracia direta. O modelo da democracia grega é inviável por muitos motivos - entre eles, o fato de que repousava na exclusão da maior parte da população. A democracia participativa dos anos 1970, em autores como Carole Pateman, incluía um entendimento sofisticado da relação entre participação nos espaços da vida cotidiana, qualificação política popular e qualidade da representação. Uma análise dos novos espaços "participativos" ocupados por organizações da sociedade civil que agem como representantes autoinstituídos de interesses sociais concluiu que "a participação não substitui, mas reconfigura a representação" (Lüchmann, 2008______. 2008. Participação e representação nos conselhos gestores e no orçamento participativo. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 52, pp. 87-97., p. 96). Isso já estava presente nas reflexões de Pateman. O problema é que, na nova maneira de pensar a relação entre os dois polos, a representação reconfigurada simplesmente dissolve a participação.

A teoria participacionista original revelava preocupação com as condições de efetividade da participação e questionava também a fronteira que separa o espaço público de espaços que seriam impermeáveis a práticas democráticas, a começar pelas empresas. Uma parte da euforia com novas arenas participativas, do OP em diante, tem também caráter compensatório, porque perdemos o horizonte de transformação radical do mundo da produção. No entanto, nada disso anula o fato de que o capitalismo permanece sendo um grande obstáculo à expansão da participação política e da democracia. As desigualdades materiais se manifestam em capacidade assimétrica de influência política e, ao mesmo tempo, a manutenção do padrão hierárquico, antiparticipativo, nos locais de trabalho é decorrência obrigatória da propriedade privada.

Mesmo no que se refere à participação restrita à esfera política entendida em sentido estrito, a liderança brasileira em termos da experimentação democrática parece ter se esgotado. Enquanto aqui as fichas foram depositadas nos ambientes paraestatais e na representação autoinstituída, o Movimiento 15-M e outros grupos espanhóis, o Movimento 5 Stelle italiano ou as diversas manifestações do Occupy estadunidense ensaiaram novos modelos organizativos. É possível discutir seus méritos e seus defeitos, mas não há dúvida de que eles entenderam que os problemas da representação política precisam ser resolvidos ampliando-se a capacidade de intervenção dos representados e não com um sobrelanço de confiança nos representantes15 16 15 Os protestos de junho de 2013, no Brasil, parecem indicar a saturação das experiências de participação institucional e a vontade de uma nova forma de expressão pública popular, mas não foram capazes de sinalizar um projeto político com maior consistência. .

Como escrevi em outro momento, é possível identificar três dimensões na representação política (Miguel, 2014______. 2014. Democracia e representação: territórios em disputa. São Paulo: Ed. Unesp., cap. 3). A primeira delas, mais evidente, é a transferência de poder decisório por meio do instrumento eleitoral, como ocorre na representação política no Estado ou em sindicatos e associações. A segunda refere-se à participação no debate e formação da agenda pública, desempenhada pelos representantes eleitos e também por muitos outros agentes, que se tornam porta-vozes de diferentes demandas. Os procedimentos eleitorais de autorização e accountability, próprios da primeira dimensão, aqui não se repetem, uma vez que a segunda dimensão se caracteriza pela multiplicidade de espaços em que ocorre, pela fluidez e pela abertura permanente à possível intervenção de novos agentes.

Do modo como entendo uma representação democrática, tal fluidez e abertura não significam um salvo-conduto para que os representantes se tornem independentes de qualquer vinculação com uma base. Seriam necessárias interlocução e compromisso de responsividade às preferências dos representados, isto é, mecanismos de autorização e accountability menos formalizados, à margem dos procedimentos eleitorais, mas que podem surgir nas relações cotidianas de lideranças com suas bases.

Porém, uma forma democrática de representação política não pode se resumir a uma relação vertical entre representante e representados. Inclui, como uma dimensão igualmente relevante, a relação horizontal que os representados estabelecem entre si, até mesmo para definir suas próprias preferências, que não são dados prévios ou necessidades identificadas por um olho externo, mas construções coletivas. Nessa, que é a terceira dimensão da representação, a participação dos representados assume protagonismo.

Ao longo deste artigo, indiquei como, em parte das teorias recentes da representação pela sociedade civil e das novas arenas de interlocução com o Estado, há opção por uma espécie de "atalho" que permitiria que as vontades dos grupos populares, presumidas a partir de um ponto de vista externo, estivessem presentes em espaços decisórios normalmente vedados às pessoas comuns. Mas, sem o diálogo interno ao grupo, que granjearia aos representados a capacidade de supervisão e controle sobre os representantes, e sem o diálogo entre porta-vozes e constituintes, o que temos é uma forma de autoautorização. O ideal de igualdade, que é coextensivo à democracia, é abandonado. O reconhecimento da necessidade de promover, de maneira ativa e permanente, a ampliação da capacidade de interlocução entre representantes e representados, bem como da produção autônoma das preferências pelos últimos, foi um elemento central das correntes da democracia participativa. Ao abandoná-lo, caminha-se para um entendimento paternalista, segundo o qual a incapacidade política dessas pessoas é um dado de uma realidade que não vale a pena enfrentar.

Bibliografia

  • ABERS, R. 2000. Inventing local democracy: grassroots politics in Brazil. Boulder: Lynne Rienner.
  • ABERS, R.; SERAFIM, L.; TATAGIBA, L. 2014. Repertórios de interação Estado-sociedade em um Estado heterogêneo: a experiência na Era Lula. Dados, v. 57, n. 2, pp. 325-57.
  • ABERS, R.; VON BÜLOW, M. 2011. Movimentos sociais na teoria e na prática: como estudar o ativismo através da fronteira entre Estado e sociedade? Sociologias, n. 28, pp. 52-84.
  • ALMEIDA, D. R. 2012. Representação política e conferências: os desafios da inclusão da pluralidade. Brasília: Ipea (Textos para Discussão, n. 1750).
  • ALMOND, G. A.; VERBA, S. 1963. The civic culture: political attitudes and democracy in five nations. Boston: Little, Brown.
  • AVRITZER, L. 2000. Teoria democrática e deliberação pública. Lua Nova, n. 50, pp. 25-46.
  • ______. 2002. O orçamento participativo: as experiências de Porto Alegre e Belo Horizonte. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil São Paulo: Paz e Terra.
  • ______. 2007. Sociedade civil, instituições participativas e representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados, v. 50, n. 3, pp. 443-64.
  • BACHRACH, P.; BOTWINICK, A. 1992. Power and empowerment: a radical theory of participatory democracy. Philadelphia: Temple University Press.
  • BAIERLE, S. G. 2000. A explosão da experiência: emergência de um novo princípio ético-político nos movimentos populares urbanos em Porto Alegre. In: ALVAREZ, S.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A. (orgs.). Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos: novas leituras. Belo Horizonte: Ed. UFMG.
  • BARBER, B. R. 1984. Strong democracy: participatory politics for a new age. Berkeley: University of California Press.
  • BIROLI, F. 2013. Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática. Rio de Janeiro: EdUFF.
  • BOURDIEU, P. 1979. La distinction: critique sociale du jugement. Paris: Minuit.
  • CARLOS, E. 2011. Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização. Lua Nova , n. 84, pp. 315-48.
  • COSTA, S. 1997. Categoria analítica ou passe-partout político-normativo: notas bibliográficas sobre o conceito de sociedade civil. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 43, pp. 3-26.
  • DAGNINO, E. 2000 [1998]. Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latino-americana. In: ALVAREZ, S.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A. (orgs.). Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos: novas leituras . Belo Horizonte: Ed. UFMG .
  • DAHL, R. A. 1971. Polyarchy: participation and opposition. New Haven: Yale University Press.
  • ______. 1990 [1985]. Um prefácio à democracia econômica Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • FEDOZZI, L. et al. 2013. Orçamento participativo de Porto Alegre: perfil, avaliação e percepções do público participante. Porto Alegre: Hartmann.
  • FINLEY, M. I. 1988 [1973]. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal.
  • ______. 1991 [1983]. Politics in the ancient world Cambridge: Cambridge University Press.
  • FUNG, A.; WRIGHT, E. O. 1999. Experimentos em democracia deliberativa. Sociologias, n. 2, pp. 100-43.
  • GORZ, A. 1988. Métamorphoses du travail: quète du sens. Critique de la raison économique. Paris: Galilée.
  • GOULD, C. C. 1988. Rethinking democracy: freedom and social cooperation in politics, economy, and society. Cambridge: Cambridge University Press.
  • GURZA LAVALLE, A. 2011. Após a participação: nota introdutória. Lua Nova , n. 84, pp. 13-23.
  • GURZA LAVALLE, A.; HOUTZAGER, P. P.; CASTELLO, G. 2006. Representação política e organizações civis: novas instâncias de mediação e os desafios da legitimidade. RBCS - Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 60, pp. 43-66.
  • GURZA LAVALLE, A.; ISUNZA VERA, E. 2011. A trama da crítica democrática: da participação à representação e à accountability Lua Nova , n. 84, pp. 95-139.
  • LAZARSFELD, P. F.; BERELSON, B.; GAUDET, H. 1969 [1944]. The people's choice: how the voter makes up his mind in a presidential election. 3. ed. New York: Columbia University Press.
  • LOSURDO, D. 2004 [1993]. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Rio de Janeiro/São Paulo: Ed. UFRJ/Ed. Unesp.
  • LÜCHMANN, L. H. H. 2007. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova , n. 70, pp. 139-70.
  • ______. 2008. Participação e representação nos conselhos gestores e no orçamento participativo. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 52, pp. 87-97.
  • ______. 2011. Associações, participação e representação: combinações e tensões. Lua Nova, n. 84, pp. 141-74.
  • MACPHERSON, C. B. 1978 [1977]. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar.
  • MANSBRIDGE, J. J. 1983. Beyond adversary democracy. With a revised preface. Chicago: The University of Chicago Press.
  • ______. 2008. Carole Pateman: radical liberal? In: O'NEILL, D. I.; SHANLEY, M. L.; YOUNG, I. M. (eds.). Illusion of consent: engaging with Carole Pateman University Park: The Pennsylvania State University Press.
  • MENDONÇA, R. F.; ERCAN, S. A. 2015. Deliberation and protest: strange bedfellows? Revealing the deliberative potential of 2013 protests in Turkey and Brazil. Policy Studies, v. 36, n. 3, pp. 267-82.
  • MIGUEL, L. F. 2003. Democracia na periferia: receitas de revitalização democrática à luz da realidade brasileira. Mediações, v. 8, n. 1, pp. 9-23.
  • ______. 2014. Democracia e representação: territórios em disputa São Paulo: Ed. Unesp.
  • ______. 2015. Autorização e accountability na representação democrática: exercícios de dissociação. In: GURZA LAVALLE, A.; VITA, A.; ARAUJO, C. (orgs.). O papel da teoria política contemporânea: justiça, constituição, democracia e representação São Paulo: Alameda.
  • ______. 2016. O liberalismo e o desafio das desigualdades. In: MIGUEL, L. F. (org.). Desigualdades e democracia: o debate da teoria política São Paulo: Ed. Unesp.
  • ______. 2017a. Carole Pateman e a crítica feminista do contrato. RBCS - Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 93, pp. 1-17.
  • ______. 2017b [no prelo]. Consenso e conflito na democracia contemporânea São Paulo: Ed. Unesp.
  • MILBRATH, L. W. 1965. Political participation. Chicago: Rand McNally.
  • MILL, J. [James]. 1992 [1820]. On government. In: Political writings. Cambridge: Cambridge University Press .
  • MILL, J. S. [John Stuart]. 1985 [1861]. O governo representativo. São Paulo: Ibrasa.
  • ______. Problemas estruturais do Estado capitalista 1984. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
  • PATEMAN, C. 1985 [1979]. The problem of political obligation: a critique of liberal theory. [Reedição com novo posfácio]. Berkeley: University of California Press .
  • ______. 1989a. Feminism and democracy. In: ______. The disorder of women: democracy, feminism and political theory. Stanford: Stanford University Press.
  • ______. 1989b. The civic culture: a philosophic critique. In: ______. The disorder of women: democracy, feminism and political theory Stanford: Stanford University Press.
  • ______. 1992 [1970]. Participação e teoria democrática São Paulo: Paz e Terra.
  • ______. 2012. Participatory democracy revisited. Perspectives on Politics, v. 10, n. 1, pp. 7-19.
  • ______. 2015. Democracy versus markets: some reflections on AngloAmerican democracy. Conferência na Universidade de Brasília. Brasília, 13 abr.
  • PIZZORNO, A. 1993. Condizioni della partecipazione politica. In: ______. Le radici della politica assoluta e altri saggi Milano: Feltrinelli.______
  • POULANTZAS, N. 2013 [1978]. L'État, le pouvoir, le socialisme. Paris: Les Prairies Ordinaires.
  • ROSANVALLON, P. 1995. La nouvelle question sociale: repenser l'Étatprovidence. Paris: Seuil.
  • ______. 1998. Le peuple introuvable: histoire de la représentation démocratique en France Paris: Gallimard.
  • ______. 2000. La démocratie inachevée: histoire de la souveraineté du peuple en France Paris: Gallimard.
  • ______. 2006. La contre-démocratie: la politique à l'âge de la défiance Paris: Seuil.
  • ______. 2008. La légitimité démocratique: impartialité, réflexivité, proximité Paris: Seuil.
  • ______. 2011. La société des égaux Paris: Seuil.
  • ______. 2014. Le parlement des invisibles Paris: Seuil.
  • SANTOS, B. S. 2002. Orçamento participativo em Porto Alegre: para uma democracia redistributiva. In: SANTOS, B. S. (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • SANTOS, B. S.; AVRITZER, L. 2002. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, B. S. (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .
  • SARTORI, G. 1994 [1987]. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática. 2 v.
  • ______. 1998 [1997]. Homo videns: la sociedad teledirigida Buenos Aires: Taurus.
  • SAWARD, M. 2010. The representative claim. Oxford: Oxford University Press.
  • SCHUMPETER, J. A. 1976 [1942]. Capitalism, socialism and democracy. New York: Harper Perennial.
  • TATAGIBA, L.; BLIKSTAD, K. 2011. "Como se fosse uma eleição para vereador": dinâmicas participativas e disputas partidárias na cidade de São Paulo. Lua Nova , n. 84, pp. 175-217.
  • TEIXEIRA, A. C. C.; SOUZA, C. H. L.; LIMA, P. P. F. 2012. Arquitetura da participação no Brasil: uma leitura das representações políticas em espaços participativos nacionais. Brasília: Ipea (Textos para Discussão, n. 1735).
  • TRINDADE, T. A. 2016. A relação entre protesto e deliberação: esclarecendo os termos do debate. In: 40° ENCONTRO Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Caxambu (MG), 24 a 28 de outubro.
  • URBINATI, N. 2000. Representation as advocacy: a study of democratic deliberation. Political Theory, v. 28, n. 6, pp. 758-86.
  • ______. 2006. Representative democracy: principles & genealogy Chicago: The University of Chicago Press.
  • ______. 2014. Democracy disfigured: opinion, truth, and the people Cambridge, Ma: Harvard University Press.
  • VITULLO, G. E. 2001. Transitologia, consolidologia e democracia na América Latina: uma revisão crítica. Revista de Sociologia e Política, n. 17, pp. 53-60.
  • 2
    1 Uma versão muito inicial do presente texto foi apresentada na mesa-redonda "Teorias da participação", no Seminário Participação política e democracia: teorias e práticas, em Maringá (20-22/5/2013). Versões mais desenvolvidas foram apresentadas no 3rd ISA Forum of Sociology, em Viena (10-14/7/2016), e no 10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em Belo Horizonte (30/810/9/2016). Agradeço aos debatedores desses eventos e também a leitura prévia e os comentários de Regina Dalcastagnè, Flávia Biroli, Thiago Trindade e dos pareceristas anônimos de Lua Nova. O texto faz parte do projeto "Teoria democrática, dominação política e desigualdades sociais", apoiado pelo CNPq com bolsa de Produtividade em Pesquisa.
  • 3
    2 A obra de Pateman só se tornou mais acessível ao público brasileiro nos anos 1990, quando foram traduzidos os livros Participação e teoria democrática, em 1992, e O contrato sexual, no ano seguinte. Uma visão de democracia participativa que guarda pontos de contato com a dela, a de C. B. Macpherson, já estava disponível desde 1978, ano da tradução de A democracia liberal, que aliás a cita. Não tenho elementos para discutir a recepção às ideias de Pateman no Brasil, mas é possível dizer com segurança que modelos de democracia participativa próximos do seu alimentaram, a partir do final da ditadura militar, reflexões da esquerda que buscava modelos alternativos ao socialismo soviético. Eles confluem com a revalorização da "sociedade civil", nascida de uma determinada leitura de Gramsci, o que por si só já representa um deslocamento em relação ao pensamento da autora. Para interpretações panorâmicas desse movimento no Brasil, ver Costa (1997, pp. 12-17) e Dagnino (2000 [1998]).
  • 4
    3 Para uma discussão sobre os limites da escala de Milbrath, ver Pizzorno (1993).
  • 5
    4 Sobretudo quando se tem em mente que Pateman tornou-se em seguida uma destacada teórica feminista, chama a atenção a ausência de discussão sobre a democratização das relações familiares em sua obra sobre a democracia participativa. Ela mesma assinalou o ponto, em autocrítica; ver Pateman (1989a) e também Miguel (2017a).
  • 6
    5 Este parágrafo e os seguintes retomam, reformulam e atualizam discussão feita, com mais vagar, em texto anterior (Miguel, 2003). Um exemplo tardio do entusiasmo desabrido quanto ao OP está na própria Carole Pateman (2012).
  • 7
    6 A leitura e tabulação dos textos foi feita por Fernando Mendonça de Magalhães Arruda e Patrícia Semensato Cabral, à época graduandos da Universidade de Brasília, aos quais agradeço.
  • 8
    7 Um esboço de sustentação teórica para compreender a relação entre presentes e ausentes como sendo uma relação de representação é dado por Mansbridge (1983, pp. 248-51).
  • 9
    8 Adapto aqui a ideia de "autonomia desigualmente imperfeita", apresentada, no contexto das discussões sobre assimetrias de gênero, por Flávia Biroli (2013).
  • 10
    9 Evidentemente, a história aqui contada é apenas parcial. Ao mesmo tempo que se ampliam os espaços de interlocução de entidades da sociedade civil com o Estado, surgem movimentos sociais com posição bem mais crítica ao diálogo que ocorre dessa forma, como, por exemplo, o Movimento Passe Livre. É possível discutir se há uma espécie de "divisão do trabalho", com alguns grupos fazendo pressão extrainstitucional, outros ingressando nas arenas estatais. Uma posição radical põe todos num mesmo sistema deliberativo, que engloba simultaneamente "rua" e "mesa de negociação". A esse respeito, ver Mendonça e Ercan (2015). E para uma crítica, ver Trindade (2016). Não tenho como entrar nesse debate, mas assinalo que o deslocamento que trato neste artigo é contrabalançado pela presença de outras estratégias.
  • 11
    10 Para uma crítica, ver Miguel (2014, cap. 8).
  • 12
    11 Seriam, lendo-os a partir das observações de mais um autor italiano, todos exemplos da demofobia do pensamento político dominante, que se esforça por restringir o potencial subversivo de uma instituição que não foi mais possível evitar, o sufrágio universal (Losurdo, 2004 [1993]).
  • 13
    12 Para uma discussão mais detida sobre esse aspecto do pensamento de Rosanvallon, ver Miguel (2016).
  • 14
    13 Para uma crítica, ver Miguel (2015).
  • 15
    14 É claro que há literatura com perspectiva mais crítica, por exemplo, Teixeira, Souza e Lima (2012).
  • 16
    15 Os protestos de junho de 2013, no Brasil, parecem indicar a saturação das experiências de participação institucional e a vontade de uma nova forma de expressão pública popular, mas não foram capazes de sinalizar um projeto político com maior consistência.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2015
  • Aceito
    21 Out 2016
CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC, Rua Riachuelo, 217 - conjunto 42 - 4°. Andar - Sé, 01007-000 São Paulo, SP - Brasil, Telefones: (55 11) 3871.2966 - Ramal 22 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: luanova@cedec.org.br