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Complexo regional de segurança da América do Sul: uma nova perspectiva

South American regional security complex: a new perspective

Resumos

O presente artigo busca, através da teoria dos complexos regionais de segurança (CRS), atualizar a discussão sobre o complexo sul-americano. Em primeiro lugar, é feita uma discussão teórica, baseada na obra de Buzan e Wæver. Lança-se a hipótese de que, diferentemente do esperado pelos autores, o complexo regional de segurança sul-americano não é de um modelo padrão, mas de um modelo centrado, em que o centro não é uma potência global. Passa-se a uma análise empírica, mostrando que o Brasil tem os recursos, apresenta algumas iniciativas políticas - como a criação da União Sul-americana de Nações (Unasul) e do seu Conselho de Defesa Sul-americano (CDS) -, mas, em outros momentos, mostra-se hesitante em assumir o papel de liderança sul-americana. Conclui-se o artigo mostrando que, em termos de configuração, o CRS sul-americano corrobora a hipótese apresentada e que cabe ao Brasil consolidar o papel de centro desse complexo.

América do Sul; Complexo Regional de Segurança; Política Externa Brasileira; Construtivismo


The current article aims to update the discussion on the South American context making use of the theory of Regional Security Regional Complexes (RSC). It begins with a theoretical discussion, based on Buzan and Wæver's work. It then presents the hypothesis that, differently from what is assumed in the literature, the South American RSC is not a standard one, but a centred one, in which the centre is not a global power. An empirical analysis follows, showing that Brazil possesses the necessary resources, and has presented some cogent political initiatives, such as the creation of the Union of South American Nations (Unasur) and its Defense Council (SDC), but in other moments has been reluctant take a leadership role in South America. The analysis concludes that, regarding its configuration, the South American RSC corroborates the authors' hypothesis and that Brazil should consolidate its role at the centre of such a complex.

South America; Regional Security Complex; Brazilian Foreign Policy; Constructivism


ARTIGOS

Complexo regional de segurança da América do Sul: uma nova perspectiva

South American regional security complex: a new perspective

Alexandre FuccilleI; Lucas Pereira RezendeII

IDoutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES). E-mail: fuccille@hotmail.com IIDoutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor de Relações Internacionais da Faculdade de Campinas (Facamp) e pesquisador do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT) e da Rede Interinstitucional de Pesquisa em Política Externa & Regime Político (RIPPERP). E-mail: lucasprezende@gmail.com

RESUMO

O presente artigo busca, através da teoria dos complexos regionais de segurança (CRS), atualizar a discussão sobre o complexo sul-americano. Em primeiro lugar, é feita uma discussão teórica, baseada na obra de Buzan e Wæver. Lança-se a hipótese de que, diferentemente do esperado pelos autores, o complexo regional de segurança sul-americano não é de um modelo padrão, mas de um modelo centrado, em que o centro não é uma potência global. Passa-se a uma análise empírica, mostrando que o Brasil tem os recursos, apresenta algumas iniciativas políticas – como a criação da União Sul-americana de Nações (Unasul) e do seu Conselho de Defesa Sul-americano (CDS) –, mas, em outros momentos, mostra-se hesitante em assumir o papel de liderança sul-americana. Conclui-se o artigo mostrando que, em termos de configuração, o CRS sul-americano corrobora a hipótese apresentada e que cabe ao Brasil consolidar o papel de centro desse complexo.

Palavras-chave: América do Sul – Complexo Regional de Segurança – Política Externa Brasileira – Construtivismo

ABSTRACT

The current article aims to update the discussion on the South American context making use of the theory of Regional Security Regional Complexes (RSC). It begins with a theoretical discussion, based on Buzan and Wæver's work. It then presents the hypothesis that, differently from what is assumed in the literature, the South American RSC is not a standard one, but a centred one, in which the centre is not a global power. An empirical analysis follows, showing that Brazil possesses the necessary resources, and has presented some cogent political initiatives, such as the creation of the Union of South American Nations (Unasur) and its Defense Council (SDC), but in other moments has been reluctant take a leadership role in South America. The analysis concludes that, regarding its configuration, the South American RSC corroborates the authors' hypothesis and that Brazil should consolidate its role at the centre of such a complex.

Keywords: South America – Regional Security Complex – Brazilian Foreign Policy – Constructivism

Introdução

Na análise dos fenômenos de defesa e segurança internacional, a teoria dos complexos regionais de segurança (CRS) causou grande impacto, ao trazer a análise do nível regional para o entendimento desses fenômenos. Ainda assim, o entendimento do CRS da América do Sul, tal qual descrito por Buzan e Wæver (2003), parece-nos limitado, ou mesmo desatualizado, em decorrência de algumas incompreensões de dinâmicas específicas da região.

Este artigo busca realizar uma expansão do entendimento do CRS da América do Sul, mas atualizando descrições de polaridade da região, do papel protagonista do Brasil e das instituições com perfil potencial securitizador atualmente ativas nessa constelação de segurança. Nossa hipótese é que, sendo unipolar na região, e a partir de um papel protagonista aquiescido pelos Estados Unidos da América (EUA) em nível global, ainda que vacilante, o Brasil tem um papel de centralizador dos dois subcomplexos sul-americanos, o Norte-andino e o Cone Sul. Isso faz com que o CRS regional seja descrito como centrado, em que a potência unipolar não é uma potência global, inaugurando, assim, um primeiro caso empírico desse tipo de CRS.

Após breve revisão teórica, mostraremos as razões de uma nova expectativa para a categorização do CRS sul-americano, a partir do pressuposto de uma unipolaridade brasileira. A seguir, descreveremos como essa expectativa teórica se mostra sólida a partir de uma análise empírica do papel do Brasil na estruturação da União Sul-americana de Nações (Unasul) e, em especial, de seu Conselho de Defesa. Concluímos, por fim, constatando que há fortes indícios que indicam que o CRS do subcontinente é do modelo centrado, e não padrão.

A Teoria dos Complexos Regionais de Segurança

Os complexos regionais de segurança são uma teoria desenvolvida dentro da chamada Escola de Copenhague, e que busca entender as questões de segurança internacional a partir de um enfoque regionalista. Por essa teoria, desenvolvida mais a fundo por Buzan e Wæver (2003), os problemas de segurança estão mais intrinsecamente associados à sua região, mas continuam sofrendo a interferência da polaridade do sistema internacional – o que faz que seja rasamente lida como uma aproximação entre o realismo ofensivo e o construtivismo, nas teorias de Relações Internacionais (CEPIK, 2005). Sendo já amplamente discutida na academia brasileira na última década, tomaremos a teoria dos CRS como dada,1 1 . Para tanto, ver Cepik (2005), Cepik e Arturi (2011), Herz (2005), Pagliari (2009; 2011), Tanno (2003) e Villa (2010), para citar apenas alguns estudos sul-americanos. e nos direcionaremos apenas àqueles pontos relevantes para a nova abordagem aqui proposta.

Em linhas gerais, a teoria dos CRS busca enfatizar um meio-termo existente entre o sistema global e o Estado. A definição de um complexo regional de segurança é, por seus autores, "um conjunto de unidades cujos principais processos de securitização, dessecuritização, ou ambos, são tão interligados que seus problemas de segurança não podem ser razoavelmente analisados ou resolvidos separados uns dos outros" (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 44).2 2 . Esta e as demais citações de originais em língua estrangeira foram livremente traduzidas para este artigo. É possível, ainda, segundo seus formuladores, que os CRS apresentem os chamados subcomplexos regionais de segurança.3 3 . O que diferencia um subcomplexo regional de segurança de um complexo regional de segurança é unicamente o tamanho; os subcomplexos estão inseridos dentro de CRS maiores. Uma constelação de segurança é aquela que alia quatro níveis de análise: doméstico, Estado-Estado, entre regiões e o papel de potências externas.

Podemos apontar diversos elementos que aproximam o realismo ofensivo da teoria dos CRS. Tal aproximação, segundo Cepik (2005), trouxe concessões teóricas importantes para a teoria da Escola de Copenhague, aumentando tanto o alcance quanto o interesse dessa teoria. Dentre os principais elementos de proximidade, destacamos: (1) o pressuposto de que os CRS se organizam em um ambiente anárquico. Esse elemento é importante, pois, ainda que relativizando a posição de Wendt (1992), que afirma que a anarquia é socialmente construída pelos Estados, os teóricos dos CRS partem da anarquia como ausência de um poder central, dialogando com o pressuposto inicial do realismo ofensivo de Mearsheimer (2001); (2) ainda que existam outras, o Estado continua sendo percebido como a unidade principal das relações internacionais. Mesmo que partam de um enquadramento mais amplo, que não necessariamente afirma que os Estados não são as unidades dominantes das relações internacionais, nas palavras de Buzan e Wæver (2003, p. 45, ênfase no original), "[é] perfeitamente possível que o mundo seja ainda largamente estatocêntrico, mesmo que o nosso enquadramento não o seja". Essa relativização da abordagem construtivista é um aspecto importante para que os CRS sejam modelos teóricos para análises empíricas; (3) a percepção da importância das balanças de poder regionais para a análise dos cenários de segurança e de percepção de ameaças. Esse talvez seja o elemento primordial para aproximar a teoria dos CRS do realismo ofensivo. Esse é um dos aspectos que diferencia a teoria desenvolvida por Mearsheimer (2001) daquela capitaneada por Waltz (1979) – que considera apenas a balança de poder global para a definição das polaridades do sistema. Ao trazerem a possibilidade da percepção de sistema não apenas pelo aspecto global, mas também pelo aspecto regional, tanto o realismo ofensivo quanto a teoria dos CRS abrem espaço para a compreensão de como as polaridades regionais vão influenciar o comportamento das unidades.

Buzan e Wæver diferenciam duas formas de relação de estrutura e caráter dos CRS: relações de poder e padrões de amizade e inimizade. Assim sendo, é essencial que se vejam os padrões de socialização dos Estados (argumento do construtivismo), além da distribuição de poder global e regional (argumento do realismo ofensivo).

Os CRS podem ser de dois tipos: padrão ou centrado. No primeiro, não há a presença de uma potência global, sendo o poder definido em termos da polaridade regional.4 4 . Se houver uma única potência regional, o CRS padrão poderá ser unipolar. Podem-se separar as dinâmicas regionais daquelas influenciadas pelas grandes potências, de modo externo. Em termos do padrão de amizade-inimizade, podem ser: conflituosos, regimes de segurança ou comunidades de segurança.5 5 . Para conceituar comunidades de segurança, é emprestada a definição de Deutsch, que as define como uma comunidade em que as unidades não podem sequer imaginar uma guerra entre eles. Há, portanto, nesse caso, uma total dessecuritização entre os atores. Seu desenvolvimento, ainda que incomum, é um tipo de CRS, não sendo, portanto, um estágio superior aos complexos regionais de segurança (BUZAN; WÆVER, 2003).

Já os CRS centrados são de três formas: (1) unipolares, sendo o polo uma grande potência; (2) unipolares, sendo o polo uma superpotência; (3) centrados, mas integrados por instituições, e não por um poder regional. Os teóricos sugerem, contudo, uma opção extra, (4) categorizada assim porque não identificam nenhum CRS centrado desse tipo: quando há um CRS centrado unipolar, mas a potência regional não é uma grande potência no nível global.6 6 . Torna-se importante aqui fazer uma diferenciação entre o CRS padrão unipolar e o CRS centrado, no qual o polo não é uma grande potência. A diferença é que, no primeiro caso, as dinâmicas de segurança da região não são dominadas pelo polo, em seu centro.

Uma observação feita pelos autores será de grande importância para o nosso argumento. Desta feita:

O que conecta esses três tipos7 7 . Ainda que mencionem aqui apenas três tipos de CRS centrados, lembremos que eles mesmos previamente já haviam adicionado um quarto tipo, o CRS centrado no qual o polo não é uma potência global. A razão de ele estar aqui suprimido provavelmente se dá pelo fato de eles não enxergarem nenhum CRS nesse formato. de CRS centrados é a ideia de que as dinâmicas de segurança de uma região são dominadas por um centro localizado dentro dela. Isso é parcialmente uma questão de quão dominante o centro é (ex: o grau de assimetria do poder), mas, igualmente, a forma de hegemonia estabelecida. Um CRS centrado tenderá a ser mais estável se o centro estabelece um tipo de hegemonia aberto ou penetrado, onde os Estados dominados têm acesso ao processo político do "centro imperial" (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 58).

O Complexo Regional de Segurança na América do Sul

Conforme Buzan e Wæver, o CRS da América do Sul é categorizado como padrão, e apresenta dois subcomplexos relevantes: o Cone Sul e o Norte-andino. Há uma maior estabilização da região, que tendia, após a Guerra Fria, a se distanciar de radicalismos, do controle político dos militares, com destaque especial para os processos de integração regional. A segurança cooperativa mostra-se importante nesse período, tendo, como foco, ameaças externas – o que batia de frente com a agenda imposta pelos EUA, em especial na Colômbia, na Guerra contra as Drogas, uma vez que direciona o combate para um inimigo interno.

Além da relação com os EUA e uma possível divisão do CRS em dois subcomplexos, Buzan e Wæver afirmam que duas questões são importantes para o entendimento do CRS local: o futuro do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o combate às drogas na Colômbia.

O caso da presença dos Estados Unidos na região é visto como uma presença adjacente, uma vez que não existe muito a opção de uma balança de poder livre da presença estadunidense no CRS sul-americano, no que poderia ser localizado como um supercomplexo de segurança. Nesse sentido, a proximidade dos EUA faz com que os níveis inter-regional e global, de intervenção dos EUA na região, se fundam. É, portanto, uma relação de penetração,8 8 . Uma observação importante é que a penetração pode ser mais observada na parte Norte da região e menos no Cone Sul, onde os problemas fronteiriços caminhavam já para uma maior estabilização, desde o período final da Guerra Fria (BUZAN; WÆVER, 2003). e não de sobreposição. No entanto, constata-se que, em especial a partir da Guerra Fria, a América do Sul claramente não está na região prioritária de atuação dos EUA. Ainda assim, o que os Estados da região sempre buscaram fazer foi um balanceamento reprimido, em que tentavam realizar um distanciamento relativo dos EUA. A resposta, em especial do Brasil e da Argentina, é a da criação de um sub-regionalismo dentro de um contexto de influência dos Estados Unidos.

Segundo Buzan e Wæver (2003), a mudança do relacionamento com os EUA tem mais a ver com a mudança das próprias prioridades estadunidenses. Com a priorização dos EUA para outras regiões, a política do dividir para governar acaba sendo desvanecida, e os Estados Unidos acabam servindo como pretexto para a cooperação dos países sul-americanos.

No subcomplexo Norte-andino, em especial, o impacto do 11 de setembro de 2001 poderia levar a uma mudança no papel dos EUA, que poderia sair de uma posição estritamente regional, no combate às drogas, e penetrar na região por uma justificativa global, a luta contra o terrorismo. Isso acaba não acontecendo, ainda que os autores digam que o combate às drogas, pela perspectiva estadunidense, vinha trazendo um viés demasiadamente militarista, o que preocupava a região. A crise colombiana, tal qual descrita, é multidimensional, e afeta todo o subcomplexo Norte-andino. Outro elemento trazido por Buzan e Wæver (2003), de possível instabilidade para a região, é o governo Chávez, que oscilaria entre o apoio a insurgentes na Colômbia e a candidatura da Venezuela ao Mercosul.

Uma explicação importante para o caráter mais estável da América do Sul, em comparação com outras regiões do mundo, estaria, segundo os teóricos, mais próxima do papel hegemônico estabilizador do Brasil do que pela penetração, em si mesma, dos EUA na região. Após o período de anexação territorial do final do século XIX e início do XX, o Brasil "tornou-se essencialmente uma potência status quo, preferindo uma 'via diplomática' e com um interesse fortemente vestido da estabilidade regional" (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 314).

Para que se veja a coesão do CRS da América do Sul, ambos afirmam que é preciso que se analise a ação conjunta em nível regional. Enquanto os países da região pregam, em linhas gerais, o princípio da não intervenção, deixam para os EUA a realização das intervenções, quando necessário. Porém, na questão do envolvimento externo, as diferenças das condições dos Estados e de seus interesses acabaram por levar a uma barreira importante ao transnacionalismo. Sobre a junção dos elementos de integração econômica com a agenda de segurança, Buzan e Wæver (2003) dizem que, tanto pela perspectiva argentina quanto pela brasileira, é dado ao Mercosul um caráter securitizador.

Por outro lado, o subcomplexo Norte-andino apresenta uma formação mais conflituosa. Houve ali conflitos estatais, querelas fronteiriças, instabilidades democráticas em todos os países e, até mesmo, um aumento da penetração dos EUA.

Apesar das diferenças e do risco de uma separação do CRS da América do Sul em dois, o papel do Brasil é que continua servindo para manter uma unidade entre os dois subcomplexos.9 9 . Os objetivos do Brasil em ter uma securitização da Amazônia se davam tanto por uma preocupação fronteiriça, pela questão das drogas nos países vizinhos, quanto por uma "paranoia" de que os Estados do hemisfério norte e ONGs querem transformar a Amazônia em uma área de interesse global (BUZAN; WÆVER, 2003). A pergunta colocada é se o Brasil buscaria se envolver na guerra contra as drogas, criando uma alternativa que evitasse a presença maciça dos EUA na região e buscasse multilateralizá-la, ou se o Brasil tentaria um engajamento político seletivo com alguns países da região.

Ainda que enfatizando, por diversas vezes, a importância do futuro do Mercosul para o CRS, os autores são céticos de que o primeiro se tornaria uma fonte securitizadora para o segundo. A questão das drogas, eventualmente, poderia se tornar um fator de coesão para a região, ainda que, atualmente, funcione como elemento separador. De forma pouco usual, Buzan e Wæver afirmam que o CRS da América do Sul equilibra bem os quatro níveis característicos dos complexos regionais de segurança,10 10 . Relembrando: o doméstico, o Estado-Estado, o entre regiões e o papel das potências externas. mas que a dinâmica regional nunca foi forte o suficiente para moldar os desenvolvimentos internos de segurança entre os Estados sul-americanos, em especial devido ao fato de a região nunca ter sido fortemente polarizada. Apesar dos problemas, o CRS tende a não se dividir, devido tanto à já mencionada posição do Brasil como aglutinador dos dois subcomplexos quanto à relação institucional existente entre os diferentes processos de integração regional.

O CRS da América do Sul para além de Buzan e Wæver

Ainda que a descrição do CRS feita por Buzan e Wæver nos pareça bastante apropriada em diversos quesitos, identificamos algumas limitações importantes, e que têm diretamente a ver com a polarização da região. Enxergamos uma balança de poder em que um cenário de unipolaridade, nos termos de Wohlforth (1999), por parte do Brasil predomina na América do Sul – premissa trabalhada, entre outros, por Rodriguez (2013). Essa constatação tem implicações diretas para quase toda a descrição do CRS sul-americano, inclusive para seus possíveis desdobramentos.

A primeira implicação tem a ver com a descrição do CRS. Sendo o Brasil unipolar na América do Sul, dois tipos de CRS são possíveis: um modelo padrão com um ator unipolar ou um modelo centrado. A diferença entre os dois está que, no modelo padrão, o Estado unipolar, além de não ser uma potência no plano global, não domina as dinâmicas regionais de segurança.

Torna-se necessário então, para compreendermos a adequada categorização do CRS da América do Sul, ver se o Brasil, como potência unipolar, consegue dominar as dinâmicas de segurança da região. Nossa hipótese, a ser explorada a partir da seção seguinte, é que sim. E isso se dá por duas razões: (1) tendo sua posição relativamente diminuída na agenda de prioridades dos EUA, a América do Sul fica mais livre para explorar a dinâmica regional de segurança. Sendo a penetração dos EUA menor, portanto, abre-se a possibilidade de novos atores exercerem um maior protagonismo. Esse protagonismo é, contudo, aquiescido, uma vez que o nível global continua a influenciar o CSR;11 11 . Na última National Security Strategy (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2010) dos EUA, a marginalização da América Latina (e, em decorrência, da América do Sul) permanece. Aquela é citada uma única vez, e o subcontinente, nenhuma. Disponível em: < http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strategy.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2012. (2) a partir dessa autonomia consentida, o Brasil passa a exercer um maior protagonismo no CRS, aproximando as agendas de segurança ainda mais dos dois subcomplexos.

Essa aproximação se dá via institucionalização, e dois fenômenos são marcantes: a criação da Unasul e, em especial, do seu Conselho de Defesa Sul-americano, e a entrada da Venezuela no Mercosul como membro pleno. Diferentemente do que apontam Buzan e Wæver,12 12 . Lembremos que a obra em questão foi publicada em 2003, e a Unasul foi criada em 2008. Logo, é natural que ela não esteja presente na análise. a coesão institucional e o futuro de uma possível comunidade de segurança passam a ter mais a ver com o futuro da Unasul do que do Mercosul e do papel exercido pelo Brasil. O protagonismo exercido pelo país na criação da Unasul e do seu Conselho de Defesa o qualifica como ator central para o CRS, exercendo sua hegemonia regional via institucionalização e agregação para um processo de integração regional.

Em conjunto, esses dois fatores contribuem para que seja possível traçar uma mudança no CRS da América do Sul, mas não em direção a uma divisão da região em dois subcomplexos distintos, como afirmavam Buzan e Wæver (2003), mas em direção a um CRS centrado, com o Brasil no papel unipolar. Isso qualificaria o CRS da América do Sul na única categoria que esses autores apresentam, mas não identificam nenhum caso: um CRS centrado no qual o polo não é uma grande potência global. Todavia, ainda que centrado, é um CRS instável, devido justamente à atuação vacilante do Brasil como centro. A seção seguinte buscará fazer uma análise dessa hipótese.

A Unasul e o CRS da América do Sul

Interessa-nos aqui compreender como a constituição de um bloco multipropósito como a Unasul pode auxiliar-nos a entender a dinâmica do CRS sul-americano. Mais do que nos debruçarmos sobre este arranjo e analisá-lo em minúcias, instiga-nos verificar como se deu a articulação da criação do Conselho de Defesa Sul-americano e seus impactos para as amplas áreas de segurança e defesa na região.13 13 . Uma estimulante discussão em torno dos temas segurança e defesa e seus desdobramentos na região pode ser conferida em Saint-Pierre (2011).

O fim da Guerra Fria, a intensificação do processo de globalização e o que se convencionou chamar novas ameaças14 14 . A respeito da discussão das novas ameaças, também chamadas de conflitos de quarta geração ou guerra irregular complexa, ver International Institute for Strategic Studies (2007) e Cordesman e Kleiber (2006). evidenciou a crise de um modelo de segurança hemisférico que já apresentava problemas há tempos. A crescente erosão da legitimidade do modelo de segurança coletiva da Guerra Fria, confirmado por exemplos como o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), a Junta Interamericana de Defesa (JID) e até a própria Organização dos Estados Americanos (OEA), combinada a um crescente desengajamento dos EUA na região, bem como novas prioridades por parte do Departamento de Estado norte-americano pós-11 de setembro de 2001, acabaram por consolidar um imaginário na América do Sul de espaço geográfico possível e passível de desenvolver políticas mais independentes, advindas de uma maior margem de autonomia.

Neste século, marcado pela emergência de governos nacionais progressistas e/ou à esquerda na região – ainda que caracterizados por uma não desprezível heterogeneidade –,15 15 . Ver Campos (2008) e Sant'Anna (2007). importantes alterações na agenda internacional pós-11 de setembro, crescentes reveses em diversos campos e um declínio relativo estadunidense no sistema internacional, bem como a retomada russa, o espetacular crescimento chinês e seu desembarque por estas paragens acabaram por instaurar um novo quadro completamente distinto do que tivemos por décadas. Dentro dessa nova realidade é que se encaixa a possibilidade de reconfiguração de um CRS sul-americano.

Já em meados de 2000, na I Cúpula Sul-americana realizada em Brasília, por iniciativa do então presidente Fernando Henrique Cardoso, começa a se delinear a necessidade de um maior adensamento das relações dos países da região. Se geografia é destino, como se diz na geopolítica, o Brasil e seus vizinhos pareciam estar despertando de um longo período de letargia e inação, ciosos da necessidade de pactuação de uma agenda comum.16 16 . Tal tentativa, ainda que não constitua propriamente uma novidade quando olhamos retrospectivamente a história do subcontinente, recentemente ganha novos contornos a partir do esforço – da perspectiva brasileira – iniciado com o presidente Cardoso, aprofundado pelo presidente Lula da Silva e reiterado pela presidente Rousseff. O Brasil optou por apostar em um tipo de amálgama, alicerçado na integração física (via Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA)), tendo por finalidade a promoção do desenvolvimento da infraestrutura de transporte, energia e comunicações. São mais de quinhentos projetos a um custo estimado de cerca de US$ 120 bilhões. Disponível em: < http://www.iirsa.org/index.asp?CodIdioma=ESP>. Acesso em: 24 set. 2012. Assim é que, ao longo de toda a primeira década do século XXI, as reuniões aumentaram de periodicidade, bem como novos arranjos institucionais foram pensados e implementados.

Em paralelo,a Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva traria importantes mudanças não só internas como também externas, dada a dimensão de maior player regional e as dimensões que o Brasil possui.17 17 . Com respeito às questões de segurança e ao tratamento diferenciado que estas receberam ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, sugerimos Villa e Viana (2010). Particularmente, a instituição do Conselho de Defesa Sul-americano (CDS), entendido como elemento empírico para a transformação do CRS em direção a um modelo centrado, guiará nossa análise. Antes de qualquer coisa, vale destacar que, entre a apresentação da proposta iniciada em conversas bilaterais de bastidores ao longo de 2006-200718 18 . Para uma cronologia da criação do CDS e as disputas envolvendo sua instituição, ver Medeiros Filho (2010), Carvalho (2009) e Teixeira (2011). Para um balanço mais amplo, Pagliari (2009). e a exposição públicaea aprovação do CDS na Reunião Extraordinária do Conselho de Chefes de Estado e de Governo da Unasul em dezembro de 2008, diversas foram as articulações para superar as diferenças de forma e conteúdo entre seus doze membros, bem como sepultar a ideia de que tal instrumento visava consolidar a hegemonia brasileira na região.19 19 . Com respeito a este último ponto, entre outros, ver Vera (2009) e Serbin (2011). Um interessante contraponto de como a inserção brasileira foi pensada desde a década de 1950 até os dias atuais pode ser conferido em Vigevani e Ramanzini Jr. (2010). A propósito da discussão em torno da ideia de liderança brasileira, consultar Danese (2009). Ainda: desde seus primórdios, o CDS foi pensado e idealizado como locus de concertação e interlocução entre seus integrantes, capaz de fomentar o intercâmbio nos campos da segurança e defesa, cujas decisões só têm validade se acordadas por consenso e com previsão de ao menos um encontro anual ordinário entre seus ministros da Defesa.

Não obstante, ao analisarmos a cronologia dos temas que compunham a agenda a ser enfrentada pela Unasul, menções à temática de segurança e defesa – exceto de forma marginal – não apareciam com destaque. O que terá mudado para que tal assunto ganhasse tamanho protagonismo?

Para alguns atores desse processo, a acelerar a conformação desse arranjo – particularmente da perspectiva brasileira – estavam (1) a possibilidade de transbordamento das novas ameaças a outros países, como o narcotráfico colombiano para o Brasil e a contenda envolvendo Colômbia, Equador e Venezuela pela morte do número dois das FARC Raúl Reyes; (2) os conflitos sub-regionais, como os contenciosos envolvendo Peru e Equador, Bolívia e Chile, entre outros; (3) os movimentos autóctones difundindo um sentimento separatista, como ilustram Bolívia e Paraguai; (4) frear os ímpetos bolivarianos na região, sobretudo via isolamento da Venezuela e/ou dos países integrantes da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba); (5) evitar uma corrida armamentista na região, com a adoção cresceste de medidas de confiança mútua; (6) solidificar o Atlântico Sul como uma área de paz, livre de armas nucleares e vital de projeção de poder ao Brasil, não permitindo a presença de potências extrarregionais (como o caso do Reino Unido e a questão das Malvinas); (7) impedir a materialização de uma política estratégica de segurança hemisférica definida a partir dos Estados Unidos para o subcontinente; e (8) concretizar os objetivos estratégicos da política externa brasileira de consolidação de um processo de integração sul-americano.20 20 . Notas pessoais a partir de conversas off the record com membros do Itamaraty e Ministério da Defesa brasileiro.

Efetivamente, para que o desenvolvimento do Brasil se acelere e se consolide o seu desejo de global player, a estabilidade joga um papel fundamental não apenas para o florescimento pleno de suas potencialidades, mas igualmente para mostrar ao mundo seu desempenho como fiador de uma importante estabilidade regional.21 21 . Ao lado do soft power, há inúmeros desafios colocados a fim de que o Brasil aumente seu hard power. Por exemplo, uma importante limitação advém do fato de este país ser o único membro do acrônimo BRIC desnuclearizado. Ver Bertonha (2010) e Flores (2009-2010). O comando da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) desde 2004 não tem outra razão, para além das justificativas protocolares de ajuda humanitária etc., constituindo-se em um verdadeiro ponto de inflexão no modus operandi brasileiro em operações de paz da ONU.22 22 . Para uma discussão sobre a liderança brasileira na Minustah, como isso representa uma inflexão no modus operandi do Brasil em operações de paz da ONU e como essa experiência serve de modelo para a consolidação de um papel de liderança brasileira na América do Sul, ver Rezende (2012).

Ao mesmo tempo, como frisa Alsina Jr. (2009, p. 181), "a satisfação territorial e a não securitização de ameaças emanadas dos países lindeiros permitem que o País [Brasil] priorize a dimensão do desenvolvimento em detrimento da dimensão estratégico-militar". Todavia, se historicamente foi assim, um país com mais de 15 mil quilômetros de fronteiras secas, cerca de 8 mil quilômetros de litoral e um imenso espaço aéreo, que reivindica um assento permanente em uma possível reconfiguração do Conselho de Segurança da ONU e se pretende avalista da concórdia em seu entorno, não pode prescindir de uma estrutura militar crível e descurar de seus meios de defesa.23 23 . Corroborando esses elementos, a lembrança de que várias nações sul-americanas são menores geograficamente do que muitos entes federados brasileiros (por exemplo, se o estado do Amazonas fosse um país, seria o terceiro maior da América do Sul, depois de Brasil e Argentina), menos populosos (Minas Gerais, por exemplo, tem uma população maior do que Bolívia, Paraguai e Uruguai somados), de menor peso econômico (por exemplo, se o estado de São Paulo fosse um país, seria a segunda maior economia do subcontinente, só perdendo para o próprio Brasil), entre outros pontos, não podem deixar de causar mal-estar entre seus vizinhos pela perspectiva dos ganhos relativos.

Aqui é importante ficar claro que, para além dos arroubos triunfalistas que por vezes assaltam a política externa brasileira no período recente, só se foi possível erigir uma estrutura como o CDS pela opção de não confrontação aberta com Washington e o entendimento de que a efetivação da integração regional passa necessariamente pela perspectiva do desenvolvimento.24 24 . A lembrança da problemática fronteira de pouco mais de 3 mil quilômetros entre EUA e México e a securitização dos temas a ela afeitos, sem resultados satisfatórios, contrasta com os mais de 6 mil quilômetros da fronteira EUA/Canadá, com relativa tranquilidade. Ou seja, não será o Brasil, com uma fronteira terrestre cinco vezes maior que a dos EUA-México, que, pela via da militarização, irá resolver seus problemas de segurança e defesa. Isso é fundamental para compreender muitos dos movimentos liderados pelo Brasil. Ciosa de suas muitas limitações no campo das capabilities, Brasília optou por uma espécie de low profile na construção de sua liderança com respeito à temática aqui abordada. Indiretamente, sem querermos sugerir qualquer relação mecânica centro-periferia/Washington-Bogotá, os Estados Unidos souberam se valer dos estreitos vínculos político-ideológicos com o país andino e a colaboração na área castrense via Plano Colômbia para assegurar o que não pretendiam para a região.

Amparando-se no receio de uma Colômbia insulada, cercada de governos esquerdistas, o presidente George W. Bush soube utilizar-se da ascendência e outros laços com o presidente Álvaro Uribe para a criação de uma estrutura suavizada (não operativa), como o é o CDS.25 25 . No outro extremo, tínhamos uma Venezuela histriônica que defendia a criação de um instrumento militar operacional comum chamado Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS), nos moldes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Na prática, a não participação da Colômbia – como chegou a ser aventada – esvaziaria de substância e sentido o Conselho de Defesa Sul-americano, tornando-o uma espécie de belo pássaro, contudo impossibilitado de voar. Esse cenário seria problemático para a tentativa brasileira de liderar uma coadunação das percepções de securitização dos Estados da região dos dois subcomplexos regionais da América do Sul.

Com a demanda colombiana contemplada, chegamos a um texto final em que, com respeito à natureza do CDS, propugnava-se sua criação como uma "instância de consulta, cooperação e coordenação em matéria de defesa"26 26 . Disponível em: < http://www.unasursg.org/index.php?option=com_content&view=article&catid=82:consejo-suramericano-de-defensa&id=329:estatutos-de-creacion-consejo-de-defensa-suramericano>. Acesso em: 26 ago. 2012. nos marcos da institucionalidade e princípios da Unasul. Conforme seu documento constitutivo, seus objetivos gerais são: (a) consolidar o subcontinente como uma zona de paz, base para a estabilidade democrática e desenvolvimento integral dos povos sul-americanos, além de contribuir para a paz mundial; (b) construir uma identidade sul-americana em matéria de defesa, levando em conta as características sub-regionais e nacionais e contribuindo para o fortalecimento da unidade da América Latina e Caribe; (c) gerar consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa.

Ao lado disso, de forma sumarizada, em anos recentes, tivemos a instituição de importantes mecanismos como a Zona de Paz Sul-americana/Comunicado de Brasília (2000), a inauguração das Reuniões de Ministros da Defesa da América do Sul (a primeira ocorrendo no Rio de Janeiro em 2003), além do crescente adensamento das relações bilaterais entre Brasil e Argentina, que vinham em um crescente desde a década de 1980, culminando no Acordo Bilateral de Cooperação em Matéria de Defesa, firmado em 2007.27 27 . A esses, poderíamos somar as iniciativas brasileiras deste século dos Acordos Bilaterais-Quadro com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai, além dos Acordos-Quadro de segurança regional assinados pelo Mercosul com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela (SENHORAS, 2010). Enfim, observa-se uma não desprezível tradição de se procurar distensionar o ambiente de segurança e defesa regional,28 28 . Alguns veem nessas iniciativas o surgimento de uma comunidade pluralística de segurança na região. Neste particular, ver Hurrell (1998) e Kacowicz (2005). Em oposição a essa leitura otimista, Mares (2001; 2012) propugna a existência de uma "paz violenta", caracterizada, entre 1884 e 1993, por 127 disputas interestatais militarizadas na esfera sul-americana, algumas delas já em díades democracia/democracia. além de servir para o propósito de aproximar os subcomplexos regionais de segurança Norte-andino e do Cone Sul, destacando o papel central do Brasil nesse processo.

Concretamente, estavam abertas as portas à passagem de um modelo caduco de segurança coletiva a uma nova forma mais dinâmica de segurança cooperativa. Contudo, será o Conselho de Defesa Sul-americano um mecanismo multilateral estável útil e eficaz em situações conflitivas?

Nos seus anos iniciais, o CDS tem aparecido como um importante espaço de concertação onde, a despeito das idiossincrasias regionais/ideológicas entre a Comunidade Andina de Nações (CAN), o Mercosul, ou ainda a Alba, importantes avanços têm sido registrados, como a definição de Planos de Ação comuns na temática de segurança e defesa, o estabelecimento de medidas de confiança mútua, a criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED), a construção de uma metodologia comum de medição dos gastos em defesa, um importante intercâmbio em matéria de formação e capacitação militar, entre outros. Não obstante, desafios permanecem.

Passada essa fase embrionária, a grande questão é seguir avançado com base em uma metodologia que impõe, obrigatoriamente, a necessidade de consenso em suas decisões. A regionalização da arquitetura de segurança e defesa no subcontinente prossegue, mas com novas interrogantes: ao que temos assistido, corrida armamentista ou reaparelhamento? E os históricos contenciosos fronteiriços, foram superados? Os espaços e identidades nacionais crescentemente são respeitados reciprocamente? Como se evitar desequilíbrios em que a economia/PIB – bem como os gastos na área de defesa – de apenas um dos participantes representa mais da metade de todos os outros somados? Podemos – definitivamente – falar em superação da dicotomia Pacífico (arco de instabilidade/subcomplexo Norte-andino) versus Atlântico (arco de estabilidade/subcomplexo do Cone Sul)? O risco de balcanização de países da região é coisa do passado? A tutela estratégica estadunidense foi contida? O propósito do presente artigo não é responder a essas questões, mas não poderíamos deixar aqui de apontá-las.

Na verdade, o CDS ainda não passou por nenhuma prova de fogo capaz de pôr em xeque a eficácia e eficiência dessa estrutura institucional, para além do gerenciamento – importante – de crises e a geração de externalidades positivas nos campos da segurança e da defesa. Em paralelo, a chamada agenda negativa que caracterizou o relacionamento EUA-América do Sul no período pós-Guerra Fria, centrada no combate ao tráfico de drogas, terrorismo e outros delitos de natureza policial, foi parcialmente superada. A despeito disso, insistimos, os subcomplexos regionais de segurança do Cone Sul e Norte-andino vivenciam dinâmicas ainda bastante díspares entre si, que carecem de maior articulação e organicidade.

O comportamento do Brasil, principal fiador da criação do Conselho de Defesa Sul-americano, carece de coerência e se apresenta inúmeras vezes de forma diacrônica. Se, por um lado, no mais alto nível político, Brasília trabalha pela concretização desse arranjo institucional (que já representa 2/3 do destino de nossas exportações em armamentos),29 29 . Disponível em: < http://www.sipri.org/databases/armstransfers>. Acesso em: 29 set. 2012. inclusive na já mencionada liderança aquiescida por parte de Washington e sem confrontá-la no nível global, por outro, descuida-se de engajar o Ministério da Defesa e, mais particularmente, os militares brasileiros a atuarem de forma mais decisiva e decidida pela concretização dessa importante iniciativa e de seus mecanismos operativos. Isso é absolutamente verdadeiro, explicitado pelos militares (da ativa e da reserva) em conversas em off, mas que ainda não ganharam a forma de artigos acadêmicos ou dos periódicos militares.

Considerações Finais

A integração sul-americana tem avançado, de forma não desprezível, alicerçada muitas vezes em bases frágeis, como uma forte retórica nacionalista, defesa da soberania e não intervenção. Ainda que constituam princípios importantes, esses são insuficientes para formar uma comunidade de segurança, seguindo a proposta de Flemes et al. (2011). Contudo, são indicadores da formação de um único complexo regional de segurança em direção a um modelo centrado, haja vista que, ainda que o papel do Brasil seja oscilante enquanto líder/protagonista na América do Sul, suas parcas iniciativas são suficientes para a agregação dos dois subcomplexos sul-americanos. Lembremos que a exigência teórica de Buzan e Wæver (2003, p. 58) para um CRS centrado é "parcialmente uma questão de quão dominante o centro é (ex: o grau de assimetria do poder), mas, igualmente, a forma de hegemonia estabelecida".

A unipolaridade do Brasil na América do Sul indica um CRS centrado, quer o país assuma ou não a posição de fiador disso. É nesse ponto que um complexo regional de segurança se difere de uma comunidade de segurança: para o primeiro, não é necessário que as relações sejam harmoniosas, mas sim que as dinâmicas de segurança da região sejam centralizadas em um único ator. Ainda que por vezes, conforme demonstramos, o Brasil careça de maturidade como fiador das instituições regionais, todas as principais dinâmicas de segurança da região têm passado, de alguma forma, sob a égide brasileira.

O problema da forma como o Brasil atua para um CRS centrado sul-americano diz respeito à sua estabilidade. Retomando as expectativas teóricas, "[u]m CRS centrado tenderá a ser mais estável se o centro estabelece um tipo de hegemonia aberto ou penetrado, em que os Estados dominados têm acesso ao processo político do 'centro imperial'" (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 58). Ou seja, um centro não disposto a ser centro pode levar a uma continuidade das instabilidades regionais em curso.

As políticas integracionistas regionais avançam em diferentes velocidades, por vezes de forma mais acelerada no campo político – vide o Conselho de Defesa Sul-americano –, porém seguidas de um descompasso no campo econômico e outros, bem como carecem de uma arquitetura institucional mais sólida, capaz de dar suporte a uma integração mais profunda e profícuaea uma estabilidade ao CRS centrado sul-americano.

No presente século, para além da integração física e econômica pretendida, o Brasil tem trabalhado na América do Sul procurando fomentar uma agenda comum de segurança e contra-arrestar a influência estadunidense na região (originalmente focada na expansão de bases militares no subcontinente, reativação da IV Frota Naval e combate ao terrorismo e às drogas).30 30 . Uma interessante análise de como essas bases se inserem na política estratégica mais ampla da superpotência pós-2001 pode ser conferida em Cooley (2006). A respeito da IV Frota e seus impactos para a região, ver Battaglino (2009). A pactuação desta agenda comum permitiria, em tese, a criação de uma respeitável comunidade de segurança – que por ora aparece mais como uma "corrida de obstáculos", na feliz expressão de Daniel Flemes – ou mesmo nossa hipótese de uma transformação do CRS Sul-americano em direção a um modelo centrado. Contudo, seja no nível regional ou ainda no sub-regional, obstáculos têm aparecido.31 31 . Para ilustrar tal complexidade, o recém-ingresso da Venezuela no Mercosul traz enormes oportunidades, mas, igualmente, constrangimentos ao Brasil e aos outros membros do bloco. Importante player energético, a Venezuela, conserva estreitos laços com países de baixa aceitação internacional, como o Irã, e não mantém relações diplomáticas com Israel, único país com quem o Mercosul possui um tratado de livre comércio, em seus mais de vinte anos de existência.

Se a integração regional, por um lado, tem funcionado como uma estratégia para garantir mais voz (e força) aos pleitos da região em um mundo de crescentes assimetrias de poder, por outro, isso não pode eclipsar a absoluta fragilidade que tal instrumentalização desse importante processo representa para uma cooperação mais sistêmica dos subcomplexos regionais, a despeito de avanços pontuais. A semente foi lançada, mas, para que esta viceje, será preciso muita atenção, cuidado e dedicação. O sentimento cultivado por parte da elite brasileira acerca de nosso país como um "queridinho" na região é rarefeito em sua fundamentação. A ideia de um hegêmona, gigante e subimperialista, permeia corações e mentes de boa parte de nossos vizinhos sul-americanos.32 32 . Em uma rápida busca pela internet, isso é facilmente visualizável. Apenas para aclarar, ver Dossiê... (2009), O imperialismo... (2008), El imperialismo... (2010) e Jesus (2012). Para um contraponto a essas leituras, ver Curado (2011).

Para que tal percepção se esvaia e o CRS centrado sul-americano seja estável, é preciso que se avance, reduzindo efetivamente as importantes assimetrias que ainda caracterizam os países da região e apostando na integração regional para valer (e não apenas como mecanismo de salvaguarda a ameaças externas comuns de diferentes tipos e/ou um tipo de soft balancing). Não só os vizinhos menores, mas também o Brasil seriam enormes beneficiários se tal processo ocorresse, dissipando definitivamente a imagem de um "gigante egoísta". Se o Brasil de fato quiser liderar, é preciso desejo e mobilização para tanto e que esteja ciente de que isso tem um preço (e não é barato ).

A relativa autonomia experimentada pela América do Sul possibilita o papel proeminente do Brasil como articulador das percepções de segurança dos dois subcomplexos regionais. A institucionalização da Unasul e do CDS contribui para reafirmar a posição brasileira nesse processo. O CRS da América do Sul é de um modelo centrado, mas com um centro frágil, e sua estabilidade depende da atuação do Brasil como um centro estabilizador – premissa compartilhada com Buzan e Wæver (2003). A pergunta que fica, todavia, é: será que estamos preparados para assumir essas novas responsabilidades?

Notas

Artigo recebido em 14 de junho de 2013 e aprovado para publicação em 11 de outubro de 2013.

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  • WOHLFORTH, William C. The Stability of a Unipolar World. International Security, v. 4, n. 1, p. 5-41, 1999.
  • 1
    . Para tanto, ver Cepik (2005), Cepik e Arturi (2011), Herz (2005), Pagliari (2009; 2011), Tanno (2003) e Villa (2010), para citar apenas alguns estudos sul-americanos.
  • 2
    . Esta e as demais citações de originais em língua estrangeira foram livremente traduzidas para este artigo.
  • 3
    . O que diferencia um subcomplexo regional de segurança de um complexo regional de segurança é unicamente o tamanho; os subcomplexos estão inseridos dentro de CRS maiores.
  • 4
    . Se houver uma única potência regional, o CRS padrão poderá ser unipolar.
  • 5
    . Para conceituar comunidades de segurança, é emprestada a definição de Deutsch, que as define como uma comunidade em que as unidades não podem sequer imaginar uma guerra entre eles. Há, portanto, nesse caso, uma total dessecuritização entre os atores. Seu desenvolvimento, ainda que incomum, é um tipo de CRS, não sendo, portanto, um estágio superior aos complexos regionais de segurança (BUZAN; WÆVER, 2003).
  • 6
    . Torna-se importante aqui fazer uma diferenciação entre o CRS padrão unipolar e o CRS centrado, no qual o polo não é uma grande potência. A diferença é que, no primeiro caso, as dinâmicas de segurança da região não são dominadas pelo polo, em seu centro.
  • 7
    . Ainda que mencionem aqui apenas três tipos de CRS centrados, lembremos que eles mesmos previamente já haviam adicionado um quarto tipo, o CRS centrado no qual o polo não é uma potência global. A razão de ele estar aqui suprimido provavelmente se dá pelo fato de eles não enxergarem nenhum CRS nesse formato.
  • 8
    . Uma observação importante é que a penetração pode ser mais observada na parte Norte da região e menos no Cone Sul, onde os problemas fronteiriços caminhavam já para uma maior estabilização, desde o período final da Guerra Fria (BUZAN; WÆVER, 2003).
  • 9
    . Os objetivos do Brasil em ter uma securitização da Amazônia se davam tanto por uma preocupação fronteiriça, pela questão das drogas nos países vizinhos, quanto por uma "paranoia" de que os Estados do hemisfério norte e ONGs querem transformar a Amazônia em uma área de interesse global (BUZAN; WÆVER, 2003).
  • 10
    . Relembrando: o doméstico, o Estado-Estado, o entre regiões e o papel das potências externas.
  • 11
    . Na última
    National Security Strategy (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2010) dos EUA, a marginalização da América Latina (e, em decorrência, da América do Sul) permanece. Aquela é citada uma única vez, e o subcontinente, nenhuma. Disponível em: <
  • 12
    . Lembremos que a obra em questão foi publicada em 2003, e a Unasul foi criada em 2008. Logo, é natural que ela não esteja presente na análise.
  • 13
    . Uma estimulante discussão em torno dos temas segurança e defesa e seus desdobramentos na região pode ser conferida em Saint-Pierre (2011).
  • 14
    . A respeito da discussão das novas ameaças, também chamadas de conflitos de quarta geração ou guerra irregular complexa, ver International Institute for Strategic Studies (2007) e Cordesman e Kleiber (2006).
  • 15
    . Ver Campos (2008) e Sant'Anna (2007).
  • 16
    . Tal tentativa, ainda que não constitua propriamente uma novidade quando olhamos retrospectivamente a história do subcontinente, recentemente ganha novos contornos a partir do esforço – da perspectiva brasileira – iniciado com o presidente Cardoso, aprofundado pelo presidente Lula da Silva e reiterado pela presidente Rousseff. O Brasil optou por apostar em um tipo de amálgama, alicerçado na integração física (via Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA)), tendo por finalidade a promoção do desenvolvimento da infraestrutura de transporte, energia e comunicações. São mais de quinhentos projetos a um custo estimado de cerca de US$ 120 bilhões. Disponível em: <
  • 17
    . Com respeito às questões de segurança e ao tratamento diferenciado que estas receberam ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, sugerimos Villa e Viana (2010).
  • 18
    . Para uma cronologia da criação do CDS e as disputas envolvendo sua instituição, ver Medeiros Filho (2010), Carvalho (2009) e Teixeira (2011). Para um balanço mais amplo, Pagliari (2009).
  • 19
    . Com respeito a este último ponto, entre outros, ver Vera (2009) e Serbin (2011). Um interessante contraponto de como a inserção brasileira foi pensada desde a década de 1950 até os dias atuais pode ser conferido em Vigevani e Ramanzini Jr. (2010). A propósito da discussão em torno da ideia de liderança brasileira, consultar Danese (2009).
  • 20
    . Notas pessoais a partir de conversas
    off the record com membros do Itamaraty e Ministério da Defesa brasileiro.
  • 21
    . Ao lado do
    soft power, há inúmeros desafios colocados a fim de que o Brasil aumente seu
    hard power. Por exemplo, uma importante limitação advém do fato de este país ser o único membro do acrônimo BRIC desnuclearizado. Ver Bertonha (2010) e Flores (2009-2010).
  • 22
    . Para uma discussão sobre a liderança brasileira na Minustah, como isso representa uma inflexão no
    modus operandi do Brasil em operações de paz da ONU e como essa experiência serve de modelo para a consolidação de um papel de liderança brasileira na América do Sul, ver Rezende (2012).
  • 23
    . Corroborando esses elementos, a lembrança de que várias nações sul-americanas são menores geograficamente do que muitos entes federados brasileiros (por exemplo, se o estado do Amazonas fosse um país, seria o terceiro maior da América do Sul, depois de Brasil e Argentina), menos populosos (Minas Gerais, por exemplo, tem uma população maior do que Bolívia, Paraguai e Uruguai somados), de menor peso econômico (por exemplo, se o estado de São Paulo fosse um país, seria a segunda maior economia do subcontinente, só perdendo para o próprio Brasil), entre outros pontos, não podem deixar de causar mal-estar entre seus vizinhos pela perspectiva dos ganhos relativos.
  • 24
    . A lembrança da problemática fronteira de pouco mais de 3 mil quilômetros entre EUA e México e a securitização dos temas a ela afeitos, sem resultados satisfatórios, contrasta com os mais de 6 mil quilômetros da fronteira EUA/Canadá, com relativa tranquilidade. Ou seja, não será o Brasil, com uma fronteira terrestre cinco vezes maior que a dos EUA-México, que, pela via da militarização, irá resolver seus problemas de segurança e defesa. Isso é fundamental para compreender muitos dos movimentos liderados pelo Brasil.
  • 25
    . No outro extremo, tínhamos uma Venezuela histriônica que defendia a criação de um instrumento militar operacional comum chamado Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS), nos moldes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
  • 26
    . Disponível em: <
  • 27
    . A esses, poderíamos somar as iniciativas brasileiras deste século dos Acordos Bilaterais-Quadro com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai, além dos Acordos-Quadro de segurança regional assinados pelo Mercosul com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela (SENHORAS, 2010).
  • 28
    . Alguns veem nessas iniciativas o surgimento de uma comunidade pluralística de segurança na região. Neste particular, ver Hurrell (1998) e Kacowicz (2005). Em oposição a essa leitura otimista, Mares (2001; 2012) propugna a existência de uma "paz violenta", caracterizada, entre 1884 e 1993, por 127 disputas interestatais militarizadas na esfera sul-americana, algumas delas já em díades democracia/democracia.
  • 29
    . Disponível em: <
  • 30
    . Uma interessante análise de como essas bases se inserem na política estratégica mais ampla da superpotência pós-2001 pode ser conferida em Cooley (2006). A respeito da IV Frota e seus impactos para a região, ver Battaglino (2009).
  • 31
    . Para ilustrar tal complexidade, o recém-ingresso da Venezuela no Mercosul traz enormes oportunidades, mas, igualmente, constrangimentos ao Brasil e aos outros membros do bloco. Importante
    player energético, a Venezuela, conserva estreitos laços com países de baixa aceitação internacional, como o Irã, e não mantém relações diplomáticas com Israel, único país com quem o Mercosul possui um tratado de livre comércio, em seus mais de vinte anos de existência.
  • 32
    . Em uma rápida busca pela internet, isso é facilmente visualizável. Apenas para aclarar, ver Dossiê... (2009), O imperialismo... (2008), El imperialismo... (2010) e Jesus (2012). Para um contraponto a essas leituras, ver Curado (2011).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      14 Jun 2013
    • Aceito
      11 Out 2013
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