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Identidade e comunidade escrava: um ensaio

Slave's identity and communitie: an essay

Identité et communauté esclave: un essai

Resumos

Este artigo procura fazer um balanço historiográfico acerca da posição de historiadores que defendem o pressuposto de que as heranças culturais africanas estavam bastante vivas entre os escravos no Brasil, pelo menos até o fim do tráfico atlântico. Como ensaio, pretende também discutir se existiria um estado de guerra em terras brasileiras, oriundo das rivalidades na África, que impediria a formação de comunidades escravas.

Escravidão; Comunidade Escrava; Herança Cultural Africana


This article is a historiographical balance which intends to analyze the approach defended by some historians on the survival of cultural African heritages amongst the slaves in Brazil, throughout the existence of the Atlantic slave trade. It also intends to focus the debate on the possibility of a permanent war situation, originated in ancient African rivalvries, which prevented the possibility of slave communities formation.

Slavery; Slave Communitie; Cultural African Heritage


Cet article propose un bilan historiographique dont le but est d'analyser les auteurs ayant défendu la thèse selon laquelle les héritages culturels africains étaient assezvifs chez les esclaves au Brésil, tout au moins pendant la durée de la traite atlantique. On essaie également de discuter s'il aurait eu un état de guerre, dans les terres du Brésil, dont l'origine serait les rivalités préexistantes en Afrique, ce qui aurait empêché la formation des communautés d'esclaves.

Esclavage; Communauté d'esclaves; Héritages Culturels Africains


ARTIGOS

Identidade e comunidade escrava: um ensaio

Slave's identity and communitie: an essay

Identité et communauté esclave: un essai

Sheila de Castro Faria

Professora Titular de História do Brasil e do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. E-mail: sheilasiqueira@cruiser.com.br

RESUMO

Este artigo procura fazer um balanço historiográfico acerca da posição de historiadores que defendem o pressuposto de que as heranças culturais africanas estavam bastante vivas entre os escravos no Brasil, pelo menos até o fim do tráfico atlântico. Como ensaio, pretende também discutir se existiria um estado de guerra em terras brasileiras, oriundo das rivalidades na África, que impediria a formação de comunidades escravas.

Palavras-chave: Escravidão – Comunidade Escrava – Herança Cultural Africana

ABSTRACT

This article is a historiographical balance which intends to analyze the approach defended by some historians on the survival of cultural African heritages amongst the slaves in Brazil, throughout the existence of the Atlantic slave trade. It also intends to focus the debate on the possibility of a permanent war situation, originated in ancient African rivalvries, which prevented the possibility of slave communities formation.

Keywords: Slavery - Slave Communitie - Cultural African Heritage

RÉSUMÉ

Cet article propose un bilan historiographique dont le but est d'analyser les auteurs ayant défendu la thèse selon laquelle les héritages culturels africains étaient assezvifs chez les esclaves au Brésil, tout au moins pendant la durée de la traite atlantique. On essaie également de discuter s'il aurait eu un état de guerre, dans les terres du Brésil, dont l'origine serait les rivalités préexistantes en Afrique, ce qui aurait empêché la formation des communautés d'esclaves.

Mots-clés: Esclavage – Communauté d'esclaves – Héritages Culturels Africains

Tornou-se comum, por décadas, a interpretação de que foi um sucesso absoluto o processo de ocidentalização dos homens nascidos na África e tornados escravos nas Américas.1 1 Este tipo de enfoque predomina desde pelo menos os trabalhos de Caio Prado Júnior, da década de 1940 (cf. Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo [1ª ed. 1942] São Paulo, Brasiliense), passando pela denominada Escola Sociológica Paulista (cf. Florestan Fernandes, A Integração do Negro na Sociedade de Classes, 2 vols., São Paulo, Editora Ática, 1978; Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o Negro na Sociedade Escravocrata do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, entre outros). Caio Prado Júnior, um dos mais incisivos, infere que pouco das culturas africanas estaria presente na vida dos escravos e menos ainda teria contribuído para a constituição mais geral da cultura e da sociedade brasileiras, a não ser resquícios, aqui e ali, nas expressões, na comida e em aspectos culturais considerados supérfluos por ele. No mais, teria imperado a cultura do branco, algumas vezes corrompida pela influência negativa do negro em si, por trazer de sua origem costumes bárbaros ou selvagens, inferiores, portanto, aos dos brancos,2 2 Esta é a interpretação, principalmente de Caio Prado Júnior, bastante explícito no aspecto referido: "Mas há outra circunstância que vem caracterizar ainda mais desfavoravelmente a escravidão moderna: é o elemento de que se teve de lançar mão para alimentá-la. Foram eles os indígenas da América e o negro africano, povos de nível cultural ínfimo, comparado ao de seus dominadores. (...) Na América (...) a que assistimos? Ao recrutamento de povos bárbaros ou semibárbaros, arrancados do seu habitat natural e incluídos, sem transição, numa civilização inteiramente estranha. (...) A contribuição do escravo preto ou índio para a formação brasileira é, além daquela força motriz, quase nula. Não que deixasse de concorrer, e muito, para a nossa 'cultura', no sentido amplo em que a antropologia emprega a expressão; mas é antes uma contribuição passiva, do simples fato da presença dele e da considerável difusão de seu sangue, que uma intervenção ativa e construtora. O cabedal de cultura que traz consigo da selva americana ou africana, e que não quero subestimar, é abafado, e se não aniquilado, deturpa-se pelo estatuto social, material e moral a que se vê reduzido seu portador. E aponta por isso apenas, muito timidamente, aqui e acolá. Age mais como fermento corruptor da outra cultura, a do senhor branco que se lhe sobrepõe" (Caio Prado Júnior, op. cit., p. 271-272). ou do negro enquanto escravo – ou seja, os homens vindos da África que, ao serem submetidos ao regime escravista, teriam perdido as qualidades que porventura tivessem em suas culturas de origem.3 3 Esta é a interpretação, entre outros, de Florestan Fernandes, que, embora não com o mesmo discurso de Caio Prado Júnior sobre a inferioridade cultural do negro, na África, em relação à cultura do branco, pressupõe que tudo de suas culturas tenha sido perdido na sua transformação em escravo (cf. Florestan Fernandes, op. cit.).

Debates historiográficos relativamente recentes invertem estes pressupostos e discutem quanto das culturas africanas estaria presente no cotidiano dos homens e das mulheres da África, tornados escravos na América.4 4 Ver, entre outros, Robert Slenes, Na Senzala uma Flor: as esperanças e as recordações na formação da família escrava – Brasil, sudeste, século XIX, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998; Manolo Garcia Florentino & José Roberto Góes, A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c.1850, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977; Eduardo França Paiva, Escravidão e universo cultural na Colônia. Minas Gerais, 1716-1789, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001; Mariza de Carvalho Soares, Devotos da cor. Identidade, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000; Idem, "O Império de Santo Elesbão na cidade do Rio de Janeiro, no século XVIII", Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, vol. 4., Rio de Janeiro, 7 Letras, 2002; Idem, "From Gbe to Yoruba: Ethnic Change and the Mina Nation in Rio de Janeiro", Texto mimeo., 2004. Pode-se considerar que, hoje, há um consenso historiográfico não só sobre a permanência de costumes e práticas africanas entre os escravos, como também sobre o fato de que a sociedade brasileira de hoje é inexoravelmente tributária desta herança. Desta forma, resgata-se o discurso de Gilberto Freyre,5 5 Cf. Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala: as Origens da Família Patriarcal Brasileira (1ª ed. 1933), Rio de Janeiro, José Olympio, 1987. um dos primeiros a apontar para tal influência.

A maior divergência encontra-se, sem dúvida, na questão de se a vida cotidiana e as formas de adaptação ou resistência ao cativeiro criaram comunidades com identidades e solidariedades próprias, apesar da multiplicidade étnica existente, ou se as rivalidades foram tão preponderantes que provocaram a dissensão, impedindo a formação de alianças que lhes dessem maior força no embate com os senhores.

Para Manolo Florentino e José Roberto Góes, a entrada constante de novos africanos de diferentes origens étnicas, pelo tráfico, teria provocado muito mais a dissensão do que a unidade entre eles. As rivalidades históricas entre os diversos povos africanos, ainda em suas terras de origem, teriam impedido que, com facilidade, pudessem criar solidariedades que resultassem na formação de uma comunidade ou na organização mais efetiva contra os senhores, ainda que vivendo todos sob as mesmas condições de cativeiro. Segundo os autores,

(...) é provável até que o cativeiro muito contribuísse para exasperar as diferenças que os constituíam, em mais de um sentido. Por que não? A escravidão, afinal, não devia ser um meio muito propício ao acalanto de sentimentos mais tolerantes. A verdade é que um plantel não era, em princípio, a tradução de um nós. Reunião forçada e penosa de singularidades e de dessemelhanças,é como melhor se poderia caracterizá-lo.

6 6 Manolo Florentino & José Roberto Góes, op. cit., p. 35.

Baseados nesta idéia, haveria, portanto, segundo eles, um ganho político por parte dos senhores, ao misturar os escravos de maneira consciente e mantêlos em estado de guerra, posto que, então, dificilmente se uniriam contra eles. Por outro lado, porém, a permanência do estado de guerra impossibilitaria o trabalho regular e sistemático. Daí que a formação de famílias e de parentelas, estimulada pelos senhores ou por escolha dos próprios escravos, não importa, teria agido no sentido de instituir a paz das senzalas, minimizando os conflitos. Mas as famílias seriam constituídas majoritariamente por pessoas das mesmas origens étnicas, o que se comprova pela grande maioria de casamentos endogâmicos, registrados por inúmeros trabalhos historiográficos, o que conferia, agora, não mais ao indivíduo, mas às parentelas, rivalidades de grupo.

Com o tempo, num processo de crioulização, estas diferenças poderiam desaparecer e a paz entre os escravos estaria garantida, pondo em risco a segurança dos senhores. Para que a paz não fosse completa, entretanto, seria necessário que se mantivesse freqüente a entrada de estrangeiros. Da busca do equilíbrio entre esta entrada no seio das escravarias – a guerra – e a criação de laços de parentesco – a paz – dependeria o bom andamento do sistema. Os ganhos eram auferidos tanto pelos senhores, pois os escravos se manteriam ocupados em suas divergências internas e não se mobilizariam contra a casagrande, quanto pelos escravos, que poderiam reconstruir, mesmo que de maneira precária, laços afetivos e solidariedades necessárias à sobrevivência.

Hebe Mattos introduz na discussão uma outra questão, pois considera que a influência da cultura ocidental dominante teve entrada expressiva no universo cultural dos escravos, principalmente entre africanos ladinos e crioulos, dando-lhes maiores chances do que aos recém-chegados de se diferenciarem do resto da escravaria. Para a autora, apesar da possibilidade de superação das diferenças étnicas, as rivalidades nas disputas de recursos fariam com que os escravos que conseguissem acumular bens pudessem viver materialmente de maneira próxima dos livres pobres, ao mesmo tempo em que lhes facilitaria a alforria, objetivo de todo escravo.

Desta forma, haveria mais dissensão e enfraquecimento dos laços de solidariedade entre os escravos do que coesão, com muitos deles distanciandose de seus pares, por meio de estratégias emprestadas pelos costumes brancos e com interesse na mobilidade social. Como conseqüência, os escravos que ganhassem certos recursos não reconheceriam os demais como parceiros. Não haveria, portanto, uma comunidade escrava, já que um grande nível de conflito entre eles seria a regra, e hierarquias sociais se formariam dentro das senzalas, com alguns ocupando posições mais proeminentes do que outros.

Quando se aboliu o tráfico atlântico, em 1850, reforçaram-se as solidariedades horizontais dos escravos, principalmente porque se agruparam nas grandes escravarias, tornando-as cada vez mais crioulas e, portanto, mais capazes de criar laços entre si. No decorrer da segunda metade do século XIX, pequenos e médios proprietários tenderam a vender seus escravos para os mais enriquecidos. Mas, mesmo assim, para Mattos não houve a criação de comunidade escrava, porque o princípio que nutria a escravidão brasileira continuava o mesmo – tráfico. Se, antes de 1850, o comércio era atlântico e escravizava pessoas nascidas livres, depois passou a ser interno e comercializava muitos que já nasceram escravos. Apesar disto, o tráfico inter e intraprovincial provocava o mesmo efeito do outro – produzia estrangeiros no seio das escravarias. Os mais antigos continuavam a deter as melhores condições para se distinguirem, como o acesso a uma roça própria, à família e ao movimento. Em suas palavras,

(...) o que procuro demonstrar é que a gestação de relações comunitárias entre os escravos, no Brasil, significou mais uma aproximação com uma determinada visão de liberdade que lhes era próxima e que podia, pelo menos em teoria, ser atingida através da alforria, do que a formação de uma identidade étnica a partir da experiência do cativeiro. A família e a comunidade escrava não se afirmavam como matrizes de uma identidade negra alternativa ao cativeiro, mas em paralelo com a liberdade.

7 7 Hebe Maria Mattos, A Cor Inexistente. Os significados da Liberdade no Sudeste Escravista, 2ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998, p. 127.

Analisando discursos de escravos em processos criminais, Hebe Mattos traça uma interessante distinção entre a forma com que as autoridades se referiam aos cativos, identificando-os como parceiros (identidade construída, segundo a autora, de fora para dentro), e as palavras dos próprios escravos, em que não havia, necessariamente, esta identificação. Parceiros eram alguns, não todos. E, por sua vez, alguns eram referidos como pretos pelos próprios escravos, numa clara distinção de seus efetivos parceiros, num sentido de desindividualização, nunca sendo positivamente referido como uma possível identidade étnica.

A existência de uma comunidade escrava estaria, por conseguinte, na visão senhorial. As diferenças internas entre escravos impediam que somente a experiência do cativeiro lhes conferisse unidade. Por outro lado, os senhores muitas vezes se utilizaram destas diferenças para obter ganhos. A autora concorda, entretanto, que havia certas condições que propiciavam maior coesão dentro das escravarias.

Uma delas diria respeito a momentos de tensão, em que escravos se uniriam e se tornariam parceiros em torno de um ponto comum:

Os momentos de tensão e rebeldia coletiva tendiam a ressignificar a noção de parceiro (e os elementos de homogeneidade) na experiência dos cativos. O cotidiano no cativeiro tendia, entretanto, a valorizar a construção de identidades sociais outras, que não aquelas impostas pela condição cativa.

8 8 Ibidem, p. 135.

Outra seria o tempo de vida de unidades com grandes escravarias, que teria dado condições para o aparecimento de identidades comunitárias, mas estas se fariam de maneira hierárquica, pois diferenciações internas excluíam ou incluíam certos membros. A entrada freqüente de novos estrangeiros, fossem da África ou do próprio Brasil, mesmo em pequeno número, tornavaos estranhos à comunidade já constituída, gerando certa tensão. A regra, no entanto, era a formação de novas unidades produtoras, que tinham o perfil mais visível do cativeiro: majoritariamente masculino, violento e celibatário. Desta forma, Mattos concorda com Florentino e Góes, embora não use a expressão estado de guerra.

Contrapondo-se a estes autores, Robert Slenes afirma que as discussões sobre o grau de autonomia da cultura escrava e a relação desta autonomia, ou não, com a família escrava ainda estão ensaiando os primeiros passos no Brasil, embora sejam já antigas na historiografia norte-americana. No caso do Brasil, discorda da existência de um estado de guerra inerente aos escravos de origem africana, pelo menos para o Sudeste, na primeira metade do século XIX. Sendo a grande maioria da mesma origem lingüística e com elementos culturais e visões cosmológicas semelhantes, puderam criar identidades e afinidades que lhes permitiram formar comunidades escravas, constituindo-se numa ameaça ao sistema escravista.9 9 Cf. Robert Slenes, op. cit.

A formação de laços de parentesco, comum entre eles e com freqüência (embora não majoritariamente) realizada entre pessoas de origens étnicas diferentes, unia os envolvidos e os opunha aos senhores. Para o autor, tanto formando famílias quanto sofrendo a mesma disciplina nas fazendas, os africanos, enquanto escravos, teriam forjado mais sociabilidade e solidariedade do que dissensão.10 10 Cf. Ibidem.

Em relação à abordagem de Mattos, Slenes sugere que a autora, assim como ele, em trabalhos anteriores, não levou em consideração o tempo necessário para se criarem os laços de parentesco e dependência, ao mesmo tempo em que a predominância de africanos e o fato de a maior parte dos crioulos ser filhos de africanos, no Sudeste, na primeira metade do século XIX, fariam com que as diferenças entre estrangeiros africanos, africanos ladinos e crioulos não fossem muito claras ou evidentes. Em resumo, para Slenes,

(...) estou mais disposto a argumentar que os escravos no Sudeste teriam construído uma variante daquela consciência dupla – a capacidade de circular ladinamente entre tradições culturais e estratégias identitárias diferentes (...).

11 11 Ibidem, p. 53.

Certamente que as rivalidades étnicas originadas na África foram importantes para as escolhas dos modos de vida dos escravos e para a constituição, aqui no Brasil, de solidariedades ou dissensões entre si. Os casos citados por estes e por outros autores comprovam as rivalidades. O mais famoso e significativo, pois envolve um grupo expressivo de cativos, é, sem dúvida, a carta enviada por escravos fugidos do engenho Santana, em 1789, na Bahia.12 12 O documento foi encontrado por Stuart Schwartz. O grupo de mais de cinqüenta pessoas era liderado pelo escravo crioulo Gregório Luiz. Aceitaram voltar ao trabalho sob algumas condições, entre elas,

Não nos há de obrigar a fazer camboas,

13 13 Camboa, segundo o dicionário de Moraes Silva, significa: Lago, ou estreito à beira-mar, com porta por onde entra o peixe com a maré, e fica seco na vasante. Cf. Antônio de Moraes Silva, Dicionário da Língua Portuguesa. [1789], Lisboa, Typografia Lacerdina, 1813.

nem a mariscar, e quando quiser fazer camboas e mariscar mande os seus pretos minas. Para o seu sustento tenhalancha de pescaria ou canoas de alto, e quando quiser comer mariscos mande os seus pretos minas.

14 14 João José Reis & Eduardo Silva, Negociação e conflito. A resistência negra no Brasil escravista, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 123.

Esta citação é considerada por muitos prova cabal de que havia uma rivalidade intrínseca entre crioulos e africanos. Mas há, realmente, outros indícios. Escravos crioulos do engenho do Tanque, no Recôncavo Baiano, em 1828, lutaram ao lado dos senhores contra uma revolta de africanos.15 15 Citado por João José Reis & Eduardo Silva, op. cit., p. 105. O levante dos malês, explorado por João José Reis,16 16 Cf. ibidem. é considerado exemplo basilar. Desde o final do século XVIII, a Bahia recebeu grande contingente de escravos, vindos da região do golfo de Benin, sudoeste da atual Nigéria, composto por variados povos, resultado das lutas étnicas e políticas relacionadas com a expansão do islã na região. Para Reis, foi a presença de africanos de origens étnicas comuns que permitiu a formação de uma cultura escrava mais independente e que gerou grande número de revoltas na primeira metade do século XIX, a dos malês, já referida, a mais importante, ocorrida em 1835.

Para o autor, os senhores, na Bahia, tiveram sucesso ao cooptar os crioulos para enfrentar os africanos, já que eles estariam entre dois fogos: de um lado, tinham consciência de que a vitória dos africanos não representaria o mesmo para eles; de outro, estavam por demais familiarizados com a vida que tinham, sob o domínio dos senhores, para arriscar a se colocarem sob as ordens de africanos. Esta argumentação tem sentido, quando o autor constata a quase ausência de crioulos entre os participantes das revoltas baianas. Apesar de, na literatura sobre revoltas escravas na América, ter-se demonstrado que foram escravos crioulos os principais rebeldes e líderes de rebeliões em outras áreas coloniais,17 17 Era o caso da resistência escrava na Virgínia, estudada por Gerald Mullin, da revolução escrava do Haiti, da conspiração de Gabriel Prosser, em Richmond, em 1808, e da rebelião jamaicana de 1831, todas com liderança e participação expressiva de crioulos. Cf. Ibidem, p. 103. na Bahia eles estavam sistematicamente ausentes.

João Reis sugere que isto se devia ao fato da expressiva presença numérica dos africanos na cidade de Salvador, Bahia, onde 63% dos escravos eram nascidos na África e, na população livre e escrava, como um todo, representavam 33%. E conclui que a presença de muitos africanos inibia politicamente os crioulos e os persuadia a comprometerem-se com as classes livres ou senhoriais.18 18 Ibidem, p. 103. Teria sido a rivalidade entre crioulos e africanos que comprometeu a rebelião baiana.

É óbvio que somente o número maior ou menor de africanos ou crioulos não pode ser responsável por certas atitudes ou escolhas dos escravos. Outros componentes deveriam estar presentes. Ao se referirem à afirmação de alguns estudiosos sobre as maiores condições das mulheres escravas para escolherem seus parceiros, por serem em bem menor número do que os homens, acertadamente Florentino e Góes argumentaram que "minoritárias entre a escravaria, há quem suponha que as mulheres estivessem em condições privilegiadas na escolha do parceiro, como se o acasalamento entre os cativos fosse um mero problema matemático".19 19 Manolo Florentino & José Roberto Góes, op. cit., p. 154-155. Acredito que também a opção de crioulos de se alinharem ao lado dos senhores ou, pelo menos, de não apoiarem rebeliões lideradas por africanos, não pode ser explicada por uma questão matemática. Era uma questão de escolha, e escolha consciente.

Tanto João Reis quanto Hebe Mattos partem do pressuposto de que crioulos estavam mais predispostos a conseguir a alforria do que os africanos. Para Mattos, crioulos e africanos ladinos teriam mais chances de viver como livres e adquirir ganhos materiais e de movimento que dificilmente colocariam em risco.

Quase toda a historiografia, a começar pelos trabalhos de Gilberto Freyre, acredita que era entre crioulos que se escolhiam os escravos domésticos, estando eles em contato diário com seus senhores, situação que poderia resultar em relações afetivas e, até mesmo, sexuais, que, de uma forma ou de outra, os ligaria sentimentalmente ao mundo livre. Obviamente que tudo são conjecturas, mas conjecturas passíveis de transformar crioulos em pessoas mais cooptáveis do que africanos. Nestas relações, um dos principais ganhos seria, justamente, a possibilidade de alforria de si próprio ou de seus descendentes.20 20 Cf. Sheila de Castro Faria, Sinhás Pretas, "Damas Mercadoras". As pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de São João Del Rey (1700-1850), Tese para concurso de Professor Titular em História do Brasil, novembro de 2004, Mimeo.

Tenho convicção de ser real, em algumas regiões, a rivalidade entre os nascidos no Brasil e os nascidos na África, gerando diferenças de identidade, conforme aludem depoimentos transcritos em vários trabalhos historiográficos. São documentos em que se relatam disputas ou intolerância entre uns e outros. Mas, por outro lado, há outras fontes que evidenciam que as relações parentais e conjunturais interétnicas foram muito freqüentes, inclusive entre nascidos na África e no Brasil.

Na verdade, estamos diante de dois questionamentos: qual o grau de aculturação existente entre escravos de origem africana e seus descendentes? É possível considerar o escravo, enquanto grupo, uma classe social?

Escravo e herança cultural

Já são antigas as indagações sobre as interações culturais no Brasil, menos entre índios e brancos, e muito mais nas relações entre brancos (ocidentais e católicos) e africanos. Uma das mais tradicionais interpretações é a de Nina Rodrigues que, para explicar as interações, usou o conceito de sincretismo, que significava a preservação de crenças africanas sob o formato católico, ou seja, os negros teriam mantido suas divindades sob as imagens de santos católicos.21 21 Cf. Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, 5ª ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977.

O sincretismo, nesta interpretação um tanto mecanicista, já se encontra bem criticado. Artur Ramos, em contrapartida, introduziu o conceito de aculturação, que pressuporia três resultados: aceitação, adaptação e reação, sendo que, no Brasil, os dois primeiros foram os mais comuns.22 22 Cf. Arthur Ramos, As Culturas Negras no Novo Mundo, 3ª ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979. Roger Bastide discordou do sentido de sincretismo apresentado por Nina Rodrigues e definiu-o de maneira mais maleável, próximo do sentido de adaptação de Ramos. Rejeitou o termo aculturação, por ver nele ausência das relações de dominação, presentes no contato cultural da colônia brasileira.23 23 Cf. Roger Bastide, As Religiões Africanas no Brasil, 2 vols., São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1972. Bastide, entretanto, viu diferenças no procedimento de nagôs e bantos. Enquanto os primeiros preservaram suas matrizes culturais, os segundos sucumbiram totalmente ao sincretismo frente à dominação do catolicismo.

Resgatada há algum tempo a evidência de que os nagôs mantiveram sua herança cultural, hoje se questiona se realmente os bantos perderam suas bases culturais, enquanto escravos. Acertada, porém, é a consideração de Márcio Soares:

Mas daí a se pensar que o catolicismo foi uma espécie de rolo compressor sobre as crenças africanas é, no limite, considerar os negros como presas inertes de forças históricas externas e determinantes e negar sua condição de agentes culturais capazes de desempenhar, em larga medida, um papel ativo fundamental de sua própria história e identidades culturais no interior de um sistema normativo que lhes oprimia; dominação política e cultural não são necessariamente sinônimo de aniquilação do outro.

24 24 Cf. Márcio de Sousa Soares, "A doença e a cura: saberes médicos e cultura popular na Corte imperial", Dissertação de Mestrado, Niterói, UFF, 1999.

É com ponto de vista similar que muitas pesquisas procuram desvendar o universo dos grupos bantos, presente no cotidiano dos escravos do Sudeste do Brasil. Para tanto, foi necessário que novas e mais pesquisas sobre a África fossem realizadas, de modo que se procedesse a comparações.

Mary Karasch25 25 Cf. Mary Catherine Karasch, A vida dos escravos no Rio de Janeiro. 1808-1850, São Paulo, Companhia das Letras, 1979. tentou analisar alguns aspectos da cultura da população banto do Rio de Janeiro, tendo como referência os estudos sobre a África. Baseou-se nas argumentações de Willy de Craemer, Jan Vansina e Renée Fox, segundo as quais teria havido diferenças entre os diversos povos da região centro-ocidental africana, mas haveria um referencial tradicional a todas elas, designado como complexo ventura-desventura.26 26 Cf. Willy Craemer; Jan Vansina; e Renée Fox, "Religious Movements in Central Africa: a theoretical study", Comparative Studies in Society and History (18), 1976. Na cosmologia centro-africana, o estado natural era de ventura, que seria a saúde, a fecundidade, a segurança física, a harmonia, o poder, o status e a riqueza. Mas também existiriam forças malévolas, que faziam mal ao indivíduo e à coletividade, e o mal poderia ser causado por estas forças ou por indivíduos que, inconsciente ou intencionalmente, utilizassem certos expedientes para as atrair e gerar a desventura.

Havia um Ser Supremo, o Criador, denominado Zambi, Kalunga, Lessa, Mvidie – dependendo da língua – que deu vida a tudo e que reina com benevolência sobre o universo e os homens. Segundo Kabengele Munanga, é uma divindade longínqua, que se distanciou do mundo e o deixou entregue a seus filhos divinizados – os ancestrais fundadores de linhagens. Os espíritos ancestrais são os que fazem o elo entre os homens e o Deus único, e os cultos coletivos lhes são reservados. Depois dos espíritos dos ancestrais, estão os defuntos. Para Munanga, trata-se de uma cosmologia antropocêntrica e hierarquizada, pois o mundo seria um conjunto de forças, organizado por uma relação de energia ou poder vital.

Essa energia ou força vital, cuja fonte é o próprio deus criador, é distribuída em ordem decrescente aos ancestrais e defuntos que fazem parte do mundo divino; em seguida ao mundo dos vivos, numa relação hierárquica, começando pelos reis, chefes de aldeia, de linhagem, pais e filhos; e finalmente o mundo animal, vegetal e mineral. (...) A força vital explica a existência da vida, da doença e da morte, do sofrimento, da depressão ou fadiga, de qualquer injustiça ou fracasso, da felicidade, da riqueza, da pobreza, da miséria, etc. Tudo que é positivo à vida e à felicidade humana é interpretado como o crescimento da força vital; tudo que é considerado como privação, sofrimento e até a perda da própria vida é interpretado como diminuição desta força vital. Os outros seres da natureza criados por deus e colocados ao serviço do homem possuem, também, em um grau menor, essa energia ou força vital. Entre os baluba, um dos ramos importantes das civilizações banto, a palavra "morrer", que é uma privação ao extremo da força vital, é aplicada a tudo que existe na natureza. Se quebrar um copo, um vidro, um carro, uma pedra, se cair uma árvore, etc. eles dizem que "morreu", mesma palavra utilizada para os homens e os animais.

27 27 Kabengele Munanga, "Origem e histórico do quilombo na África", Revista USP, São Paulo, (28): 56-63, dezembro/fevereiro, 1995-1996, p. 62.

O mundo das forças se mantém "como uma teia de aranha, da qual não se pode fazer vibrar um único fio sem sacudir todas as malhas".28 28 Ibidem, p. 63. Todas as pessoas são colocadas dentro desta relação de forças vitais, e há forças mais desenvolvidas, que podem influenciar sua vida, no bom o no mau sentido. O culto dos ancestrais representaria a busca da conservação e do crescimento constante da energia vital, fonte da felicidade.

Entre os bakongos, um dos grupos étnicos bantos, Nzambi Ampungu era a divindade suprema. O mundo dos espíritos era composto em primeiro lugar pelos bankita, ancestrais da época da criação, seguido dos bakulu, membros falecidos do clã ao qual se pertencia, que estavam em comunicação com os vivos, principalmente por meio dos anciãos, mais próximos deles. Havia também os espíritos da água, da terra, da floresta, conhecidos como ba-simbi. Os procedimentos deveriam orientar-se para influenciar estas forças. O nkisi era o meio pelo qual os vivos poderiam controlar os espíritos.

Segundo Márcio Soares, "os missionários cristãos confundiram estes objetos sagrados com divindades secundárias, todavia o nkisi nada mais era do que um artefato que continha um espírito controlado por um homem".29 29 Cf. Márcio de Sousa Soares, op. cit. Era, portanto, uma forma individual de culto, mas havia ídolos sujeitos ao culto coletivo, que necessitavam de sacerdotes e estavam em santuários às vezes afastados das aldeias. Para Mary Karasch, o culto coletivo não foi registrado entre os escravos no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX.30 30 Cf. Mary Karasch, op. cit..

Vários estudos admitem que não era possível recriar, na diáspora, os padrões religiosos da mesma forma como eram pensados ou realizados em sua região de origem. O argumento que apresentam, entretanto, é que o desenraizamento e a convivência com etnias diferentes, que se viram forçados a aceitar, fizeram com que, a partir da vida como escravos, pudessem perceber valores culturais semelhantes, que agiam no sentido de reconstruir algumas identidades culturais, forjadas na experiência do cativeiro, que os autores tentam, hoje, desvendar.

Robert Slenes propõe que, por terem uma mesma origem lingüística, as identidades entre os diversos grupos bantos trazidos para o Brasil começavam até mesmo na própria África, no percurso que ia desde a captura e a transformação do negro em prisioneiro, passando pelos caminhos terrestres até o porto de embarque e terminando com a chegada ao porto brasileiro e ao domicílio do proprietário. Desta forma, um longo caminho já havia sido percorrido antes da transformação de um negro em escravo, criando solidariedades e identidades próprias e, como escravos, criavam outras.

O historiador sugere, por exemplo, que o termo malungo, tendo o duplo significado de companheiro (ou companheiro de sofrimento) e de barco/canoa, em várias línguas dos habitantes da África central, aqui no Brasil adquiriu um sentido ainda mais amplo – significava os que foram companheiros na travessia da kalunga (linha divisória, representada pelas águas do rio ou do mar, que separava o mundo dos vivos do mundo dos mortos).31 31 Cf. Robert Slenes, "'Malungu, Ngoma vem'!: África coberta e descoberta no Brasil", Redescobrir os Descobrimentos: as Descobertas do Brasil, São Paulo, Revista USP, Ed. 12 (dez, jan, fev), 1990-1992. Desta forma, mesmo antes de transformados em escravos, na América, os bantos de variadas origens teriam criado pontos comuns que iam além das suas culturas de origem, ressignificando conceitos e criando novas formas de identidade.

A teoria anterior de Bastide sobre os grupos bantos, de que teriam sido totalmente aculturados, ou seja, aceitado amplamente a cultura ocidental e católica dominante, foi posta de lado. Mary Karasch está convicta de que, entre os bantos, era comum a formação de novos grupos religiosos, além da aceitação de novos rituais, símbolos, crenças e mitos,32 32 Mary Karasch, op. cit., p. 355. e a aceitação de novos santos católicos não significaria abandonar sua religiosidade. Como ocorria na África, adotavam um ídolo novo.

Para John Thornton, é necessário que haja pontos comuns entre as crenças, para que elas interajam, e, para ele, foi o que ocorreu entre o catolicismo e as religiões banto. Por ponto comum, o autor não está querendo dizer que havia semelhanças estruturais entre as crenças, mas que havia mediações passíveis de os africanos reinterpretarem elementos cristãos de acordo com sua concepção cosmológica.33 33 John Thornton, Africa and Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-1680, New York, Cambridge University Press, 1992. A base comum entre as duas crenças era a existência de um mundo incorpóreo, cujos habitantes poderiam interferir no mundo dos vivos, alterando-lhe o curso da vida coletiva ou pessoal de maneira favorável ou nefasta.

A utilização de símbolos e rituais católicos por africanos deve ser considerada em termos polissêmicos, pois pessoas podem utilizar os mesmos símbolos ou ritos e imprimir-lhes significados totalmente diferentes, ou pretender outros objetivos. Márcio Soares, partidário desta concepção, afirma que

Ao insistir na atenção que deve ser devotada à herança cultural trazida pelos escravos para a compreensão da religiosidade negra no Novo Mundo não significa de modo algum qualquer espécie de obstinação de minha parte em identificar "sobrevivências" africanas no Brasil, mas, antes, a percepção do importante papel desempenhado por aquelas matrizes culturais como um referencial imprescindível para uma melhor compreensão das vivências do sagrado entre a população negra.

34 34 Cf. Márcio de Sousa Soares, 1999.

Autores como Mary Karasch, Robert Slenes e Márcio Soares, entre outros, analisaram as interações culturais dos próprios escravos bantos e entre os bantos e o catolicismo, no Sudeste, no século XIX, de forma a demonstrar que os padrões africanos foram reelaborados. Robert Slenes, mais do que todos, acredita que as culturas africanas estavam profundamente arraigadas na população negra, tanto que sugere a formação, no Sudeste, de uma protonação banto.35 35 Cf. Robert Slenes, 1991-1992, op. cit.

O autor utilizou fontes variadas, a maioria de teor qualitativo, para chegar às conclusões antes referidas. Já outros historiadores baseiam-se em processos levados a cabo por autoridades judiciais, relativos a revoltas e levantes para discutir o quanto de coesão ou dissensão existiria entre os escravos. Se no cotidiano as divergências poderiam estar mais acirradas, formando grupos de convívio e de trabalho separados, em momentos de revolta as diferenças seriam, ou não, superadas. É neste sentido que argumenta João José Reis, incluindo o conceito de "classe social" para abordar o universo escravo. Trata, principalmente, da Revolta dos Malês, de 1835, em Salvador, Bahia.

Considerando o sentido estrutural dado por Marx à definição de classe ("posição comum no interior das relações sociais de produção"),36 36 Cf. Erik Wright, "Varieties of marxist conception of class structure", Mimeo. Madison, 1979, apud João José Reis & Eduardo Silva, op. cit., p. 104. Reis afirma que, sem dúvida, os escravos constituíam uma classe social, neste sentido mais lato. Em termos políticos, entretanto, admite que "os escravos baianos não parecem haver constituído uma classe clássica", porque "como indivíduos eram escravos, como coletividade pareciam ser outra coisa".37 37 João José Reis & Eduardo Silva, op. cit., p. 104. Baseia-se o autor nas afirmações de Marx, de que os "indivíduos separadamente formam uma classe apenas na medida em que levam a cabo uma batalha comum contra uma outra classe; do contrário, eles estão em termos hostis uns com os outros como competidores".38 38 Cf. Karl Marx & Friedrich Engels, The German Ideology, Moscou, Progress, 1968, apud João José Reis & Eduardo Silva, op.cit., p. 104.

Para Reis, horizontalmente, os escravos estavam divididos e, verticalmente, tinham relações diferentes com os senhores, dependendo de serem eles africanos ou crioulos/pardos. Até mesmo em termos de estrutura de trabalho ocupavam posições diferentes, porque os crioulos tinham mais vantagens. Chega a afirmar que poderiam ser considerados a parte privilegiada de uma classe, uma espécie de "aristocracia escrava".39 39 João José Reis & Eduardo Silva, op. cit., p. 105.

Por outro lado, se o autor constata a ausência de crioulos no movimento de 1835, na Bahia, percebe a participação dos africanos libertos no levante, sugerindo uma identidade entre estes e os africanos escravos. Segundo sua argumentação, os libertos ocupavam as mesmas funções que os escravos nas atividades urbanas, como "carregadores de cadeira, estivadores, artesãos, vendedores ambulantes, marinheiros, etc".40 40 Ibidem, p. 106. Além do mais, tinham as mesmas relações sociais, ideológicas e culturais com os brancos, fossem libertos ou escravos. Na realidade, João Reis está tentando perceber uma solidariedade maior entre africanos, libertos ou escravos, do que entre africanos e crioulos. Chega a sugerir uma "comunidade africana", como Slenes em relação à "protonação banto". Havia, entretanto, um fator complicador: a etnia dos africanos. Considerou que

(...) escravos e libertos pertencentes ao mesmo grupo étnico se uniam mais entre si do que o faziam escravos de grupos étnicos diferentes. (...) Os africanos na Bahia parecem ter combatido mais como grupos étnicos do que como membros de uma classe estruturalmente definida. (...) Quer isso dizer que não houve rebeliões escravas e sim africanas ou islâmicas na Bahia?

41 41 Ibidem, p. 107.

Na Bahia, havia os cantos, ou seja, grupos de trabalho urbanos e as juntas de alforria, ambos organizados por etnia. Mas, para Reis, isto não significa dizer que os elementos deles participantes não tivessem pontos comuns, sendo o principal a "experiência escrava". Assim, todos os africanos eram ou tinham sido escravos, e

(...) a experiência escrava, porém, marcou em profundidade o africano, modificou sua forma de ver o mundo e a si próprio. Se a identidade étnica de escravos e libertos nagôs, haussás jejes, etc. foi mantida, e em muitos sentidos até exacerbada, o convívio sob a escravidão destas diversas etnias transformou-os muitas vezes em cúmplices, sugerindo uma identidade pan-africana embrionária.

42 42 Ibidem, p. 109.

Desta forma, as rebeliões que marcaram a sociedade baiana da primeira metade do século XIX foram escravas, mesmo que entre seus elementos figurassem alforriados. O motivo é que os alforriados passaram pela escravidão, trabalhavam nas mesmas atividades que os escravos, moravam nas mesmas casas, partilhavam o mesmo cotidiano religioso de seus conterrâneos e eram igualmente perseguidos e discriminados, por serem estrangeiros.

Reis chega à conclusão de que as rebeliões que analisa, principalmente a de 1835, foram ao mesmo tempo lutas de classe, étnicas e religiosas. O interessante, no entanto, é que, enquanto afirma ser a vida mais independente dos escravos no meio urbano e a ausência de segregação residencial entre os grupos sociais os motivos potenciais da revolta – principalmente porque "aguçou a percepção de privação dos africanos, especialmente dos libertos, se não em termos materiais, pelo menos em termos sociais e psicológicos"43 43 Ibidem, p. 117. –, para Hebe Mattos esta "experiência de liberdade"tornava os que a ela tinham acesso mais adequados ao sistema e menos propensos a se considerarem partilhando a mesma vida que seus pares escravos. Sentiam-se, para a autora, diferentes.

Na realidade, os autores estão trabalhando com universos escravos de origens distintas. Enquanto Reis está enfocando uma área predominantemente de africanos oriundos do golfo de Benin, Mattos tem como objeto africanos da costa centro-ocidental – os bantos – e seus descendentes. Acredito que as diferenças entre os diversos grupos, assim como os graus de adaptação possíveis, ainda não estão devidamente bem colocados. Na realidade, sabemos muito pouco ainda sobre as diferentes etnias que compunham os contingentes escravos do Brasil. Generalizações, portanto, ainda são bastante perigosas.

Escravo e comunidade

Se, na Bahia, na primeira metade do século XIX, se assistiu a um número expressivo de revoltas urbanas, atribuídas à presença de escravos e ex-escravos islamizados, estas manifestações não foram detectadas para a cidade do Rio de Janeiro. No entanto, revoltas, talvez não com tão forte conteúdo religioso, foram encontradas para outras áreas do Sudeste. O caso da rebelião de Carrancas, na Comarca do Rio das Mortes, em Minas Gerais, é sugestivo e inusitado, pois envolveu escravos de zona rural e de variadas origens étnicas.

A freguesia tinha população composta por uma maioria de escravos, que representavam 65,2% dos habitantes, em 1835.44 44 As informações sobre a Rebelião de Carrancas e os dados populacionais foram retirados de Marcos Ferreira de Andrade, "Rebeliões escravas nas Minas Gerais – século XIX – O caso Carrancas", Trabalho apresentado no Congresso Luso-Brasileiro: Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários, promovido pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, realizado entre os dias 9 e 12 de novembro de 1999, Lisboa, Mimeo. Entre eles, 56,3% haviam nascido na África. Os demais eram crioulos. Estas proporções, entretanto, sofriam variações, dependendo do distrito considerado. Em alguns, a população crioula era majoritária.

Em 1833, três escravos (Ventura, de nação mina, Domingos, crioulo, e Julião, congo) mataram o filho de seu senhor – Gabriel Francisco Junqueira, membro de uma das famílias mais proeminentes da região e deputado pela Província de Minas Gerais no Parlamento –, que supervisionava o serviço, na ausência do pai. Depois do ocorrido, outros se juntaram aos indicados como assassinos e, em grupo de oito, dirigiram-se à sede de uma outra fazenda e mataram todos os brancos que lá estavam. Segundo Marcos Andrade,

O total de pessoas assassinadas pelos escravos corresponde a nove integrantes da família Junqueira, a saber: Fazenda Campo Alegre – Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, Juiz de paz do Curato da Serra das Letras. Fazenda Bela Cruz – José Francisco Junqueira e sua mulher Antônia Maria de Jesus; Manoel José da Costa e sua mulher Emiliana Francisca Junqueira e seus filhos José, de cinco anos de idade, e Maria, de dois meses; Ana Cândida da Costa, viúva de Francisco José Junqueira; Antônia, filha legítima de Manoel Villela, de 4 anos de idade. Fazenda Bom Jardim – Francisco da Costa foi assassinado no caminho quando parte da escravaria seguia em direção à mencionada fazenda.

45 45 Ibidem, p. 8.

De acordo com relato de uma autoridade, também foram assassinados dois pretos, sem maiores indicações sobre seus papéis no ocorrido. O líder indicado era Ventura, nação mina. Quando se dirigiram a uma outra fazenda, segundo consta no processo criminal, "para continuar a matar os brancos", encontraram resistência e foram vencidos. Cinco dos escravos insurretos foram mortos, entre eles o líder Ventura. Consta que, nos caminhos para as fazendas, o grupo foi sendo ampliado e até mulheres e crianças dele tomaram parte.

No processo então instaurado, para determinar quais eram os líderes, os planos e se pessoas livres tinham participado, nos depoimentos das 51 testemunhas foi recorrente a alusão ao fato de que o levante de1833 foi resultado dos planos fracassados de uma tentativa anterior, de 1831, quando as intenções dos insurgentes foram descobertas a tempo.46 46 Sobre a tentativa frustrada de 1831, ver ibidem, p. 152-162. Ventura, mina, foi indicado por várias testemunhas como o grande líder, inclusive tendo elaborado o plano desde o momento em que chegou à fazenda de seu senhor, vindo do Rio de Janeiro. Segundo Marcos Andrade,

O que se pode depreender dos autos é que Ventura era um escravo de "gênio fogoso e ardente, era empreendedor, ativo, laborioso, tinha uma grande influência sobre os réus e estranhos de quem era amado, respeitado e obedecido".

47 47 Ibidem, p. 12.

Em carta do Juiz de Paz de Baependi, Ventura foi referido como o "que se havia coroado Rei dos escravos".48 48 Ibidem, p. 12.

A composição dos que foram acusados como participantes do levante faz com que se corrobore a idéia de que as diferenças étnicas poderiam ser superadas, quando estava em questão um inimigo comum. Realmente, era muito variada a origem dos envolvidos. Minas, cassanges, angolas, benguelas, congos, moçambiques e crioulos formavam o grupo. Estes dados contrastam com as revoltas urbanas da Bahia da primeira metade do século XIX, onde, em nenhuma, de mais de uma vintena de revoltas já estudadas, os crioulos e/ou pardos tomaram parte.

No caso de Carrancas, dois escravos tidos como líderes, inclusive assim por eles próprios considerados, Roque e Jerônimo, eram crioulos e exerciam a atividade de tropeiros, fazendo constantes viagens ao Rio de Janeiro, de onde deveriam trazer armamentos. A revolta contou com a participação de escravos de diversos proprietários e o objetivo, segundo depoimento de testemunhas, era matar todos os brancos e tomar suas propriedades. O número dos envolvidos no levante é difícil de ser computado. Segundo Marcos Andrade, deve ter oscilado entre 40 e 60. Consta, também, que um senhor de escravos, Francisco Silvério Teixeira, fazendeiro e negociante, morador em freguesia vizinha à de Carrancas, dono de 19 escravos, incentivou a rebelião, dando informações falsas sobre os caramurus já terem, em Ouro Preto, libertado os escravos, por serem contra a escravidão. Em suma, também foram envolvidos acontecimentos políticos da Província de Minas, de que se teriam aproveitado os escravos para iniciar a revolta.

Consta, inclusive, que alguns escravos defenderam as famílias ameaçadas, lutando contra os insurretos, embora não tenham sido identificadas suas origens.49 49 Cf. Marcos Ferreira de Andrade, "Fortuna, família e poder no Império do Brasil: Minas-Companhia da Princesa (1799-1850)", Tese de Doutorado, apresentada à Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005. De qualquer forma, fica claro que nem todos os escravos foram partidários dos acontecimentos ou coniventes com eles.

A revolta de Carrancas não foi a única ocorrida em zona rural, embora a violência dos escravos para com os senhores e a punição severa dos acusados a tenha tornado especialmente diferente das demais. Por ter sido amplamente divulgada, embora não nos jornais, tornou-se, provavelmente, um antecedente perigoso e um grande alerta para a sociedade imperial. Realmente, a partir de meados da década de 1830, proliferou a quantidade de rumores sobre insurreições de cativos, muitos destituídos de fundamentos, e aumentou bastante a fobia aos africanos, considerados os líderes das rebeliões e das fugas.

O levante dos malês aconteceu dois anos depois. Desbaratado, iniciou-se uma política de expulsão de africanos libertos da cidade de Salvador, Bahia. Considerados mais difíceis de controlar do que os africanos escravos, por terem a liberdade de movimento, a administração local, com receio de uma nova insurreição, deportou inúmeros libertos, suspeitos de conspiração. Mais de 400 passaportes foram expedidos pelo governo da Bahia a pessoas e a famílias de forros, que os solicitavam.50 50 Cf. Pierre Verger, Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX, Tradução de Tasso Gadzanis, São Paulo, Corrupio, 1987; Idem, Os libertos. Sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX, São Paulo, Corrupio, 1992; Gilberto Freyre, op. cit.

Poucos anos depois, em Vassouras,51 51 A sublevação de Vassouras, de 1838, foi estudada por Flávio dos Santos Gomes, Histórias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro – século XIX, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995. desta vez na Província do Rio de Janeiro, em 1838, um grupo de cerca de 80 escravos do Capitão-Mor Manuel Francisco Xavier abandonou a fazenda e dirigiu-se para outra, do mesmo proprietário, roubando mantimentos e ferramentas, além de arregimentar outros escravos (a escravaria do capitão-mor, em duas fazendas, chegava a quase 500 cativos), e fugiu para a mata, onde se encontrou com outro grupo de escravos, que também havia fugido da fazenda de seu proprietário, Paulo Gomes Ribeiro de Avelar.

Flávio Gomes denomina o evento de levante quilombola, pois o objetivo claro dos escravos era refugiar-se nas matas e formar um quilombo.52 52 Ibidem, cap. II. Eram centenas de fugitivos, o que levou o pânico às autoridades, aos proprietários e até mesmo à Corte do Rio de Janeiro. Um grande aparato policial foi rapidamente acionado para pôr fim à fuga, e os discursos das autoridades e dos líderes da repressão manifestaram grande apreensão sobre os riscos que a ordem e o sossego público corriam, caso o movimento fosse coroado de êxito.

A perseguição aos fugitivos foi rápida e relativamente eficaz, pois mobilizava cerca de 200 homens bem armados.53 53 Ibidem, p. 196. Consta que os líderes foram Manuel Congo (escravo do capitão-mor), tido como o futuro rei do quilombo, e Epifânio Moçambique (escravo de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar). Há indicação de que havia uma rainha, Mariana Crioula. Também nestes discursos, como nos de Carrancas, houve referência a rei e rainha, o que pode ser interpretado, talvez, como recriação de sistemas hierárquicos e rituais de origem africana. Outro escravo, Miguel Viado, crioulo, também foi apontado como um dos líderes. No processo-crime instaurado, foram indiciados 17 escravos. Somente um, Epifânio, era escravo de um senhor diferente. Os demais eram do Capitão-Mor Manuel Francisco Xavier. Manuel Congo recebeu a pena de morte, oito foram absolvidos e sete foram condenados a 650 açoites, além de andarem três anos com gonzo de ferro ao pescoço. Manuel Congo foi enforcado no início de setembro de 1839, pouco menos de um ano depois da sublevação.

O Capitão-Mor Manuel Francisco Xavier morreu em 1840 e teve seu inventário aberto. Nele, consta que tinha uma escravaria de 440 pessoas, composta majoritariamente por escravos de origem africana (89%) e um extremo desequilíbrio entre homens e mulheres: era de somente 15% a proporção de mulheres. Quanto à origem, 87,2% deles eram da costa centro-ocidental e 11% da África oriental, de variadas etnias, imperando benguelas, congos, cabindas e moçambiques, portanto, grande maioria de língua banto. Flávio Gomes acredita que

Foi nesse caldeirão étnico africano que os escravos do referido capitão-mor, juntamente com outros, pertencentes a diversos fazendeiros da região de Vassouras, fermentaram e desenvolveram um senso de comunidade e também uma cultura escrava que com certeza possibilitou a organização do levante.

54 54 Ibidem, p. 214.

Gomes, portanto, vislumbra, como Robert Slenes, a existência de comunidade escrava para além das diferenças étnicas, criada a partir da experiência do cativeiro. Houve predomínio, no movimento, de escravos do grupo lingüístico banto, mas crioulos também participaram. Assim como em outros processos analisados, a exemplo do de Carrancas, pouco fica explicitado sobre os motivos que levaram os escravos à rebelião. Sintomático ter ocorrido tanto em Carrancas quanto em Vassouras este silêncio dos acusados. Provavelmente, os motivos que levaram à revolta poderiam ser tais que colocariam muitos contra os senhores e a favor dos escravos.

Segundo Flávio Gomes, a impressão que se tem ao ler os autos do processo é a de que,

(...) se considerarmos a velocidade e a truculência com que essas mesmas autoridades efetivaram a repressão aos fugitivos naquela mata, é possível supor também que eles quase arrancaram os depoimentos dos cativos. Tudo parecia estar preparado. Para tantos escravos que se revoltaram e fugiram para formar um quilombo, deveria haver um ou mais líderes. Em meio a numerosos revoltosos era necessário punir alguns de forma implacável, exemplar e imediata.

55 55 Ibidem, p. 220.

Também Marcos Andrade teve esta impressão, ao analisar os autos do processo de Carrancas – imediatismo e necessidade de castigo exemplar.

Dos 16 escravos do capitão-mor, indiciados no processo, nove eram homens e sete, mulheres. Somente Miguel Viado, apontado como um dos líderes, era crioulo. Os demais eram da África – três benguelas, dois angolas, um cabinda, um moçambique e um congo. Todos bantos. Entre as mulheres, quatro eram crioulas (inclusive a rainha Mariana), uma conga, uma mofumbe e uma angola. Não havia escravos da África ocidental. Dos escravos citados – mas que não foram indiciados – a composição foi de 14 homens e uma mulher conga. Todos os homens eram da África: seis benguelas, dois moçambiques, dois angolas, um rebolo, um quissamã, um cabinda e um sem referência. Bantos, de novo.

É realmente impressionante a diferença nas associações entre as etnias na Bahia e no sudeste do Brasil. Não se pode deixar de considerar a origem destes escravos para explicar grande parte das opções que fizeram, tanto para solidariedades quanto para revoltas. É certo que, na Bahia, com africanos majoritariamente oriundos da parte ocidental do continente, com um mosaico muito mais diversificado de etnias e de troncos lingüísticos, a convivência e as associações devem ter sido mais difíceis, não obstante a experiência comum do cativeiro. No Sudeste, ao contrário, apesar das variações étnicas e de muitos serem inimigos históricos, a experiência do cativeiro e a unidade lingüística aparentemente propiciaram maior interação do que dissensão, o que vem explicar a composição multiétnica das lideranças envolvidas nas revoltas e nos levantes.

Mariza Soares56 56 Cf. Mariza de Carvalho Soares, "Identidade étnica, religiosidade e escravidão. Os 'pretos mina' no Rio de Janeiro (século XVIII)", Tese de Doutorado, Niterói, UFF, 1997. chama a atenção para um aspecto interessante. Ao analisar os casamentos entre escravos, chegou à conclusão de que, no Rio de Janeiro do século XVIII, os matrimônios entre os africanos tendiam à endogamia. Os minas, apesar de terem existido em número mais expressivo no Rio de Janeiro do que até então se pensava, eram a esmagadora minoria na população escrava. Eram eles, entretanto, os que mais casavam fora de sua etnia. Enquanto somente 23% das mulheres angolas casavam com homens não-angolas, 67% de mulheres minas casaram com homens de etnia diferente da sua. Na Bahia, de final do século XVIII e primeira metade do XIX, onde os minas eram maioria, a tendência era inversa: mina casava mais com mina do que os angolas o faziam dentro de sua própria etnia.57 57 Cf. Kátia M. de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1982. Seria, então, uma mera questão quantitativa, ou seja, quanto maior o número de elementos de uma mesma etnia, maior o fechamento do grupo em torno de si mesmo? Pouco provável.

Acho que outras podem ser as explicações. Mariza Soares tem razão, ao concluir que

(...) as opções matrimoniais são, como se vê, um excelente campo de análise para pensar as diferentes alternativas de organização dos grupos de procedência mostrando como as opções podem se alterar de acordo com o lugar, a época e as condições a que os grupos estão submetidos.

58 58 Mariza de Carvalho Soares, 997, op. cit., p. 105.

Há pelo menos quatro aspectos utilizados pelos pesquisadores para discutir a presença ou a ausência de formação de identidades, de comunidade ou de classe social. São eles as revoltas, os casamentos, as relações de compadrio e as irmandades. Nos primeiros, tentam-se detectar as alianças possíveis entre os escravos de diversas origens, para se perceber o grau de coesão em momentos de tensão. Os casamentos, por sua vez, indicariam a maior ou menor freqüência de alianças matrimoniais entre escravos de variadas origens, para se tentar perceber a exogamia ou a endogamia, ou seja, a superação ou não das diferenças étnicas. Com os registros de batismo, perscrutam-se as relações entre as famílias dos batizandos e seus padrinhos, quase sempre questionandose se eram de um mesmo senhor, se libertos ou livres, de forma a perceber mobilidade e alianças. Nas irmandades, por sua vez, aparentemente mais organizadas, atesta-se a inclusão ou a exclusão de determinadas pessoas.

Creio que há certa unanimidade entre os historiadores em considerar que na constituição de parentelas – o matrimônio, os laços consangüíneos, por meio do nascimento de filhos, e o compadrio – é que se baseia a instauração de comunidades e a geração de identidades de grupo. As irmandades, pode-se considerar, seriam uma outra esfera de organização, agregando elementos de diversas comunidades, mas com pontos em comum.

Uma grande questão que se apresenta, agora, é saber o que é comunidade. Nenhum dos autores citados chega a discutir o conceito nem definir o que se está entendendo por tal. Usa-se comunidade como se houvesse um consenso sobre seu significado. Não há. G. A. Hillery, há décadas atrás, analisou 94 definições de "comunidade" em diversos autores e chegou à conclusão de que "exceto quanto à concordância pacífica de que as pessoas vivem em comunidade, nenhum consenso existe entre os cientistas sociais quanto à sua natureza".59 59 G. A. Hillery, "Definitions of community: areas of agreement", Rural sociology, 1955, v. 20, p. 119. Alguns empregavam o termo num sentido mais amplo, confundindo-o com sociedade, organização social ou sistema social. Alguns até mesmo o identificam com a idéia de nação. A maioria, entretanto, relaciona-o a um lugar territorial específico, inclusive no tempo. B. E. Mercer o definiu da forma que mais se aproxima da interpretação que imagino terem os pesquisadores brasileiros aqui citados: uma unidade local, numa época determinada, partilhada por pessoas com cultura comum e que apresentam uma identidade distinta como grupo.60 60 Cf. B. E. Mercer, The American community, Nova Iorque, Randon House, 1956. Parece-me, inclusive, a definição mais adequada.

Percebo que há fatores complicadores. Uma região poderia conter uma pluralidade de comunidades escravas? Carlos Engermann, em artigo recente, tenta perceber a formação de comunidade escrava em fazendas do século XIX do Sudeste com grande número de escravos.61 61 Cf. Carlos Engermann, "Da comunidade escrava e suas possibilidades, séculos XVII-XIX", Manolo Florentino, Tráfico, Cativeiro e Liberdade. Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005. Analisa, desta forma, o parentesco entre os escravos destas inchadas escravarias, convencido de que esta é a base da formação da comunidade. A formação de comunidade escrava, então, estaria somente acessível às grandes unidades escravistas. Só que, no Sudeste (como, de resto, em todo o Brasil), a maioria das unidades produtivas eram constituídas por pequeno número de escravos. Estes escravos, então, para o autor, não estariam em nenhuma comunidade. Engermann tenta resolver o problema, analisando as relações de compadrio e percebe que as havia freqüentes entre escravos de senhores diferentes. Mas, em momento algum indica que estes laços tenderiam a criar uma comunidade escrava mais ampla do que a das grandes unidades produtivas.

Tendo, hoje, a considerar que a escravidão no Brasil formou comunidades escravas, sem dúvida, no plural, incluindo escravos de pequenas unidades produtivas. Poucas regiões poderiam ter condições de criar uma singular comunidade escrava. A maioria, entretanto, principalmente pela grande variedade de origem e de heranças culturais de seus membros, criou comunidades separadas, nem sempre oponentes ou inimigas, mas que estabeleciam, por meio da vida no cativeiro, solidariedades, espírito de grupo, identidade e proteção mútua. É claro que tal possibilidade estava mais acessível para escravos de grandes unidades produtivas, mas dela poderiam participar os de outros senhores, inclusive dos pequenos.

Se o estabelecimento de relações de parentesco pode ser considerado como o substrato fundamental para a formação de comunidade, no que concordo, que papel representaria a irmandade? Afinal, as irmandades estabeleciam alianças entre os denominados "irmãos", que assim se viam, se sentiam e se autodenominavam. Mas este tipo de organização foi o que mais segregou, ao estabelecer regras para a aceitação de membros, quase sempre relacionadas à origem. A irmandade, então, teria dificultado a criação de comunidades escravas mais amplas, embora fosse nelas que se encontravam escravos de diversos senhores, permitindo alianças interescravarias.

Chego a considerar que, de uma forma ou de outra, fosse pela criação de parentelas, dentro das unidades produtivas e entre elas, fosse pela irmandade, os escravos estabeleceram relações que visavam compartilhar, amparar e suportar as duras condições de cativeiro que se viram obrigados a viver. Dependendo da região e do período histórico, foi possível criar sentimentos mais amplos de interesse comum que levassem a revoltas, reunindo conjunturalmente pessoas de comunidades diferentes. Mas eram comunidades.

Argumenta-se, acertadamente, que conflitos tendiam a superar muitas divergências. O interessante é que, nas revoltas do Sudeste, ocorreu tal tipo de associação, mas não na Bahia. As heranças culturais de escravos oriundos da Baía do Benin seriam mais fortes do que as dos grupos bantos? Pode ser. Neste caso, Roger Bastide teria razão. Bantos seriam mais suscetíveis de assimilar outros padrões culturais. Mas não me parece uma boa resposta.

À guisa de conclusão, sugiro que o estado atual das pesquisas sobre identidade e formação de comunidade entre escravos permite pelo menos duas ponderações. As afirmações de Manolo Florentino e José Roberto Góes, de um estado de guerra constante nas escravarias, alimentado pelo tráfico africano, no Sudeste, impedindo a formação de comunidades escravas, dariam mais certo para a Bahia do que para o Rio de Janeiro e Minas Gerais, especificamente na primeira metade do século XIX. Quanto aos argumentos de Hebe Mattos, creio que esteja certa ao dizer que, em casos de revoltas, determinadas solidariedades poderiam ser aguçadas, aproximando africanos de variadas etnias e crioulos de diversas ascendências. Mas não para a Bahia. O certo é que, em tempos de paz e na vida cotidiana e comunitária, num ou noutro lugar, as hierarquias prevaleciam, segregando grupos, dependendo das variáveis do momento e do tempo de vida dos africanos nas propriedades.

Artigo recebido em outubro de 2005 e aprovado para publicação em julho de 2006. É produto de pesquisa financiada pelo CNPq com bolsa de produtividade.

  • 1 Este tipo de enfoque predomina desde pelo menos os trabalhos de Caio Prado Júnior, da década de 1940 (cf. Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo [1Ş ed. 1942] São Paulo, Brasiliense),
  • passando pela denominada Escola Sociológica Paulista (cf. Florestan Fernandes, A Integração do Negro na Sociedade de Classes, 2 vols., São Paulo, Editora Ática, 1978;
  • Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o Negro na Sociedade Escravocrata do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977,
  • 4 Ver, entre outros, Robert Slenes, Na Senzala uma Flor: as esperanças e as recordações na formação da família escrava Brasil, sudeste, século XIX, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998;
  • Manolo Garcia Florentino & José Roberto Góes, A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c.1850, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977;
  • Eduardo França Paiva, Escravidão e universo cultural na Colônia. Minas Gerais, 1716-1789, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001;
  • Mariza de Carvalho Soares, Devotos da cor. Identidade, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000;
  • 5 Cf. Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala: as Origens da Família Patriarcal Brasileira (1Ş ed. 1933), Rio de Janeiro, José Olympio, 1987.
  • 7 Hebe Maria Mattos, A Cor Inexistente. Os significados da Liberdade no Sudeste Escravista, 2Ş ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998, p. 127.
  • 13Camboa, segundo o dicionário de Moraes Silva, significa: Lago, ou estreito à beira-mar, com porta por onde entra o peixe com a maré, e fica seco na vasante. Cf. Antônio de Moraes Silva, Dicionário da Língua Portuguesa. [1789], Lisboa, Typografia Lacerdina, 1813.
  • 14 João José Reis & Eduardo Silva, Negociação e conflito. A resistência negra no Brasil escravista, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 123.
  • 20 Cf. Sheila de Castro Faria, Sinhás Pretas, "Damas Mercadoras". As pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de São João Del Rey (1700-1850), Tese para concurso de Professor Titular em História do Brasil, novembro de 2004, Mimeo.
  • 21 Cf. Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, 5Ş ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977.
  • 22 Cf. Arthur Ramos, As Culturas Negras no Novo Mundo, 3Ş ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979.
  • 23 Cf. Roger Bastide, As Religiões Africanas no Brasil, 2 vols., São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1972.
  • 24 Cf. Márcio de Sousa Soares, "A doença e a cura: saberes médicos e cultura popular na Corte imperial", Dissertação de Mestrado, Niterói, UFF, 1999.
  • 25 Cf. Mary Catherine Karasch, A vida dos escravos no Rio de Janeiro. 1808-1850, São Paulo, Companhia das Letras, 1979.
  • 26 Cf. Willy Craemer; Jan Vansina; e Renée Fox, "Religious Movements in Central Africa: a theoretical study", Comparative Studies in Society and History (18), 1976.
  • 27 Kabengele Munanga, "Origem e histórico do quilombo na África", Revista USP, São Paulo, (28): 56-63, dezembro/fevereiro, 1995-1996, p. 62.
  • 31 Cf. Robert Slenes, "'Malungu, Ngoma vem'!: África coberta e descoberta no Brasil", Redescobrir os Descobrimentos: as Descobertas do Brasil, São Paulo, Revista USP, Ed. 12 (dez, jan, fev), 1990-1992.
  • 33 John Thornton, Africa and Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-1680, New York, Cambridge University Press, 1992.
  • 44 As informações sobre a Rebelião de Carrancas e os dados populacionais foram retirados de Marcos Ferreira de Andrade, "Rebeliões escravas nas Minas Gerais século XIX O caso Carrancas", Trabalho apresentado no Congresso Luso-Brasileiro: Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários, promovido pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, realizado entre os dias 9 e 12 de novembro de 1999, Lisboa, Mimeo.
  • 49 Cf. Marcos Ferreira de Andrade, "Fortuna, família e poder no Império do Brasil: Minas-Companhia da Princesa (1799-1850)", Tese de Doutorado, apresentada à Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
  • 50 Cf. Pierre Verger, Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX, Tradução de Tasso Gadzanis, São Paulo, Corrupio, 1987;
  • Idem, Os libertos. Sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX, São Paulo, Corrupio, 1992;
  • 51 A sublevação de Vassouras, de 1838, foi estudada por Flávio dos Santos Gomes, Histórias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro século XIX, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.
  • 56 Cf. Mariza de Carvalho Soares, "Identidade étnica, religiosidade e escravidão. Os 'pretos mina' no Rio de Janeiro (século XVIII)", Tese de Doutorado, Niterói, UFF, 1997.
  • 57 Cf. Kátia M. de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1982.
  • 59 G. A. Hillery, "Definitions of community: areas of agreement", Rural sociology, 1955, v. 20, p. 119.
  • 60 Cf. B. E. Mercer, The American community, Nova Iorque, Randon House, 1956.
  • 61 Cf. Carlos Engermann, "Da comunidade escrava e suas possibilidades, séculos XVII-XIX", Manolo Florentino, Tráfico, Cativeiro e Liberdade. Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.
  • 1
    Este tipo de enfoque predomina desde pelo menos os trabalhos de Caio Prado Júnior, da década de 1940 (cf. Caio Prado Júnior,
    Formação do Brasil Contemporâneo [1ª ed. 1942] São Paulo, Brasiliense), passando pela denominada Escola Sociológica Paulista (cf. Florestan Fernandes,
    A Integração do Negro na Sociedade de Classes, 2 vols., São Paulo, Editora Ática, 1978; Fernando Henrique Cardoso,
    Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o Negro na Sociedade Escravocrata do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, entre outros).
  • 2
    Esta é a interpretação, principalmente de Caio Prado Júnior, bastante explícito no aspecto referido: "Mas há outra circunstância que vem caracterizar ainda mais desfavoravelmente a escravidão moderna: é o elemento de que se teve de lançar mão para alimentá-la. Foram eles os indígenas da América e o negro africano, povos de nível cultural ínfimo, comparado ao de seus dominadores. (...) Na América (...) a que assistimos? Ao recrutamento de povos bárbaros ou semibárbaros, arrancados do seu habitat natural e incluídos, sem transição, numa civilização inteiramente estranha. (...) A contribuição do escravo preto ou índio para a formação brasileira é, além daquela força motriz, quase nula. Não que deixasse de concorrer, e muito, para a nossa 'cultura', no sentido amplo em que a antropologia emprega a expressão; mas é antes uma contribuição passiva, do simples fato da presença dele e da considerável difusão de seu sangue, que uma intervenção ativa e construtora. O cabedal de cultura que traz consigo da selva americana ou africana, e que não quero subestimar, é abafado, e se não aniquilado, deturpa-se pelo estatuto social, material e moral a que se vê reduzido seu portador. E aponta por isso apenas, muito timidamente, aqui e acolá. Age mais como fermento corruptor da outra cultura, a do senhor branco que se lhe sobrepõe" (Caio Prado Júnior,
    op. cit., p. 271-272).
  • 3
    Esta é a interpretação, entre outros, de Florestan Fernandes, que, embora não com o mesmo discurso de Caio Prado Júnior sobre a inferioridade cultural do negro, na África, em relação à cultura do branco, pressupõe que tudo de suas culturas tenha sido perdido na sua transformação em escravo (cf. Florestan Fernandes,
    op. cit.).
  • 4
    Ver, entre outros, Robert Slenes,
    Na Senzala uma Flor: as esperanças e as recordações na formação da família escrava – Brasil, sudeste, século XIX, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998; Manolo Garcia Florentino & José Roberto Góes,
    A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c.1850, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977; Eduardo França Paiva,
    Escravidão e universo cultural na Colônia. Minas Gerais, 1716-1789, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001; Mariza de Carvalho Soares,
    Devotos da cor. Identidade, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000;
    Idem, "O Império de Santo Elesbão na cidade do Rio de Janeiro, no século XVIII",
    Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, vol. 4., Rio de Janeiro, 7 Letras, 2002;
    Idem, "From Gbe to Yoruba: Ethnic Change and the Mina Nation in Rio de Janeiro", Texto mimeo., 2004.
  • 5
    Cf. Gilberto Freyre,
    Casa Grande & Senzala: as Origens da Família Patriarcal Brasileira (1ª ed. 1933), Rio de Janeiro, José Olympio, 1987.
  • 6
    Manolo Florentino & José Roberto Góes,
    op. cit., p. 35.
  • 7
    Hebe Maria Mattos,
    A Cor Inexistente. Os significados da Liberdade no Sudeste Escravista, 2ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998, p. 127.
  • 8
    Ibidem, p. 135.
  • 9
    Cf. Robert Slenes, op. cit.
  • 10
    Cf.
    Ibidem.
  • 11
    Ibidem, p. 53.
  • 12
    O documento foi encontrado por Stuart Schwartz.
  • 13
    Camboa, segundo o dicionário de Moraes Silva, significa:
    Lago, ou estreito à beira-mar, com porta por onde entra o peixe com a maré, e fica seco na vasante. Cf. Antônio de Moraes Silva,
    Dicionário da Língua Portuguesa. [1789], Lisboa, Typografia Lacerdina, 1813.
  • 14
    João José Reis & Eduardo Silva,
    Negociação e conflito. A resistência negra no Brasil escravista, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 123.
  • 15
    Citado por João José Reis & Eduardo Silva,
    op. cit., p. 105.
  • 16
    Cf.
    ibidem.
  • 17
    Era o caso da resistência escrava na Virgínia, estudada por Gerald Mullin, da revolução escrava do Haiti, da conspiração de Gabriel Prosser, em Richmond, em 1808, e da rebelião jamaicana de 1831, todas com liderança e participação expressiva de crioulos. Cf.
    Ibidem, p. 103.
  • 18
    Ibidem, p. 103.
  • 19
    Manolo Florentino & José Roberto Góes,
    op. cit., p. 154-155.
  • 20
    Cf. Sheila de Castro Faria,
    Sinhás Pretas, "Damas Mercadoras". As pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de São João Del Rey (1700-1850), Tese para concurso de Professor Titular em História do Brasil, novembro de 2004, Mimeo.
  • 21
    Cf. Nina Rodrigues,
    Os Africanos no Brasil, 5ª ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977.
  • 22
    Cf. Arthur Ramos,
    As Culturas Negras no Novo Mundo, 3ª ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979.
  • 23
    Cf. Roger Bastide,
    As Religiões Africanas no Brasil, 2 vols., São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1972.
  • 24
    Cf. Márcio de Sousa Soares, "A doença e a cura: saberes médicos e cultura popular na Corte imperial", Dissertação de Mestrado, Niterói, UFF, 1999.
  • 25
    Cf. Mary Catherine Karasch,
    A vida dos escravos no Rio de Janeiro. 1808-1850, São Paulo, Companhia das Letras, 1979.
  • 26
    Cf. Willy Craemer; Jan Vansina; e Renée Fox, "Religious Movements in Central Africa: a theoretical study",
    Comparative Studies in Society and History (18), 1976.
  • 27
    Kabengele Munanga, "Origem e histórico do quilombo na África",
    Revista USP, São Paulo, (28): 56-63, dezembro/fevereiro, 1995-1996, p. 62.
  • 28
    Ibidem, p. 63.
  • 29
    Cf. Márcio de Sousa Soares,
    op. cit.
  • 30
    Cf. Mary Karasch,
    op. cit..
  • 31
    Cf. Robert Slenes, "'Malungu, Ngoma vem'!: África coberta e descoberta no Brasil",
    Redescobrir os Descobrimentos: as Descobertas do Brasil, São Paulo, Revista USP, Ed. 12 (dez, jan, fev), 1990-1992.
  • 32
    Mary Karasch,
    op. cit., p. 355.
  • 33
    John Thornton,
    Africa and Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-1680, New York, Cambridge University Press, 1992.
  • 34
    Cf. Márcio de Sousa Soares, 1999.
  • 35
    Cf. Robert Slenes, 1991-1992,
    op. cit.
  • 36
    Cf. Erik Wright, "Varieties of marxist conception of class structure", Mimeo. Madison, 1979,
    apud João José Reis & Eduardo Silva,
    op. cit., p. 104.
  • 37
    João José Reis & Eduardo Silva,
    op. cit., p. 104.
  • 38
    Cf. Karl Marx & Friedrich Engels,
    The German Ideology, Moscou, Progress, 1968,
    apud João José Reis & Eduardo Silva,
    op.cit., p. 104.
  • 39
    João José Reis & Eduardo Silva,
    op. cit., p. 105.
  • 40
    Ibidem, p. 106.
  • 41
    Ibidem, p. 107.
  • 42
    Ibidem, p. 109.
  • 43
    Ibidem, p. 117.
  • 44
    As informações sobre a Rebelião de Carrancas e os dados populacionais foram retirados de Marcos Ferreira de Andrade, "Rebeliões escravas nas Minas Gerais – século XIX – O caso Carrancas", Trabalho apresentado no Congresso Luso-Brasileiro:
    Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários, promovido pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, realizado entre os dias 9 e 12 de novembro de 1999, Lisboa, Mimeo.
  • 45
    Ibidem, p. 8.
  • 46
    Sobre a tentativa frustrada de 1831, ver
    ibidem, p. 152-162.
  • 47
    Ibidem, p. 12.
  • 48
    Ibidem, p. 12.
  • 49
    Cf. Marcos Ferreira de Andrade, "Fortuna, família e poder no Império do Brasil: Minas-Companhia da Princesa (1799-1850)", Tese de Doutorado, apresentada à Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
  • 50
    Cf. Pierre Verger,
    Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX, Tradução de Tasso Gadzanis, São Paulo, Corrupio, 1987;
    Idem,
    Os libertos. Sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX, São Paulo, Corrupio, 1992; Gilberto Freyre,
    op. cit.
  • 51
    A sublevação de Vassouras, de 1838, foi estudada por Flávio dos Santos Gomes,
    Histórias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro – século XIX, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.
  • 52
    Ibidem, cap. II.
  • 53
    Ibidem, p. 196.
  • 54
    Ibidem, p. 214.
  • 55
    Ibidem, p. 220.
  • 56
    Cf. Mariza de Carvalho Soares, "Identidade étnica, religiosidade e escravidão. Os 'pretos mina' no Rio de Janeiro (século XVIII)", Tese de Doutorado, Niterói, UFF, 1997.
  • 57
    Cf. Kátia M. de Queirós Mattoso,
    Ser escravo no Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1982.
  • 58
    Mariza de Carvalho Soares, 997, op. cit., p. 105.
  • 59
    G. A. Hillery, "Definitions of community: areas of agreement",
    Rural sociology, 1955, v. 20, p. 119.
  • 60
    Cf. B. E. Mercer,
    The American community, Nova Iorque, Randon House, 1956.
  • 61
    Cf. Carlos Engermann, "Da comunidade escrava e suas possibilidades, séculos XVII-XIX", Manolo Florentino,
    Tráfico, Cativeiro e Liberdade. Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Recebido
      Out 2005
    • Aceito
      Jul 2006
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