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O horror ocidental

TRADUÇÃO

O horror ocidental

Philippe Lacoue-Labarthe

Na origem desta curta fala,

(A ocasião dessa declaração foi uma representação teatral desse texto, antes uma leitura, pela sobriedade dos meios utilizados: David Warrilow, o ator preferido do último Beckett, ele mesmo nos últimos momentos de vida, minado por uma doença grave, contava simplesmente, em pé, apoiando-se à beira do palco, o tale de Conrad. Em francês. Nesta língua, portanto, que Conrad quase havia escolhido. E foi impressionante: ouvia-se de repente esse texto imenso como nenhuma outra leitura íntima e silenciosa, mesmo aplicada, teria permitido ouvi-lo. Ele era compreendido em toda a sua amplitude e profundidade. A voz extenuada de Warrilow, soberanamente desapegada, provocava uma emoção do pensamento que eu posso dizer, até hoje ainda, incomparável. Na saída da apresentação, encontrei Pierre Lagarde. Trocamos algumas palavras. Fiz, impactado pela revelação, essa declaração imprudente.)

Gostaria, diante de vocês, esta noite, de tentar me justificar. Não sei até que ponto o que vou ser levado a dizer irá coincidir com as preocupações de vocês ou se inscrever na problemática geral que é a sua. Também não sei se conseguirei me explicar melhor sobre o que resta da ordem, para mim, de uma fascinação. Este gênero de exercício, como se sabe, é perigoso. Minha fala será, portanto, um pouco experimental. Peço a vocês, antecipadamente, que me desculpem.

Quando digo: No coração das trevas é um dos maiores textos da literatura ocidental, penso, simultânea e indissociavelmente, em duas coisas: em sua potência mítica e naquilo que o constitui como acontecimento do pensamento. É impossível, legitimamente, fazer a separação: o mito do Ocidente, que essa história recapitula (mas para significar que o Ocidente é um mito), é literalmente o pensamento do Ocidente: aquilo que o Ocidente "conta" que ele precisa pensar sobre si mesmo: que ele é o horror - vocês sabem, vocês leram essas páginas.

Para efeitos de exposição, tenho, contudo, que dissociar. Vou fazê-lo da forma mais econômica possível.

O que há de mais marcante nesse texto, desde a primeira leitura, é a economia de sua enunciação: a "narrativa" propriamente dita (a subida do rio Congo até o domínio de Kurtz, o enigmático herói da fábula ou do mythos) é quase inteiramente assumida por Marlow, um personagem sobre o qual não se sabe praticamente nada, exceto que ele é ou que ele foi, segundo uma lei formalizada há pouco por Blanchot, o porta-voz (o "ele") graças ao qual Conrad (o "eu") pôde entrar em literatura. Bastante tardiamente, como sabemos. Em grande parte, de fato, essa narrativa é autobiográfica (escrita em 1899, ela relata uma viagem feita por Conrad entre a primavera e o inverno 1890); Conrad nunca o escondeu. Lidamos, então, aparentemente, com um dispositivo que se poderia qualificar, segundo a terminologia canônica de Platão, como "mimético" - isto é, penso na encenação de Jouanneau e no desempenho de Warrilow, como quase "teatral": o enunciador delega sua enunciação, o autor não fala em seu próprio nome, ele "fabuliza". Ora, isso não é tão simples: antes que Marlow comece sua narrativa, um "nós" anônimo conta que é durante uma conversa entre amigos, no convés de um barco ancorado no Tâmisa à espera da maré que lhe permitirá deixar Londres, que Marlow, meditando sobre a colonização da Inglaterra pelos romanos, decide relatar sua aventura africana. O "romance", se é que é um, durará o tempo dessa maré - cujo refluxo, in fine, que teria permitido a partida, será perdido pela falta de eloquência de Marlow - ; e as últimas linhas, vertiginosas, são assumidas pela voz narradora do próprio Conrad (o "eu" real, portanto) que mal se tinha ouvido antes, de maneira furtiva, em duas (muito breve) ocasiões. Cito a tradução de Mayoux: "Olhei para cima. O alto mar estava barrado por um banco de nuvens negras, e o tranquilo caminho de água que leva até os últimos confins da terra fluía sombrio sob um céu nublado - parecia levar ao coração de imensas trevas."

Vocês vão me perdoar, espero, por ter muito rapidamente cedido a essas considerações formais (seria necessário, de fato, realizar uma análise bem mais minuciosa). Elas não são inúteis por pelo menos duas razões.

A primeira é que esse dispositivo é o próprio dispositivo do mito, em todo caso na sua versão ocidental (digamos ainda mais uma vez: platônica já que, por comodidade e por necessidade, apeguei-me a essa referência). Mito quer dizer aqui, além das ditas considerações formais: uma palavra (nem simplesmente discurso, nem simplesmente narrativa) que se propõe por si própria, mediante o procedimento de algum testemunho, como portadora de verdade. Uma verdade inverificável, anterior a qualquer manifestação ou a qualquer protocolo lógico. Difícil demais de enunciar diretamente. Pesada demais ou penosa demais. Sobretudo obscura demais. Ela é, muito evidentemente, para Conrad, a própria obscuridade: as trevas, o horror. E é essa verdade, a verdade do Ocidente, que ele tenta atestar de forma tão complexa. Todo o empreendimento de Conrad consiste em encontrar uma testemunha daquilo que ele quer testemunhar. Os Antigos invocavam os deuses. Ele inventou Marlow. Mas é para fazer passar a mesma verdade, ou ao menos uma verdade da mesma ordem.

A segunda razão é a simples consequência da primeira: o "romance" de Conrad não comporta nenhum personagem (não digo: nenhuma figura), mas somente vozes. Marlow, isso é manifesto, é só uma voz: a voz do "recitante". Seus ouvintes no convés do barco ("nós", "eu"), são praticamente afônicos: eles escutam. Os "personagens" que Marlow diz ter encontrado (o russo, por exemplo, ou a "noiva" de Kurtz no final de sua narrativa), nós só os conhecemos por aquilo que eles disseram. Em um oratório (que é provavelmente a verdadeira forma dessa obra, mas não posso me demorar sobre isso aqui), a intervenção deles resultaria no máximo em duas melodias. A realidade é que tudo é construído, deliberadamente, em torno da oposição de duas vozes: a do indistinto "clamor" dos selvagens (o coro) e, bem entendido, a de Kurtz - que é certamente a figura desse mito ou o herói dessa ficção.

Precisamos ver um pouco mais de perto.

Ainda mais do que Marlow, Kurtz é ele próprio apenas uma voz. Primeiro, porque é assim - e por assim dizer unicamente assim - que Marlow o evoca: "O homem se apresentava como uma voz"; "Uma voz. Ele não passava de uma voz."

Mas, se Kurtz é apenas uma voz, Marlow sabe muito bem disso, é porque no seu íntimo - na sua natureza ou na sua essência - ele é apenas um homem de palavra. Quero dizer com isso um ser mítico, puramente mítico. E é deliberadamente, bem entendido, que utilizo aqui essas fórmulas equívocas.

Repetidas vezes, Marlow insiste na eloquência de Kurtz, seu dom mais manifesto. Evoca também seus talentos de escritor: ele não menciona apenas a monografia ("notável") sobre a colonização redigida por Kurtz a pedido da "Sociedade internacional para a supressão dos costumes selvagens" (cujo manuscrito contém, vocês se lembram, rabiscado na última página, esta frase terrível: "Que se exterminem todos esses brutos!"), ele alude também a seus poemas,

O que é um artista? Ou o que é um gênio? Como se pode aprender a partir de Platão, de Diderot, de Nietzsche, de toda a grande tradição ocidental (quero dizer com isso: da tradição ocidental na medida em que ela sabe que o artista é a figura por excelência do Ocidente), o artista ou o gênio é aquele a quem a natureza (physis) fez o dom - o dom inato, ingenium - de possuir todos os dons que suprem à sua própria limitação (o que os gregos chamam technè), começando pelo dom de todos os dons: a linguagem. Isso equivale a dizer que o artista ou o gênio é aquele que é propriamente próprio para tudo; ou, se vocês preferirem, que, não tendo nenhuma propriedade em si mesmo (senão esse dom misterioso), é capaz de se apropriar de todas. Diderot o mostrou, de maneira canônica, a partir do exemplo do grande ator. O artista ou o gênio é "o homem sem qualidades próprias", que dá título à obra-prima de Musil.

Isso é exatamente o que "é" Kurtz. Ele não é apenas apresentado como uma espécie de "gênio universal",

Duas consequências resultam disso:

1. Quanto à oposição, ou ao agôn, das duas vozes que estruturam a narrativa de Marlow: o clamor selvagem indiferenciado e a voz de Kurtz. São, pura e simplesmente, a voz da natureza (physis) e a voz da arte (technè). Uma frase os coloca rigorosamente em relação: "O murmúrio da selvageria tinha tido nele um eco barulhento porque ele era oco no centro." E é isso, por um lado, o que explica, por trás de sua aparente selvageria ou de sua violência, a profunda tristeza do clamor que ressoa regularmente ao longo da narrativa e a escande: é uma lamentação (e penso, na verdade, mais do que na dor de exploração e da escravidão, que está, contudo, inteiramente presente, na célebre frase de Benjamin: se a natureza pudesse falar, seria para se lamentar; a exploração colonial é em primeiro lugar a exploração da natureza), mas isso também explica, por outro lado, que o horror, à vertigem do qual sucumbe Kurtz, esse horror sobre o qual nada se sabe (O que ele viu? O que sofreu? Do que fala?), é menos o próprio horror "selvagem" do que aquele que o eco do clamor nele (em seu vazio "íntimo") revelou: é o seu "próprio" horror, ou melhor, o horror de sua ausência de todo ser-próprio. Tudo o que se pode imaginar a título da selvageria, da pré-história, do reino do terror puro, da abominação e do incompreensível, de um mistério sem nome, de uma crueldade, da potência das trevas; tudo isso, que o arrasta para a vertigem (e com ele, todos os que ele fascina) e o leva até mesmo ao êxtase, este "buraco negro", o "coração das trevas", é "ele" - o seu vazio - como fora dele. Se posso me permitir utilizar diante de vocês a terminologia de Lacan, quando ele fala precisamente do trágico (penso no seminário sobre A Ética da Psicanálise), direi que o horror é a Coisa - thing ou Ding (um nome para o ser, isto é, para o nada, o "nada de ente", em Heidegger, de quem Lacan o toma emprestado); ou, se vocês preferirem, que "o coração das trevas" é o êxtimo - o interior intimo meo de Agostinho, Deus, mas em exclusão interna. Talvez o mal... Deixo essa questão em aberto. Ao menos temporariamente.

2. Dizer que o horror é "ele", Kurtz, é dizer que o horror somos nós. Vocês terão notado que a fascinação do horror contamina todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, o abordaram ou ouviram: Marlow, é claro, mas também o russo (o bufão, o duplo derrisório de Kurtz: um bufão talvez sempre acompanhe uma figura, que ela se chame Dom Quixote, Rameau ou o Amo de Jacques o fatalista, Zaratustra, et alii), e até mesmo a "noiva" de Kurtz. Não há nenhum acaso se todos esses personagens, presos na armadilha da fascinação da Coisa, se defendem dela manipulando objetos: rebites e alvaiade, manual de navegação, tricô ou piano. A resposta à vertigem da technè é o afazer técnico. E é provavelmente também para conjurar o horror (da arte) que Kurtz buscou "se" perder no tráfico de marfim e na realeza colonial. Mas é esse o logro por excelência: o próprio logro ocidental, se o Ocidente - e Conrad sabia o que isso queria dizer: Sob os olhos do Ocidente - sempre terá recuado diante do pavor do saber (uma palavra para traduzir, em seu sentido pleno, a technè grega) refugiando-se no "savoir-faire". E se ele sempre terá confundido a capacidade (o dom) com o poder.

No pensamento filosófico moderno, é o que se terá revelado quando Nietzsche tiver nomeado como "vontade de potência" o dom (da arte) e pensado sob esse nome a essência do homem como sujeito. Ele não terá podido evitar que "potência", que significa "capacidade" (ou até mesmo, simplesmente, "gênio"), reunida à "vontade", viesse a se confundir com "poder": potentia com potestas. Sabe-se o que se seguiu (que Nietzsche, de resto, era o primeiro a temer). O notável é que Conrad, que ignoro se tinha lido Nietzsche ou não (e, aliás, pouco importa), tenha visto isso com tal precisão - e a partir do exemplo da colonização. (Vocês sabem, mencionando de passagem, que esse livro causou escândalo e que Gide teve a maior dificuldade para impor sua publicação na França nos anos 1920.) O recuo diante do horror é a barbárie ocidental porque ele é o inverso simples da fascinação pela Coisa: aquilo de que Kurtz, até o final, faz a prova literalmente impossível, desafiando qualquer potentia e qualquer potestas. Mas quando ele morre, ao mesmo tempo santificado e maldito (aqui seria necessária uma longa análise), o mal está feito: a África está destruída - e os ocidentais (nós) não se recuperarão.

A implementação desse pensamento difícil explica sem dúvida o extraordinário trabalho de escrita, como se diz, a que se entregou Conrad, que sabia perfeitamente estar produzindo ali uma das mais poderosas figurações do Ocidente jamais feitas. (Malraux, este anagrama quase perfeito de Marlow, se lembrará disso, ao menos desde A Tentação do Ocidente até O Caminho Real.) Não posso me prolongar aqui, mas eu gostaria apenas de mencionar os dois enunciados, aparentemente enigmáticos, com os quais Conrad designa seu tale, isto é, seu mito, como ele próprio "oco", a exemplo de seu herói. Contento-me em citá-los antes de tentar concluir para me aproximar um pouco das preocupações de vocês:

Os contos de marinheiros são de uma franca simplicidade, todo o sentido caberia na casca de uma noz aberta. Mas Marlow não era típico (exceto por sua mania de recitar contos); e para ele o sentido de um episódio não se encontra no interior, como de uma noz, mas no exterior, e recobre o conto [tale] que o suscitou, como uma luz suscita um vapor, à semelhança de um desses halos nebulosos que é às vezes revelado pela iluminação espectral do luar.

Não havia nenhum sinal na face da natureza deste conto [tale] estupefaciente que me foi menos dito do que sugerido por exclamações desoladas, completadas por movimentos de ombros, frases interrompidas, indicações terminando em profundos suspiros.

Desde o capítulo dos Ensaios de Montaigne dedicado aos "Canibais", uma longa tradição da literatura moderna (ela conduz pelo menos até Lévi-Strauss e Pierre Clastres) se interroga, pelo viés do que o Ocidente faz - aos "outros" - , sobre o que ele é. Tomada pela vertigem, no fundo (mas é um fundo sem fundo, um abismo), relativa ao poder de destruição infinito que é o seu: à sua propensão à exterminação. Conrad se inscreve nessa tradição. Só que, esta é sua originalidade, ele faz dessa vertigem seu próprio objeto.

Desde o início da narrativa - desde a evocação do encontro da ordem romana e das "trevas" bárbaras ou selvagens da futura Inglaterra ("E isso também, disse Marlow de repente, foi um dos lugares tenebrosos da terra") - , fica claro, se assim se pode dizer, que o Ocidente se define como uma gigantesca colônia. Era, muito antes de Roma, o caso dos gregos. E que, sob essa colônia, há o horror. Mas esse horror é menos aquele, de facto, da selvageria do que o poder de fascinação que ele exerce sobre os "civilizados", que ali reconhecem subitamente o "vazio" sobre o qual repousa - ou nunca consegue repousar - sua vontade de conjurar o horror. É o seu próprio horror que o Ocidente tenta fazer desaparecer. Daí a sua obra de morte e destruição, o mal que ele provoca e estende até os confins da terra - até essas zonas deixadas "brancas" nos mapas da África e que, no início, atraem irresistivelmente Marlow, ou seja, Kurtz. O Ocidente exporta seu mal íntimo: ele impõe seu êxtimo. Essa é sua maldição; e essa é a opressão a que ele submete a terra inteira: dor, tristeza, lamento interminável, luto que nenhum trabalho jamais reduzirá.

No coração das trevas é uma espécie de "estadia no inferno" ou de descida ao reino dos mortos, no modelo da nékyia homérica. A alusão às Parcas, quando Marlow é acolhido na sede da Companhia por mulheres que tricotam, é transparente e deliberada. E as referências ao inferno são incessantes. A hybris ocidental, excesso ou transgressão, é a vontade propriamente metafísica de atravessar a morte. A viagem de Marlow é uma viagem iniciática. O que está em jogo, todos os detalhes materiais o sublinham, é a revelação de uma técnica da morte - o que é afinal, se deixarmos a fórmula em sua equivocidade (tanto a que afeta a palavra "técnica" quanto a que resulta do duplo valor do genitivo), a melhor definição que se pode dar da vontade de potência ocidental. Aos ritos dos "selvagens", que são talvez um saber da morte, Kurtz, o artista (mas o artista fracassado), só terá sido capaz de opor uma técnica - de morte. Quanto ao artista involuntário ou por procuração, Marlow, o mitômano, que o destino de Kurtz terá realmente horrorizado (isto é, que terá realmente vislumbrado o horror), nada lhe restará, na volta, além do artifício da "mentira piedosa": ele não ousará dizer à "prometida" quais foram as últimas palavras de Kurtz, ele deixará o amor recobrir e maquiar o furor da transgressão, ele realizará a obra de santificação que desvia o olhar ocidental de sua própria maldade.

Os mitos, diz Schelling, não são "alegóricos": eles não dizem nada além do que dizem, e não têm outro sentido além daquele que enunciam. Eles são tautegóricos, uma categoria que Schelling toma de Coleridge. No coração das trevas não infringe essa regra. Não é de modo algum uma alegoria, por exemplo, metafísico-política. É a tautegoria do Ocidente. Ou seja, da arte (da technè). Que essa arte seja nesse caso a própria literatura, o uso propriamente mítico dessa technè originária que é a linguagem, deixa em aberto uma questão para a qual o esboço de análise que acabo de propor a vocês não pode pretender responder.

Eu me retenho, portanto, aqui. Esperando que estas breves observações - incoativas, estou perfeitamente consciente disso - tenham permitido vislumbrar o que há de horror, isto é, de selvageria, em nós.

Tradução de Alexandre Rosa

(Doutorando em Literaturas de Língua Francesa - UFRJ)

Philippe Lacoue-Labarthe (1940-2007), filósofo, germanista, tradutor e homem de teatro, professor de estética na Universidade de Strasbourg, foi o autor de inúmeros ensaios sobre filosofia e literatura, alguns em colaboração com Jean-Luc Nancy, dentre os quais podemos citar Le titre de la lettre (une lecture de Lacan) (com J.-L. Nancy, tradução em português: O título da letra. Escuta, 1991), e L'absolu littéraire (com J.-L. Nancy.) Seus interesses variados vão desde a poesia de Paul Celan (La póesie comme expérience, 1986) à música de Richard Wagner (Musica ficta (Figures de Wagner)), ao cinema de Pier Paolo Pasolini (Pasolini, une improvisation [d'une sainteté], 1995]). Ele retraduziu para o francês as duas traduções de Friedrich Hölderlin das tragédias de Sófocles (L'Antigone de Sophocle, 1978; Oedipe de Sophocle, 1998), peças que ele codirigiu, respectivamente com Michel Deutsch e J.-L. Martinelli, no Théâtre National de Strasbourg e no festival de teatro de Avignon, ambas pelo grupo permanente do Teatro Nacional de Strasbourg. Escreveu inúmeros ensaios sobre Martin Heidegger, dando especial ênfase ao problema do breve mas tenaz engajamento no nacional-socialismo deste último, em especial, La fiction du politique. Heidegger, l'art et la politique (1987), e Heidegger. La politique du poème (2002), e sobre Jean-Jacques Rousseau, La politique de l'histoire (2002). Em português há uma coletânea de seus ensaios, A imitação dos modernos (coorganização de Virginia Figueiredo e João Camillo Penna, Paz e Terra, 2000). Depois de seu falecimento, um certo número de obras póstumas começaram a ser publicadas, como os seus textos de crítica de arte, Écrits sur l'art (2009), e sobre Maurice Blanchot, Agonie terminée, agonie interminable. Sur Maurice Blanchot (2011, editado por Aristide Bianchi e Leonid Kharnalov, 2011). O ensaio "O horror ocidental" foi retirado da coletânea, La réponse d'Ulysse at autres textes sur l'occident (também editado por Aristide Bianchi e Leonid Kharmalov, 2012). Agradecimentos a Claire Nancy são devidos.

João Camillo Penna

(UFRJ)

  • 1* (CONRAD, Joseph. Au coeur des ténèbres, Amy Foster, Le compagnon secret Introdução e tradução de Jean-JacquesMayoux. Paris: Aubier-Montaigne, coleção bilíngue, 1980: 257.
  • 1 há uma frase imprudente, uma espécie de
    declaração, como acontece quando não podemos evitar fazê-la. E é, no entanto, uma convicção real, antiga e tenaz:
    No coração das trevas é um dos maiores textos da literatura ocidental. A fórmula é um pouco "brutal". Um pouco enfática também. Mas é isso, eu a utilizei tal qual. Não é exatamente a hora de se arrepender.
  • 1* Se somarmos a isso que a própria narrativa de Marlow é interrompida, pelo menos uma vez, por um de seus ouvintes, vemos com que complexidade narrativa estamos lidando. Esse "romance" não é uma narrativa, nem mesmo a narrativa de uma narrativa. Ele é constituído, se vocês me permitem utilizar as categorias de Platão (na verdade, não temos outras), por uma
    diegese - mínima, mantida pelo "nós" das três primeiras páginas e pelo "eu" (Conrad) cujas raras ocorrências acabo de assinalar - substituída, em modo mimético, por uma nova
    diegese, ela própria entrecortada de passagens miméticas. O todo relatando duas coisas, ou melhor, três: uma vigília noturna no porto de Londres, uma viagem iniciática ao coração da África - e o destino inteiro do Ocidente.
  • 2* É o que diz Marlow antes de encontrar Kurtz, e quando, de resto, ele se desespera por jamais encontrá-lo. Se ele reconhece tê-lo sempre "
    ligado a alguma forma de ação", se lembra, sem negar um só instante a verdade, a lenda que o cerca (o aventureiro, o ladrão de marfim, o déspota sanguinário ou o "rei" misterioso que sujeitou uma população aterrorizada etc.), ele só retém, de todos os seus dons, sua "
    aptidão verbal, suas palavras, o dom de expressão, desconcertante, esclarecedor, [...]
    as ondas abundantes de luz ou o fluxo enganoso que emana do coração das trevas impenetráveis." E, de fato, ao longo de toda a narrativa, Kurtz permanecerá esta voz - desde o momento de sua aparição, há muito esperada (ou preparada): a "
    voz profunda enfraquecida",
  • 3* até o momento de sua morte, no último murmúrio onde tudo se revela:
    "The Horror! The Horror!";
  • 4* ou até o longo trabalho de luto que, em seguida, governa a história de Marlow ("
    A voz tinha desaparecido..."
  • 5* e deixa ressoar
    in fine o eco silencioso da palavra final desde então proibida.
  • 6*
  • 7* dos quais de resto nada saberemos. E, em geral, fala dele como de um artista. Isto é, como de um gênio: extraordinariamente dotado, até mesmo na "
    ação" (ou na aventura) que ele terminou por escolher. Temos, aliás, muita dificuldade, em se tratando do destino de Kurtz, em não pensar no de Rimbaud - no qual Conrad talvez tenha pensado: a renúncia à literatura, o tráfico, o gosto pelo dinheiro e pelo poder, o exílio desejado (sem retorno), a "realeza" conquistada, o estatuto final de "semideus" (isto é,
    stricto sensu, de herói). Tudo isso compõe em suma a figura de um
    artista maldito, desse mito que talvez seja o mais determinante do século XIX (e, portanto, em grande medida, do século XX).
  • 8* ou até mesmo como "
    extremista" - comparável aos anarquistas russos, quer dizer aos "
    niilistas", e, por isso mesmo, pronto para tudo.
  • 9* Ele é apresentado como
    ele próprio não sendo
    nada. Ou
    ninguém, se pensarmos em Ulisses. Sua eloquência é ligada, sistematicamente, às "
    trevas áridas do seu coração", a seu "
    coração oco", ao vazio que está nele ou, mais exatamente, que ele "é". É exatamente por isso que ele é só uma voz. Mas é também por isso que, na ordem da arte propriamente dita, como na ordem do poder (ou da arte política, se vocês preferirem), ele subjuga e fascina, atrai e seduz (ele suscita até mesmo o amor), sujeita: ele é absolutamente
    soberano. Não sendo nada, de fato, ele é tudo. Sua
    voz é todo-poderosa.
  • 10*
  • 11*
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
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    E-mail: alea.ufrj@gmail.com