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Microeletrônica e organização do trabalho no setor de serviços

ARTIGO

Microeletrônica e organização do trabalho no setor de serviços* * Trabalho apresentado à 8ª Reunião Anual da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Administração (Anpad), 1984.

Suzana Braga Rodrigues; Francisco V. Barbosa; Talita R. da Luz; Zélia M. Kilimnik

Equipe de pesquisadores do projeto Microeletrônica e Organização do Trabalho no Setor de Serviços, CMA/Universidade Federal de Minas Gerais

1. INTRODUÇÃO

A pressão de novas tecnologias sobre o indivíduo em seu local de trabalho não é de maneira alguma um fato novo. A história conta que os avanços técnicos sempre forçam mudanças no funcionamento das organizações e da sociedade, mas é desde a Revolução Industrial, com a organização do trabalho nas fábricas, que as organizações constituem-se no foco destas mudanças sociais. É no contexto institucional que as novas tecnologias se impingem sobre a natureza das tarefas, trazendo descompasso entre trabalho e habilidades e alterando as condições de salário e emprego.

Muito embora Karl Marx no século passado já se tenha antecipado sobre a face conspiratória da tecnologia sobre o ser humano, é apenas a partir da década de 50, com o advento dos computadores e findo o período de pleno emprego do pós-guerra, que a tecnologia vem-se configurando mais seriamente como uma ameaça, não só à qualidade do trabalho, mas principalmente à sua função como fonte de sobrevivência.1 1 . Mowshowitz, A. Computers and the myth of neutrality. SIGESE Bulletin - A Quarterly Publication of the Special Interest Groups on Computer Science Education, 16(1) Feb. 1984; Rothwell, R. & Zegveld, W. Technical change and employment. London, Frances Pinter, 1979. Foi durante este período que começaram a surgir os temores de que as novas máquinas pudessem substituir o trabalho humano e assim causar o desemprego. Embora estes receios tenham provocado a reação dos sindicatos dos países desenvolvidos, "o incêndio foi logo apagado" pela expansão da economia destes países. A criação de novos empregos provou que os temores quanto à automação eram exagerados e que tudo não passava de alarme falso.2 2 . Rothwell & Zegveld. op. cit. 1979. Hoje, na situação de recessão, as esperanças estão voltadas para os microprocessadores, que devem resolver não só os problemas econômicos de uma sociedade cujas fontes de energia estão-se esvaindo, mas devem realizar, além de seus anseios materialistas, os mais nobres, como realização pessoal e melhoria da qualidade de vida. Mas a microeletrônica, como as demais tecnologias, traz consigo uma face perversa. É neste ponto que ela faz reviver os receios dos anos 50 e 60, sobretudo considerando-se que o contexto atual é muito mais complexo. Anteriormente, havia esperança de que a "sociedade pós-industrial" fosse capaz de absorver os deslocamentos causados pela tecnologia nos setores primários e secundários, noção que vem sendo desmistificada pela própria automação, estendida ao setor de serviços.

Ainda, a expansão da tecnologia eletrônica ocorre num período no qual os mecanismos de resistência dos empregados já se encontram mais desenvolvidos. Isto faz da inovação um ponto crítico para a administração, apesar de que alguns autores acreditam que esta resistência venha sendo minada por um novo tipo de despotismo do capitalismo. A recessão, como diz Burawoy,3 3 . Burawoy, M. Factory regimes under advanced capitalism. American Sociological Review, 48(5):587-607,1983. torna o trabalho muito mais vulnerável, à medida que coloca a própria sobrevivência e a organização em risco. É nesta situação que o microchip, com todas as suas potencialidades de economia de mão-de-obra e energia, converte-se numa possível tábua de salvação não só para o capitalismo, mas também para o trabalhador.4 4 . Diante da greve de oito meses do Times na Inglaterra, em resistência à introdução da microeletrônica, um dos membros da Trade Union Congress (TUC) afirmou: "com a microeletrônica nós perdemos algum trabalho, mas sem ela não teremos nenhum". Lamborghini, B. The impact on the enterprise. In: Friedrichs, G. and Schaff, A. Microelectronics and society. Oxford, Pergamon Press, 1982.

Mas não é só neste contexto de sobrevivência da organização versus sobrevivência dos empregados que gira o debate sobre a microeletrônica. Diz-se, por exemplo, que diferentemente do automóvel ou mesmo da eletricidade, esta tecnologia tem poderes revolucionários, isto é, ela implica uma descontinuidade na evolução da economia e da sociedade e tem potencial para provocar transformações inimagináveis no local de trabalho. Sua mística leva a opiniões radicalmente opostas. Os mais otimistas acham que a microeletrônica cria oportunidades para empregos mais qualificados, elimina tarefas repetitivas, insalubres e perigosos.5 5 . King, A. A new industrial revolution or just another technology?. In: Friedrichs, G. & Schaff, A. Microelectronics and society. Oxford, Pergamon Press, 1982. p. 1-36. Acreditam também na redução da alienação6 6 . Blauner, R. Alienation and freedom. Chicago, Chicago Univer sity Press, 1964. e tirania do trabalho, uma vez que o indivíduo dispõe assim de mais tempo para o lazer e para seus próprios interesses. Paradoxalmente, há os que afirmam que os microprocessadores fornecem os meios para o controle do trabalho numa escala jamais imaginada.7 7 . Boreham, P. The dialectic of theory and control: capitalist crises and the organization of labour. In: Dunkerley, D. & Salman, D. The international yearbook of organization studies. London, Rotledge & Kegan, 1980. p. 6-35. Em comparação com as tecnologias anteriores, a microeletrônica aumenta ainda mais a separação entre a concepção e a execução das tarefas, provocando uma polarização na divisão do trabalho. Alguns autores antevêem que as mudanças decorrentes das exigências do trabalho tendem a reduzir as chances de mobilidade vertical na organização, à medida que eliminam as tarefas semiqüalificadas e criam tarefas especializadas e não-qualificadas.8 8 . Rothwell and Zegveld. op. cit. 1979.

Contudo, a questão do impacto da tecnologia no local de trabalho não é tão simples quanto nos poderiam levar a crer os indivíduos mais otimistas e aqueles que enfatizam a natureza perversa do capitalismo. Nossa posição neste artigo é a de que as relações entre tecnologia e trabalho só podem ser entendidas através de um estudo mais sistematizado. Tentamos discutir esta questão e mostrar a relatividade e a complexidade destas relações, tomando por base um estudo empírico que estamos realizando sobre o impacto da microeletrônica na organização do trabalho no setor de serviços. Como referência, tomamos dados até agora coletados numa empresa comercial e num hospital.

1.1 A automação e a controvérsia sobre a desqualificação do trabalho

Na discussão sobre a invasão da microeletrônica no local de trabalho, uma das conseqüências admitidas até pelos mais entusiastas é a discrepância entre o trabalho, que requer novas habilidades, e as habilidades disponíveis. No entanto, antes que o leitor seja levado a crer que as relações entre tecnologia e trabalho possam ser assim resumidas, é necessário fazer um prelúdio sobre o que entendemos por desqualificação.

Esta é, aliás, uma questão um pouco complicada, porque na realidade estamo-nos referindo principalmente ao termo deskilling para o qual não existe correspondente em português. Na língua inglesa skilling pode ser entendido como uma característica ligada a indivíduos ou trabalho. No primeiro caso, a idéia é a de que as pessoas adquirem uma série de capacidades, conhecimentos e experiências que levam consigo de um lugar para o outro, e que podem ser transformadas em produtividade.9 9 . Spenner, K.I. Temporal change in the skill level of work. American Sociological Review, 48(6):824-37,1983. Um dos problemas com este tipo de definição, que considera as habilidades como bagagem humana, é o de que nem sempre existe correspondência entre possuir e usar habilidades. Enquanto esta linha de conceituação pode interessar mais aos psicólogos, um outro tipo de abordagem pode ser mais útil à administração e ao nosso trabalho: é a concepção que trata habilidade/qualificação como características das tarefas. Dentro deste ponto de vista, estes termos possuem um significado amplo, podendo refletir mais do que simplesmente o conteúdo do próprio trabalho, ou mesmo um significado mais ideológico.10 10 . Há autores que vêem as habilidades ou "qualificações" como um mecanismo ideológico, manipulado pelo empregador para fragmentação e controle. Ver Burawoy, M. Manufacturing consent: changes in the labor process under monopoly capitalism. Chicago, University of Chicago Press, 1979. Neste artigo, entretanto, estamos interessados naqueles elementos do trabalho que podem ser mais diretamente observáveis. Neste caso, notamos que os conceitos multidimensionais são mais comuns na literatura. Evans, por exemplo, focaliza a qualidade do trabalho, que por sua vez envolve conteúdo, significado, contatos sociais e ritmo.11 11 . Evans, J. The worker and the workplace. In: Friedrichs, G. & Schaff, A. Microelectronics and society. Oxford, Pergamon Press, 1982. p. 157-88. Para Braverman,12 12 . Braverman, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1977. no debate sobre a desqualificação, alguns aspectos foram centrais: repetição, variedade, integração mental, autonomia e controle.

Spenner13 13 . Spenner, K. I. op. cit. 1983. faz uma revisão interessante sobre este tema e chega à conclusão de que, apesar das divergências aparentes, existe certo consenso entre os autores, pois em geral as dimensões podem ser resumidas em complexidade da tarefa e grau de autonomia que ela implica. Dentro desta linha de raciocínio, achamos ainda importante distinguir entre os elementos centrais da tarefa, como, conteúdo, responsabilidade e condições ligadas ao ambiente do trabalho.

A maioria das explicações sobre o problema da qualificação versus desqualificação tem suas raízes na divisão do trabalho. Existem, entretanto, diferentes maneiras de se entender as interconexões entre estes elementos. A explicação funcionalista se baseia na concepção weberiana de que a divisão do trabalho deriva da racionalidade que se manifesta através de formas burocráticas, e em Durkheim, que vê na divisão do trabalho uma decorrência da necessidade de coordenação e controle das sociedades complexas. A perspectiva funcionalista comumente apresentada dentro da terminologia weberiana se apoia na dinâmica do mercado e na lógica da industrialização, isto é, a competição e a busca da eficiência foram os principais fatores que estimularam o emprego de certas tecnologias e, portanto, a divisão interna do trabalho, a especialização e a profissionalização. Dentro da linha convencional, podemos destacar os trabalhos de Woodward14 14 . Woodward, J. Industrial organization. London, Oxford University Press, 1965. e Perrow,15 15 . Perrow, C. A framework for the comparative analysis of organization. American Sociological Review, 32(2):194-208,1967. que procuram estabelecer uma relação de causa e efeito entre tecnologia e estrutura organizacional. A preocupação de Woodward foi demonstrar que a complexidade do sistema tecnológico tem influência sobre a supervisão e pode determinar as relações sociais e atitudes no trabalho. Na opinião de Perrow, entretanto, complexidade não é o fator relevante; o que importa são as características excepcionais versus as preditíveis do trabalho. Assim, as tarefas cujo conteúdo é previsível e menos variável permitem maior especificação de papéis e, portanto, implicam menor autonomia, enquanto as tarefas cujo conteúdo é incerto exigem julgamento, iniciativa e, conseqüentemente, admitem maior autonomia.

Para a teoria convencional, o impacto da industrialização é positivo e inexorável. No âmbito das organizações, as tarefas mudam para aquelas que exigem menos habilidades físicas e mais habilidades intelectuais e perceptuais. Fox resume bem as preocupações desta linha teórica:

"A teoria convencional supõe que os padrões e desenhos de trabalho que existem atualmente com suas diferenças profundas na liberdade, autonomia, oportunidades de crescimento individual, realização e diferenças de status foram criados pelos avanços científico-tecnológicos e organizacionais da Revolução industrial. De acordo com este ponto de vista, esta energia tecnológica e organizacional, que se desenvolveu em resposta ao que era necessário ou apropriado às demandas das condições econômicas que prevaleceram, é por si mesma neutra. Assim, o desenho e arranjo de trabalho que esta tecnologia requer devem ser encarados como respostas inevitáveis às exigências da industrialização; respostas à necessidade constante de aumentar a eficiência e a produtividade, as quais poderiam beneficiar a todos.16 16 . Fox, A. The meaning of work, People and work. OU Course DE 351, Milton Keines, Open University Press, p. 48.

Ao contrário do que defende a teoria das organizações convencional, a tradição marxista rejeita o pressuposto de neutralidade da tecnologia e a ideologia da industrialização. Segundo os marxistas mais radicais, a divisão do trabalho na industrialização não surgiu da necessidade de se aumentar a eficiência técnica, como querem crer as teorias convencionais, mas sim da necessidade de se dominar a indisciplina e a indocilidade da força de trabalho no período industrial, usurpando definitivamente o controle do processo de trabalho das mãos do trabalhador.17 17 . Boreham, P. op. cit. 1980. A tecnologia não só vem tradicionalmente possibilitar os meios físicos de controle, mas é através dela que a fragmentação das tarefas ganha legitimidade. Segundo Braverman, as máquinas desvalorizam as habilidades humanas, à medida que simplificam as operações e permitem que o mesmo trabalho seja executado por alguém menos qualificado.18 18 . Braverman, H. op cit. 1977. Para Braverman e Marglin19 19 . Marglin, S. What do bosses do? The origins and functions of hierarchy in capitalist production. Review of Radical Political Economics, 6(2):33-60,1974. este processo é unidirecional e conspiratório, isto é, a desqualificação resultante das inovações tecnológicas tem por objetivo evitar a influência dos trabalhadores no processo decisório e assim garantir o processo de acumulação. Segundo a teoria, os mecanismos de desqualificação são historicamente determinados, ou seja, as intervenções do capital têm uma capa que é própria do ciclo em que se encontra o capitalismo e da evolução tecnológica. Por exemplo, no início do capitalismo, sem as tecnologias e sem as fábricas, só era possível exercer controle sobre a extensão do dia de trabalho. Numa fase posterior, no início do século XX, a introdução da administração científica nas fábricas quebrou o trabalho em pequenos segmentos, retirando do trabalhador o conhecimento do todo.20 20 . Litller, C.R. Understading taylorism. British Journal of Sociological, v. 29, 1978. Do mesmo modo, a teoria das relações humanas representa também uma nova forma de controle que se mostrou apropriada para o período de pleno emprego no pós-guerra.21 21 . Boreham, P. op. cit. 1980.

Neste contexto, a microeletrônica é apenas uma estratégia de controle a mais, que vem contribuir para um novo despotismo do capitalismo.22 22 . Burawoy, M. op. cit. 1983. Burawoy chega a afirmar que, diante da crise atual do capitalismo e da hegemonia alcançada entre empregadores e sindicatos nos países mais avançados, os capitalistas se preparam para uma nova estratégia, na qual ou o trabalhador admite a redução dos salários, ou a empresa tem que ser fechada. Nesta linha, Lewis Holmes23 23 . Holmes, L. Microelectronics and the adversarial approach to industrial relations. Electronics and Power, 27(1):24-6,1981. acusa o governo inglês de usar propositalmente uma política de desemprego para reduzir o poder de barganha dos trabalhadores e então forçar a introdução de tecnologias revolucionárias. Para os estruturalistas radicais, a microeletrônica apresenta ainda outra face conspiratória, pois afeta de maneira diferente categorias de trabalhadores, segmentando ainda mais o mercado de trabalho e enfraquecendo a possibilidade de resistência sindicalizada.

Convém esclarecer neste ponto que, embora sem deixar de reconhecer o valor da obra de Braverman, nem todos os neomarxistas compartilham de suas idéias centrais.24 24 . Edwards, R.C. Contested terrain: the transformation of the workplace in the twentieth century. New York, Basic Books, 1979. São diversas as críticas à "bravermania", mas as mais importantes referem-se à ênfase no controle do trabalho como ponto de partida e na tese unidirecional da desqualificação.25 25 . Litller, C. R. & Salaman, G. Bravermania and beyond: recent theories of the labour process. Sociology, 16 (2): 251-69,1982. Tomando como referência este último aspecto, Clegg argumenta que a desqualificação é apenas parte do processo geral de mudança, pois enquanto algumas funções se tornam desqualificadas, outras já se tornam hiperqualificadas.26 26 . Clegg, S. Organization and control. Administrative Science Quarterly, 26(4):545-62,1981. Além disso, do ponto de vista da administração, determinadas técnicas de controle são mais adequadas para certas categorias de trabalhadores do que para outras. As tecnologias só afetam aquelas categorias que já são menos privilegiadas, não só na organização, mas também no mercado externo de trabalho. Para as categorias mais estratégicas, como técnicos e gerentes, o controle através de regras sociais é muito mais efetivo. Parte da invulnerabilidade das funções de gerência ao controle tecnológico, afirmam Litller e Salaman, provém da ideologia administrativa que coloca a administração como função especial desde os tempos de Taylor, ou seja, sua imunidade deve-se à capacidade da classe de convencer as demais categorias que as funções gerenciais são indispensáveis à organização moderna.27 27 . Litller, C.R. & Salaman, G. op. cit. 1982.

Ainda conjecturando sobre as restrições à obra de Braverman, estes autores afirmam que a sua teoria, assim como a de seus seguidores, peca por atribuir um caráter universal ao controle do trabalho, ignorando a força de resistência dos sindicatos e da administração como mediadora. Abstrações de estudos realizados no setor industrial reforçam estes mesmos aspectos. Wood28 28 . Wood, S. The degradation of work? London, Hutchinson, 1982. observa que os trabalhadores podem resistir às pressões tecnológicas que levam à degradação do trabalho, dependendo da posição que ocupam no processo de produção, da escassez da função no mercado de trabalho e da força sindicalizada. Estes dois últimos aspectos estão diretamente ligados a uma dimensão crucial da relação de emprego - a dependência do próprio trabalho. Dentro destas condições, pode-se prever que os trabalhadores mais dependentes pertencem à categoria dos periféricos na dicotomia de Clegg, principalmente se concordarmos com a tese do autor, de que as organizações contribuem para manter a estrutura do mercado externo de trabalho, absorvendo nas funções menos estratégicas os trabalhadores menos qualificados e as mulheres. Justamente esta é a categoria de trabalhadores mais abundante no mercado de trabalho e, sindicalmente, a mais fraca.29 29 . Clegg, S. op. cit. 1981.

As condições mencionadas poderiam constituir-se nos principais parâmetros que definiriam a influência da tecnologia nas relações de trabalho. Aliás, toda a teoria marxista se concentra sobre certa categoria de trabalhadores, levando a crer que a pressão tecnológica ocorre principalmente nos níveis inferiores da hierarquia - o que pode ser verdadeiro em se tratando de tecnologias convencionais. Mas a microeletrônica, conforme mencionamos, possui características excepcionais e, como tal, pode afetar diferentes funções através da hierarquia organizacional. Neste caso, outro parâmetro se torna igualmente relevante na nossa análise - as características da função. Jamous e Peloille30 30 . Jamous, H. & Peloille. Change in the French university hospital system. In: Jackson, J.A., ed. Professions and professionalization. Cambridge, Cambridge University Press, 1970. distinguem os aspectos técnicos da ocupação - os componentes padronizáveis e transferíveis - dos elementos de indeterminação, a parte do trabalho que contém elementos esotéricos que não são submetidos a regras, mas que dependem das qualidades especiais do profissional. Algumas funções, cuja parte técnica é possível padronizar-se, são as que potencialmente podem ser mais suscetíveis à tecnologia eletrônica. Isto indica que não apenas a parte inferior da hierarquia organizacional pode ser afetada, mas também os níveis intermediários. Não há dúvidas de que a decodificação de determinadas funções a nível intermediário através do computador, a exemplo do médico, do advogado e do contador, deve trazer conseqüências importantes para estas funções. A codificação e a padronização do conhecimento ocupacional através do computador transfere a outras funções e a leigos a capacidade de executar tarefas anteriormente de uso exclusivo do profissional.31 31 . Child, J. & Fulk, Janet. Maintenance of occupational control. Work and Occupations, 9(2):155-92,1982. Isto naturalmente retira o misticismo que era reservado à função, além de significar perda de controle; isto é, interfere na capacidade de os próprios profissionais preservarem sua autoridade na condução do trabalho e nos critérios de admissão.

Considerando a importância destes fatores, Child e colaboradores propõem um modelo explicativo sobre a maneira como a microeletrônica pode afetar a qualidade do trabalho no setor de serviços.32 32 . Child, J.; Loveridge, R.; Harvey, J. & Spencer, A. Microelectronics and the quality of employment in the services. Documento apresentado à British Association for the Advancement of Science, 1983. Na opinião dos autores, a maneira como a tecnologia pode impingir-se sobre certos tipos de trabalho varia de acordo com a tarefa, com a ideologia associada à ocupação e com o mercado de trabalho. A natureza da tarefa é um elemento importante, ou seja, as tarefas mais complexas, mais variáveis e que envolvem certo grau de incerteza, a ponto de implicar risco para o cliente, podem ser menos afetadas pela tecnologia microeletrônica nas suas características básicas. As tarefas médicas se enquadrariam nesta categoria. Examinando o impacto do computador para fins de diagnóstico, Child e colaboradores verificaram que as funções médicas são mantidas na sua integridade, mesmo quando a lógica da tecnologia determina o contrário. No caso que estudaram, o computador forneceria o diagnóstico, e, além de outras atividades, tinha capacidade de delinear o tratamento do paciente, dispensando o contato direto entre este e o médico. Além de poder ser usado pelos médicos-residentes, o sistema seria facilmente operado pelas enfermeiras e mesmo pelo próprio paciente, se se substituísse a terminologia médica pela linguagem comum. Contudo, segundo os autores, o sistema não era empregado de acordo com todas as suas potencialidades técnicas. Embora o médico-diretor exigisse que o computador fosse operado pelos médicos-residentes, ele era contrário à sua utilização pelas enfermeiras e pelos próprios pacientes, porque apenas os médicos possuíam condições para julgar a verdade dos depoimentos dos pacientes e recomendar outro tipo de tratamento, caso necessário.33 33 . Child, J. et alii. op. cit. 1983. Child e colaboradores argumentam que, neste caso, os médicos, além de terem tomado a decisão de introduzir o equipamento, tinham todo o controle sobre a sua aplicação, de modo a evitar que a tecnologia ferisse a integridade da função médica. Com este exemplo, os autores ilustram como certos grupos ocupacionais preservam a aceitação social de que seu trabalho contém elementos de indeterminação que não são dominados pela tecnologia e, mesmo se não fosse o caso, raramente isto seria questionado pelo público.

À medida que o risco para o público diminui e o trabalho é mais rotineiro, a defesa da indeterminação do trabalho torna-se mais difícil. Estes autores então comparam o trabalho médico com a função dos caixas de lojas cujo trabalho nada tem de esotérico e onde o risco para o cliente seria muito baixo. Funções como estas não estão numa posição hierárquica organizacional que as possibilitem controlar a aplicação da tecnologia, e nem apresentam uma imagem pública que se ajudem a resistir à mudança tecnológica.

Em vista das considerações até agora apontadas, parece que não há razões para se supor uma relação unidirecional entre tecnologia e organização do trabalho. Tomando como base o estudo de Child e colaboradores, partimos do pressuposto de que as mudanças na qualidade do trabalho são relativas. Em primeiro lugar, a tecnologia deve afetar mais algumas funções do que outras, por exemplo, as que são mais rotineiras e, por conseqüência, as outras funções interligadas a estas pelo fluxo de trabalho. Em segundo lugar, a microeletrônica pode levar à maior qualificação ou à desqualificação, em função de alguns fatores já mencionados, como por exemplo o grau de rotinização versus a indeterminação da tarefa e a ideologia associada à profissão. Acreditamos que haja ainda outras condições que possam atuar como intermediárias, como, por exemplo, as características institucionais. Já existem algumas evidências de que o nível de sofisticação da tecnologia afeta diferentes categorias de trabalho. Referindo-se à indústria de telecomunicações, Evans34 34 . Evans, J. The worker and the workplace. In: Friedrichs G. & Schaff, A. Microelectronics and society. Oxford, Pergamon Press, 1982. p. 1-36. mostra que a substituição dos sistemas eletrônicos levou à desqualificação das funções de manutenção, uma vez que o sistema envolve menor número de componentes e diagnósticos automáticos dos problemas. Por outro lado, os sistemas de microeletrônica altamente integrados criam oportunidades de trabalho de manutenção altamente qualificado. Embora o autor estivesse se referindo ao setor industrial, acreditamos que a maneira como a microeletrônica afeta o trabalho no setor de serviços pode igualmente variar de acordo com o grau de sofisticação do equipamento. Assim, na área comercial, os sistemas on line mais sofisticados que permitem uma integração dos pontos de venda, compras e estoques e entre lojas através de um computador central, devem certamente implicar menor variedade, flexibilidade e menos trabalho manual do que os sistemas menos integrados.

É com base neste esquema referencial e numa pesquisa que estamos realizando no setor de serviços que procuramos examinar o impacto da microeletrônica na organização do trabalho, focalizando especialmente a questão da qualificação versus desqualificação. Discutiremos, em seguida, alguns dados já obtidos em duas organizações, uma pública e outra comercial, um hospital e um superatacado, respectivamente. Ainda é relevante ressaltar que a nossa pesquisa se constitui num esforço de colaboração com o grupo Organização do Trabalho da Universidade de Aston na Inglaterra, que atualmente coordena um projeto europeu envolvendo o estudo da automação em bancos, lojas, supermercados e na área médica.

1.2 Sobre a metodologia

A metodologia utilizada foi o estudo de casos de introdução de tecnologias avançadas nos subsetores mencionados. Utilizamos o roteiro de entrevista de Child e colaboradores, composto de 131 itens que abordam questões sobre as características gerais da organização, a unidade em estudo, as características do equipamento, o processo decisório que levou à implantação da nova tecnologia, a implementação, a organização do trabalho e o desempenho da organização em geral.35 35 . Child et alii. op. cit. 1983.

No superatacado entrevistamos 39 pessoas cujas tarefas foram de algum modo afetadas pela introdução da nova tecnologia, a saber: diretores, gerentes, subgerentes, analistas, programadores, encarregados de seção, etiquetadores, operadores de terminais de vídeo e caixas. No hospital, realizamos 44 entrevistas, começando pela diretoria e passando em seguida pelos funcionários dos vários setores do hospital que foram afetados pela introdução da microeletrônica: médicos, bioquímicos, laboratoristas, telefonistas, atendentes, chefes de seção e digitadores. Entrevistamos também 55 clientes do hospital e 12 clientes do superatacado. A variação no número de entrevistas em cada organização se deve ao número de unidades e subunidades que sofreram mudanças significativas com a inovação tecnológica. Isto, por sua vez, depende da dimensão e potencial do equipamento, bem como do estágio em que se encontrava a implementação dos equipamentos em cada organização.

Devido ao interesse de comparar os resultados dos nossos casos com os obtidos por Child e colaboradores na Inglaterra, tornou-se necessário que não só trabalhássemos com o mesmo tipo de organização, bem como com tecnologias equivalentes. Entretanto, tivemos algumas dificuldades no que se refere à equiparação entre as tecnologias. Em primeiro lugar, não existem no Brasil tecnologias muito avançadas no setor hospitalar, isto é, nesta área, o computador ainda é usado primordialmente para propósitos administrativos. Em relação à área médica, não pudemos acompanhar completamente a pesquisa de Child e colaboradores na parte que se refere à microeletrônica como instrumento de diagnóstico e de monitoração de pacientes em Unidades de Tratamento Intensivo. Isto porque a tecnologia que estudaram envolve um equipamento altamente avançado, que faz a monitoração do ECG, pressão sangüínea, pressão venosa, dá alarme para resultados anormais e ainda faz administração automática de medicamentos. No Brasil, a monitoração ainda é usada apenas para propósitos de eletrocardiograma.36 36 . Carvalho, CS. & Martins, R.M. Escolha do antimicrobiano com o auxílio do computador. ARS CVRANDI, 16(7):26-52,1983.

Contudo, foi possível obter certa equiparação das tecnologias no que se refere ao laboratório hospitalar e ao supermercado. Ainda neste caso, verificamos diferenças quanto à complexidade de equipamento. Enquanto a pesquisa inglesa trabalhou com um analisador centrífugo que realizava 80% dos exames de laboratório, o nosso caso se refere a um computador analógico apenas para exames de sangue. No caso da cadeia de supermercados, ambos os sistemas incluem pontos eletrônicos de venda, preço automático integrado a estoque e faturamento on line. A diferença entre às duas tecnologias consiste apenas no uso de barras de laser no caso do supermercado estudado por Child.

1.3 Dois casos ilustrativos

Os exemplos seguintes ilustram a maneira como a microeletrônica pode afetar a qualidade do trabalho. Pretendemos mostrar com estes dois casos a complexidade das relações entre tecnologia e trabalho, e ensaiar algumas explicações, sem no entanto pretender que as conclusões sejam representativas do setor ou de cada subsetor individualmente.

2. O SUPERATACADO

2.1 O contexto da inovação

Uma das organizações estudadas se refere a um superatacado - TENDA37 37 . Pseudônimo. - que faz parte de uma cadeia de lojas de comestíveis e não-comestíveis, envolvendo comércio varejista e atacadista. O sistema tem cerca de 1.050 funcionários distribuídos entre as suas 27 lojas. Em 1982, a empresa instalou no TENDA um computador SISCO MB 8.000 equipado com 16 terminais de vídeo, seis impressoras, uma unidade de fita e duas unidades de disco magnético. Dentre as várias atividades desempenhadas pelo computador podemos citar controle de faturamento, controle de estoques, contas a receber e folha de pagamento. O software ainda não permite integração entre todas as atividades do sistema, mas já existe alguma integração entre os terminais de pontos de venda, estoque e faturamento, o que viabiliza a posição diária da empresa no que concerne a esses elementos. Com exceção dos dois relatórios referentes a estoques e faturamento, o restante das atividades está sendo realizado off line. A tecnologia também não permite a integração automática com as outras lojas do sistema e o depósito central.

A decisão de implantar o computador partiu da presidência da empresa, que se entusiasmou com o modelo empregado pelo concorrente. No seu afã de se tornar uma empresa moderna e de entrar no ramo do superatacado, a empresa tentou em vão comprar o know-how do concorrente que já utilizava equipamento eletrônico na administração. Em face de sua resistência, a presidência foi buscar um modelo no exterior, o que levou à decisão da compra do equipamento em setembro de 1981 e a instalação três meses depois.

Apenas a diretoria esteve envolvida no processo de compra do equipamento; o presidente esteve pessoalmente envolvido em todos os passos da decisão de compra. Quanto aos funcionários, não houve participação deste segmento, mas também não houve resistência, pois estes "já estavam cientes desde a inauguração da loja, que deveriam conviver com o computador". Para efetivar a implementação do mesmo, a empresa contratou um analista, um programador e um operador, os quais se encarregaram de orientar e treinar o pessoal, que operaria os equipamentos, com as operadoras de terminais de vídeo, caixas e digitadoras.

Após a introdução do computador, várias mudanças ocorreram na empresa. Segundo os dirigentes, o computador assegurou a sua entrada no ramo de atacado, permitindo maior controle administrativo nos vários setores da empresa, principalmente no que se refere ao controle de estoques, ponto crítico deste tipo de negócio. Em dois anos e meio, mesmo com a recessão, a empresa cresceu, passando de 1.050 para 1.300 empregados, de 2.400 para 6.000 clientes e teve um aumento substancial no faturamento.

Um dos aspectos interessantes foi que, após a introdução do computador, a empresa começou a mudar de um caráter familiar para um caráter mais profissionalizado, embora seja difícil saber, neste caso, até que ponto as coisas estão vinculadas. Segundo o gerente de pessoal, a empresa passou a atribuir mais importância ao perfil dos seus empregados, procurando recrutar pessoas mais qualificadas e a introduzir medidas para reduzir a rotatividade de mão-de-obra como, por exemplo, a criação do refeitório para os empregados. Em geral, a força de trabalho neste ramo constitui-se de pessoas jovens, entre 20 e 30 anos, 40% do sexo feminino e 60% do sexo masculino, assim distribuídos: a maioria dos cargos de gerência, supervisão e chefia são preenchidos por homens, enquanto certas funções de contato com o público e tarefas repetitivas são exercidas por mulheres, tais como, telefonistas, caixas, atendentes do refeitório, digitadoras e operadoras dos pontos eletrônicos de venda. A nível de chefia, os funcionários possuem pelo menos o 2º grau. O pessoal encarregado dos pontos de venda é bastante heterogêneo, havendo pessoas com formação primária e outras com nível superior.

2.2 Mudanças na organização do trabalho

A introdução do computador acarretou mudanças em algumas atividades centrais da empresa, como atendimento ao cliente, controle de estoques, etiquetagem de preços. Foram criadas, funções como as de analista, programador, digitador e operador de pontos de venda, enquanto outras foram eliminadas, como a de kardexista e faturista. Embora o computador tenha provocado alterações em outras atividades da empresa como, por exemplo, na contabilidade e no escritório central, restringimo-nos, nesta pesquisa, as modificações que ocorreram no TENDA.

Com relação ao atendimento ao cliente no setor de caixa, as mudanças foram substanciais, a começar pelo ambiente físico de trabalho, que passou a acomodar os pontos de venda (nove terminais de vídeo, três impressoras e três caixas). Anteriormente, havia nove operadoras de máquina GENDATA, as quais faziam a emissão de notas fiscais, pagas, em seguida, pelos clientes em um banco próximo ao superatacado. Com a instalação do computador, estas nove funcionárias continuaram na operação dos terminais em dois turnos, de tal forma a manter pelo menos seis terminais e duas caixas funcionando normalmente (para cada três terminais há uma caixa e uma impressora). Trabalham ainda nos pontos de venda mais quatro funcionárias no caixa, para garantir o funcionamento das nove operadoras e das três caixas durante os períodos de pico.

No sistema GENDATA, a função da operadora consistia em datilografar o número do cartão, as especificações da mercadoria e o preço unitário. A data e o preço total da compra eram dados pela máquina. O ritmo do trabalho era determinado pela fila de clientes, ao passo que as interrupções eram causadas pela falta de preço na mercadoria. Às vezes o cliente queria cancelar um produto, o que exigia emitir outra nota fiscal. Os pontos de venda evitaram problemas como estes, através da simplificação do trabalho. Atualmente basta registrar o número do cliente, o código e a quantidade das mercadorias. Os outros itens ficam por conta do computador, que faz a discriminação da mercadoria, do subtotal e do preço total. A possibilidade de registrar os produtos pelo código evita interrupções, e através dos terminais é possível cancelar-se automaticamente as mercadorias; além disso, o sistema permite ao operador fazer reajustamento da compra através do vídeo.

Observamos que os pontos de venda facilitaram de alguma forma o trabalho; por exemplo, o equipamento é mais silencioso, existe um controle mais preciso da situação do cliente e das mercadorias e o sistema automático de atualização de preços evita atrito com os clientes. Por outro lado, o trabalho nos pontos de venda é mais fragmentado, mais repetitivo e mais intenso. Em comparação com as caixas convencionais que registram as mercadorias e recebem o dinheiro, o trabalho foi segmentado em duas partes, isto é, um empregado só registra as mercadorias, enquanto o outro só recebe o dinheiro. Não obstante, o próprio trabalho com GENDATA já era, por si mesmo, fragmentado, uma vez que a conta era paga no banco ao lado do superatacado. Outro aspecto interessante sobre a segmentação da tarefa das operadoras de terminais de vídeo é que elas se sentem impotentes para corrigir as eventuais falhas com o computador, pois são treinadas apenas para executar sua tarefa específica, sem ter aprendido as possibilidades do equipamento. Em qualquer eventualidade elas dependem do analista. Algumas manifestaram desejo de aperfeiçoamento, o que não foi incentivado pela empresa, à qual interessa apenas que cada uma execute bem as funções para as quais foi designada.

Verificamos também que houve redução do ciclo de trabalho, isto é, enquanto o atendimento ao cliente com a GENDATA durava de 10 a 15 minutos, no sistema, atual a operadora de vídeo gasta cerca de 2 a 3 minutos. De fato, como apregoam os entusiastas do computador, o trabalho é mais rápido e libera o trabalhador para outros tipos de tarefas. Notamos, entretanto, que a rapidez permitida pelo atendimento é "uma faca de dois gumes", ou melhor, na medida em que admite mais rapidez traz também maior volume de trabalho. No exemplo aqui estudado, este efeito se mostrou ainda mais evidente com o crescimento concomitante da empresa. Assim, no caso dos pontos de venda, apesar do rodízio ser previsto, apenas sobra tempo para outras tarefas fora dos dias e horários de pico. Além disto, a intensificação do trabalho durante as oito horas de serviço e, principalmente, o trabalho com o vídeo acarreta dor nos olhos, tonteiras, cansaço físico e mental.

À exceção deste tipo de problema, no que concerne à satisfação no trabalho, tanto as caixas quanto as operadoras de terminal de vídeo se sentem mais valorizadas por trabalharem com um equipamento tão avançado. Na sua opinião, as chances de competitividade no mercado de trabalho aumentaram para elas em função de saberem agora operar o terminal, apesar de isto não se ter refletido nos salários que recebem na empresa.

Além da seção de atendimento ao cliente, outras subunidades da organização sofreram mudanças no seu funcionamento e uma delas é o depósito central, cuja função é armazenar mercadorias e distribuí-las às diversas lojas do sistema. Anteriormente ao computador, existiam vinculados ao depósito central cerca de 55 funcionários, dentre os quais sete faturistas e três kardexistas para atenderem os pedidos de 20 lojas do sistema. Após o computador, foram eliminadas as funções de kardexista e faturista, embora os funcionários tenham sido realocados em outras lojas do sistema. É política da empresa reaproveitar os empregados deslocados pelo computador, embora o que venha realmente impedindo a dispensa de mão-de-obra seja o crescimento da empresa. Hoje, o depósito central precisa atender 7 lojas a mais e conta com 67 funcionários vinculados.

Verificamos que o computador, além de eliminar estas funções-chave do depósito central, alterou todo o fluxo de trabalho na seção. Anteriormente, das 8 às 12h, os kardexistas recebiam os pedidos das lojas e os encaminhavam ou aos faturistas, para elaboração de nota fiscal e encaminhamento do pedido, ou ao departamento de compras, na falta de mercadorias. Era apenas à noite, por volta das 20h30min e às vezes até depois disto, que se terminava a emissão das notas fiscais e então eram processados e separados para entrega todos os pedidos. As atividades de elaboração de notas fiscais e separação de mercadorias eram feitas durante a noite, de modo que só pela manhã, depois de finalizada a compatibilização entre notas fiscais, pedidos e mercadorias, é que se começava a efetuar a entrega às lojas.

O computador determinou uma alteração complexa no trabalho da seção. Por volta das 8h, os cadernos com pedidos de mercadorias solicitadas pelas lojas chegam ao setor de processamento de dados do TENDA, oportunidade em que as funcionárias responsáveis pela digitação entram com as informações para a emissão das notas fiscais. Geralmente o trabalho de emissão das notas fiscais termina às 14h, momento em que as notas são recolhidas por um funcionário ao depósito central. Das 14h30min às 23h realizam-se as atividades de separação, carregamento e entrega das mercadorias. Ao contrário do que ocorria antes do computador, a entrega quase sempre é executada no mesmo dia da emissão da nota fiscal, eliminando a necessidade do expediente entre 23h e 7h.

Além das modificações no fluxo de trabalho, o computador contribuiu para a redução na duração do fluxo, ou seja, comumente as notas fiscais chegavam ao depósito central por volta das 23h30min; hoje as mercadorias já começaram a ser separadas às 14h30min, o que representa uma economia de nove horas por dia, aproximadamente.

Paralelamente a estas alterações, o crescimento da empresa implicou um aumento de 60% do giro do volume global de mercadorias, o que por sua vez determinou, além da intensificação das tarefas normais do depósito central, a extensão de suas atividades para distribuição de hortifrutigranjeiros, a criação de uma seção de trocas e devoluções e a criação de uma seção administrativa chefiada por dois gerentes.

Para os funcionários encarregados da separação das mercadorias, o computador reduziu de certa maneira a flexibilidade no trabalho, impondo maior rigidez na execução das tarefas. Anteriormente, apesar de haver um horário no qual a separação das mercadorias deveria ser feita - a partir das 23h30min - havia mais flexibilidade, pois as mercadorias poderiam começar a ser separadas gradualmente, à medida que as notas fiscais fossem datilografadas. Como atualmente as notas fiscais chegam todas ao mesmo tempo, são elas que controlam o ritmo de trabalho, e como o volume de trabalho aumentou, há pouca folga para outras atividades ou mesmo para interação social. O gerente do depósito central, por outro lado, acha que o computador agilizou mais o serviço, mas ao mesmo tempo serve de desculpa para a negligência no serviço, uma vez que falhas e omissões são sempre atribuídas à máquina. Esta observação mostra que os empregados, de alguma forma, descobrem mecanismos de defesa em relação ao maior controle imposto pelo computador.

Outra função que sofreu mudanças foi a etiquetação de códigos e preços em mercadorias, simplificada com a introdução do computador. Anteriormente, esta tarefa consistia em colocar o preço e o código em cada mercadoria com o uso de uma etiquetadora manual. Devido à alta inflação, o trabalho de remarcação de preços era intenso, pois era necessário que eles fossem atualizados individualmente com muita freqüência. Pela atualização automática, as etiquetas com os preços são emitidas por lotes de mercadorias através do computador, o que reduziu o trabalho do etiquetador à colocação de códigos nas mercadorias, por meio de uma impressora mecânica, e à colocação das etiquetas nos trilhos, por lotes de mercadorias.

Em geral, o computador não trouxe muitas alterações para as pessoas que executavam funções de chefia. No caso do chefe de caixa, facilitou de certa maneira o trabalho de supervisão, uma vez que o computador impôs alguma disciplina e ambos, clientes e computador, controlam o ritmo de trabalho das operadoras dos pontos de venda. Ajudou também no que concerne ao relacionamento com o cliente, pois o terminal acusa instantaneamente os clientes que apresentam algum tipo de irregularidade e, contra o computador, não há argumentos. Além do mais, o trabalho de fechamento dos caixas se tornou mais simples e seguro, o que significa menos atritos com os funcionários.

Quanto aos gerentes e subgerentes, estes quase não tiveram suas responsabilidades alteradas pelo computador. O gerente comercial veio de um dos concorrentes - que já empregava o computador há mais tempo e para as mesmas finalidades - com o objetivo de implantar o sistema no TENDA e fazer as necessárias adaptações. O sistema para ele significa mais status e salário mais alto, uma vez que gera benefícios econômicos para a empresa. De maneira geral, as pessoas que exercem função de gerência concordam que os relatórios emitidos pelo computador ajudam no processo decisório.

Com relação ao superatacado, podemos concluir que o sistema teve efeitos diversos em diferentes categorias de ocupações. Verificamos que algumas funções foram afetadas em seus aspectos centrais e periféricos. As operadoras de pontos de venda, caixa e de vídeo encontram-se nesta categoria, pois as funções que desempenhavam sofreram modificações no conteúdo, responsabilidade e em outros aspectos como, por exemplo, ritmo, variedade, flexibilidade e intensidade do trabalho. Outras funções foram mais afetadas nos seus aspectos periféricos, como as de separador de mercadorias, carregadores e caminhoneiros do depósito central. Estas ocupações foram alteradas apenas no que se refere ao ritmo e volume do trabalho, mas não na sua substância. Há evidências, no entanto, de que o computador sempre simplifica qualquer tarefa independentemente do seu conteúdo e, no caso desta firma, verificamos aumento da quantidade de trabalho em todas as tarefas que analisamos. Em alguns aspectos, os resultados coincidem com os obtidos por Child e colaboradores38 38 . Child et alii op. cit. 1983. Como estes pesquisadores, concluímos que o computador facilita a supervisão do trabalho, porque o próprio equipamento impõe certa disciplina e permite a alocação dos funcionários nas tarefas, segundo as variações da demanda. Por outro lado, diferentemente dos supermercados ingleses, os relatórios dos pontos de venda não são utilizados para controle de desempenho. Além disso, não constatamos que o computador tenha contribuído para a redução da autonomia dos gerentes, como estes pesquisadores sugerem. Segundo eles, os gerentes do supermercado que pesquisaram se ressentiam de ter perdido autonomia para decidir sobre estoques e preços, responsabilidade que já havia sido transferida para o escritório central. Os gerentes argumentaram que a nova tecnologia havia beneficiado principalmente os clientes e o pessoal do escritório central, mas que havia contribuído pouco ou nada para o seu trabalho na gerência. No caso da empresa que estudamos, notamos que os funcionários em posição de chefia e gerência se sentiam orgulhosos de pertencerem a uma empresa inovadora em crescimento, apesar das condições adversas da economia. Não observamos, no entanto, que eles se ressentissem de degradação de seu trabalho ou redução do poder decisório.

Vale mencionar ainda outro aspecto no qual os nossos resultados se distinguem dos obtidos por aqueles pesquisadores. Na empresa que estudamos, o computador, para as funcionárias, não passa de uma caixa preta que magicamente responde ao se pressionar uma tecla. Muitas não escondem suas frustrações quanto ao seu conhecimento limitado do equipamento e se ressentem da dependência do analista. Child,39 39 . Child et alii. op. cit. 1983. no entanto, verificou que as tarefas nos pontos de venda implicavam mais variedade, justamente porque exigiam um treinamento maior, de modo a permitir que as próprias operadoras do terminal tivessem maior autonomia para lidar com as falhas do equipamento.

3. HOSPITAL

3.1 O contexto da inovação

O hospital que estudamos faz parte de uma autarquia estadual que presta assistência médica e previdenciária a funcionários estaduais e seus dependentes. Possui 200 leitos e 311.313 associados (contando somente aqueles que já foram cadastrados). Possui 2 mil funcionários e realiza uma base de 1.300 consultas e 400 exames de laboratório por dia.

A tecnologia implantada refere-se a dois computadores SISCO MB 8000, oito impressoras seriais e 24 terminais de vídeo. A decisão de implantar este equipamento veio da presidência da autarquia, após trabalho de diagnóstico feito por uma empresa de processamento de dados em que demonstrava a necessidade de se racionalizar os serviços internos e prestar melhor assistência ao público. Na realidade, a introdução do computador no hospital fazia parte da política do governo estadual, o que de fato foi bastante explorado mediante ampla divulgação do sistema implantado, através dos meios de comunicação.

A decisão foi tomada sem envolvimento das chefias intermediárias ou dos funcionários do hospital. No processo de decisão apenas o superintendente do hospital foi consultado, mas durante a fase de implementação o presidente constituiu uma comissão diretamente ligada a ele e formada por dois chefes de divisão, pelo corregedor administrativo e pelo contador-geral.

A implementação, iniciada em julho de 1982, ocorreu na seguinte ordem: primeira etapa, senso hospitalar (internação) e contas correntes; segundo etapa, laboratório; terceira etapa, marcação de consultas; quarta etapa, almoxarifado e farmácia. Das várias atividades que passaram a ser feitas pelo computador, podemos citar o cadastro dos Clientes, marcação e cancelamento de consultas, emissão de agendas médicas, relatório de exames de laboratório, emissão das contas de clientes, relatórios estatísticos e controle de almoxarifado e farmácia. Entretanto, o software ainda não permite a integração de nenhuma destas funções entre si.

Durante a implementação, a PRODADOS40 40 . Pseudônimo. através de seus analistas e programadores, encarregou-se de prestar assistência técnica ao usuário. Apesar de ter feito um trabalho de orientação e treinamento inicial com os funcionários que deveriam operar os terminais, e mesmo após uma assistência inicial da BIODATA, o período de implantação foi bastante conturbado. A falta de informação causou certos temores e preconceitos desnecessários em relação ao computador; alguns funcionários tinham a impressão de estarem sendo vigiados e alguns mostraram receio de ir ao toalete vizinho à sala do computador. Houve até boicote ao sistema, pois o alarme de incêndio do computador foi danificado diversas vezes. Em algumas seções a resistência foi mais forte, havendo necessidade de substituir lideranças e chefias.

Na seção de marcação de consultas, a implementação foi mais dramática. Foram introduzidos inicialmente oito terminais para marcação de consultas por telefone e posteriormente três terminais para marcação de consultas nos guichês. Os terminais exigiram a criação de uma sala especial para atendimento de telefone e a colocação de vidros nos guichês de atendimento. É preciso esclarecer que a marcação de consultas por computador foi implantada numa tentativa de se melhorar o atendimento dos clientes e, assim, resolver um dos seus maiores problemas: o tamanho das filas. Nas especialidades mais procuradas era necessário dormir à porta do hospital, ou pagar alguém para passar a noite na fila. A introdução dos terminais representava uma perspectiva de soluções e de melhoramento da imagem do hospital.

A maioria dos funcionários ficou sabendo da implantação no momento em que chegou o equipamento. A chefe da divisão do ambulatório foi notificada um mês antes. "O sistema foi implantado à força", disse ela. Nem funcionários, nem chefes sabiam como operar os terminais e quais as potencialidades do equipamento. Uma das funcionárias nos relatou que ficou tão nervosa na ocasião que teve que ser hospitalizada. Uma outra funcionária nos disse que recebeu apenas uma aula como treinamento e que a maioria aprendeu por ensaio e erro e umas com as outras. Além da falta de preparo e treinamento, vale a pena notar que os terminais foram introduzidos num período de pico, de preferência dos clientes do interior, o que contribuiu para produzir pânico nos funcionários, cujas tentativas de lidar com o equipamento redundavam em erros na agenda médica e reclamações dos clientes.

De fato, surpreendentemente o número de consultas marcadas caiu de 22.857, no mês anterior, para apenas 15.086, no mês em que foi introduzida a marcação por telefone e computador. Na clínica de moléstias tropicais, que atende comumente a pessoas de baixa renda, houve uma drástica redução no número de pessoas atendidas, o que implicou inclusive interrupção de tratamento ou perda definitiva do contato com o cliente.

Entretanto, não se pode atribuir os problemas decorrentes apenas à organização interna e à dificuldade das funcionárias em aprender a lidar com o novo sistema. Os clientes, no afã de conseguir marcar consultas, passaram a ligar logo no início do expediente, o que chegou a provocar uma sobrecarga tal no sistema a ponto de bloquear os telefones dos edifícios vizinhos.

Entrevistamos 55 clientes, 18 meses após a introdução do novo sistema, para conhecer sua opinião sobre os serviços do hospital, especialmente no que se refere à marcação de consultas por telefone, aos serviços de laboratório e à internação. Procuramos estabelecer uma comparação entre a situação anterior ao sistema computadorizado e a situação atual.

As opiniões em relação à prestação dos serviços médicos, de laboratório e internação são bastante positivas. Mas observam-se divergências quanto à marcação de consultas por telefone. A esse respeito as opiniões se dividem: enquanto 22 pessoas acham o sistema on line excelente ou muito bom, 33 acham razoável, ruim ou péssimo. A queixa mais freqüente refere-se ainda à dificuldade de se conseguir linha; os telefones estão sempre ocupados, e muitas vezes quando se consegue ligação não há mais vagas na agenda do médico.

É necessário observar que as pessoas entrevistadas são funcionários públicos residentes em Belo Horizonte. Não foi possível entrevistar pessoas no interior do estado, porque o hospital não pôde fornecer uma listagem dos clientes. Mas, segundo o chefe da Divisão Administrativa, esses clientes também reclamam das dificuldades de fazer as ligações telefônicas interurbanas. Apesar disso, observa-se que o sistema reduziu as filas e eliminou um tipo de intermediário - "o maloqueiro" - que pegava a senha para consulta e a vendia ao cliente interessado.

Dentro deste contexto, ocorreram em várias seções do hospital mudanças consideráveis na organização do trabalho, porém, para efeito deste artigo, daremos atenção apenas àqueles setores e funções que mais sofreram os efeitos da inovação, como a marcação de consultas e o laboratório.

3.2 Mudanças na organização do trabalho: marcação de consultas

O setor de marcação de consultas possui 44 funcionários, distribuídos em dois turnos de seis horas de trabalho. Existe uma chefia formal do setor, que é a responsável pelo funcionamento do sistema, mas em cada turno há um funcionário que, por ter desenvolvido também capacidade de lidar com problemas do sistema, passou a atuar como responsável informal pelo mesmo, sendo assim capaz de substituir a chefia, quando necessário. Estes últimos funcionários têm acesso às rotinas que os outros não têm e somente eles possuem autorização para alterar as agendas médicas no que se refere, por exemplo, a mudanças de horários etc.

A maior parte dos funcionários é do sexo feminino. Muitos já trabalhavam no setor (cerca de 12) e boa parte veio de outros setores, como telefonistas e secretárias. Em vista disto, as pessoas que trabalham atualmente neste setor ocupam cargos variados com remunerações diferentes, mas executam praticamente as mesmas tarefas.

As atividades que executam podem ser divididas em manuais e no terminal. As atividades exercidas no terminal são as seguintes: atendimento de clientes por telefone ou no guichê para marcação de consultas - consulta ao arquivo e registro de informações - processamento e impressão de agenda médica.

Basicamente as tarefas manuais são as seguintes:

a) marcação de sobras de consultas do dia no guichê e marcação de consultas para médicos residentes;

b) confecção de cartão e abertura de prontuários;

c) fornecimento de informações sobre dias e horários de atendimento médico;

d) cadastramento de médicos;

e) elaboração de agendas de médicos-residentes. Existe também uma tarefa, parcialmente manual, que é a de conferência de consultas.

Anteriormente ao computador, todas as tarefas da seção eram manuais e a jornada de trabalho de oito horas por dia. O trabalho das atendentes de guichês consistia em anotar no cartão do paciente dia e hora da consulta, local e médico e ainda preencher a agenda de cada médico em quatro vias. Caso o cliente não fosse ainda registrado no hospital, ela deveria datilografar informações gerais sobre o mesmo na ficha de cadastro. A duração média do ciclo de trabalho dependia não somente do fato de o pliente ser cadastrado ou não, mas também do próprio contato entre este e a atendente. Muitos deles gostavam de expor seus problemas e além disso, eram freqüentes os conflitos quando não conseguiam o médico, o horário desejado e, principalmente, quando não conseguiam marcar consulta dentro dos próximos 15 dias.

Com o computador muita coisa mudou. Inicialmente, tentou-se substituir este sistema pelo atendimento por telefone. Neste caso a tarefa da atendente consiste em atender ao telefone, interagir umas poucas vezes com o cliente para verificar se há vagas para a clínica e o médico procurados, e então registrar o horário e a data pelo terminal. Cada funcionário marca cerca de 60 a 100 consultas diárias.

De acordo com um levantamento feito pelo hospital, o ciclo-padrão (quando o cliente liga com todos os documentos à mão, como o número de registro) é de 1 minuto e 30 segundos. Porém, pode durar até cinco minutos, dependendo da interação com o cliente. Cada funcionário atende também a um número de telefonemas 10 vezes maior do que o número de consultas que consegue marcar, porque são feitas muitas chamadas inúteis, fora do horário ou para cancelar consultas. O ritmo de trabalho varia, portanto, com o número de chamadas, com a interação com o cliente e, além disto, com a sobrecarga do computador, que freqüentemente não responde tão pronto quanto desejável.

Este novo sistema implicou uma redução substancial na variedade da tarefa, que, se já era repetitiva nos guichês, tornou-se duas vezes mais, pelo telefone aliado ao computador. A nova tarefa exige que a atendente se concentre no telefone e no terminal ao mesmo tempo, e ainda requer objetividade no trato com os pacientes e rapidez em lidar com o terminal. Atenção concentrada é essencial, na medida em que ela executa seu trabalho em uma sala pequena, em conjunto com mais oito telefonistas, que não dispõem de earphones. Conforme mencionamos, este sistema ocasionou muitas falhas na marcação de consultas e reclamações dos clientes, que se aproveitam do contato impessoal do telefone para externar suas frustrações às telefonistas. Como resultado da inefetividade do sistema e crescente insatisfação das atendentes, decidiu-se pela colocação de três terminais para atendimento pessoal nos guichês e também por uma redivisão interna do trabalho.

Estas medidas contribuíram para reduzir a sobrecarga do trabalho das atendentes e melhoraram substancialmente a qualidade do trabalho em geral. Os terminais nos guichês permitiram o revezamento com o trabalho no telefone, de tal forma que as atendentes fazem um rodízio entre estas duas tarefas de três em três horas. Apesar de o atendimento nos guichês ainda ser repetitivo, o ciclo de trabalho é maior (leva-se em média cerca de cinco minutos para atender cada cliente), permite maior variabilidade, à medida que depende da interação social com o cliente, e admite maior flexibilidade na interação com os colegas.

No telefone, a funcionária dispõe de menos controle sobre o ritmo de trabalho, apesar de poder desligar temporariamente o terminal. Entretanto, existe algum controle da organização com relação a isto. Por exemplo, isto não pode ser feito nos períodos de pico e mesmo quando a demanda de chamadas é pequena tem de haver um número mínimo de pessoas na sala de telefones. Além disso, as constantes reclamações por parte das clientes levaram ao estabelecimento de um controle de produtividade das atendentes pela divisão médica, o que, segundo uma delas, tem motivado um tratamento mais seco, frio e menos explicativo aos clientes, que acabam reclamando disto também.

Outras medidas foram introduzidas para aliviar a posição das atendentes como bodes expiatórios da inefetividade do sistema, como o estabelecimento de horários definidos para marcação de consultas nas diferentes clínicas e a introdução de uma secretária eletrônica para atender às chamadas nos horários em que o sistema não funciona. Mas, tais medidas não foram suficientes para reduzir a insatisfação da clientela e impedi-la de extravasar suas frustrações. Podemos levantar algumas explicações a esse respeito. A introdução do computador no hospital, como no supermercado, reduziu o ciclo de atendimento e com isto aumentou o volume de trabalho, sem que, contudo, houvesse aumento correspondente na disponibilidade de consultas. Uma das implicações do novo sistema envolveu a reorganização do atendimento médico, com o estabelecimento de critérios quanto ao número de consultas novas e retornos para cada um, o que resultou em redução geral do número de consultas disponíveis. O fácil acesso ao hospital, através do telefone, contribuiu para que as agendas ficassem repletas já no início da semana, naquelas especialidades mais procuradas. Tal fato, por sua vez, reduziu a disponibilidade de vagas para a semana e para os casos de emergência, provocando mais atritos no atendimento nos guichês, com os clientes que necessitavam de consulta médica para o mesmo dia.

Ao mesmo tempo que o computador evitou os problemas de atritos pessoais com os clientes que permaneciam na fila durante a noite e ainda assim não conseguiam ficha de consulta, recriou o mesmo tipo de atrito com os que esperam na fila o dia inteiro e concorrem com todos aqueles que fazem a ligação telefônica no dia.

Chegamos a ponderar que o processo de marcação de consultas por computador afeta ocupações e pessoas diferentes de maneira diversa. Em relação às atendentes, verificamos que as tarefas nos terminais simplificaram o seu trabalho, tornando-o repetitivo e monótono. Embora elas possam se beneficiar do esquema de rodízio de três em três horas, as alternativas são igualmente de trabalho rotineiro: ao saírem dos telefones, elas vão para o atendimento computadorizado ou manual, ambos essencialmente repetitivos. O novo trabalho, por outro lado, requer algumas habilidades e mesmo esforço pessoal, o que leva algumas pessoas a se diferenciarem quanto à capacidade de lidar com o equipamento. Elas percebem que não são todas que o conseguem. Parece que o que diferencia as funcionárias, neste caso, está mais na esfera das habilidades, aptidões e personalidade, do que na esfera dos conhecimentos e experiência. Por exemplo, no caso das telefonistas, as qualificações estão ligadas a acuidade auditiva, atenção concentrada e capacidade de lidar com pessoas. No caso dos terminais, são indispensáveis memória e atenção concentrada. Segundo o chefe do setor, as duas funcionárias que mais sobressaíram no uso das terminais possuíam menor nível de escolaridade. Afirma ele que elas valorizaram a nova função e se empenharam mais nela do que as outras. De fato, estas funcionárias, que antes trabalhavam apenas no guichê, hoje têm função diferenciada. São encarregadas do cancelamento de consultas e alterações nos horários dos médicos. Ganharam em termos de flexibilidade, variedade e responsabilidade.

Quanto à satisfação no trabalho, verificamos que há diferenças. Observamos que as funcionárias que se declararam favoráveis ao novo sistema pertencem à categoria daquelas que se deram bem com o equipamento e exercem certa liderança informal no setor. Algumas afirmaram que preferem o novo sistema porque evita atritos pessoais com os clientes, bem como a obrigação de escutar lamúrias e problemas dos mesmos. Outras explicaram que não gostam dos insultos dos telefonemas e que preferem o contato pessoal com o cliente.

Com relação ao trabalho da chefia, não pudemos verificar a maneira como sofreu modificações a partir da introdução do computador, pois ela se recusou a trabalhar no novo sistema e foi transferida para outra seção. A chefe atual garantiu, no entanto, que o trabalho de supervisão é mais facilitado. A isto se contrapõe o aumento do número de funcionários na seção, ocasionado pela redução da jornada de trabalho. Anteriormente eram apenas 16, hoje são 44. Diferentemente da maioria do hospital, a chefe trabalha oito horas por dia e não tem horário para sair.

Os médicos, até certo ponto, perderam controle sobre o trabalho, uma vez que o computador exige que seu ritmo de trabalho seja estável durante a semana, retirando aquele elemento de flexibilidade que lhes permitia controlar seu tempo de acordo com suas próprias necessidades e com as dos clientes. Algumas especialidades médicas foram mais afetadas do que outras. Embora três dentre os dez médicos entrevistados tenham-se mostrado favoráveis ao novo sistema e cinco tenham declarado que não foram afetados pelo sistema, dois afirmaram que seu trabalho foi bastante afetado. Um deles explicou que a divisão médica controla a produtividade das clínicas, isto é, todo médico tem que atender um número mínimo de novas consultas e de retornos por dia. O sistema anterior dava mais flexibilidade ao médico, à medida que ele podia deliberar sobre quais consultas deveriam ser consideradas como novas ou como retornos, dependendo do tempo que gastava com o cliente. Com o computador, o número de novas consultas e de retorno já é padronizado, impedindo que um retorno seja registrado como primeira consulta, mesmo que ocupe o tempo ou represente o trabalho desta. O outro médico que se mostrou desfavorável às mudanças comentou que a marcação de consultas por telefone trouxe problemas de produtividade para sua clínica, uma vez que este sistema tende a desfavorecer os clientes de baixa renda, sem telefone. Explicou ele que grande parte da sua clínica se compõe exatamente de clientes de baixa renda e, quando da implantação do sistema, o número de consultas caiu de uma média de 12 para dois clientes por dia. Contudo, a mudança no perfil da clientela foi mencionada por todos os médicos. Informam eles que isto vem trazendo problemas para sua agenda, já que os clientes mais pobres acabam aparecendo de qualquer jeito, mesmo sem ter marcado consulta.

A introdução do computador serviu de desculpa para o estabelecimento de vários controles sobre a agenda médica. Atualmente eles assinam folha de presença e só podem solicitar férias com antecedência de um mês e abono com antecedência de 10 dias. Anteriormente, era bem mais fácil trocar o dia de atendimento, o horário ou o local.

4. LABORATÓRIO

O caso do laboratório do hospital é bem específico, pois analisamos não só o impacto do SISCO MB 8000 para propósitos administrativos, como também as mudanças que ocorreram nas atividades da seção, em função de um computador analógico que executa exames de sangue.

O laboratório é subordinado à Divisão de Serviço Complementar, Diagnóstico e Tratamento do Hospital e suas atividades compreendem a execução de exames patológicos para os associados da instituição. O serviço é dirigido por um médico e do seu quadro de pessoal constam 99 funcionários entre médicos, bioquímicos, técnicos de patologia clínica, laboratoristas, escriturários e auxiliares de serviços gerais.

Conforme mencionamos, o Serviço foi uma das unidades mais afetadas pela introdução da microeletrônica no hospital, não só em atividades administrativas, mas também em atividades técnicas. A Seção de Expediente do Laboratório foi uma das primeiras a introduzir a marcação de exames pelo computador quando foi introduzido o MB 8000, mas na área técnica e microeletrônica já havia penetrado muito antes. Desde a criação do hospital, o laboratório é dotado de equipamentos semiautomatizados para realização de exames. Nossa atenção, entretanto, concentra-se, primeiro, no Setor de Hematologia, porque o equipamento de laboratório utilizado é o mais avançado e guarda correspondência com os equipamentos estudados por Child e colaboradores; e, em segundo lugar, na Seção de Expediente, onde o computador é usado para marcar os exames de laboratório.

Com relação ao computador analógico, trata-se de um microprocessador da marca COULTER, adquirido em 1978 e que pode ser acoplado a um computador. O equipamento é um conjunto que consta de compressor, processador e impressora. Realiza operações aritméticas e cálculos de parâmetros, podendo ter interface com um computador para controle de qualidade, além de impressão direta dos resultados dos exames. Entretanto, o laboratório não dispõe ainda deste sistema sofisticado. Da maneira como funciona atualmente, os resultados dos exames são passados aos digitadores da Seção de Expediente.

O equipamento realiza 90% dos exames de sangue do laboratório, tendo capacidade para processar cerca de 300 exames por dia, em aproximadamente três horas e meia. O aparelho não representa muitas vantagens em termos de precisão, pois o exame manual pode até ser mais preciso. Mas a sua principal vantagem é a economia de mão-de-obra, isto é, além de dispensar o trabalho de limpeza de vidraria, pode substituir o trabalho de 10 técnicos, cuja capacidade de processamento é de apenas 30 exames em seis horas de trabalho. A decisão de adquirir o equipamento foi tomada pelo médico no exercício da chefia do laboratório, e ele convenceu a administração central dessa necessidade. Ao contrário do que constatamos a respeito da introdução do computador para propósitos administrativos, verificamos que houve participação de alguns médicos e bioquímicos de nível hierárquico intermediário.

No início houve alguma resistência ao equipamento por parte dos técnicos de patologia, mas isto foi logo superado. Atualmente, eles nem mesmo podem conceber o trabalho sem o aparelho. Quando este se estraga as amostras são guardadas na geladeira até que o equipamento esteja novamente em uso, isto quando o conserto pode ser feito em 24 horas.

Uma das funções diretamente afetadas no seu conteúdo pelo COULTER foi a de técnico de patologia. Sua tarefa manual consistia em aspirar o sangue na pipeta, misturar, contar as hemácias duas vezes consecutivas e calcular o resultado. Depois usava o fotocolorímetro e o centrifugador para fazer o hemograma. O equipamento eliminou diversas destas operações, inclusive os procedimentos de lavação de vidraria do laboratório. Atualmente, a tarefa do técnico consiste basicamente em acionar a limpeza automática do aparelho, colocar as amostras de sangue e a etiqueta com o nome do cliente. Além disto, tem apenas que esperar o aparelho fazer a contagem, imprimir os resultados e fazer a conferência dos mesmos.

Pudemos verificar que o COULTER mudou completamente a natureza e as exigências do trabalho. Os técnicos de patologia são semi-especializados, isto é, exige-se para o exercício da função curso técnico de laboratório, a nível de 2º grau. O trabalho com o COULTER dispensa estas habilidades técnicas, mas requer outras de natureza diferente. Para se maximizar a produção e garantir a precisão dos exames, é necessário tomar certos cuidados com o aparelho. A limpeza é a parte mais importante. Deve ser usado um líquido especial e o processo completo requer 20 minutos no início e 20 minutos no final do expediente. O equipamento é bastante vulnerável a qualquer falta de cuidado, pois se estraga facilmente, podendo inclusive apresentar resultados adulterados. É por este motivo que os funcionários acham que o trabalho com a máquina exige mais responsabilidade.

Devido a estas características do equipamento, apenas dois funcionários se sobressaíram nesta nova tarefa. Aliás, o trabalho com o COULTER contribuiu para que eles ganhassem mais status e obtivessem certo poder informal no setor. Um dos técnicos domina completamente a tecnologia do COULTER, chegando inclusive a diagnosticar os defeitos e a consertar as falhas menores.

Além da habilidade para lidar com o mau funcionamento da máquina, o trabalho exige muita concentração para que haja maximização da produtividade. Por exemplo, geralmente o técnico faz 100 exames em seqüência e, neste caso, não pode ser interrompido. Em comparação com o método manual, o sistema computadorizado dá menos chance para interação social. Uma vez que se dê partida ao sistema, o ritmo de trabalho passa a ser controlado pelo mesmo, embora o técnico tenha liberdade para acionar e desligar o aparelho no momento em que achar conveniente. As interrupções não são muito boas para se obter o máximo de produtividade da máquina, além de reduzir o tempo livre para outras tarefas ou para interação social. Desse modo, os técnicos preferem fazer toda a sua cota de exames de uma vez nas primeiras três horas do expediente.

Com relação à supervisão, não verificamos mudanças que pudessem ser atribuídas ao computador analógico. Aliás, parece que o controle sobre o trabalho em termos de supervisão, no caso do laboratório, está o mais ligado às características da divisão do trabalho do que à tecnologia.

Uma característica interessante a respeito dessa seção é que o trabalho é muito framentando em função da especificação técnica de cada função. Por exemplo, neste laboratório, os auxiliares se encarregam da limpeza do material, os laboratoristas fazem a colheita das amostras e exames mais simples, e aos técnicos de patologia são destinadas as técnicas mais elaboradas. Embora se subentenda que os bioquímicos e médicos possam executar qualquer função dentro do laboratório, eles se encarregam principalmente dos exames mais sofisticados. Por exemplo, há certos exames que requerem ação médica e que, portanto só podem ser realizados por eles. Além de terem suas responsabilidades claramente delimitadas, as tarefas são interdependentes e cada um tem sua cota de trabalho especificada. Este esquema faz com que a supervisão se processe mais ao nível da qualidade do trabalho, isto é, o próprio colega chama a atenção do outro quando vê seu próprio trabalho prejudicado. Assim, não existe supervisão estreita, e à medida que a própria cota de trabalho for cumprida, cada um pode fazer do seu tempo o que bem entender.

Com exceção do técnico de patologia, não pudemos constatar outras funções que tivessem sido afetadas pelo computador analógico. Pela própria natureza do trabalho que executam, nem o médico, nem o bioquímico sofreram modificações nas suas responsabilidades, embora numa das entrevistas o bioquímico tenha admitido que suas funções básicas poderiam ser modificadas pelas tecnologias mais avançadas. No caso, é menos provável que a função médica seja atingida, pois ela contém aqueles elementos de indeterminação (ação médica) que não podem ser substituídos pelo computador. Neste ponto, nossos resultados coincidem com os de Child e colaboradores, que concluíram que apenas as funções técnicas sofreram mudanças substanciais com a computarização dos exames de laboratório. Estes autores verificaram que a introdução do computador no laboratório por eles estudado levou a um maior volume de trabalho, o que impedia que houvesse tempo para outras tarefas, exigindo, inclusive, o rodízio com pessoas menos qualificadas. No caso por nós estudado, houve também aumento do volume de trabalho, não apenas porque o computador analógico permite realizar maior número de exames, mas também devido ao crescimento em todos os serviços do hospital. Entretanto, ao contrário do que aqueles autores notaram com relação à maior pressão no trabalho, percebemos até uma certa ociosidade no setor, o que não é surpresa, considerando-se o sistema clientelista das autarquias públicas.

Diferentemente do que Child e colaboradores verificaram, o técnico de laboratório por nós estudado não se ressente de não usar suas habilidades. Ao contrário, acha a tarefa manual cansativa e minuciosa, preferindo lidar com o aparelho, o que representa certo status no setor.

Na Seção de Expediente do laboratório, a função mais afetada foi a de datilografia de resultados, os quais passaram a ser digitados. Isto trouxe algumas implicações; por exemplo, a digitação é mais lenta (devido à sobrecarga da CPU) e nela o funcionário possui menor controle sobre o ritmo de trabalho, além de exigir mais atenção. Assim, o novo trabalho reduz as possibilidades de interação social, o que, entretanto, é minimizado com o sistema de rodízio de tarefas existente na seção. A função de digitação é bastante rotineira e repetitiva, mas não chega a sê-lo muito mais do que a função anterior de datilografia. Além disso, apesar de o funcionário realmente possuir menor controle sobre o ritmo de trabalho na digitação, o sistema de supervisão vigente no laboratório, centrado na tarefa ou na produção, permite, informalmente, que ele possa ir embora a partir do momento em que termina o trabalho do dia.

Com o computador notamos um aumento do volume de trabalho na seção, pois anteriormente os pedidos de exame eram repassados para outros setores do laboratório, os quais anotavam os resultados dos exames e os devolviam à seção, para datilografia dos mesmos. Com a introdução do sistema, passou a ser necessária a digitação de dados do paciente, inclusão dos exames, processamento e impressão de listas de trabalho e de etiquetas de identificação. Devido a este aumento no volume de trabalho da seção, tornou-se indispensável criar um horário noturno e introduzir horas extras.

A substituição das papeletas de pedidos de exames - que circulavam por todos os setores do laboratório - pelas listas de trabalho trouxe maior organização para o mesmo, no sentido de prevenção quanto a perdas, extravios ou enganos. Diminui-se sensivelmente a papelada e as atividades de procura de papéis e de materiais de exame extraviados, facilitando bastante o trabalho dos funcionários e das chefias, sendo que anteriormente estes últimos tinham pilhas de papéis de exames para separar. Observamos que a interdependência entre os setores do laboratório e a Seção de Expediente aumentou e assim reforçou o sistema de supervisão por tarefas, além de facilitá-lo, pois os funcionários passaram a controlar informalmente a rapidez e a qualidade do trabalho daqueles de que o seu próprio trabalho depende.

Da mesma forma que em outros setores do hospital ocorreu um relativo aumento do nível de qualificações necessárias, tanto é que foram selecionados para trabalhar inicialmente com o sistema os melhores funcionários da seção. Alguns funcionários se sobressaíram quanto à capacidade de lidar com os equipamentos, e alguns passaram mesmo a exercer liderança informal e dois deles chegaram a ocupar cargos de chefia e de assistente da seção.

5. CONCLUSÕES

Os dois casos que estudamos contribuem para fortalecer algumas de nossas suposições anteriores e ainda levantam outras questões que nos pareceram relevantes. Em primeiro lugar, verificamos que a microeletrônica afeta funções e ocupações de maneira diversa. Algumas funções são implacavelmente afetadas, a ponto de desaparecerem da divisão interna do trabalho, enquanto que outras ficam mais ou menos imunes. É claro que a questão da imunidade é função do avanço tecnológico, mas ainda há alguns fatores que atuam como mediadores nas relações entre tecnologia e trabalho. Tudo indica que as categorias menos capazes de sobreviver à pressão da tecnologia são aquelas com alto grau de componente técnico, que pode ser facilmente padronizado e codificado; são mais repetitivas, menos escassas no mercado de trabalho e não têm legitimidade pública, ou seja, não têm nada que leve o público a exigir a sua execução pelo incumbente em vez da máquina. O nosso estudo fornece algumas ilustrações que se enquadram nesta descrição, como o caso dos kardexistas, faturistas e de outras funções que foram diretamente afetadas no seu conteúdo, como as de telefonistas, atendentes do ambulatório médico, técnicos de patologia de laboratório, datilógrafas, operadoras de caixa e similares.

Em segundo lugar, parece claro que os efeitos do computador vão além daquelas funções diretamente afetadas, se estendendo àquelas tarefas interdependentes destas através do fluxo de trabalho. Observamos, por exemplo, que a tecnologia alterou o ritmo e o volume de trabalho do depósito central no que se refere ao superatacado e também impôs limites ao serviço médico do hospital, o que para os médicos teve como conseqüência mudanças nas características da clientela e queda na produtividade. Nestes exemplos, não houve mudanças na parte central do trabalho, apesar de que verificamos algumas alterações nestas funções no que se refere ao ritmo, flexibilidade, variedade, controle e quantidade do trabalho.

Com relação à qualidade do trabalho, não podemos dizer que a microeletrônica proporcione aquelas vantagens tão decantadas pelos seus entusiastas, nem aqueles efeitos tão desastrosos como querem crer os pessimistas. De fato, esta tecnologia tem poderes para simplificar as tarefas reduzindo o número de operações necessárias e o tempo para executá-las; entretanto, a condensação das tarefas implica também fragmentação, uma vez que o indivíduo é responsável por uma parcela ainda menor do fluxo de trabalho. Diz-se que uma das principais vantagens da microeletrônica é que ela permite mais tempo para outras tarefas não-rotineiras. Isso é verdade considerando-se a relação máquina-trabalho isoladamente, isto é, no momento em que a máquina reduz o número de operações necessárias, ela imprime maior velocidade ao trabalho, resultando obviamente em mais tempo livre. Este sistema, não obstante, admite que qualquer aumento da demanda de serviços seja facilmente acomodado, o que envolve maior produtividade, mas também um ritmo de trabalho mais intenso. Se a organização cresce, esta vantagem se torna completamente superada pela maior pressão de trabalho. Por outro lado, não pretendemo-nos deixar levar pelo que Form41 41 . Form critica algumas teorias sobre o trabalho como a de Braverman e outras, por sugerirem que o trabalho anterior à industrialização era predominantemente artesanal e estimulante, quando na realidade era duro, repetitivo. Ver Form, W. Resolving ideological issues on the division of labor. In: Blalock, H. M. Sociological theory and research: a critical appraisal. New York, Free Press, 1980. p. 140-55. denomina de idéia romântica do trabalho, pois as tarefas anteriores não eram assim tão agradáveis, estimulantes e variadas. Ao contrário, quanto às tarefas anteriores não havia muito o que perder, pois elas eram igualmente repetitivas, monótonas e, por sua vez, fragmentadas, por representarem apenas uma pequena parte do fluxo de trabalho.

Pelo que comentamos até agora, parece que a microeletrônica atinge primordialmente as funções menos qualificadas da hierarquia, o que viria a reforçar a concepção neomarxista de que a microeletrônica afeta em princípio a periferia da força de trabalho. Mas, é necessário ressaltar que isto é muito relativo, ou seja, depende também do tipo de tecnologia a que estamo-nos referindo. Embora os nossos dados sobre o superatacado não tenham permitido constatá-lo, devido às condições especiais em que seu gerente foi admitido, tudo leva a crer que, nos casos de tecnologia para propósitos administrativos, a gerência possa ser atingida nas suas tarefas mais críticas, como as de controle administrativo e na autonomia decisória, devido a facilidades de centralizar as informações na cúpula.

Entretanto, o nível profissional do setor de serviços parece ser ainda mais suscetível à microeletrônica, pois as tecnologias de última geração têm potencial para desafiar as ocupações técnicas e também o lado técnico de certas profissões no que se refere à sua integridade, isto é, na capacidade dos profissionais de determinarem como o conhecimento deve ser usado e nos padrões de entrada e saída da profissão. Segundo esse critério, poderíamos concluir que, no caso do técnico de patologia, a introdução do computador analógico resultou de certa maneira na subutilização das habilidades adquiridas durante o treinamento e tornou viável o desempenho da função por pessoas menos qualificadas. E bem verdade que os bioquímicos ficaram imunes, mas podemos atribuir isto à tecnologia que não é a mais avançada.

Por outro lado, se analisada de um ângulo diferente, a qualificação se manifesta através de uma dimensão psicológica inculcada pela sociedade e pela organização, segundo sua maneira particular de ver a tecnologia, que não encontra necessariamente correspondência real no mercado de trabalho. Assim, tanto no caso do hospital quanto no do superatacado, lidar com os terminais do computador significa progresso na carreira e melhores oportunidades no mercado de trabalho, muito embora a ausência de diferenciação salarial demonstre o contrário. Do mesmo modo, a idéia de que existem melhores oportunidades no mercado de trabalho é também enganosa, pois as funções não-profissionais da computação, tais como as das operadoras de terminais, que executam pequeno número de operações sem saberem lidar com as eventualidades, podem ser preenchidas com mão-de-obra menos qualificada e facilmente habilitada após curto período de treinamento. Logo, a percepção de maior qualificação parece mais ligada a avaliações subjetivas provocadas por aspectos de novidade e dificuldade inicial de lidar com a máquina. Isto reflete uma real posição de maior competitividade em termos de mercado externo de trabalho. Portanto, a idéia de qualificação fica no terreno da ilusão e tende a esmorecer assim que o computador se tornar um fato corriqueiro, menos mistificado, e houver saturação deste tipo de mão-de-obra no mercado de trabalho.

Neste ponto, os trabalhadores entrevistados por Child e colaboradores demonstraram ter uma noção mais realista a respeito do computador, pois muitos deles se mostraram preocupados com o desuso das habilidades críticas da profissão e com a possibilidade de serem substituídos por trabalhadores menos qualificados.

Conforme sugerimos, a vulnerabilidade de determinadas funções à automação é uma questão complexa, impossível de ser desvendada de uma só vez. O nosso estudo levanta alguns aspectos que podem explicar a maior ou menos sobrevivência de certas funções à microeletrônica como, por exemplo, a natureza da tarefa, o tipo de tecnologia, a escassez da função no mercado de trabalho, bem como a exigência do público de que a função seja pessoalmente executada pelo incumbente. Além disso, a participação no processo decisório é um aspecto fundamental, uma vez que aí será determinado o tipo de tecnologia a ser adquirido e a maneira como será usada. Entretanto, isto ainda é utópico na sociedade contemporânea, porque nem os sindicatos dos países mais avançados conseguiram acordos substantivos nesta área, pois em geral as ocupações mais profundamente afetadas nunca são consultadas ou têm vez na aplicação da tecnologia.42 42 . Holmes, L. op. cit. 1981. e Evans, J. op. cit. 1982. Nosso projeto, bem como o de Child e colaboradores, reflete esta situação. Para nossa surpresa, também o processo decisório dos casos ingleses foi completamente centralizado, sem que os trabalhadores fossem sequer avisados ou preparados de que teriam de se adaptar às novas condições de trabalho.43 43 . Child et alii. op. cit 1983.

De certa forma, as dificuldades ocorridas durante a fase de implantação mostram que o processo decisório, nos casos que estudamos, se restringe a uma questão política ou significa luta para ocupar uma posição dominante no mercado. No seu entusiasmo relativo às maravilhas técnicas do computador, dirigentes, consultores e técnicos se esquecem de que são indivíduos que vão operar as máquinas. Como bem o coloca Rattner,44 44 . Rattner, H. Informática e tecnocracia. Revista Brasileira de Tecnologia, 75(1)1984. o computador no Brasil é associado com progresso técnico e como todo progresso é positivo, não há por que questioná-lo. Este pressuposto de que a microeletrônica implica necessariamente melhoria de qualidade do trabalho pelos seus precursores é uma das razões pela qual esta tecnologia pega a organização completamente despreparada, pois impede que haja avaliação das suas conseqüências administrativas e sociais e a criação de mecanismos capazes de lidar com elas.

Resumindo, apesar de termos afirmado anteriormente que os efeitos da microeletrônica não são tão benéficos ou drásticos, pelo menos dentro da tecnologia que analisamos, isto não quer dizer que sejam negligenciáveis. Muito embora nos casos que estudamos as funções mais profundamente afetadas tenham sido aquelas já de natureza rotineira, tudo indica que as tecnologias mais avançadas são capazes de atingir o nível intermediário das hierarquias, mesmo as profissões para as quais o público exige o desempenho pelo incumbente, como a profissão médica e aquelas que possuem um componente maior de indeterminação como a de gerente. Esta pesquisa sugere, além disso, que as organizações ainda não dispõem de mecanismos capazes de lidar com as conseqüências dessa nova tecnologia. Contudo, é necessário considerar que estamos tratando aqui de um processo, isto é, como as tecnologias estão em evolução, não se pode encarar o impacto sobre o trabalho como definitivo.

Por último, gostaríamos de chamar a atenção para as limitações deste artigo. Como estudo de caso, não temos a pretensão de que nossas conclusões sejam estendidas ao setor de serviços como um todo. Além disso, há muitos aspectos na relação entre tecnologia e trabalho que não pudemos esclarecer, mas esperamos pelo menos ter levantado algumas questões que possam suscitar outros estudos sobre o tema.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1985
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