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Parentes especiais, relações Karitiana

Special relatives, Karitiana relations

RESUMO

Neste artigo exploro aspectos relacionados aos parentes chamados de osikirip (termo traduzido como especiais, em português) pelos indígenas Karitiana. Tento compreender o que os distingue dos demais parentes: a especificidade de seus corpos e de seu comportamento. Em seguida, discuto duas explicações para a existência dessas pessoas: a raiva da mulher pelo marido na gravidez e a falta de cuidado de ambos ao usar as vacinas do mato no recém-nascido. Tal displicência gera o estado popopo (traduzido, a depender do contexto, como bêbado, louco e como morto) que, por sua vez, também pode transformar o Karitiana em especial. Discuto, ainda, sobre a adesão do grupo aos medicamentos psicotrópicos, receitados pelos médicos aos especiais. Sugiro que o uso dos remédios não indígenas não implica na ausência de especificidades na reflexão e nas práticas do grupo a respeito desses parentes osikirip.

PALAVRAS-CHAVE
Parentesco; cuidado; corpo; transformação; Karitiana

ABSTRACT

In this article I explore aspects related to the relatives called osikirip (term translated as especiais [special], in Portuguese) by the Karitiana Indigenous. I try to understand what distinguishes the special ones from other relatives: the specificity of their bodies and their behavior. I then discuss two explanations for the existence of these people: the wife’s anger at her husband during pregnancy and the lack of care by both in using the forest vaccines on the newborn. Such carelessness generates the popopo state (translated, depending on the context, as drunk, crazy, and dead alike) which, in turn, can also make the Karitiana a special one. I still argue about the group’s adherence to the psychotropic medicines, prescribed by doctors to the special ones. I suggest that the use of non-indigenous medicines does not imply the absence of specifics in the group’s thinking and practices regarding these osikirip relatives.

KEYWORDS
Kinship; care; body; transformation; Karitiana

INTRODUÇÃO1 1 Este artigo retoma e reelabora argumentos apresentados em minha tese de doutorado, financiada pela Capes e defendida no PPGAS-USP em 2015 sob a orientação de Marta Amoroso. Uma versão preliminar do mesmo foi apresentada no painel “Sobre enlaces turbulentos, o la conyugalidad amerindia revisitada", coordenado por Laura Pérez Gil e Magda Dziubinska na XI Sesquiannual Conference of Salsa, em Lima (Peru), em 2017, evento no qual minha participação foi viabilizada pela Fapesp (processo 2017/12961-6). Agradeço ainda aos pareceristas anônimos da Revista de Antropologia, que foram interlocutores de fato.

Leonel2 2 Todos os nomes mencionados neste artigo são fictícios. O cuidado se justifica não apenas por conta dos dilemas éticos implicados no tipo de discussão que proponho aqui, como também, por sugestão de Claudia Fonseca, para lembrar que o trabalho antropológico não se propõe a reconstruir a “realidade bruta”: “O nosso objetivo, sendo aquele mais coerente com o método etnográfico, é fazer/ desfazer a oposição entre eu e o outro, construir/desconstruir a dicotomia exótico-familiar, e, para alcançar essa meta, a mediação do antropólogo é fundamental” (Fonseca, 2007). tinha 35 anos em 2014, data em que estive pela última vez em sua casa, durante a pesquisa de campo que realizei entre 2011 e 2014. Ele é o mais velho especial3 3 Neste artigo, as palavras em português grafadas em itálico indicam traduções dos Karitiana para vocábulos de sua língua. O cuidado inspira-se na reflexão de Evelyn Zea sobre a tradução, que propõe deslocar seu foco da prática do antropólogo para aquela realizada pelos interlocutores de pesquisa. “A tradução responde aqui a um desejo de conhecimento e a uma inquietude da existência, que converte a carência de pontos de apoio absolutos e autossuficientes numa oportunidade de criar relações” (Zea, 2008: 75). (osikirip) Karitiana4 4 Os Karitiana, grupo de língua do mesmo nome (da família linguística TupiArikém), são uma população de 396 pessoas (Rocha, 2017) que vive principalmente em sete aldeias - cinco na Terra Indígena Karitiana e duas em áreas reivindicadas pelo grupo junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) - localizadas nos municípios de Porto Velho e Candeias do Jamari, em Rondônia. solteiro. Mas nem sempre ele foi assim considerado. Seus parentes me contaram que, quando adolescente, era um rapaz forte e alegre, que gostava muito de tocar violão. Na idade de ficar noivo, ele ficou louco (popopo) e, desde então, nunca mais foi o mesmo: seu corpo passou a ser considerado mirrado para um adulto. Enquanto fui hóspede de sua família, sua mãe era sua principal cuidadora. Em uma dessas noites, acordei com o rapaz chorando com frio e ardendo em febre. Ela acendeu um fogo abaixo de sua rede, deu-lhe remédios e atenção. No dia seguinte, ela prosseguiu com os cuidados ao filho até que o mal-estar e a febre passassem.

Fui desencorajada a conversar diretamente com Leonel pelo fato de seus parentes considerá-lo agressivo, comportamento antissocial oposto à alegria que o marcava antes de ficar popopo. Mas eu o fiz algumas vezes na companhia de seus familiares. Leonel caça e esse sempre foi seu assunto dileto comigo: os tiros certeiros em mutuns, tunas e macacos. As armas de caça, contudo, notabilizaram o rapaz em uma história, mencionada frequentemente pelos interlocutores Karitiana, que poderia ter culminado em uma tragédia. Em uma das vezes em que ficou louco, teria apontado a espingarda para dois de seus irmãos. Um deles conseguiu imobilizá-lo e, desse modo, evitou um desfecho trágico. Em outra versão do mesmo evento, ainda mais dramática, Leonel teria jogado uma caixa de balas na fogueira, intentando assim destruir sua casa e matar toda sua família. Novamente, o mesmo intrépido irmão retirou a munição do fogo, coibindo o ato mortal.

Neste artigo, abordo aspectos relacionados aos parentes que, assim como Leonel, são chamados de especiais pelos Karitiana. Para tanto, proponho levar em conta alguns pressupostos sobre a construção do parentesco entre povos ameríndios, entre os quais a ideia de que a formação de redes de consanguíneos não é concebida como algo natural. Sua efetuação pressupõe que o princípio relacional básico - denominado por Viveiros de Castro (2002a: 407-418)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002a. “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco”. In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify, pp. 401-455. pela expressão “afinidade potencial” - se realiza com o mundo exterior, em relações de alteridade, pautadas pela lógica da hostilidade. Tal formulação implica considerar que a fabricação do parentesco é, dessa maneira, um exercício de “despotencialização da afinidade” (Viveiros de Castro, 2002aVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002a. “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco”. In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify, pp. 401-455.: 423).

O parente é, portanto, um não outro, e só se mantém nessa posição relacional por meio de ações que garantem torná-lo um humano verdadeiro, como a comensalidade, a partilha e o cuidado. Esse processo, concreto e contínuo, que é denominado por Overing (1999: 96)OVERING, Joanna. 1999. “Elogio do cotidiano: a confiança e a arte da vida social em uma comunidade amazônica”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 5, n.1: 81-107. DOI 10.1590/S0104-93131999000100004
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pelo termo “convivialidade”, produz corpos assemelhados e ligados entre si por meio de afetos adequados. Assim, idealmente, as noções de parente e de humano devem coincidir. Contudo, nem sempre isso está posto, como argumenta Peter Gow (1997)GOW, Peter. 1997. “O parentesco como consciência humana: o caso dos Piro”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 3, n. 2: 3965. DOI 10.1590/S0104-93131997000200002
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: por exemplo, em momentos críticos como os nascimentos, os cuidados aos quais os bebês são submetidos envolvem justamente a sua transformação em verdadeiro humano, inibindo a emergência de sua potencial alteridade.

OSIKIRIP

Nesta seção, procuro discorrer sobre o que distingue os especiais dos demais parentes.5 5 Embora tenha perguntado a vários interlocutores Karitiana se bichos, espíritos, plantas, animais e seres mitológicos poderiam ser chamados de osikirip, essa possibilidade foi sempre negada. A associação entre os especiais e o parentesco Karitiana se deu, portanto, em função da pesquisa de campo. Já os não indígenas podem ser classificados dessa maneira, e eventualmente indígenas de outros povos. Para o grupo, não havia Karitiana especiais antes do estreitamento das relações com não indígenas, e isso ocorreu porque seus corpos enfraqueceram. Ao longo deste artigo, discorrerei em grandes linhas sobre esse argumento, que foi tratado com detalhe em Araújo (2017). Interlocutores Karitiana me explicaram que osikirip - termo Karitiana que nomeia os especiais - é uma palavra formada por duas outras: o substantivo o, vertido para o português como cabeça, e o adjetivo sikirip, traduzido como danado, safado, doido.6 6 O Dicionário e léxico Karitiana/ português, produzido pelo linguista e missionário David Landin, registra a mesma tradução para o e para sikirip, “estúpido, besta, doido, travesso” (Landin, 2005: 28). Osikirip indica um estado - um modo de percepção e de criação (Lagrou, 2002LAGROU, Elsje. 2002. “O que nos diz a arte Kaxinawa sobre a relação entre identidade e alteridade?” Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 8, n.1: 29-61. DOI 10.1590/S0104-93132002000100002
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: 45-53) - que qualquer um pode experimentar: por exemplo, ingerindo um pouco de álcool ou se deparando com um bicho (kinda), seres não humanos predadores que vivem na floresta. Quem está levemente embriagado ou fica cara a cara com um bicho, como o Mapinguari ou o Curupira, não se comporta como um parente deve fazê-lo,7 7 A ênfase dos interlocutores Karitiana ao me explicar a ideia de osikirip é justamente o descompasso entre a expectativa de uma relação gentil de quem sabe que é parente e o comportamento rude dos que experimentam esse estado. O esforço de quem não é osikirip é justamente ter paciência e persistir com um bom tratamento, com o objetivo de que ele aprenda como deve se comportar. Esse esforço é ensinado mesmo entre as crianças: seus pais ensinam que as mesmas devem compreender a situação dos especiais e garantir que esses façam parte das brincadeiras e da sociabilidade mais ampla que ocorre entre os pequenos. pois realiza ações hostis, não condizentes com as atitudes pautadas pela lógica da convivialidade (Overing, 1999OVERING, Joanna. 1999. “Elogio do cotidiano: a confiança e a arte da vida social em uma comunidade amazônica”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 5, n.1: 81-107. DOI 10.1590/S0104-93131999000100004
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: 96): grita, gestualiza de modo grosseiro, faz expressões faciais estranhas, exatamente como os bichos fazem. Embora, segundo meus anfitriões, aja como um não humano, reconhece os seus parentes e sabe dos vínculos que os relacionam.8 8 Nas conversas que mantive com as mães de filhos pequenos (especiais ou não), elas me destacaram a importância de que a criança, desde muito pequena, tenha respeito pelos demais membros do grupo. Isso significa antes de tudo saber chamá-los pelo termo de parentesco correto. Há uma série de cuidados corporais para que esse aprendizado ocorra, dentre eles o uso das plantas chamadas em português de vacinas do mato. Neste artigo, discorrerei sobre essas plantas adiante, mas sem grandes detalhes. Para mais informações, ver Araújo (2014: cap. 2). Para uma interpretação mais abrangente sobre a importância que os Karitiana atribuem aos processos tradicionais de educação infantil, ver Karitiana (2018).

Ao se referirem a essa condição, os Karitiana costumam traduzir osikirip por cabeça doida ou como doido. Trata-se de uma situação que, se o parente for devidamente cuidado, é passageira: basta que ele se livre da substância nociva, seja o álcool ou o veneno jogado pelo bicho.9 9 Quando perguntei especificamente ao senhor idoso que me explicou sobre o veneno dos bichos, ele me afirmou que, mesmo que o caçador não veja, eles lançam essa substância no ar. Tal é mais uma de suas artimanhas para capturar sua presa. Por isso, é necessário que o caçador, tão logo perceba que está lidando com um não humano predador, fuja daquele lugar. Contudo, o termo também é usado quando mencionam os parentes cujos corpos são por eles mesmos considerados inadequados e até algo repulsivos. Eles têm cabeças, olhos, gargantas, corações, braços, rins, intestinos e pernas tortos, pequenos, abertos, fracos, finos, ausentes etc., e por isso são adjetivados com o termo sara, traduzido, a depender do contexto, por feio, errado ou ruim. A palavra corresponde ao qualificador negativo em âmbito ético, estético e moral, tal qual Joanna Overing (1991) discutiu por meio de sua pesquisa com os Piaroa.

Essas pessoas osikirip e sara são consideradas pelo grupo passíveis de serem submetidas a tratamento médico, e são referidas, em português, com o termo especial.10 10 O uso do termo especial para designar pessoas com deficiência é comum no país e já serviu de categoria de nominação oficial (foi utilizado, por exemplo, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996) que, atualmente, privilegia a expressão "pessoa com deficiência". O questionamento de sua legitimidade ocorreu em meio à emergência das organizações dessas pessoas, iniciada nos anos 1980 e que buscou a afirmação de seus direitos. “A crítica do movimento a esses eufemismos se deve ao fato de o adjetivo ‘especial’ criar uma categoria que não combina com a luta por inclusão e por equiparação de direitos. Para o movimento, com a luta política não se busca ser ‘especial’, mas, sim, ser cidadão” (Lanna Jr., 2010: 17). Os Karitiana especiais possuem, portanto, corpos diferentes, não inteiramente humanos, e se comportam de modo diverso do que se espera de um parente, pois choram, gritam e violentam os seus. Com efeito, não é exclusividade dos especiais a realização de ações que não condizem com o ideal de convivialidade que deve reger a lógica entre parentes (Overing, 1999OVERING, Joanna. 1999. “Elogio do cotidiano: a confiança e a arte da vida social em uma comunidade amazônica”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 5, n.1: 81-107. DOI 10.1590/S0104-93131999000100004
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): afinal, quem encontra um bicho na floresta ou ingere um pouco de cerveja também se encontra osikirip. Contudo, no caso dos especiais, a sua especificidade reside no fato de que o processo de produção do parentesco, a sua transformação em não outro, também deveria atingir seus corpos - assemelhando-os aos demais -, fato que não ocorre.

É possível afirmar que se osikirip é um estado bastante limitado no tempo se é o caso de alguém que bebe álcool ou encontra com um bicho na mata. Nessas situações, os Karitiana lidam com essas situações entre eles mesmos. Um parente (pai, mãe, filho, esposa etc.) acolhe o caçador, canta, dá banhos com plantas, oferece remédios etc. Também ouvi diversas vezes que os Karitiana fazem um chá para quem está inconveniente pela ingestão de bebida, fazendo-o dormir por horas e horas… Mas, no caso de quem é chamado de osikirip e também sara, o processo perdura no tempo. Ainda que os Karitiana quisessem reverter tanto a raiva que caracteriza o especial como as especificidades de seus corpos, eles se lamentam que nem mesmo os médicos sejam capazes disso.

Conversando com interlocutores diversos, ao perguntar os motivos pelos quais alguém era especial, a resposta dada de pronto era o olho torto, o problema nos rins, as gargantas abertas, os braços finos etc. Os Karitiana dão ênfase a essas pequenas diferenças nos corpos dessas pessoas: tais vicissitudes apontam para o cerne da discussão da etnologia indígena das últimas décadas, em que o corpo é concebido como “feixe de afecções e capacidades” (Viveiros de Castro, 2002cVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002c. “Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena”. In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify, pp. 345-399.: 380) - hábitos, habilidades e desejos - em transformação contínua.

Essas diferenças dão ensejo à aproximação dos especiais a não humanos predadores que jogam veneno nos caçadores empanemados. Por exemplo, como me disse uma amiga, “Pablo Ymywym Hyk horõj”: seu filho, Pablo, é como Ymywyn Huk, um desses bichos.11 11 Ymywyn Huk se apresenta aos Karitiana como uma mulher sedutora. Dona de farta plantação, grande cozinheira e muito alegre, oferece comida e se insinua disponível aos que aproximam de sua casa. Contudo, assim que o visitante decide ir embora e voltar para seus parentes, ela fica com raiva e começa a gritar e a correr atrás dele. Segundo o homem sênior que me contou a história - aqui bastante resumida e sem os deliciosos detalhes de sua narrativa -, ele mesmo, quando era jovem, encontrou Ymywyn Huk em uma de suas caçadas. A mulher veio correndo em sua direção. Não parava quieta: se mexia, gritava, rebolava, se mordia. O termo horõj, traduzido por é como ou parece, relaciona os seres por semelhança, construindo “posições intermediárias entre os opostos” (Gonçalves, 2010GONÇALVES, Marco Antonio. 2010. “Cromatismo: a semelhança e o pensamento cromático ameríndio”. In: Traduzir o outro: etnografia e semelhança. Rio de Janeiro: 7 Letras, pp. 113-134.: 130). Assim, por conta da peculiaridade do seu corpo e de seu comportamento agressivo, Pablo não é totalmente humano como sua mãe; mas, como ele reconhece o vínculo de parentesco, também não é totalmente não humano predador (kinda) como o ogro.12 12 Em sua pesquisa sobre a cosmologia Pirahã, Gonçalves (2010) verifica que a produção de diferenças entre os seres dos cosmos se dá preferencialmente por meio da noção de semelhança (igiábisai, parecer), que enfatiza as pequenas descontinuidades: “um modo singular de o pensamento apresentar o mundo em que tudo se ‘parece’, porém, nada é exatamente igual” (Gonçalves, 2010: 113). O autor vem recuperando outras etnografias produzidas entre populações ameríndias, bem como as Mitológicas de Lévi-Strauss, com o intuito de chamar a atenção para a relevância da ideia de semelhança, que constrói “planos de mediação que se interpõem entre elementos, transformando o que seria um dualismo (alto/baixo; céu/terra; vivos/mortos etc.) em processos contínuos de diferenciação e instaurando tríades ou cadeias de semelhanças a partir dos ‘pequenos intervalos’” (Gonçalves, 2010: 130). O processo de “despotencialização da afinidade” (Viveiros de Castro, 2002aVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002a. “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco”. In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify, pp. 401-455.: 423) é falho, e sua potencial alteridade é evidente para os Karitiana no choro, no jeito recluso, no mau humor, nos gritos etc.

Ao conversar com meus anfitriões sobre o que distingue tais pessoas para serem consideradas pelo grupo como especiais, encontrei quatro explicações: eles 1) não falam, ou não falam direito; 2) não se alimentam, ou não sabem alimentar os seus; 3) não aprendem; 4) têm raiva, agredindo seus próprios parentes.

Os modos com que os Karitiana caracterizam essas pessoas revelam, por meio de uma aproximação com os debates na etnologia indígena promovidos, dentre outros, por Overing (1999)OVERING, Joanna. 1999. “Elogio do cotidiano: a confiança e a arte da vida social em uma comunidade amazônica”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 5, n.1: 81-107. DOI 10.1590/S0104-93131999000100004
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e Gow ([1991] 2006, 2007)GOW, Peter. [1991] 2006. “Da etnografia à história: ‘Introdução’ e ‘Conclusão’ de Of Mixed Blood: Kinship and History in Peruvian Amazonia”. Cadernos de Campo, vol. 14-15: 197-226. DOI 10.11606/issn.2316-9133.v15i14-15p197-226
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, a centralidade do parentesco, entendido como um valor. Haveria o esforço por criar um convívio íntimo que lhes permitiria morar e se alimentar juntos, garantindo também se manter à distância de relações potencialmente destrutivas. Seriam, assim, “comunidades pacíficas e felizes, rodeadas por parentes cuidadosos, livres da opressão dos patrões” (Gow, [1991] 2006GOW, Peter. [1991] 2006. “Da etnografia à história: ‘Introdução’ e ‘Conclusão’ de Of Mixed Blood: Kinship and History in Peruvian Amazonia”. Cadernos de Campo, vol. 14-15: 197-226. DOI 10.11606/issn.2316-9133.v15i14-15p197-226
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: 198). Peter Gow (1997)GOW, Peter. 1997. “O parentesco como consciência humana: o caso dos Piro”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 3, n. 2: 3965. DOI 10.1590/S0104-93131997000200002
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discute ainda como a realização desse tipo de vínculo requer, daqueles que participam dessa rede de conexões, consciência e linguagem. Recuperando sua etnografia entre os indígenas Piro, o autor demonstra que comer, falar, aprender e conviver estão implicados no desenvolvimento desses atributos.

Diante dessa argumentação, é possível sugerir que os Karitiana especiais são os parentes que têm dificuldade em se perceber como parte dessas relações. O desacerto é enfatizado pelos Karitiana não especiais: esses últimos sabem perfeitamente quem é parente, e tratando-os como tais. Ademais, ainda segundo o antropólogo, pessoas indispostas à vida social acumulam, no seu entorno, tristezas, insatisfações ou ressentimentos. A raiva que caracteriza os especiais, manifestada pelo choro, pelo retraimento, pelas ameaças, pelas agressões, é a forma de relação privilegiada com o mundo exterior - a “afinidade potencial” (Viveiros de Castro, 2002aVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002a. “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco”. In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify, pp. 401-455.: 407-418) -, mas é deletéria na tônica das relações entre parentes. Esses últimos, no entanto, justamente por serem humanos, nos termos discutidos por Gow (1997)GOW, Peter. 1997. “O parentesco como consciência humana: o caso dos Piro”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 3, n. 2: 3965. DOI 10.1590/S0104-93131997000200002
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e Overing (1999)OVERING, Joanna. 1999. “Elogio do cotidiano: a confiança e a arte da vida social em uma comunidade amazônica”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 5, n.1: 81-107. DOI 10.1590/S0104-93131999000100004
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, não possuem nenhuma hesitação em reconhecer seus vínculos com todos os seus - mesmo aqueles que, como os especiais, mantêm algo de não humano, realizando constantemente ações hostis, contrárias ao ideal de convivialidade. Assim, tais pessoas realizam todos os esforços possíveis - segundo a lógica da comensalidade, da partilha e do cuidado - para que o especial perca sua raiva característica e se comporte como um humano.

Ainda que notem singularidades nos especiais, nunca ouvi menção de dúvida de que os especiais sejam parentes. Como explicam sobre o termo osikirip, embora não se comportem como tal, especialmente, porque têm raiva dos seus, eles sabem que são parentes. Enfatizam que os especiais conhecem bem seus próximos, especialmente, os corresidentes. Se não falam, percebem fisionomias; se não veem, distinguem vozes. Por isso, os Karitiana esforçam-se em construir um cotidiano - entendido, com Joanna Overing (1999)OVERING, Joanna. 1999. “Elogio do cotidiano: a confiança e a arte da vida social em uma comunidade amazônica”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 5, n.1: 81-107. DOI 10.1590/S0104-93131999000100004
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, como valorização da socialidade - também com esse parente, mesmo que, por conta de sua especificidade, as atribuições que devem realizar (como, por exemplo, realizar afazeres domésticos, ir à escola, brincar, cuidar dos filhos ou caçar) sejam mais penosas. Os Karitiana preferem, dessa maneira, valorizar o vínculo de parentesco com os especiais, realizando ações concretas que reforcem a sua humanidade, tentando assim inviabilizar a possibilidade de que se transformar de vez em não humanos.13 13 Todos contribuem para isso, inclusive as crianças: uma mãe me explicou que aos pais cabe a tarefa de ensinar aos filhos o cuidado e a paciência que se deve ter com aqueles que são especiais. E pude verificar essa atenção entre as próprias crianças. Ainda no começo da pesquisa, por exemplo, num fim de tarde, uma mãe veio comentar espontaneamente, um pouco espantada, que vários meninos seguiram pela estrada, em caminhada, para observar os macacos nas copas das árvores. Eles haviam levado seu filho, que tem dificuldade para caminhar, para a brincadeira.

Assim, eles são extremamente cuidados e incentivados a participar das tarefas cotidianas. Mesmo que não consigam realizar completamente várias tarefas, como a limpeza dos utensílios domésticos, as crianças especiais são levadas para o rio, junto com as demais crianças da casa, por suas mães. Ainda que não saibam a hora de começar a fazer o almoço para alimentar os seus, as mulheres especiais se tornam mães. Os homens especiais, como Leonel, seguem caçando, mesmo que com suas armas possam, às vezes, ameaçar suas famílias.

MOTIVOS

As justificativas para a existência dos especiais levam em conta relações - entre eles mesmos, com coletivos de plantas e animais e com os não indígenas - as quais produzem “efeitos definhantes” em seus corpos, “diminuindo sua potência de agir” (Macedo, 2013MACEDO, Valéria. 2013. “De encontros nos corpos Guarani”. Ilha: Revista de Antropologia, vol. 15, n.2: 181-210. DOI 10.5007/2175-8034.2013v15n1-2p180
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: 185). Trata-se: 1) do alimento não indígena - tema que discorri alhures (Araújo, 2017ARAÚJO, Íris Morais. 2017. “Osikirip: os ‘especiais’ Karitiana e a familiarização com o não indígena”. Etnográfica: Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, vol. 21, n.3: 649-661. DOI 10.4000/etnografica.5095
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) - mais as doenças associadas aos brancos e suas intervenções biomédicas, que enfraquecem os corpos de suas mães e possibilitam a geração de um bebê especial; 2) da raiva da esposa pelo marido, estado que se aloja nas entranhas e por isso atinge o bebê que, assim, nasce sob seu efeito; e 3) do desrespeito dos pais às restrições alimentares que devem ser observadas quando da gravidez e do resguardo ou da não utilização, em seus filhos recém-nascidos, do conjunto de folhas chamado de vacinas do mato. Nesses casos, experimentam o estado popopo - traduzido como bêbado, louco ou como morto -, em que o Karitiana deixa de reconhecer seus parentes, atacando-os. A primeira explicação era mencionada quando meus anfitriões discorriam sobre os especiais sem se referir a ninguém em particular. Já as duas últimas eram acionadas ao perguntar sobre o fato de pessoas específicas serem consideradas especiais pelo grupo.

Os Karitiana adultos e idosos afirmaram-me que, ao se casarem, marido e esposa aprendem aos poucos a se gostar. Para tanto, a mulher deve ter sua primeira relação sexual com o marido, uma vez que a lembrança de um outro homem, primeiro parceiro da mulher, pairaria para sempre na vida do casal. A não observância de tal princípio é mote para inúmeras brigas e discussões. Isso não significa que não haja moças que tiveram relações com homens que não seus esposos. Entre as jovens solteiras, são comuns, ainda que condenados por seus pais e avós, encontros fortuitos com os próprios Karitiana, homens de outros grupos ou não indígenas.14 14 Minha vivência entre as mulheres com idade superior a 30 anos e suas filhas adolescentes me causou forte impressão de que as mais velhas demarcam a transformação do modo de vida dessas duas gerações. Para as mães, o casamento e a chegada do primeiro filho ocorriam com menos idade, mais perto da menarca. Ainda que várias Karitiana continuem sendo mães muito jovens, ouvi de algumas mulheres a preocupação explícita de que suas filhas se casem apenas após completarem os estudos, e tenham o primeiro bebê depois dos 18 anos. Com isso, podem angariar, sem maiores problemas, o saláriomaternidade, garantido pelo Estado por intermédio do INSS. Casamentos de mulheres que já foram mães, porém, são exceções, pois, como ouvi de um amigo, “homem Karitiana não cria filho dos outros”.

Quando uma mulher é virgem, a vagina é dura, e o pênis, frágil. O casal sofre no primeiro período em que mantém relações, pois a vagina é, aos poucos, amaciada pelo pênis.15 15 Segundo os Araweté, nas primeiras relações sexuais de uma mulher, o órgão masculino “fabrica” o feminino (Viveiros de Castro, 1996: 456). Ouvi essa mesma formulação dos interlocutores Karitiana, bem como as consequências desse processo: a transformação corporal da mulher, por meio do alargamento de sua vagina. Tal maturação garante sua subsequente capacidade de engravidar. Tal processo não é tranquilo: o casal sofre no primeiro período no qual mantém relações. Nos momentos em que o par, já vivendo junto há bastante tempo, entra em crise, a memória desse primeiro tempo de relacionamento é acionada. Recordando as dificuldades iniciais pelas quais passaram juntos, marido e mulher podem valorizar sua vida em comum. Por isso, adultos e idosos condenam as uniões, cada vez mais comuns, que não foram acordadas pelas famílias, mas ocorridas ao gosto dos noivos. Afinal, esposos que não podem levar em conta as tribulações que viveram não valorizam suas uniões ‒ e acabam por se separar.

Quando a genitália feminina amolece, cerca de dois anos após o casamento - avaliam os Karitiana -, é que a moça está formada. Sua vagina se alargou, ficou gostosa (hi tyy, vagina grande): a esposa está pronta para ter um filho. A gravidez é sempre a confirmação de que os esposos aprenderam a se gostar. Para um casal que se ama (nos termos dos interlocutores Karitiana), qualquer dificuldade para conceber um bebê ‒ e há homens e mulheres Karitiana que não conseguem ter filhos ‒ é entendida como resultado de feitiçaria. Nesses casos, recorre-se a uma planta específica (entre outras medidas), consumida pela mulher, pelo homem ou pelo casal, segundo a orientação de alguém mais velho.

O marido sempre fica exultante ao ter a notícia da gestação. Os pais dos filhos de mães solteiras, apesar de não terem papel na criação do rebento - a despeito das pensões alimentícias, solicitadas na justiça -, ficam igualmente alegres e orgulhosos de seus bebês. A gravidez, contudo, nem sempre agrada à mulher. O medo de sofrimento no parto, entre as mais velhas (com mais de 30 anos) e as que já tiveram gestações difíceis, é uma justificativa para evitarem filhos. Isso ajuda a explicar a difusão dos anticoncepcionais entre os casais. Já as Karitiana que têm família constituída e não querem mais engravidar utilizam um tipo de remédio do mato sob a orientação das mais idosas. Essa mesma planta é evocada quando são mencionadas as jovens que não conseguem engravidar. A suspeita é que alguém as enfeitiçou, fazendo-as ingerir a substância sem saber, dissolvida no café.

Contudo, um homem sênior me explicou que, quando um marido aborrece sua mulher enquanto está grávida, sua raiva pode atingir o bebê, que nasce sob o signo dessa afecção16 16 A falta de amor da esposa também foi outra maneira de os Karitiana formularem a má relação de um casal e a existência de especiais. Tal referência se fortaleceu quando um jovem Karitiana faleceu precocemente por câncer no aparelho digestivo. A família do rapaz acusou a esposa de não ter cuidado bem do marido, de quem não gostava - pois, tiveram, em tantos anos de casados, apenas um único filho especial -, matando-o com a má comida que preparava. . O termo koro’op é traduzido como por dentro, e os Karitiana apontam o tronco - as entranhas - como o lugar no qual um indivíduo carrega seus sentimentos por alguém. Essa fisiologia específica explica de que modo a criança dentro da barriga é atingida tão facilmente pela raiva sentida pela mãe.17 17 Nos termos de Castro (2018: 85, nota 59), “Koro’op refere-se também à ‘parte interior da pessoa’, o fígado fica ‘dentro’ do corpo, ‘dentro’ do peito, e ao interior sentido como ‘sede das emoções’, ou seja, onde a pessoa guarda os sentimentos, o que a pessoa está sentindo dentro dela. Pode ser usado para advertir uma pessoa para tomar cuidado com qualquer perigo e para pedir para cuidar de alguma coisa”.

Assim, para os Karitiana, a gravidez é o período crítico que determina a existência dos especiais. Sobre a mulher recai, portanto, a responsabilidade pelo filho, e ela será a referência principal nos cuidados específicos que essas pessoas requerem. A remissão ao fato de ter ocorrido algo de errado - nos termos dessas mulheres - nesse período é carga de enorme sofrimento, tanto às mães quanto aos filhos. Por exemplo: ao tentar, pela primeira vez, conversar com uma das mulheres com a qual adquiri maior intimidade em campo sobre seu filho especial, ela de saída me disse que não sabia o que havia feito de errado, quando estava grávida, para a criança ter nascido nessa condição. E, ao conversar com um dos filhos dessa mesma mulher sobre seu irmão especial, ele me explicou que, quando essa criança fica com raiva, ela tenta questionar, por meio do choro, sua mãe, perguntando-lhe o motivo de ela tê-lo feito assim.

Ademais, o grupo realiza vários cuidados, que começam ainda na gravidez, para evitar também o estado popopo. Nessas situações, o Karitiana deixa de reconhecer os parentes, atacando-os. Quando alguém experimenta estar popopo, os pais são considerados displicentes por não terem realizado alguns procedimentos com a atenção que deveriam.

Tal estado implica também na relação dos Karitiana com diversos coletivos de animais. O veado-roxo, o jacu, os peixes jacundá e piau, todos seres considerados loucos pelos Karitiana, são vetados à alimentação da mulher na gravidez. Não disponho de histórias que especifiquem esse estado para os peixes mencionados, mas a versão Karitiana do mito do roubo do fogo esclarece os motivos pelos quais o veado-roxo e o jacu são assim considerados. Quando o fogo dos Karitiana apagou - e tiveram que comer pamonha, chicha, macaxeira e carne crus -, o Byyj (chefe)18 18 Castro (2018: 94) nota que o paradigma da chefia Karitiana é o matador, denominado bahipto, na guerra com os contrários. soube que o Jaguar tinha fogo. Então chamou Macaco, Cotia, Jacu, Veado, Mutum e Jacamim para conversar: “Vamos pegar o fogo do Jaguar, que está bem ali!”. A Cotia, com a ajuda de sua avó Caranguejo, realizou o feito. Antes dela, o Mutum, o Jacamim, e o Macaco ensaiaram fazê-lo, mas, por motivos diversos, não conseguiram. Tanto o Veado como o Jacu tentaram, mas, no meio do caminho, ficaram loucos, o que os impediu de voltar para a aldeia com o fogo. Ambos correram muito, só que, no meio do caminho, pararam, reviraram a cabeça e gritaram. Por isso, o Jaguar conseguiu pegar o fogo de volta.

Assim, os caçadores Karitiana caracterizam o veado-roxo e o jacu: embora corram bem, na fuga, param, reviram a cabeça e gritam, e é esse momento que permite àquele que os persegue abatê-los. Portanto, a cabeça de ambos é desprezada como alimento,19 19 As cabeças das caças são vedadas aos homens e comidas pelas mulheres corresidentes do caçador para lhe darem sorte no horário em que essas presas costumam aparecer para ele. Desse modo, a cabeça de paca deve ser comida à noite, a do macaco, pela manhã, e assim por diante. Quando uma anta é morta, sua carne tem de ser oferecida, rigorosamente, a todos os Karitiana (inclusive, aos que vivem em outras aldeias e na cidade) e, por isso, não apenas os corresidentes do caçador a ingerem, mas também um conjunto maior de mulheres. e a mulher, quando está grávida, não deve comer nenhuma parte desses animais, sob pena de seu filho nascer louco.

Para prevenir estados deletérios no recém-nascido, entre o nascimento e o desmame, pai, mãe e bebê recorrem às vacinas do mato.20 20 As vacinas do mato, designadas em Karitiana pela expressão kida oti ap’, folha [que evita] doença, são um longo ritual com banhos de plantas periódicos. Eles são realizados entre o nascimento e o desmame do bebê com o intuito de que cresçam fortes, alegres e com saúde. Essas mesmas plantas também são usadas para o mesmo fim, em situações individuais ou coletivas, ao longo da vida dos Karitiana. É o caso, exemplo, de períodos de doença ou após o falecimento de um parente. Nessas situações, embora a expressão em Karitiana seja a mesma, a tradução é sutilmente alterada: em vez de vacinas, que previnem doenças, usam a expressão remédio, que restaura a saúde de quem o utiliza. Para mais detalhes sobre esse ponto, ver Araújo (2014: cap. 2). O deslizamento de sentido entre vacina e remédio demonstra não apenas o conhecimento dos Karitiana sobre os não indígenas, como também a maneira com que o grupo equipara os modos de ser de ambos: “A gente é como o branco: fala português, come arroz e acredita em Deus”, explicoume uma amiga em 2011. De acordo com as elaborações Karitiana, esse processo de assemelhamento ocorreu quando Byyjty [Chefe Grande], que criara os Karitiana a partir dos seus cabelos, familiarizou os não indígenas, criaturas perigosas por terem armas de fogo, oferecendo-lhes carne. Tempos depois, quando Byyjty foi viver no céu, pediu para os Karitiana jamais matarem um não indígena. Contudo, isso ocorreu por descuido, e desde então o grupo tornou-se alvo da raiva dos não indígenas, que passou a metralhá-los. Restou aos Karitiana lembrar a familiarização realizada por Byyjty: tinham praticamente os mesmos hábitos, por isso poderiam conviver bem. Tratei desse tema com mais detalhe em Araújo (2017: 652-660). Os pais seguem, então, para a floresta, e recolhem partes viçosas das plantas, cujos galhos devem ter folhas sempre em número par. Dentre diversas folhas, está o popopo’apo (folha popopo), que previne o estado popopo.

POPOPO

Popopo, cuja tradução literal é “morto-morto” - expressão, portanto, similar ao mano-mano dos Wajãpi (Gallois, 1988GALLOIS, Dominique. 1988. O movimento na cosmologia Wajãpi: criação, expansão e transformação do universo. São Paulo, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.: 245) -, nunca é traduzida dessa maneira para o português. Além de louco e bêbado, utilizam também a expressão como morto. No estado popopo, o Karitiana passa a agredir seus parentes - como, da perspectiva humana, agem os espíritos, os mortos Karitiana que, volta e meia, aparecem para os vivos. Esses últimos, com efeito, sabem quem são seus parentes vivos e deles tentam se aproximar, muitas vezes oferecendo comida e sexo. Contudo, para os humanos, esse contato é violento e potencializa a morte, a mudança de perspectiva na qual o humano se metamorfoseia em espírito. Nesse sentido, segundo meus anfitriões, para se manter vivo é necessário contínuo afastamento dos parentes mortos.21 21 Essa premissa é comum a outros grupos indígenas, e está registrada no âmbito dos estudos ameríndios desde, pelo menos, o estudo de Carneiro da Cunha (1978) sobre o sistema funerário Krahô. Os Karitiana que encontram espíritos frequentemente devem realizar cuidados, como o uso de remédios do mato. Como o vivo vê o morto com a aparência de algum parente próximo (vivo) do último - por exemplo, sua mãe ou seu cônjuge -, é necessário também desconfiar que se trata de um espírito, e assim fugir desse encontro potencialmente fatal.

Ao comparar o comportamento de quem está popopo ao dos espíritos, os Karitiana reiteram que o comportamento agressivo se parece, desde a perspectiva humana, com o dos mortos. Segundo a noção de semelhança utilizada pelos Karitiana, pode-se dizer que Popopo pop horõj - Popopo é como morto. Além disso, quem está louco vê não humanos - espíritos, bichos, plantas falantes, segundo os depoimentos que obtive - como humanos. Esses ataques são potencialmente fatais: como vimos, Leonel, em uma das ocasiões em que ficou louco, teria, dentro de sua casa, lançado ao fogo uma caixa de balas e apontado uma arma carregada para seus irmãos.

Alguns Karitiana afirmaram-me que quem fica louco deve ser acolhido pelo pajé, diplomata em relação aos não humanos, experimentado para lidar com tal situação. Contudo, ao ouvir as reminiscências dos casos concretos de experimentação desse estado nas lembranças daqueles com quem conversei, os membros do grupo que ficaram popopo foram auxiliados por sua família. A prática xamânica, a qual sujeitos se mobilizam em relações com seres de coletivos diversos - nesse caso, promovendo o retorno do parente como morto à sua posição de humano - não está, portanto, restrita à figura do especialista (Calavia Sáez, 2018CALAVIA SÁEZ, Oscar. 2018. “Xamanismo nas terras baixas: 1996-2016”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, vol. 87, n.3: 15-40. DOI 10.17666/bib8702/2018
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: 18-21).

Quem fica louco tem muita febre, morde a língua, baba, grita, fica tonto, corre, não para quieto, se mexe, rebola. Com efeito, qualquer Karitiana pode experimentar esse estado, e nem mesmo um byyj (chefe) escapa do risco de se tornar louco. Uma das narrativas que anotei em campo conta a história do Byyj Popopo (Chefe Louco). Ele era solteiro e vivia junto da irmã e do cunhado. Eles sabiam que não podiam gritar enquanto dormia, porque senão ficava louco. Em uma noite, enquanto o byyj e seu cunhado já estavam deitados, a irmã tecia uma rede à luz das velas de caucho. Nesse ínterim, um inimigo chegou à frente da casa. A mulher percebeu e pensou: “Vou acordar meu irmão”. Ela apagou a vela, foi para onde o irmão estava e tentou tapar sua boca para ele não gritar. Queria conversar, avisar, cuidadosamente, que o inimigo havia chegado. Mas não deu tempo: o byyj acordou louco, correndo e gritando. Felizmente, o inimigo se assustou e fugiu.

Dentre os vários Karitiana que ficaram loucos, conversei com duas mulheres, ambas com cerca de 50 anos em 2014, que experimentaram esse estado quando eram crianças. Em ambos os casos, o uso da planta popopo’apo [folha popopo], nelas aplicadas por seus pais em meio às crises, permitiu que elas saíssem desse estado. Uma delas se lembra que estava em casa com febre e, mesmo assim, foi para o rio, tentar encontrar a mãe e a irmã. Chegando lá, desmaiou e caiu na água. Recorda-se apenas de ter acordado já em casa, bem melhor. No outro depoimento, a Karitiana se lembra de ver as árvores como gente, rindo para ela, enquanto ela mesma não reconhecia seus parentes: via-os como bichos, não humanos predadores. A criança louca não percebia mais o mundo como humana, e seu restabelecimento - a partir do uso do popopo’apo - ocorreu quando deixou de ver as plantas sorridentes e voltou a distinguir seus parentes como humanos.

O estado popopo pode ser compreendido à luz do perspectivismo ameríndio: a transformação de um ser em outro implica perceber o mundo e construir nexos de um novo ponto de vista. Segundo meus anfitriões, não se trata de um estado desejável -, o que faz jus à observação de Viveiros de Castro (2002c: 391)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002c. “Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena”. In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify, pp. 345-399. de que “a metamorfose ameríndia […] não é um processo tranquilo, e muito menos uma meta”. Não apenas quando nasce, mas, durante toda a vida, a pessoa Karitiana deve tomar cuidados para não ficar como morto. Por exemplo, não é recomendado que coma os frutos da seringueira e de uma planta denominada byky’o, que deixam aquele que os ingere loucos. Outras substâncias levam à transformação de um ser em popopo: o peixe, após o contato com o timbó; homens e mulheres, quando ingerem muito álcool (principalmente quando bebem cachaça).

É por conceber as bebedeiras como transformação em popopo - deixando de ser, temporariamente, humanos, portanto, e adotando um comportamento potencialmente letal - que os Karitiana afirmam que de nada se lembram quando experimentam esse estado.22 22 Os Karitiana afirmam que aprenderam a beber com os não indígenas em bailes de forró. Hoje, os que experimentam o estado popopo por meio do álcool, no geral, tomam bebidas destiladas sozinhos (Vianna, Cedaro e Ott, 2012: 99-100). Vianna, Cedaro e Ott, por exemplo, narram o depoimento de um Karitiana que, após uma bebedeira, acordou no dia seguinte e notou que sua esposa estava com os dois olhos roxos. Ao indagar quem fizera aquilo, ela contou que tinha sido ele mesmo, bêbado.

De fato, chegar a esse estado, ainda que não seja incomum - as notícias de brigas iniciadas por bêbados são constantes -, não é algo bem-visto pelos Karitiana. “Os bebedores contumazes aceitam e concordam que seus hábitos têm um impacto na vida coletiva” (Vianna, Cedaro e Ott, et al. 2012: 101). Eles expressam vontade de parar de beber, mas não conseguem fazê-lo. Palavras mais duras foram utilizadas pelos Karitiana no “Seminário sobre a Política de Atenção Integral à Saúde Mental da População Indígena”, realizado em maio de 2013, pela Universidade Federal de Rondônia e o Distrito Sanitário Especial Indígena de Porto Velho (RO) (Pereira et al., 2013PEREIRA, Priscilla Perez da Silva et al. 2013. “Política de atenção integral à saúde mental das populações indígenas de Porto Velho/RO: a voz das lideranças”. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, vol. 7, n. 4: 131-145. DOI 10.18569/tempus.v7i4.1425
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). Indagados sobre o uso problemático de bebidas alcoólicas, uma das lideranças Karitiana (não identificada no artigo) participantes do evento assim se expressou: “Em relação ao alcoolismo, e mais ainda o uso de drogas ilícitas, a comunidade não aceita. Vê como safadeza, fraqueza, que a pessoa não vale nada” (apudPereira et al. 2013PEREIRA, Priscilla Perez da Silva et al. 2013. “Política de atenção integral à saúde mental das populações indígenas de Porto Velho/RO: a voz das lideranças”. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, vol. 7, n. 4: 131-145. DOI 10.18569/tempus.v7i4.1425
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: 137).

Embora o popopo Karitiana e o mano-mano Wajãpi sejam termos equivalentes - ambos significam literalmente “morto-morto”, e são traduzidos como louco -, e estados explicados como resultado da falta de cuidado dos pais na couvade do filho, as similaridades param por aí. Para o grupo do Norte Amazônico, a justificativa para mano-mano é a injúria das mulheres à Anaconda, quando tomam banho no rio menstruadas. Quem experimenta o estado perdeu, momentaneamente, a alma: o añã (termo genérico para os agressores não humanos) manda um vento que “‘faz virar a cabeça, provoca vertigens’ - a pessoa cai, não consegue enxergar direito e finalmente perde os sentidos” (Gallois, 1988GALLOIS, Dominique. 1988. O movimento na cosmologia Wajãpi: criação, expansão e transformação do universo. São Paulo, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.: 260). Em pesquisa mais recente sobre o uso de medicamentos psicotrópicos entre os Wajãpi, Juliana Rosalen (2017: 77-142)ROSALEN, Juliana. 2017. Tarja preta: um estudo antropológico sobre os “estados alterados” diagnosticados pela biomedicina como transtornos mentais nos Wajãpi do Amapari. São Paulo, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. DOI 10.11606/T.8.2019.tde-17092019-141715
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chama a atenção para a centralidade das agressões dos añã e os estados mano-mano como explicações do grupo para pessoas que são diagnosticadas como “pacientes psiquiátricos” pelo sistema biomédico.

No caso do estado popopo, nunca ouvi dos Karitiana a formulação do roubo da alma. A ênfase é na vulnerabilidade do corpo.23 23 O estado popopo e sua relação com a morte conduz a uma aproximação com a etnografia das cauinagens Yudjá realizada por Lima (2005). Afirma a autora: “A embriaguez é como se fosse uma morte: os bêbados ficam com os olhos lacrimejantes, como o são os olhos dos espíritos dos mortos, os ’ï’anay” (Lima, 2005: 256). O que está em jogo nos dois grupos, nas cauinagens e no estado popopo, é assumir a perspectiva do Outro, portanto, uma “modalidade de morte” (Lima, 2005: 308). Tenho, porém, reservas em seguir adiante nas aproximações entre os dois contextos: os casos de pessoas popopo que presenciei e sobre os quais ouvi histórias se diferem na densidade de relações que estão em jogo para o grupo xinguano. Como Lima reconhece, as cauinagens “exibem uma arte da socialidade ritual” (Lima, 2005: 353) que não tive como presenciar entre os Karitiana. Evidentemente, muitos Karitiana experimentam o estado popopo quando bebem em grupo, o que permitiria uma comparação mais sólida com os Yudjá. É o caso de Sidnei (50 anos, em 2014), um senhor que ficou louco várias vezes depois de ter matado outro Karitiana, Ednardo. A história, que parece ter ocorrido há mais de três décadas, sucedeu-se num dia em que ambos saíram a pé pela estrada até a BR-364, para participar de um jogo de futebol. Ednardo era uma pessoa muito querida pelos seus e, também, digno de dó porque sua mulher nunca sossegava: era amante de todos os homens Karitiana. Quando os amigos saíam do mato, após tentarem obter alguma caça para se alimentar, Ednardo foi atingido por um tiro fatal pelas costas. Sidnei sustentou que a arma atirou sozinha, após se agarrar em um cipó. Um pajé, no entanto, concluiu que Sidnei mentiu: ele assassinara Ednardo por conta da mulher. Tempos depois, Sidnei ficou várias vezes popopo por conta do sangue do morto que carregava em seu corpo: corria pela aldeia, gritando, com os braços levantados, sem reconhecer ninguém. Esse foi o indício, para todos os Karitiana, de que o pajé acertara: Sidnei realmente assassinara Ednardo. Afinal, quem está louco vê o parente como inimigo, e o ato de matar, sugerem as pesquisas sobre a predação ameríndia (cf. Viveiros de Castro, 2002bVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002b. “Imanência do inimigo”. In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify, pp. 265-294., dentre outros), implica tomar o outro - sempre um não parente - como alvo.

Há vários homens e mulheres que ficaram popopo em algum momento da vida. Alguns deles se recordam do estado popopo há muito tempo, quando a gente vivia tudo junto em uma maloca grande, no dizer corrente dos Karitiana: um período de, pelo menos, seis décadas, antes do estabelecimento de vínculos com o indigenismo oficial. Para a maioria, porém, tal situação não implicou em que se tornassem especiais. Contudo, três Karitiana adultos (em 2014), dentre eles, Leonel e Sidnei, são considerados especiais porque, após ficarem loucos, nunca mais foram os mesmos.

REMÉDIO

Com efeito, os Karitiana procuram também meios para que o especial fale, coma, aprenda e fique mais calmo, minimizando sua potência não humana legada de seus corpos repulsivos e de seu comportamento desmesurado. Afinal, “ser um humano vivo e verdadeiro implica em exibir um tipo especial de aparência corporal, praticar certos tipos de comportamento comunicativo e social e possuir certos estados de consciência” (Taylor, [1996] 2012TAYLOR, Anne-Christine. [1996] 2012. “O corpo da alma e seus estados: uma perspectiva amazônica sobre a natureza de ser-se humano”. Cadernos de Campo, vol. 21: 213-228. DOI 10.11606/issn.2316-9133.v21i21p213-228
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: 216). Avaliam que os remédios psicotrópicos, obtidos por meio dos tratamentos médicos que realizam na rede pública de Porto Velho, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI, o tornam mais calmo (logo, com menos raiva), mais disponível a se tornar parente, portanto.

Essas relações com os brancos - e, nesse caso, a construção da equivalência entre osikirip e especial é fulcral24 24 Tal equivalência é resultado do “acordo pragmático”, assim definido por Almeida (2003: 16): “diferentes sistemas do mundo podem entrar em acordo sobre certas consequências pragmáticas de seus postulados, sem que haja correspondência entre esses postulados ou sobre as visões de mundo respectivas” (Almeida, 2003: 16). Os Karitiana sabem que os médicos utilizam “diferentes métodos de determinar os fatos e avaliá-los” (Almeida, 2003: 18), apostando, contudo, que podem ser comensuráveis na produção de verdades. Viveiros de Castro (2004: 9) denominou com o termo equivocação esse “tipo de disjunção comunicativa em que os interlocutores não estão falando sobre a mesma coisa”. Para o autor, tal disjunção fundamenta a relação das populações indígenas com a exterioridade. Por isso, a equivocação não pode ser compreendida como um simples conjunto de erros ou enganos (Viveiros de Castro, 2004: 11). A operação de equivocação não deve ser tomada como empecilho para os Karitiana participarem do sistema de saúde não indígena; pelo contrário, é por estarem dispostos às terapêuticas biomédicas que tal comunicação disjuntiva se atualiza. -, se tornaram possíveis, segundo os Karitiana, por meio da adoção da comida não indígena (óleo, açúcar, sal, arroz, charque etc.). Comer como o branco gerou, para o grupo, dois efeitos diversos (Vander Velden, 2008VANDER VELDEN, Felipe Ferreira. 2008. “O gosto dos outros: o sal e a transformação dos corpos entre os Karitiana no sudoeste da Amazônia”. Temáticas: Revista dos Pós-Graduandos em Ciências Sociais IFCH-Unicamp, vol. 31-32: 13-49. DOI 10.20396/tematicas.v16i31/32.12436
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). Por um lado, houve uma drástica transformação corporal que os enfraqueceu, tornando-os, inclusive, suscetíveis a gerar pessoas especiais. Assim, afirmam que, quando viviam no mato e comiam exclusivamente caça e alimentos de suas roças, eram grandes e fortes; hoje, vivendo de cestas básicas e alimentos do supermercado, são pequenos e fracos. Por outro lado, essa transformação corporal os possibilitou conhecer o mundo não indígena, adentrando nesse domínio, antes exterior: “provar o alimento do outro faz enxergar, sentir, agir como o outro” (Vander Velden, 2008VANDER VELDEN, Felipe Ferreira. 2008. “O gosto dos outros: o sal e a transformação dos corpos entre os Karitiana no sudoeste da Amazônia”. Temáticas: Revista dos Pós-Graduandos em Ciências Sociais IFCH-Unicamp, vol. 31-32: 13-49. DOI 10.20396/tematicas.v16i31/32.12436
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: 33). Desse modo, os Karitiana se inteiraram que, entre os brancos, também há pessoas especiais, e que há tratamentos médicos que alteram positivamente suas vidas.25 25 Esse parágrafo resume parte da discussão feita em Araújo (2017).

Para aqueles que não foram diagnosticados desde o nascer ou nos primeiros meses de vida, o processo se inicia - ao menos se iniciava, em 2014, na última vez que os visitei em Porto Velho, ainda no primeiro governo Dilma Rousseff - com a solicitação, a um técnico ou enfermeiro que trabalhe com o grupo, da parte do próprio especial ou de algum corresidente, de uma consulta com um neurologista ou neuropediatra. Os Karitiana sempre são protagonistas desse processo: os profissionais de saúde que trabalham com eles não vão à procura daqueles que poderiam ser, para a medicina não indígena, especiais; não há, dessa maneira, busca ativa. São os critérios do grupo para determinar quem é osikirip, e por quais motivos, que estão em jogo quando procuram o sistema não indígena de saúde.

Após o agendamento, a data da consulta é informada via rádio por algum enfermeiro lotado na Casa de Saúde Indígena (CASAI) de Porto Velho, na véspera do procedimento. Assim, o paciente e seu acompanhante aguardam o carro que os levará à cidade, geralmente, um dia antes do atendimento. Alojados na casa de apoio, onde realizam refeições e dormem, outro veículo leva o paciente e seu acompanhante até o médico no período previamente agendado.

Da consulta, o paciente sai com a solicitação de exames de eletroencefalograma e ressonância magnética que, novamente, são marcados pelos enfermeiros e demoram alguns meses até serem realizados. O procedimento é o mesmo: o enfermeiro avisa de véspera que o exame ocorrerá e que um carro será disponibilizado para que o paciente e seu acompanhante possam estar presentes. Com os resultados prontos, outra consulta é marcada. A depender do resultado dos exames e do diagnóstico, o paciente passa a realizar um tratamento contínuo.26 26 Evidentemente, na prática, todos esses procedimentos descritos estão passíveis de imponderáveis. Alguns que presenciei, envolvendo ou não aqueles considerados especiais: o paciente já se encontrava na cidade; o responsável designado pela família para acompanhá-lo viver em uma aldeia e o paciente, em outra; o rádio estar quebrado ou o recado não chegar àquele que deveria recebê-lo; o carro não estar na aldeia na hora acordada, ou o paciente preferir deslocar-se em veículo próprio e acontecerem desencontros; ou, por motivos dos mais diversos, o paciente se recusar a ir até a cidade. Ficam previstos retornos regulares ao médico ‒ e, eventualmente, a outros profissionais de saúde, como fisioterapeutas e nutricionistas ‒, além da realização de tratamento com medicamentos. Os especiais de até 12 anos também passam a receber uma cesta básica. Tal medida visa controlar possíveis casos de baixo peso e desnutrição infantil.

Os Karitiana também se queixam bastante de permanecer na CASAI, não importa se por pouco ou muito tempo. Reclamam do calor, do fato de ficarem parados e não terem para onde ir. Sempre que possível, tentam se deslocar a pé para o centro de Porto Velho, onde dormem nas dependências do antigo escritório da Funai. Em 2014, passaram a lamentar, também, a superlotação da casa de apoio em função da transferência do polo-base de Humaitá para a capital rondoniense. Isso ocorreu por conta do trágico incêndio na CASAI da cidade amazonense, ocorrido no final de 2013, e de outras ações de ódio realizadas por não indígenas contra os Tenharim, que têm nesse centro urbano uma referência para tratamentos de saúde e diversas atividades econômicas.

Os fármacos são fornecidos pela SESAI e encaminhados mensalmente, dentro de envelopes identificados com o nome do paciente, pelos técnicos em enfermagem que trabalham nas aldeias, que distribuem, também, para os especiais de até 12 anos, a cesta básica a que têm direito. Embora lamentem que os remédios receitados pelos médicos não façam com que o especial saia dessa condição, os Karitiana veem como imprescindível o uso desses medicamentos por essas pessoas. Todos notam uma melhora significativa naqueles que passam a consumir essas substâncias: alguns reforçam que esse ou aquele especial ficou mais falante, passou a comer com mais apetite ou a se interessar mais em aprender. Meus anfitriões enfatizam, principalmente, o fato de que, com o remédio, eles ficam mais calmos. Em outros termos, os remédios minimizam as dificuldades que os Karitiana verificam naqueles que são especiais, que não falam, não comem, têm dificuldade para aprender e raiva de seus parentes.27 27 O uso de remédios do mato e remédios controlados é concomitante entre os Karitiana. O interesse pelos medicamentos não indígenas passa pelo reconhecimento do grupo de que a vida que levam hoje não favorece suas práticas tradicionais. Essas últimas requerem não apenas o uso das plantas, como também a abstenção de alimentos com açúcar e gordura, além de muitos dias dedicados apenas a isso, sem que se desloquem para a cidade ou façam outras atividades que comprometam seus rituais. Essa formulação foi expressa, por exemplo, por uma liderança Karitiana não identificada que participou do já mencionado “Seminário sobre a Política de Atenção Integral à Saúde Mental da População Indígena”, em 2013: “Casos como epilepsia que, tradicionalmente, há tratamento e cura, mas preferem remédio, tratamento vindo de fora, pois no tratamento indígena há muita exigência. Com remédio é mais fácil” (apudPereira et al., 2013: 138). Contudo, em relação aos especiais, os Karitiana lamentam que nem eles, nem os não indígenas, conhecem meios para transformá-los inteiramente: os médicos têm remédios que apenas minoram sua condição. O remédio é, portanto, meio que aproxima os especiais dos ideais de humanidade e convivialidade que meus interlocutores valorizam.

CODA

Qualquer Karitiana, independentemente das vicissitudes do corpo ou do contato com certas substâncias, pode experimentar o estado osikirip, aproximando-se do estado popopo. Embora já tivesse notado o uso frequente, no português falado pelos Karitiana, da expressão cabeça doida - tradução ao pé da letra da palavra osikirip -, só consegui entender sua lógica quando perguntei (à queima-roupa) para uma amiga que não é especial: “Você já ficou osikirip?”. Ao que ela prontamente me respondeu: “Já, quando tomo cerveja”. Minha amiga, então, me explicou que, se alguém ingere álcool, fala alto, grita, mexe o corpo de um jeito estranho - como quem está popopo -, mas vê seus parentes, está osikirip. Apenas quando deixa de reconhecê-los é que se transforma em popopo. Dentro da lógica de semelhança com que a linguagem Karitiana elabora as relações entre os termos, pode-se dizer que Osikirip popopo horõj - Osikirip é como popopo e, lembremos, popopo é como morto: os Karitiana lidam com um gradiente de metamorfoses entre parentes. Aos espíritos, agressores letais, cabe dos Karitiana apenas o afastamento, sob pena de se transformar em um deles. Já o louco é um agressor potencial, pois deixa de se perceber como parente, como vimos no caso de Leonel e Sidnei, mas os Karitiana reconhecem-no e procuram maneiras para que deixe esse estado - que seja para ficar especial. Esse último também agride, mas sabe que é parente; os Karitiana igualmente o percebem como tal, e buscam meios que encerrem (ou, pelo menos, minimizem) sua raiva.

Diante da explicação dessa amiga, que quando bebe álcool sabe que é rude com os seus, pude tentar dar sentido a outras informações de que já dispunha. Preocupada em mapear afetos (incluindo os meus próprios), anotei pequenas histórias que me chamaram a atenção na minha convivência com os Karitiana. É o caso de um amigo que foi chamado de cabeça doida após um acidente em que estava, sóbrio, ao volante, e que culminou com a internação de um dos seus filhos que o acompanhava. Na interpretação de meus anfitriões, embora soubesse que transportava o filho - havia um vínculo de parentesco -, quase o matou. Um parente que coloca a vida de uma criança em risco por dirigir de forma imprudente é, para os Karitiana, cabeça doida.

Em um encontro com outro Karitiana - um homem sempre sorridente, mas que naquele dia tinha o semblante bem sério -, ele contou-me que seu pai, casado e já avô, por querer casar-se com menina nova (ou, em outra versão, ter se apaixonado por uma jovem Karitiana), tentou matar, (novamente) sóbrio, a esposa com uma faca: disse-me que seu pai era cabeça doida. Não apenas o filho pensa dessa maneira, várias de suas irmãs me disseram o mesmo ao longo do trabalho de campo. O motivo, porém, era outro: ele se recusa a viver na mesma aldeia que o pai.

Eu voltava a Porto Velho depois de alguns meses de ausência. Ainda na cidade, encontrei-me com uma senhora karitiana. Ela iniciou a conversa dizendo estar triste com o que havia ocorrido com sua neta. A família - pai, mãe e filha - estava em outra cidade. Ao longo da viagem, a neta da minha interlocutora permaneceu o tempo inteiro calada. A única coisa que fazia era mandar mensagens de texto pelo celular. No fim de semana, ela fugiu com um homem de outra etnia, filho, ou sobrinho, a depender da versão, de uma importante liderança do movimento indígena de Rondônia. Ela dormiu duas noites na aldeia em que mora o rapaz, pois logo foi encontrada por sua família.

A moça nunca justificou sua atitude. Sua fuga foi interpretada como falta de amor pelo pai e pela mãe. Ele chorou muito: disse a quem quisesse ouvir que ele tinha dado tudo para a filha; então, não havia motivo para ela fugir. A avó disse que sua cabeça ficou doida quando soube da fuga. Parou de comer, pois achou que jamais veria a neta novamente. Segundo uma de suas melhores amigas, a moça também ficou cabeça doida, pois cogitou deixar os seus.

Histórias desse tipo fui reunindo e revelam, parece-me, o sentido de osikirip: toda forma de produzir afastamento entre parentes, mesmo sabendo dos vínculos que os unem. Marina Vanzolini (2015)VANZOLINI, Marina. 2015. A flecha do ciúme: o parentesco e seu avesso segundo os Aweti do Alto Xingu. São Paulo, Terceiro Nome. chama a atenção para o fato de a etnologia ameríndia ter privilegiado relações de hostilidade apenas entre sujeitos de espécies distintas, obliterando formas de conflito entre parentes. Penso que, além da feitiçaria, alvo de estudo da antropóloga, gestos mais corriqueiros considerados graves vêm estabelecendo socialidades e marcando um cotidiano cujo ideal é, em tudo, inverso à inimizade (Overing, 1999OVERING, Joanna. 1999. “Elogio do cotidiano: a confiança e a arte da vida social em uma comunidade amazônica”. Mana: Estudos de Antropologia Social, vol. 5, n.1: 81-107. DOI 10.1590/S0104-93131999000100004
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).

De acordo com essas considerações, parece ser possível dizer que, para os Karitiana, a diferença entre quem procura deixar de ser parente, afastando-se ou agredindo, e aquele que tem dificuldade em sê-lo, é que quem é especial possui marcas no corpo de sua condição. Todos, porém, podem experimentar o estado osikirip: sabem que estão entre parentes e, mesmo assim, não comem junto, não conversam, agridem, criam distâncias.

  • 1
    Este artigo retoma e reelabora argumentos apresentados em minha tese de doutorado, financiada pela Capes e defendida no PPGAS-USP em 2015 sob a orientação de Marta Amoroso. Uma versão preliminar do mesmo foi apresentada no painel “Sobre enlaces turbulentos, o la conyugalidad amerindia revisitada", coordenado por Laura Pérez Gil e Magda Dziubinska na XI Sesquiannual Conference of Salsa, em Lima (Peru), em 2017, evento no qual minha participação foi viabilizada pela Fapesp (processo 2017/12961-6). Agradeço ainda aos pareceristas anônimos da Revista de Antropologia, que foram interlocutores de fato.
  • 2
    Todos os nomes mencionados neste artigo são fictícios. O cuidado se justifica não apenas por conta dos dilemas éticos implicados no tipo de discussão que proponho aqui, como também, por sugestão de Claudia Fonseca, para lembrar que o trabalho antropológico não se propõe a reconstruir a “realidade bruta”: “O nosso objetivo, sendo aquele mais coerente com o método etnográfico, é fazer/ desfazer a oposição entre eu e o outro, construir/desconstruir a dicotomia exótico-familiar, e, para alcançar essa meta, a mediação do antropólogo é fundamental” (Fonseca, 2007FONSECA, Claudia. 2007. “O anonimato e o texto antropológico: dilemas éticos e políticos da etnografia ‘em casa’”. Palestra proferida no seminário Experiências, dilemas e desafios do fazer etnográfico contemporâneo, realizado na UFRGS. Disponível em https://claudialwfonseca.webnode.com.br/_files/200000050a7dc0a8d7e/O%20anonimato%20e%20o%20texto%20antropol%C3%B3gico%20-%20Dilemas%20%C3%A9ticos%20e%20pol%C3%Adticos%20da%20etnografia%20em%20casa%2C%202010.pdf. Acesso em 30/11/2018.
    https://claudialwfonseca.webnode.com.br/...
    ).
  • 3
    Neste artigo, as palavras em português grafadas em itálico indicam traduções dos Karitiana para vocábulos de sua língua. O cuidado inspira-se na reflexão de Evelyn Zea sobre a tradução, que propõe deslocar seu foco da prática do antropólogo para aquela realizada pelos interlocutores de pesquisa. “A tradução responde aqui a um desejo de conhecimento e a uma inquietude da existência, que converte a carência de pontos de apoio absolutos e autossuficientes numa oportunidade de criar relações” (Zea, 2008ZEA, Evelyn Schuler. 2008. “Genitivo da tradução”. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi: Ciências Humanas, vol. 3, n.1: 65-77. DOI 10.1590/S1981-81222008000100006
    https://doi.org/10.1590/S1981-8122200800...
    : 75).
  • 4
    Os Karitiana, grupo de língua do mesmo nome (da família linguística TupiArikém), são uma população de 396 pessoas (Rocha, 2017ROCHA, Ivan. 2017. “Levantamento linguísticodemográfico do Karitiana: experiência de campo”. Apresentação realizada no VI Workshop de Línguas Indígenas da USP.) que vive principalmente em sete aldeias - cinco na Terra Indígena Karitiana e duas em áreas reivindicadas pelo grupo junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) - localizadas nos municípios de Porto Velho e Candeias do Jamari, em Rondônia.
  • 5
    Embora tenha perguntado a vários interlocutores Karitiana se bichos, espíritos, plantas, animais e seres mitológicos poderiam ser chamados de osikirip, essa possibilidade foi sempre negada. A associação entre os especiais e o parentesco Karitiana se deu, portanto, em função da pesquisa de campo. Já os não indígenas podem ser classificados dessa maneira, e eventualmente indígenas de outros povos. Para o grupo, não havia Karitiana especiais antes do estreitamento das relações com não indígenas, e isso ocorreu porque seus corpos enfraqueceram. Ao longo deste artigo, discorrerei em grandes linhas sobre esse argumento, que foi tratado com detalhe em Araújo (2017)ARAÚJO, Íris Morais. 2017. “Osikirip: os ‘especiais’ Karitiana e a familiarização com o não indígena”. Etnográfica: Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, vol. 21, n.3: 649-661. DOI 10.4000/etnografica.5095
    https://doi.org/10.4000/etnografica.5095...
    .
  • 6
    O Dicionário e léxico Karitiana/ português, produzido pelo linguista e missionário David Landin, registra a mesma tradução para o e para sikirip, “estúpido, besta, doido, travesso” (Landin, 2005LANDIN, David. 2005. Dicionário e léxico Karitiana/português. Cuiabá: Sociedade Internacional de Linguística.: 28).
  • 7
    A ênfase dos interlocutores Karitiana ao me explicar a ideia de osikirip é justamente o descompasso entre a expectativa de uma relação gentil de quem sabe que é parente e o comportamento rude dos que experimentam esse estado. O esforço de quem não é osikirip é justamente ter paciência e persistir com um bom tratamento, com o objetivo de que ele aprenda como deve se comportar. Esse esforço é ensinado mesmo entre as crianças: seus pais ensinam que as mesmas devem compreender a situação dos especiais e garantir que esses façam parte das brincadeiras e da sociabilidade mais ampla que ocorre entre os pequenos.
  • 8
    Nas conversas que mantive com as mães de filhos pequenos (especiais ou não), elas me destacaram a importância de que a criança, desde muito pequena, tenha respeito pelos demais membros do grupo. Isso significa antes de tudo saber chamá-los pelo termo de parentesco correto. Há uma série de cuidados corporais para que esse aprendizado ocorra, dentre eles o uso das plantas chamadas em português de vacinas do mato. Neste artigo, discorrerei sobre essas plantas adiante, mas sem grandes detalhes. Para mais informações, ver Araújo (2014: cap. 2)ARAÚJO, Íris Morais. 2014. Osikirip: os “especiais” Karitiana e a noção de pessoa ameríndia. São Paulo, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. https://doi.org/10.11606/T.8.2015.tde-05082015-142648
    https://doi.org/10.11606/T.8.2015.tde-05...
    . Para uma interpretação mais abrangente sobre a importância que os Karitiana atribuem aos processos tradicionais de educação infantil, ver Karitiana (2018)KARITIANA, Edelaine Maria Om Etepãrãrã. 2018. Kerep õwã aopika: a educação Karitiana antes da criação da escola. JiParaná (RO): Departamento de Educação Intercultural da Fundação Universidade Federal de Rondônia, Campus Ji-Paraná..
  • 9
    Quando perguntei especificamente ao senhor idoso que me explicou sobre o veneno dos bichos, ele me afirmou que, mesmo que o caçador não veja, eles lançam essa substância no ar. Tal é mais uma de suas artimanhas para capturar sua presa. Por isso, é necessário que o caçador, tão logo perceba que está lidando com um não humano predador, fuja daquele lugar.
  • 10
    O uso do termo especial para designar pessoas com deficiência é comum no país e já serviu de categoria de nominação oficial (foi utilizado, por exemplo, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996) que, atualmente, privilegia a expressão "pessoa com deficiência". O questionamento de sua legitimidade ocorreu em meio à emergência das organizações dessas pessoas, iniciada nos anos 1980 e que buscou a afirmação de seus direitos. “A crítica do movimento a esses eufemismos se deve ao fato de o adjetivo ‘especial’ criar uma categoria que não combina com a luta por inclusão e por equiparação de direitos. Para o movimento, com a luta política não se busca ser ‘especial’, mas, sim, ser cidadão” (Lanna Jr., 2010LANNA JR., Mário Cléber Martins (org.). 2010. História do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos/Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.: 17).
  • 11
    Ymywyn Huk se apresenta aos Karitiana como uma mulher sedutora. Dona de farta plantação, grande cozinheira e muito alegre, oferece comida e se insinua disponível aos que aproximam de sua casa. Contudo, assim que o visitante decide ir embora e voltar para seus parentes, ela fica com raiva e começa a gritar e a correr atrás dele. Segundo o homem sênior que me contou a história - aqui bastante resumida e sem os deliciosos detalhes de sua narrativa -, ele mesmo, quando era jovem, encontrou Ymywyn Huk em uma de suas caçadas. A mulher veio correndo em sua direção. Não parava quieta: se mexia, gritava, rebolava, se mordia.
  • 12
    Em sua pesquisa sobre a cosmologia Pirahã, Gonçalves (2010)GONÇALVES, Marco Antonio. 2010. “Cromatismo: a semelhança e o pensamento cromático ameríndio”. In: Traduzir o outro: etnografia e semelhança. Rio de Janeiro: 7 Letras, pp. 113-134. verifica que a produção de diferenças entre os seres dos cosmos se dá preferencialmente por meio da noção de semelhança (igiábisai, parecer), que enfatiza as pequenas descontinuidades: “um modo singular de o pensamento apresentar o mundo em que tudo se ‘parece’, porém, nada é exatamente igual” (Gonçalves, 2010GONÇALVES, Marco Antonio. 2010. “Cromatismo: a semelhança e o pensamento cromático ameríndio”. In: Traduzir o outro: etnografia e semelhança. Rio de Janeiro: 7 Letras, pp. 113-134.: 113). O autor vem recuperando outras etnografias produzidas entre populações ameríndias, bem como as Mitológicas de Lévi-Strauss, com o intuito de chamar a atenção para a relevância da ideia de semelhança, que constrói “planos de mediação que se interpõem entre elementos, transformando o que seria um dualismo (alto/baixo; céu/terra; vivos/mortos etc.) em processos contínuos de diferenciação e instaurando tríades ou cadeias de semelhanças a partir dos ‘pequenos intervalos’” (Gonçalves, 2010GONÇALVES, Marco Antonio. 2010. “Cromatismo: a semelhança e o pensamento cromático ameríndio”. In: Traduzir o outro: etnografia e semelhança. Rio de Janeiro: 7 Letras, pp. 113-134.: 130).
  • 13
    Todos contribuem para isso, inclusive as crianças: uma mãe me explicou que aos pais cabe a tarefa de ensinar aos filhos o cuidado e a paciência que se deve ter com aqueles que são especiais. E pude verificar essa atenção entre as próprias crianças. Ainda no começo da pesquisa, por exemplo, num fim de tarde, uma mãe veio comentar espontaneamente, um pouco espantada, que vários meninos seguiram pela estrada, em caminhada, para observar os macacos nas copas das árvores. Eles haviam levado seu filho, que tem dificuldade para caminhar, para a brincadeira.
  • 14
    Minha vivência entre as mulheres com idade superior a 30 anos e suas filhas adolescentes me causou forte impressão de que as mais velhas demarcam a transformação do modo de vida dessas duas gerações. Para as mães, o casamento e a chegada do primeiro filho ocorriam com menos idade, mais perto da menarca. Ainda que várias Karitiana continuem sendo mães muito jovens, ouvi de algumas mulheres a preocupação explícita de que suas filhas se casem apenas após completarem os estudos, e tenham o primeiro bebê depois dos 18 anos. Com isso, podem angariar, sem maiores problemas, o saláriomaternidade, garantido pelo Estado por intermédio do INSS.
  • 15
    Segundo os Araweté, nas primeiras relações sexuais de uma mulher, o órgão masculino “fabrica” o feminino (Viveiros de Castro, 1996: 456). Ouvi essa mesma formulação dos interlocutores Karitiana, bem como as consequências desse processo: a transformação corporal da mulher, por meio do alargamento de sua vagina. Tal maturação garante sua subsequente capacidade de engravidar.
  • 16
    A falta de amor da esposa também foi outra maneira de os Karitiana formularem a má relação de um casal e a existência de especiais. Tal referência se fortaleceu quando um jovem Karitiana faleceu precocemente por câncer no aparelho digestivo. A família do rapaz acusou a esposa de não ter cuidado bem do marido, de quem não gostava - pois, tiveram, em tantos anos de casados, apenas um único filho especial -, matando-o com a má comida que preparava.
  • 17
    Nos termos de Castro (2018: 85, nota 59)CASTRO, Andréa Oliveira. 2018. Koro’op. E-moções: sociabilidade, paisagem e temporalidade entre os Karitiana. Juiz de Fora, Tese de Doutorado, Universidade Federal de Juiz de Fora., “Koro’op refere-se também à ‘parte interior da pessoa’, o fígado fica ‘dentro’ do corpo, ‘dentro’ do peito, e ao interior sentido como ‘sede das emoções’, ou seja, onde a pessoa guarda os sentimentos, o que a pessoa está sentindo dentro dela. Pode ser usado para advertir uma pessoa para tomar cuidado com qualquer perigo e para pedir para cuidar de alguma coisa”.
  • 18
    Castro (2018: 94)CASTRO, Andréa Oliveira. 2018. Koro’op. E-moções: sociabilidade, paisagem e temporalidade entre os Karitiana. Juiz de Fora, Tese de Doutorado, Universidade Federal de Juiz de Fora. nota que o paradigma da chefia Karitiana é o matador, denominado bahipto, na guerra com os contrários.
  • 19
    As cabeças das caças são vedadas aos homens e comidas pelas mulheres corresidentes do caçador para lhe darem sorte no horário em que essas presas costumam aparecer para ele. Desse modo, a cabeça de paca deve ser comida à noite, a do macaco, pela manhã, e assim por diante. Quando uma anta é morta, sua carne tem de ser oferecida, rigorosamente, a todos os Karitiana (inclusive, aos que vivem em outras aldeias e na cidade) e, por isso, não apenas os corresidentes do caçador a ingerem, mas também um conjunto maior de mulheres.
  • 20
    As vacinas do mato, designadas em Karitiana pela expressão kida oti ap’, folha [que evita] doença, são um longo ritual com banhos de plantas periódicos. Eles são realizados entre o nascimento e o desmame do bebê com o intuito de que cresçam fortes, alegres e com saúde. Essas mesmas plantas também são usadas para o mesmo fim, em situações individuais ou coletivas, ao longo da vida dos Karitiana. É o caso, exemplo, de períodos de doença ou após o falecimento de um parente. Nessas situações, embora a expressão em Karitiana seja a mesma, a tradução é sutilmente alterada: em vez de vacinas, que previnem doenças, usam a expressão remédio, que restaura a saúde de quem o utiliza. Para mais detalhes sobre esse ponto, ver Araújo (2014: cap. 2)ARAÚJO, Íris Morais. 2014. Osikirip: os “especiais” Karitiana e a noção de pessoa ameríndia. São Paulo, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. https://doi.org/10.11606/T.8.2015.tde-05082015-142648
    https://doi.org/10.11606/T.8.2015.tde-05...
    . O deslizamento de sentido entre vacina e remédio demonstra não apenas o conhecimento dos Karitiana sobre os não indígenas, como também a maneira com que o grupo equipara os modos de ser de ambos: “A gente é como o branco: fala português, come arroz e acredita em Deus”, explicoume uma amiga em 2011. De acordo com as elaborações Karitiana, esse processo de assemelhamento ocorreu quando Byyjty [Chefe Grande], que criara os Karitiana a partir dos seus cabelos, familiarizou os não indígenas, criaturas perigosas por terem armas de fogo, oferecendo-lhes carne. Tempos depois, quando Byyjty foi viver no céu, pediu para os Karitiana jamais matarem um não indígena. Contudo, isso ocorreu por descuido, e desde então o grupo tornou-se alvo da raiva dos não indígenas, que passou a metralhá-los. Restou aos Karitiana lembrar a familiarização realizada por Byyjty: tinham praticamente os mesmos hábitos, por isso poderiam conviver bem. Tratei desse tema com mais detalhe em Araújo (2017: 652-660)ARAÚJO, Íris Morais. 2017. “Osikirip: os ‘especiais’ Karitiana e a familiarização com o não indígena”. Etnográfica: Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, vol. 21, n.3: 649-661. DOI 10.4000/etnografica.5095
    https://doi.org/10.4000/etnografica.5095...
    .
  • 21
    Essa premissa é comum a outros grupos indígenas, e está registrada no âmbito dos estudos ameríndios desde, pelo menos, o estudo de Carneiro da Cunha (1978)CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. 1978. Os mortos e os outros: uma análise do sistema funerário e da noção de pessoa entre os índios Krahó. São Paulo, Hucitec. sobre o sistema funerário Krahô.
  • 22
    Os Karitiana afirmam que aprenderam a beber com os não indígenas em bailes de forró. Hoje, os que experimentam o estado popopo por meio do álcool, no geral, tomam bebidas destiladas sozinhos (Vianna, Cedaro e Ott, 2012VIANNA, João Jackson Bezerra; CEDARO, José Juliano; OTT, Ari Miguel Teixeira. 2012. “Aspectos psicológicos na utilização de bebidas alcoólicas entre os Karitiana”. Psicologia & Sociedade, vol. 24, n.1: 94-103. https://doi.org/10.1590/S0102-71822012000100011
    https://doi.org/10.1590/S0102-7182201200...
    : 99-100).
  • 23
    O estado popopo e sua relação com a morte conduz a uma aproximação com a etnografia das cauinagens Yudjá realizada por Lima (2005)LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: o povo Yudjá e a perspectiva. São Paulo/ Rio de Janeiro: Ed. UNESP/ISA/NUTI.. Afirma a autora: “A embriaguez é como se fosse uma morte: os bêbados ficam com os olhos lacrimejantes, como o são os olhos dos espíritos dos mortos, os ’ï’anay” (Lima, 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: o povo Yudjá e a perspectiva. São Paulo/ Rio de Janeiro: Ed. UNESP/ISA/NUTI.: 256). O que está em jogo nos dois grupos, nas cauinagens e no estado popopo, é assumir a perspectiva do Outro, portanto, uma “modalidade de morte” (Lima, 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: o povo Yudjá e a perspectiva. São Paulo/ Rio de Janeiro: Ed. UNESP/ISA/NUTI.: 308). Tenho, porém, reservas em seguir adiante nas aproximações entre os dois contextos: os casos de pessoas popopo que presenciei e sobre os quais ouvi histórias se diferem na densidade de relações que estão em jogo para o grupo xinguano. Como Lima reconhece, as cauinagens “exibem uma arte da socialidade ritual” (Lima, 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: o povo Yudjá e a perspectiva. São Paulo/ Rio de Janeiro: Ed. UNESP/ISA/NUTI.: 353) que não tive como presenciar entre os Karitiana. Evidentemente, muitos Karitiana experimentam o estado popopo quando bebem em grupo, o que permitiria uma comparação mais sólida com os Yudjá.
  • 24
    Tal equivalência é resultado do “acordo pragmático”, assim definido por Almeida (2003: 16)ALMEIDA, Mauro. 2003. “Relativismo antropológico e objetividade etnográfica”. Campos: Revista de Antropologia Social, vol. 3: 9-29. DOI 10.5380/cam.v3i0
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    : “diferentes sistemas do mundo podem entrar em acordo sobre certas consequências pragmáticas de seus postulados, sem que haja correspondência entre esses postulados ou sobre as visões de mundo respectivas” (Almeida, 2003ALMEIDA, Mauro. 2003. “Relativismo antropológico e objetividade etnográfica”. Campos: Revista de Antropologia Social, vol. 3: 9-29. DOI 10.5380/cam.v3i0
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    : 16). Os Karitiana sabem que os médicos utilizam “diferentes métodos de determinar os fatos e avaliá-los” (Almeida, 2003ALMEIDA, Mauro. 2003. “Relativismo antropológico e objetividade etnográfica”. Campos: Revista de Antropologia Social, vol. 3: 9-29. DOI 10.5380/cam.v3i0
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    : 18), apostando, contudo, que podem ser comensuráveis na produção de verdades. Viveiros de Castro (2004: 9)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2004. “Perspectival Anthropology and the Method of Controlled Equivocation”. Tipití: Journal of the Society for de Anthropology of Lowland South America, vol. 2, n. 1: 3-22. https://digitalcommons.trinity.edu/tipiti/vol2/iss1/1
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    denominou com o termo equivocação esse “tipo de disjunção comunicativa em que os interlocutores não estão falando sobre a mesma coisa”. Para o autor, tal disjunção fundamenta a relação das populações indígenas com a exterioridade. Por isso, a equivocação não pode ser compreendida como um simples conjunto de erros ou enganos (Viveiros de Castro, 2004VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2004. “Perspectival Anthropology and the Method of Controlled Equivocation”. Tipití: Journal of the Society for de Anthropology of Lowland South America, vol. 2, n. 1: 3-22. https://digitalcommons.trinity.edu/tipiti/vol2/iss1/1
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    : 11). A operação de equivocação não deve ser tomada como empecilho para os Karitiana participarem do sistema de saúde não indígena; pelo contrário, é por estarem dispostos às terapêuticas biomédicas que tal comunicação disjuntiva se atualiza.
  • 25
    Esse parágrafo resume parte da discussão feita em Araújo (2017)ARAÚJO, Íris Morais. 2017. “Osikirip: os ‘especiais’ Karitiana e a familiarização com o não indígena”. Etnográfica: Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, vol. 21, n.3: 649-661. DOI 10.4000/etnografica.5095
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    .
  • 26
    Evidentemente, na prática, todos esses procedimentos descritos estão passíveis de imponderáveis. Alguns que presenciei, envolvendo ou não aqueles considerados especiais: o paciente já se encontrava na cidade; o responsável designado pela família para acompanhá-lo viver em uma aldeia e o paciente, em outra; o rádio estar quebrado ou o recado não chegar àquele que deveria recebê-lo; o carro não estar na aldeia na hora acordada, ou o paciente preferir deslocar-se em veículo próprio e acontecerem desencontros; ou, por motivos dos mais diversos, o paciente se recusar a ir até a cidade.
  • 27
    O uso de remédios do mato e remédios controlados é concomitante entre os Karitiana. O interesse pelos medicamentos não indígenas passa pelo reconhecimento do grupo de que a vida que levam hoje não favorece suas práticas tradicionais. Essas últimas requerem não apenas o uso das plantas, como também a abstenção de alimentos com açúcar e gordura, além de muitos dias dedicados apenas a isso, sem que se desloquem para a cidade ou façam outras atividades que comprometam seus rituais. Essa formulação foi expressa, por exemplo, por uma liderança Karitiana não identificada que participou do já mencionado “Seminário sobre a Política de Atenção Integral à Saúde Mental da População Indígena”, em 2013: “Casos como epilepsia que, tradicionalmente, há tratamento e cura, mas preferem remédio, tratamento vindo de fora, pois no tratamento indígena há muita exigência. Com remédio é mais fácil” (apudPereira et al., 2013PEREIRA, Priscilla Perez da Silva et al. 2013. “Política de atenção integral à saúde mental das populações indígenas de Porto Velho/RO: a voz das lideranças”. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, vol. 7, n. 4: 131-145. DOI 10.18569/tempus.v7i4.1425
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    : 138). Contudo, em relação aos especiais, os Karitiana lamentam que nem eles, nem os não indígenas, conhecem meios para transformá-los inteiramente: os médicos têm remédios que apenas minoram sua condição.
  • FINANCIAMENTO: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP 2017/12961-6)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2019
  • Aceito
    18 Out 2021
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