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Comparação dos padrões da frequência cardíaca fetal no segundo e terceiro trimestres da gestação

Comparison of fetal heart rate patterns in the second and third trimesters of pregnancy

Resumos

OBJETIVO: comparar os padrões da frequência cardíaca fetal (FCF) do segundo e terceiro trimestres da gestação. MÉTODOS: estudo prospectivo, comparativo, realizado no período de Janeiro de 2008 e Julho de 2009 com os seguintes critérios de inclusão: gestação única, feto vivo, ausência de intercorrências clínicas ou obstétricas, ausência de malformação fetal, com idade gestacional entre 24 e 27 semanas (segundo trimestre - 2ºT) ou entre 36 e 40 semanas (terceiro trimestre - 3ºT). Foram realizados os exames de cardiotocografia computadorizada (Sistema 8002 - Sonicaid) por período de 30 minutos e o perfil biofísico fetal. O Sistema 8002 analisa o traçado da FCF em períodos de 3,75 segundos (1/16 de minuto). Em cada período, a duração média dos intervalos de tempo entre sucessivos batimentos cardíacos fetais foi avaliada e mensurada em milisegundos (ms). A FCF média foi calculada em cada período, e também as diferenças entre períodos adjacentes. Os parâmetros incluíram: FCF basal, acelerações transitórias, duração dos episódios de alta variação, duração dos episódios de baixa variação e variação de curto prazo. Os resultados foram analisados pelos testes t de Student, teste do qui-quadrado e teste exato de Fischer. Foi adotado nível de significância de 0,05. RESULTADOS: dezoito gestações de 2ºT foram comparadas com 25 gestações de 3ºT. Houve diferença significativa nos parâmetros da FCF avaliada pela cardiotocografia computadorizada quando comparados os fetos de 2ºT e os de 3ºT em relação aos seguintes resultados: média da FCF basal (143,8 bpm versus 134,0 bpm, p=0,009), média do número de acelerações transitórias >10 bpm (3,7 versus 8,4, p<0,001) e >15 bpm (0,9 bpm versus 5,4 bpm, p<0,001), duração média dos episódios de alta variação (8,4 min x 15,4 min, p=0,008) e média da variação de curto prazo (8,0 ms versus10,9 ms, p=0,01). Em todos os exames o perfil biofísico fetal apresentou resultado normal. CONCLUSÕES: o presente estudo constata diferenças significativas nos padrões avaliados entre gestações de segundo e terceiro trimestres, e indica a influência da maturação do sistema nervoso autonômico na regulação da FCF.

Gravidez; Cardiotocografia; Frequência cardíaca fetal; Monitorização fetal; Desenvolvimento fetal


PURPOSE: to compare the patterns of fetal heart rate (FHR) in the second and third trimesters of pregnancy. METHODS: a prospective and comparative study performed between January 2008 and July 2009. The inclusion criteria were: singleton pregnancy, live fetus, pregnant women without clinical or obstetrical complications, no fetal malformation, gestational age between 24 and 27 weeks (2nd trimester - 2T) or between 36 and 40 weeks (3rd trimester - 3T). Computerized cardiotocography (System 8002 - Sonicaid) was performed for 30 minutes and the fetal biophysical profile was obtained. System 8002 analyzes the FHR tracings for periods of 3.75 seconds (1/16 minutes). During each period, the mean duration of the time intervals between successive fetal heart beats is determined in milliseconds (ms); the mean FHR and also the differences between adjacent periods are calculated for each period. The parameters included: basal FHR, FHR accelerations, duration of high variation episodes, duration of low variation episodes and short-term variation. The dataset was analyzed by the Student t test, chi-square test and Fisher's exact test. Statistical significance was set at p<0.05. RESULTS: eighteen pregnancies on the second trimester were compared to 25 pregnancies on the third trimester. There was a significant difference in the FHR parameters evaluated by computerized cardiotocography between the 2T and 3T groups, regarding the following results: mean basal FHR (mean, 143.8 bpm versus 134.0 bpm, p=0.009), mean number of transitory FHR accelerations > 10 bpm (3.7 bpm versus 8.4 bpm, p <0.001) and >15 bpm (mean, 0.9 bpm versus 5.4 bpm, p <0.001), mean duration of high variation episodes (8.4 min versus 15.4 min, p=0.008) and mean short - term variation (8.0 ms versus 10.9 ms, p=0.01). The fetal biophysical profile showed normal results in all pregnancies. CONCLUSION: the present study shows significant differences in the FHR characteristics when the 2nd and 3rd trimesters of pregnancy are compared and confirms the influence of autonomic nervous system maturation on FHR regulation.

Pregnancy; Cardiotocography; Heart rate, fetal; Fetal monitoring; Fetal development


ARTIGO ORIGINAL

Comparação dos padrões da frequência cardíaca fetal no segundo e terceiro trimestres da gestação

Comparison of fetal heart rate patterns in the second and third trimesters of pregnancy

Roseli Mieko Yamamoto NomuraI; Carlos Frederico Confort CamposII; Jordana de Faria BessaIII; Seizo MiyadahiraIV; Marcelo ZugaibV

IProfessora do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIAcadêmico do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IIIAcadêmico do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

IVProfessor do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

VProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Roseli Mieko Yamamoto Nomura Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Avenida: Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 10º andar, sala 10.037 CEP 05403-000 - São Paulo (SP), Brasil E-mail: roseli.nomura@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: comparar os padrões da frequência cardíaca fetal (FCF) do segundo e terceiro trimestres da gestação.

MÉTODOS: estudo prospectivo, comparativo, realizado no período de Janeiro de 2008 e Julho de 2009 com os seguintes critérios de inclusão: gestação única, feto vivo, ausência de intercorrências clínicas ou obstétricas, ausência de malformação fetal, com idade gestacional entre 24 e 27 semanas (segundo trimestre - 2ºT) ou entre 36 e 40 semanas (terceiro trimestre - 3ºT). Foram realizados os exames de cardiotocografia computadorizada (Sistema 8002 - Sonicaid) por período de 30 minutos e o perfil biofísico fetal. O Sistema 8002 analisa o traçado da FCF em períodos de 3,75 segundos (1/16 de minuto). Em cada período, a duração média dos intervalos de tempo entre sucessivos batimentos cardíacos fetais foi avaliada e mensurada em milisegundos (ms). A FCF média foi calculada em cada período, e também as diferenças entre períodos adjacentes. Os parâmetros incluíram: FCF basal, acelerações transitórias, duração dos episódios de alta variação, duração dos episódios de baixa variação e variação de curto prazo. Os resultados foram analisados pelos testes t de Student, teste do qui-quadrado e teste exato de Fischer. Foi adotado nível de significância de 0,05.

RESULTADOS: dezoito gestações de 2ºT foram comparadas com 25 gestações de 3ºT. Houve diferença significativa nos parâmetros da FCF avaliada pela cardiotocografia computadorizada quando comparados os fetos de 2ºT e os de 3ºT em relação aos seguintes resultados: média da FCF basal (143,8 bpm versus 134,0 bpm, p=0,009), média do número de acelerações transitórias >10 bpm (3,7 versus 8,4, p<0,001) e >15 bpm (0,9 bpm versus 5,4 bpm, p<0,001), duração média dos episódios de alta variação (8,4 min x 15,4 min, p=0,008) e média da variação de curto prazo (8,0 ms versus10,9 ms, p=0,01). Em todos os exames o perfil biofísico fetal apresentou resultado normal.

CONCLUSÕES: o presente estudo constata diferenças significativas nos padrões avaliados entre gestações de segundo e terceiro trimestres, e indica a influência da maturação do sistema nervoso autonômico na regulação da FCF.

Palavras-chave: Gravidez, Cardiotocografia, Frequência cardíaca fetal, Monitorização fetal, Desenvolvimento fetal

ABSTRACT

PURPOSE: to compare the patterns of fetal heart rate (FHR) in the second and third trimesters of pregnancy.

METHODS: a prospective and comparative study performed between January 2008 and July 2009. The inclusion criteria were: singleton pregnancy, live fetus, pregnant women without clinical or obstetrical complications, no fetal malformation, gestational age between 24 and 27 weeks (2nd trimester - 2T) or between 36 and 40 weeks (3rd trimester - 3T). Computerized cardiotocography (System 8002 - Sonicaid) was performed for 30 minutes and the fetal biophysical profile was obtained. System 8002 analyzes the FHR tracings for periods of 3.75 seconds (1/16 minutes). During each period, the mean duration of the time intervals between successive fetal heart beats is determined in milliseconds (ms); the mean FHR and also the differences between adjacent periods are calculated for each period. The parameters included: basal FHR, FHR accelerations, duration of high variation episodes, duration of low variation episodes and short-term variation. The dataset was analyzed by the Student t test, chi-square test and Fisher's exact test. Statistical significance was set at p<0.05.

RESULTS: eighteen pregnancies on the second trimester were compared to 25 pregnancies on the third trimester. There was a significant difference in the FHR parameters evaluated by computerized cardiotocography between the 2T and 3T groups, regarding the following results: mean basal FHR (mean, 143.8 bpm versus 134.0 bpm, p=0.009), mean number of transitory FHR accelerations > 10 bpm (3.7 bpm versus 8.4 bpm, p <0.001) and >15 bpm (mean, 0.9 bpm versus 5.4 bpm, p <0.001), mean duration of high variation episodes (8.4 min versus 15.4 min, p=0.008) and mean short - term variation (8.0 ms versus 10.9 ms, p=0.01). The fetal biophysical profile showed normal results in all pregnancies.

CONCLUSION: the present study shows significant differences in the FHR characteristics when the 2nd and 3rd trimesters of pregnancy are compared and confirms the influence of autonomic nervous system maturation on FHR regulation.

Keywords: Pregnancy, Cardiotocography, Heart rate, fetal, Fetal monitoring, Fetal development

Introdução

A regulação da frequência cardíaca fetal (FCF) depende, dentre outros fatores, da ação dos nervos cardíacos autonômicos e de neurotransmissores. O desenvolvimento dos componentes simpático e parassimpático do sistema nervoso autônomo (SNA) fetal ocorre de maneira diferente. As vias anatômicas são precocemente desenvolvidas, mas cada componente (simpático e parassimpático) se desenvolve funcionalmente de forma independente. Enquanto o tônus simpático está presente nas primeiras semanas de gestação, o parassimpático se estabelece posteriormente, de forma lenta e progressiva1. Essa diferença pode ser percebida nos padrões da FCF, nos quais se observa o predomínio do tônus simpático no início da gestação, com posterior aumento do tônus colinérgico mais próximo do termo2-4.

A análise da FCF pode indicar estados fisiológicos ou patológicos da oxigenação fetal5-7. Nesse sentido, pela utilização de sistemas computadorizados é possível facilitar a análise de características específicas da FCF, cuja interpretação é dificultada pela tradicional análise visual do traçado. A cardiotocografia computadorizada permite interpretação mais objetiva dos parâmetros, com melhor desempenho e confiabilidade nos resultados8, o que nem sempre é obtido com a análise visual9.

A avaliação da vitalidade fetal no segundo trimestre gestacional é dificultada pela imaturidade do SNA, que restringe o uso da cardiotocografia como método propedêutico. A cardiotocografia computadorizada, ao promover a análise objetiva dos parâmetros, desponta como método de aplicação na prática clínica frente à imaturidade fetal. Nesse sentido, o melhor conhecimento dos padrões da FCF nesse período de gestação favorece a interpretação de resultados obtidos por esse método. Estudo realizado com a cardiotocografia computadorizada em período de 24 horas demonstra haver diferenças nos padrões da FCF quando os exames de segundo trimestre são comparados com os de terceiro, no que diz respeito às oscilações da FCF basal10.

Considerando-se que o avanço nos cuidados neonatais tem proporcionado maior sobrevida em idades gestacionais precoces, reduzindo o limite da viabilidade fetal, a avaliação fetal em idades gestacionais menores passou a ser necessidade imperiosa. Nessa vertente, a cardiotocografia computadorizada, com a introdução de parâmetros objetivos para a interpretação dos traçados da FCF no segundo trimestre da gestação, apresenta perspectivas otimistas para ser integrada aos demais métodos de avaliação fetal. Constatada a inexistência de estudos realizados na população brasileira para analisar os padrões da FCF por sistemas computadorizados no segundo trimestre gestacional, o presente estudo, realizado em gestações de baixo risco, sem morbidades, tem como objetivo verificar e descrever as diferenças entre os padrões da FCF do segundo e terceiro trimestres gestacionais.

Métodos

Este trabalho foi realizado em hospital universitário e a população incluída foi selecionada entre gestantes de baixo risco, acompanhadas no ambulatório da Liga de Pré-natal no período compreendido entre Janeiro de 2008 e Julho de 2009. Foram convidadas 43 gestantes e todas consentiram em participar da pesquisa. O estudo é do tipo prospectivo e comparativo. O projeto de pesquisa e o termo de consentimento livre e esclarecido foram aprovados pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPesq), sob o número 273/2008.

Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: idade materna superior a 18 anos, gestação única, feto vivo, com idade gestacional entre 24 e 26 semanas completas (segundo trimestre) ou entre 36 e 39 semanas completas (terceiro trimestre), ausência de intercorrências clínicas ou obstétricas, ultrassonografia morfológica fetal normal e concordância formal da paciente em participar do estudo. Foi utilizado como critério de exclusão o diagnóstico pós-natal de anomalia fetal e os casos em que o traçado da cardiotocografia tenha apresentado perda de sinal superior a 20%. Todas as pacientes incluídas no estudo foram submetidas à cardiotocografia computadorizada sob as mesmas condições, isto é, na sala de exames de vitalidade fetal, horário entre 12 e 15h, posição semissentada e após consulta de rotina no pré-natal.

Para a complementação da avaliação da vitalidade fetal foi realizado o perfil biofísico fetal. Todos os exames foram realizados exclusivamente pelos pesquisadores envolvidos no projeto. A idade gestacional foi calculada a partir da data da última menstruação (DUM), quando compatível com a idade gestacional estimada pela ultrassonografia realizada, no máximo, até a 20º semana de gestação. Nos casos em que não foi observada tal concordância, a idade gestacional foi calculada pelos dados da primeira ultrassonografia.

A avaliação da FCF foi realizada com o aparelho de cardiotocografia computadorizada (Sistema Sonicaid 8002, Sonicaid®, Oxford, Reino Unido) por período de 30 minutos. O Sistema 8002 é programa de análise computadorizada da FCF que utiliza algoritmo desenvolvido e validado11. Para realização da cardiotocografia, dois transdutores foram posicionados sobre o abdômen da paciente, um sobre o foco fetal, para a captação dos batimentos cardíacos fetais, e o outro na região do fundo uterino, para detecção das contrações uterinas. Ambos os transdutores foram fixados por cintas elásticas, mantendo a paciente confortável. Uma vez certificada a ausência de contração uterina à palpação, foi realizado o nivelamento do tônus uterino em 10 mmHg, considerado o tônus basal a partir do qual foram identificadas as contrações. Para a marcação dos movimentos fetais, a paciente recebeu o marcador de eventos, dispositivo manual acoplado ao cardiotocógrafo, e foi orientada a acioná-lo a cada movimento fetal percebido. Automaticamente, o evento foi registrado no monitor da cardiotocografia computadorizada. O transdutor para detecção da FCF utilizou um dispositivo Doppler direcional pulsátil com multicristal de 1,5 ou 2,0 mHz. Os registros da FCF, dos movimentos fetais e do tônus uterino foram transferidos para um computador que executa o sistema de análise da cardiotocografia (System 8002).

O sistema 8002 analisa o traçado cardiotocográfico em períodos de 3,75 segundos (1/16 de minuto). Em cada período, o sistema avalia a duração média dos intervalos de tempo entre sucessivos batimentos cardíacos fetais, mensurados em milisegundos (ms), calculando a FCF média em cada período e também as diferenças entre períodos adjacentes. A FCF basal é calculada pela média dos intervalos de pulso verificados em todos os períodos de baixa variação (quando não são observados períodos de baixa variação, o cálculo deriva-se de análise de todos os períodos). São detectadas acelerações transitórias da FCF com amplitude superior a 10 bpm e a 15 bpm, bem como desacelerações da FCF. A variação de curto prazo (em ms) corresponde à média das diferenças dos valores da FCF entre períodos adjacentes de 3,75 segundos. Os episódios de alta variação são caracterizados quando pelo menos cinco de seis minutos consecutivos em que a amplitude dos intervalos de pulso é superior a 32 m; e os de baixa variação são definidos quando em pelo menos cinco de seis minutos consecutivos a amplitude dos intervalos de pulso é inferior a 30 m.

Foi realizado também o perfil biofísico fetal (PBF) pela avaliação ultrassonográfica das atividades biofísicas que incluem: FCF, movimentos respiratórios fetais, movimentos corpóreos fetais, tônus fetal e volume de líquido amniótico. A análise da FCF foi realizada pela própria cardiotocografia, de forma que o parâmetro foi considerado normal quando o feto apresentou pelo menos duas acelerações transitórias de 15 bpm de amplitude em até 30 minutos de traçado. Os demais itens foram avaliados pela ultrassonografia. Os movimentos respiratórios foram tomados como normais quando os fetos apresentaram, no mínimo, um episódio com duração mínima de 30 segundos. Os movimentos corpóreos caracterizaram-se normais quando o feto demonstrou pelo menos um movimento amplo ou três movimentos lentos. O tônus fetal foi considerado normal na presença de movimentos corpóreos ou quando o concepto revelou movimentos de abertura e fechamento das mãos. O volume de líquido amniótico foi apreciado por meio da medida do índice de líquido amniótico (ILA). Seus valores foram classificados como normais quando superiores a 5,0 cm. Cada componente do PBF recebeu a pontuação 2 à qualificação normal e 0 à anormal, por intermédio da somatória. Houve classificação do PBF em normal (8 ou 10), suspeito (6) ou alterado (4, 2 e 0).

Foram analisados os exames de 18 gestantes no grupo de segundo trimestre e 25 no grupo de terceiro trimestre. Na Tabela 1 estão apresentadas as informações referentes à caracterização dessas pacientes, não se constatando diferença significativa entre os grupos.

Os resultados foram analisados por meio do programa Statistics for Windows (versão 4.3, Statsoft, Inc. , 1993). As variáveis foram analisadas descritivamente, calculando-se frequências absolutas e relativas. Para as variáveis quantitativas, a análise foi feita pelo cálculo de médias e desvios padrão. Para dados quantitativos, as médias foram comparadas utilizando-se o teste t de Student para as variáveis de distribuição normal. Os dados categóricos e semiquantitativos foram avaliados pelo teste do χ2 ou teste exato de Fisher quando indicado. O nível de significância utilizado para os testes foi p<0,05.

Resultados

Todos os resultados do perfil biofísico fetal apresentaram-se normais, com valores de 10, bem como a avaliação do volume de líquido amniótico. Foram analisados os traçados cardiotocográficos de 20 gestações de segundo trimestre e 25 de 3º trimestre. Foram excluídos dois casos de segundo trimestre por perda de sinal superior a 20%, restando para análise 18 casos desse grupo. A comparação entre os parâmetros da FCF analisados na cardiotocografia computadorizada nos segundo e terceiro trimestres gestacionais estão apresentados na Tabela 2. A perda de sinal foi mais frequente na cardiotocografia realizada no segundo trimestre. Não foi verificada diferença no número de movimentos fetais por hora entre os grupos analisados. Na análise da FCF, houve diferença significativa na comparação dos seguintes parâmetros: a FCF basal foi maior no segundo quando comparado ao terceiro trimestre (p=0,009), houve menor número de acelerações transitórias de 10 bpm no segundo trimestre (p<0,001) quando comparado ao terceiro, e o mesmo foi observado para as acelerações de 15 bpm (p<0,001); os episódios de alta variação apresentaram maior duração nas gestações de terceiro trimestre (p=0,008), e a variação de curto prazo (p=0,01) foi menor no segundo trimestre.

Discussão

O presente estudo demonstra que existem diferenças nos padrões da FCF entre gestações de segundo e de terceiro trimestres, detectáveis pela cardiotocografia computadorizada. Pode-se aceitar que a análise da FCF por sistemas computadorizados permite demonstrar essas diferenças, provavelmente porque o método reduz de forma significativa a variação interobservador ao afastar a influência subjetiva da interpretação visual.

Conforme foi demonstrado, a análise computadorizada pode ser aplicada durante o segundo trimestre, período em que a imaturidade do SNA fetal dificulta a interpretação visual dos traçados cardiotocográficos. As diferenças observadas na presente investigação indicam avanços da maturação do sistema simpático na gestação mais precoce, e do parassimpático na fase mais tardia. Os valores mais elevados da FCF basal se devem à preponderância do tônus simpático no segundo trimestre, enquanto que, quando o tônus vagal se desenvolve de forma mais significativa no terceiro trimestre, há redução nos níveis basais desse parâmetro. A interação entre o simpático e parassimpático apresenta uma complexidade intrínseca, que emerge da interação da rede neuronal cerebral12,13. Dessa interação surge a variabilidade da FCF, que se caracteriza pelos ascensos e reduções, batimento a batimento, e são interpretados como variações da FCF14. A elevação do tono vagal é associado à regulação mais eficiente da homeostase, resultando no incremento da sensibilidade e especificidade da monitoração fetal na detecção dos distúrbios da oxigenação fetal4.

Nesta pesquisa, no terceiro trimestre verificou-se maior duração dos períodos de alta variação da FCF, demonstrando maior atividade do parassimpático. Essa maturação do SNA exacerba as variações da FCF e suas alterações frente à hipoxia tornam-se mais evidentes. No entanto, no segundo trimestre a imaturidade autonômica confere outras características à FCF, as quais devem ser ponderadas na interpretação dos traçados. Em prematuros extremos, a não-maturação parassimpática determina resposta cardíaca diferente dos fetos em idade gestacional avançada. Quando ocorre sofrimento fetal, observa-se predomínio do tônus simpático nos fetos de termo com acidemia grave. Embora não exiba diferença nas características da linha de base15, simula imaturidade do parassimpático.

Em indivíduos adultos, verifica-se que a redução na variabilidade da frequência cardíaca é associada à pior sobrevida em pacientes com doença cardiovascular e à síndrome da disfunção de múltiplos órgãos16,17. Durante o período fetal, o desenvolvimento normal do SNA e suas alterações frente aos agravos podem ser mais bem compreendidos pela análise da variação da FCF. Tal como verificado no presente estudo, o desenvolvimento autonômico fetal no terceiro trimestre está associado à maior variação da FCF, maior frequência de acelerações e períodos mais prolongados de episódios de alta variação, indicando desenvolvimento neurológico progressivo. O mesmo foi observado utilizando-se outros métodos de análise da FCF por períodos de 30 minutos, mas valendo-se de dispositivos biomagnéticos18.

Estudos experimentais revelam também que a reação dos quimiorreceptores fetais aos eventos hipoxêmicos pode variar de acordo com a idade gestacional19. Em qualquer idade gestacional, a oclusão do fluxo no cordão umbilical provoca bradicardia fetal precoce frente à hipertensão. Persistindo a oclusão, a adaptação inicial é seguida da perda da vasoconstricção periférica e hipotensão progressiva. Estudos realizados em ovelhas relatam que fetos prematuros apresentam atenuação inicial na resposta da FCF à asfixia grave provocada pela oclusão da artéria umbilical19. Esse predomínio do sistema simpático nos fetos prematuros é sugerido na presente investigação. Entretanto, não existem estudos que avaliem condições associadas à maturação precoce do SNA, ou métodos que possam identificar essas situações. São necessários mais estudos focados na investigação desses aspectos.

O estudo de parâmetros da FCF durante o segundo e terceiro trimestres da gestação auxilia na interpretação das variações no desenvolvimento do sistema nervoso central. Essas informações demonstram ser de grande importância para a predição de anormalidades na infância. As variações individuais no controle autonômico da FCF, originadas durante a gestação, podem persistir no período pós-natal. A trajetória do desenvolvimento neuropsicomotor aos dois anos de idade e a linguagem aos 2,5 anos estão associados à variabilidade da FCF após a 28º semana12. Em gestações complicadas pelo diabete melito pré-gestacional, a cardiotocografia computadorizada indica padrões da FCF que sugerem estado de melhor oxigenação nos fetos menos comprometidos pela hiperglicemia materna20.

A presença de acelerações da FCF, da mesma forma, está associada à maturação do SNA fetal. Vlastos et al. 21 verificam que a ausência de acelerações de 10 bpm de amplitude está associada a lesões cerebrais no recém-nascido, mas o mesmo não foi observado em relação à ausência de acelerações de 15 bpm de amplitude. Entretanto, Nisenblat et al. 22 afirmam que a cardiotocografia tradicional não prediz adequadamente prejuízo no neurodesenvolvimento aos dois anos de vida de recém-nascidos prematuros com muito baixo peso. O estudo dos padrões fisiológicos da FCF por sistemas computadorizados no segundo trimestre de gestações normais possibilitará maior conhecimento sobre a presença de acelerações da FCF nesse período.

Estudos comparativos demonstram que a análise visual da cardiotocografia tem como um dos principais ônus a variação interobservador, fato que pode ser minimizado com a utilização de técnicas padronizadas de treinamento e de classificação na interpretação, bem como com o uso da cardiotocografia computadorizada23. Esses aspectos são particularmente interessantes na avaliação de fetos no segundo trimestre gestacional, uma vez que a imaturidade do SNA traz dificuldades na interpretação. Nesse sentido, os sistemas computadorizados podem apresentar melhor eficiência na detecção de padrões anormais.

Em estudo realizado com grande base de dados, foram construídos normogramas para vários parâmetros objetivos da FCF avaliada pela cardiotocografia computadorizada24. Os dados obtidos são concordantes com os observados na presente investigação, com redução na FCF basal e aumento na variação de curto prazo com o avanço da idade gestacional. Entretanto, o referido estudo apresenta exames com diferentes períodos de duração e também incluíram traçados com até 50% de perda de captação, enquanto na presente casuística todos os traçados foram obtidos em 30 minutos de observação com até 20% de perda. Foi possível constatar também que a perda de sinal foi mais frequente no segundo trimestre, pois os fetos menores têm maior mobilidade, favorecendo a perda de captação do sinal na cardiotocografia. Esse fato traz dificuldades na obtenção de traçados no segundo trimestre, e deve ser considerado.

Em conclusão, a cardiotocografia computadorizada revela diferenças significativas entre os parâmetros da FCF, quando são comparadas gestantes de segundo e terceiro trimestres, sugerindo a influência da maturação do sistema nervoso autônomo fetal com a idade gestacional.

Agradecimento

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela bolsa de iniciação científica concedida aos alunos Carlos Frederico Confort Campos e Jordana de Faria Bessa para a elaboração do presente estudo.

Recebido 4/7/10

Aceito com modificações 23/8/10

Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.

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  • Correspondência:

    Roseli Mieko Yamamoto Nomura
    Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
    Avenida: Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 10º andar, sala 10.037
    CEP 05403-000 - São Paulo (SP), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2010
    • Aceito
      23 Ago 2010
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