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Relação entre prática religiosa, uso de álcool e transtornos psiquiátricos em gestantes

Resumos

CONTEXTO: A saúde mental de gestantes é bastante discutida na literatura científica. Nesse período, a mulher passa por alterações físicas, hormonais, psicológicas e sociais e torna-se mais suscetível a problemas psíquicos. Há carência de estudos abordando a relação entre saúde mental e religiosidade nessa população. OBJETIVO: Investigar a relação entre prática religiosa, prevalência de diagnósticos psiquiátricos e consumo alcoólico em gestantes de Juiz de Fora. MATERIAL E MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 260 gestantes acompanhadas em Centros de Atendimentos a gestantes de Juiz de Fora, utilizando-se um questionário sociodemográfico (incluindo filiação e prática religiosa), o Mini International Neuropsychiatric Interview e o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). RESULTADOS: A maioria das gestantes era praticante de religião (60,8%). As gestantes praticantes apresentavam menor frequência (p < 0,05) de Episódio Depressivo Maior com características Melancólicas, Episódio Hipomaníaco, Transtorno de Pânico com Agorafobia Atual, Fobia Social Atual e Transtorno do Estresse Pós-traumático. Em relação ao diagnóstico de Abuso de uma ou mais substâncias psicoativas, houve uma tendência à menor prevalência nos grupos de gestantes religiosas praticantes (p = 0,057). CONCLUSÕES: Observou-se que as praticantes tendem a apresentar menores taxas de transtornos de humor e transtornos ansiosos que as gestantes não praticantes de religiosidade.

Gravidez; religião; álcool; Sistema Único de Saúde


BACKGROUND: Mental health of pregnant and postpartum women is a topic widely discussed in scientific literature. During this period, women are going through major changes in physical, hormonal, psychological and social aspects, and thus become more susceptible to psychic problems. The relationship between health and religiousness is also evident in the literature, however there are no studies examining this relationship among pregnant women. OBJECTIVE: To investigate the relationship between religious practice, prevalence of psychiatric disorders, and alcohol use in pregnant women users of The Brazilian National Health System in Juiz de Fora, Brazil. MATERIALS AND METHODS: This is a cross-sectional study, involving 260 pregnant women of Juiz de Fora. Data collection was performed in care centers for pregnant women of the city, using a sociodemographic questionnaire (which included religious practice and religious filiation), the Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI), and Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). RESULTS: Most pregnant women practiced a religion (60.8%). Religious women show a lower frequency (p < 0.05) of diagnoses of Major Depressive Episode with Melancholic features, Hypomania episode, current Panic disorder with Agoraphobia, current Social Anxiety disorder, and Post-traumatic stress disorder. In the diagnosis of abuse of one or more psychoactive substances, there was a tendency to lower prevalence in the groups of religious women (p = 0,057). DISCUSSION: It was observed in this study, that the religious women tend to have lower rates of mood disorders and anxiety disorders than pregnant women that do not practice their religion.

Pregnancy; religion; alcohol; Single Health System


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre prática religiosa, uso de álcool e transtornos psiquiátricos em gestantes

Cristiane Schumann SilvaI; Telmo Mota RonzaniII; Erikson Felipe FurtadoIII; Pollyanna Patricio AlianeIV; Alexander Moreira-AlmeidaV

IProfessora substituta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

IIProfessor adjunto do Departamento de Psicologia da UFJF

IIIProfessor-doutor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)

IVPsicóloga, doutoranda em Saúde Mental pela FMRP-USP

VProfessor adjunto da Faculdade de Medicina da UFJF. Diretor do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da UFJF

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cristiane Schumann Silva Rua Ribeiro de Abreu, 642, Bairro Bairu 36050-090 - Juiz de Fora, MG, Brasil Telefones: +55 (32) 8803-4686 ou +55 (32) 3226-2799 E-mails: crisschumann@gmail.com ou crisschumannufjf@yahoo.com.br

RESUMO

CONTEXTO: A saúde mental de gestantes é bastante discutida na literatura científica. Nesse período, a mulher passa por alterações físicas, hormonais, psicológicas e sociais e torna-se mais suscetível a problemas psíquicos. Há carência de estudos abordando a relação entre saúde mental e religiosidade nessa população.

OBJETIVO: Investigar a relação entre prática religiosa, prevalência de diagnósticos psiquiátricos e consumo alcoólico em gestantes de Juiz de Fora.

MATERIAL E MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 260 gestantes acompanhadas em Centros de Atendimentos a gestantes de Juiz de Fora, utilizando-se um questionário sociodemográfico (incluindo filiação e prática religiosa), o Mini International Neuropsychiatric Interview e o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT).

RESULTADOS: A maioria das gestantes era praticante de religião (60,8%). As gestantes praticantes apresentavam menor frequência (p < 0,05) de Episódio Depressivo Maior com características Melancólicas, Episódio Hipomaníaco, Transtorno de Pânico com Agorafobia Atual, Fobia Social Atual e Transtorno do Estresse Pós-traumático. Em relação ao diagnóstico de Abuso de uma ou mais substâncias psicoativas, houve uma tendência à menor prevalência nos grupos de gestantes religiosas praticantes (p = 0,057).

CONCLUSÕES: Observou-se que as praticantes tendem a apresentar menores taxas de transtornos de humor e transtornos ansiosos que as gestantes não praticantes de religiosidade.

Palavras-chave: Gravidez, religião, álcool, Sistema Único de Saúde.

Introdução

A saúde mental de gestantes e puérperas é um tema bastante discutido na literatura científica, pois durante tais períodos a mulher passa por alterações de ordem física, hormonal, psíquica e social1,2. Assim, fazse necessário um cuidado maior em relação a elas nesses períodos para se prevenirem futuras dificuldades para ela e para o cuidado com o bebê. De acordo com Luis e Oliveira3, esses transtornos podem ser desde quadros transitórios benignos até situações graves que podem culminar em prejuízos irreparáveis para a gestante, o bebê e até para a relação com o companheiro.

Um dos transtornos emocionais mais estudados na gestação é a depressão1,4-6, com prevalência encontrada em até 20,4% das gestantes adultas1 e em 20,8% das adolescentes4. Nestas últimas, o quadro depressivo apresentou-se associado com ideação suicida em 16,7% delas4.

Segundo Steward7, depressão é a principal causa de disfuncionalidade em mulheres entre 18 e 44 anos, assim é compreensível entender as altas taxas de depressão entre gestantes. Gestantes depressivas são mais suscetíveis a problemas nutricionais, de sono, de higiene e muito frequentemente se envolvem com substâncias como álcool e tabaco, que, além de prejudicar a própria saúde, podem trazer problemas irreversíveis ao feto. Também possuem pior adesão aos cuidados pré-natais e recomendações médicas, e a probabilidade de a gestante atentar contra sua integridade ou até cometer suicídio aumenta7.

Transtornos ansiosos também estão presentes no período gestacional. Uma pesquisa com gestantes5 demonstrou que 23,1% retratavam sintomas ansiosos e que em 1,9% delas foi diagnosticado Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)8. Kessler et al.9 encontraram uma prevalência de TAG de 3,1%.

O consumo alcoólico é uma grande questão para a saúde pública em geral. Em se tratando do consumo por gestante, tal consumo recebe ainda mais destaque, pois a ingestão de álcool por elas poderá produzir efeitos devastadores à saúde do bebê e desestabilizar a integridade da relação mãe-feto10. Uma pesquisa realizada em uma maternidade filantrópica de São Paulo encontrou que 66,3% de puérperas não consumiram bebida alcoólica, 17,8% consumiram durante toda a gravidez e 15,9% consumiram até a confirmação da gravidez. No mesmo estudo, foi verificado se as mulheres sabiam dos riscos da ingestão de álcool durante a gravidez e foi encontrado um índice de 84,5% que consideram que nenhuma bebida alcoólica deve ser consumida durante o período gestacional e que é comum a concomitância de problemas emocionais e consumo de álcool11,12. Isso sugere que, embora grande parte das mulheres tenha conhecimento sobre os malefícios do uso do álcool na gravidez, um número considerável faz ou fez uso de tal substância na gestação.

A religiosidade/espiritualidade vem sendo apontada como importante fator de proteção para a saúde. Nesse sentido, um grande número de estudos têm examinado a possível relação entre religiosidade e saúde mental e a maioria deles aponta para uma relação positiva entre elas.

São inúmeras e não há ainda consenso científico sobre as definições de religiosidade e espiritualidade. Moreira-Almeida et al.13 e Koenig et al.14 distinguem-nas dizendo que religiosidade é um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos designados para facilitar a aproximação com o sagrado e que espiritualidade é a forma pessoal de encontrar respostas às questões últimas sobre significado da vida, a relação com o sagrado e que pode ou não levar ao desenvolvimento de rituais religiosos e à formação de comunidades.

Moreira-Almeida et al.13 e Dalgalarrondo15 sugerem que pessoas mais religiosas tendem a apresentar maior bem-estar psicológico e menores prevalências de depressão, uso de substâncias e ideação suicida. Dalgalarrondo15 aponta os vários mecanismos que poderiam explicar como a religiosidade agiria positivamente sobre a saúde mental, defendendo a possibilidade de um conjunto de fenômenos agindo em sinergismo: apoio social dos grupos religiosos, sistema de crenças que propicia sentido à vida e ao sofrimento, incentivo a comportamentos e estilos de vida saudáveis.

A maioria dos estudos indica que crenças e práticas religiosas estão associadas também a melhor saúde física (doenças coronarianas, pressão sanguínea, infarto, funções imune e neuroendócrina, doenças infecciosas, debilidade física, câncer e mortalidade)15,16.

A partir dos dados supracitados e da escassez de estudos na literatura científica que abordem o impacto da religiosidade na saúde mental de gestantes, o presente trabalho objetivou verificar se existe relação entre prática religiosa, transtornos psiquiátricos e consumo de álcool entre gestantes usuárias do Sistema Único de Saúde da cidade de Juiz de Fora/Minas Gerais (SUS/MG).

Material e métodos

Este é um estudo transversal, feito a partir de uma pesquisa intitulada "Estudo Longitudinal sobre o Uso de Álcool e Aspectos Psicossociais entre Gestantes", coordenada pelo Polo de Pesquisa em Psicologia Social e Saúde Coletiva (POPSS) do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em colaboração com o Núcleo de Pesquisa em Psiquiatria Clínica e Psicopatologia do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto e apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento em Pesquisa (CNPq), processo nº 400360/2006-3.

Instrumentos

Para o presente estudo foram utilizados os seguintes instrumentos:

1. Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI), desenvolvido por Sheehan et al.17 e traduzido e validado para o português por Amorim18. Entrevista diagnóstica estruturada, baseada nos critérios diagnósticos dos principais transtornos psiquiátricos do Eixo I do DSM-IV19 e de aplicação rápida (aproximadamente 15 minutos).

2. lcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT), desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS)20, traduzido e validado no Brasil em 200321, com o objetivo de identificar consumo de risco, uso nocivo e dependência alcoólica. Possui 10 questões que avaliam o consumo alcoólico nos últimos 12 meses22. Na presente pesquisa, optou-se por questionar o consumo de álcool durante o período gestacional23.

Assim, por meio do somatório dos escores (máximo 40), o AUDIT identifica na população geral o uso de baixo risco (entre 0 e 7), uso de risco (entre 8 e 15), uso nocivo (entre 16 e 19) e sintomas de dependência (acima de 20). Geralmente, adota-se 8 como ponto de corte para uso alcoólico de risco, porém para o presente estudo, por se tratarem de gestantes, para as quais se recomenda abstenção alcoólica durante todo o período gestacional19,23, adotou-se o ponto de corte para uso de risco como sendo maior ou igual a 1.

3. Questionário sociodemográfico: idade, cor autorreferida, estado civil, escolaridade, situação atual de emprego, nível de renda familiar, dados referentes à gravidez atual, ao planejamento familiar e à filiação e prática religiosa. A prática religiosa foi avaliada pela indagação se a gestante possuía religião, qual seria sua religião e se ela praticava ou não a religião declarada.

Dessa forma, os dados foram organizados em termos de religião declarada e pela divisão entre dois grupos: praticantes (independente da religião) e não praticantes (incluindo os declarados como sem religião).

Participantes e procedimentos

Foram entrevistadas 260 gestantes, entre 25/10/2006 e 19/5/2008, em Instituições de atendimentos às gestantes de Juiz de Fora. Inicialmente, foi realizado um levantamento das instituições que ofereciam atendimento a gestantes na cidade (pré-natal, grupos, acompanhamento etc.) e foram selecionadas por conveniência as instituições que possuíam maior número de atendimentos a gestantes e maior facilidade de acesso por parte dos pesquisadores. Foi realizado contato com os responsáveis por elas para autorização de realização da pesquisa.

Anteriormente à coleta, foi realizado o treinamento dos entrevistadores (estudantes de Psicologia da UFJF). Também se realizou um estudo-piloto em que foram levantadas as principais dificuldades de aplicação da pesquisa e corrigidos os problemas metodológicos identificados com ele.

Para participar da pesquisa, as gestantes que se encontravam no terceiro trimestre de gravidez, a contar da data da última menstruação, e que estavam realizando acompanhamento pré-natal em unidades de saúde vinculadas ao SUS eram abordadas pelos entrevistadores enquanto esperavam por atendimento e manifestavam sua concordância por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme determinação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFJF. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), protocolo nº 720.026.2006.

Os procedimentos para coleta dos dados foram: convidar a gestante (no terceiro trimestre de gestação) para participar da pesquisa, lendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; realizar a entrevista em uma sala à parte nessas instituições e levantar dados de saúde dos prontuários ou do cartão das gestantes.

Análise

Foi utilizado para análise dos dados o software SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 15.0. Análises estatísticas descritivas foram utilizadas para dados referentes às variáveis sociodemográficas. Para variáveis categóricas, foi utilizado o teste de chi-quadrado na comparação da distribuição de frequências entre grupos. O nível de significância adotado foi de 95% (p < 0,05).

Resultados

A média de idade das gestantes pesquisadas foi de 27 anos (mínima 15, máxima 45, desvio-padrão = 6,35), idade gestacional média de 33 semanas (mínima 20 semanas, máxima 42 semanas, desviopadrão = 4,4).

A maioria das gestantes pesquisadas se autodefiniu como branca e as demais, como negras e mestiças. A maioria era casada ou amasiada; as separadas ou solteiras somaram 31,2% e uma gestante se declarou viúva. Quanto à escolaridade, encontrou-se uma maioria de gestantes com no mínimo Ensino Médio. O nível de renda familiar concentrou-se de 1 a 5 salários-mínimos. A maioria das gestantes estava em situação de emprego inativa. As gestantes "do lar" e "estudantes" foram consideradas em situação ativa de emprego por causa da regularidade com que tais atividades são praticadas (atividades diárias) e somaram com aquelas que trabalham regularmente 40,6% da amostra. Uma gestante se encontrava aposentada e 6,9% delas estavam em licença por motivos de tratamento (Tabela 1).

No que diz respeito às práticas religiosas, a maioria da amostra possuía uma filiação religiosa (Tabela 2) e 60,8% se declararam praticantes da religião de sua crença. As gestantes que se declararam sem religião foram agrupadas na categoria "não praticante". Assim sendo, nessa categoria havia 83 gestantes não praticantes e 19 que se declararam "sem religião", totalizando uma amostra de 102 gestantes na categoria "não praticante".

Conforme descrito nos métodos, adotou-se no AUDIT o ponto de corte > 1 para categorizar o uso alcoólico de risco das gestantes como positivo ou negativo. Além disso, utilizou-se para análise o somatório das questões de 1 a 8 (últimos 12 meses), uma vez que o objetivo era avaliar o uso de álcool durante o período gestacional e as questões 9 e 10 questionam sobre uso na vida (Quadro 1).


No MINI, o transtorno mais prevalente foi a depressão maior atual. A prevalência de risco de suicídio foi de 15,4%. Encontrou-se um percentual de 11,2 para o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada e de 10% de Síndrome Psicótica (vida inteira). É interessante notar que abuso de álcool foi identificado em 6,6% das gestantes, e 6,5% das pesquisadas foram diagnosticadas com Episódio Hipomaníaco. No que diz respeito ao Risco de Suicídio, foi encontrada uma prevalência de 15,4% - 9,2% com risco leve, 0,8% com risco moderado e 5,4% com risco elevado (Tabela 3).

Na tabela 3, pode-se observar a relação entre a quantidade de diagnósticos realizados pelo MINI nas categorias estudadas (Praticante/não praticante). Encontrou-se diferença estatisticamente significativa entre os grupos nos diagnósticos de Episódio Depressivo Maior com características Melancólicas, Episódio Hipomaníaco, Transtorno de Pânico com Agorafobia Atual, Fobia Social Atual e Transtorno do Estresse Pós-traumático. No diagnóstico de Abuso de uma ou mais substâncias psicoativas, houve uma tendência à relevância estatística (p = 0,057); para as demais relações (Episódio Depressivo Maior e Passado, Distimia, Risco de Suicídio, Transtorno de Pânico, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Dependência e abuso de álcool e outras substâncias psicoativas, Síndrome Psicótica a vida inteira, Bulimia e Anorexia Nervosa, Transtorno de Ansiedade Generalizada e Transtorno de Personalidade Antissocial) não foram encontrados resultados estatisticamente significativos.

No AUDIT, conforme mostrado no quadro 1, houve um total de 64 gestantes consideradas em consumo alcoólico de risco - 34 estavam no grupo de não praticantes e 30 se consideram praticantes de sua religiosidade. Assim sendo, não houve diferença estatisticamente significativa entre elas (p = 0,149).

Discussão

O padrão de filiação religiosa encontrado neste estudo foi semelhante ao divulgado pelo IBGE sobre o senso de 200024.

A quantidade segura de álcool que uma gestante pode consumir não está definida na literatura, por isso se recomenda abstinência total durante toda a gravidez23. O uso e o abuso do álcool durante a gestação devem ser motivo de investigações e intervenções, pois o abuso dessa substância está associado à restrição do crescimento e desenvolvimento fetal, a deficiências cognitivas do bebê, ao aumento da morbimortalidade e a outros distúrbios como a síndrome fetal alcoólica (SFA)4, que é uma condição irreversível caracterizada por anomalias craniofaciais, deficiência de crescimento, disfunções do sistema nervoso central e várias malformações associadas. Além disso, o consumo de álcool na gestação está relacionado ao aumento do número de abortos, ao baixo peso do bebê e a fatores comprometedores do parto, como descolamento prematuro de placenta, prematuridade do trabalho de parto, risco de infecções e hipertonia uterina25. A suscetibilidade fetal ao álcool é modulada pela quantidade ingerida, época da exposição, estado nutricional e capacidade de metabolização materna e fetal. Assim, a prevalência encontrada neste trabalho (24,6%) pode ser considerada bastante alta e de risco26. Além disso, segundo o relatório sobre a Saúde no Mundo27apud Galassi28et al., os transtornos relacionados ao abuso de álcool assumem a segunda posição (5,5%) entre as 20 doenças que mais acarretam anos vividos com alguma incapacidade, na faixa etária de 15 a 44 anos.

Os achados neste estudo confirmam os trabalhos realizados por Moreira-Almeida et al.13 e Dalgalarrondo15, que demonstram que os estudos que relacionam religiosidade e saúde mental evidenciam que, de modo geral, sujeitos que se envolvem com a vida e atividades religiosas apresentam maior bem-estar psicológico e menores prevalências de transtornos de humor, transtornos ansiosos, uso, abuso ou dependência de álcool e de substâncias, ideação e comportamentos suicidas. Conforme apresentado na tabela 3, encontrou-se uma relação inversa da prática religiosa com transtornos psiquiátricos. É importante ressaltar que alguns resultados podem não ter alcançado significância estatística em decorrência dos poucos casos do transtorno na amostra, o que enfraquece o poder estatístico de encontrar alteração, caso ela exista.

Diferente do encontrado por Dalgalarrondo15 e Sanches et al.23, não se encontrou neste estudo uma diferença estatisticamente significativa, quando comparados grupos de praticantes com de não praticantes em relação ao AUDIT para uso de risco.

Encontrou-se alta taxa de gestantes diagnosticadas com Síndrome Psicótica - vida inteira (10,00%). Esse resultado pode ter sido em virtude da dificuldade de discernimento quanto aos critérios diagnósticos do MINI para esse transtorno, pois o diagnóstico de tal síndrome é complexo e minucioso.

A porcentagem de gestantes com risco de suicídio (durante a vida) foi bastante alta. Baseado no Manual para médicos e clínicos gerais, preparado pela Organização Mundial da Saúde29, o suicídio é um das três maiores causas de morte na faixa etária de 15 a 35 anos, faixa etária essa que representa a taxa de idade das gestantes pesquisadas, e é mais comum entre indivíduos que possuam algum tipo de desconforto mental como transtornos de humor e transtornos ansiosos, que, por sua vez, são bastante presentes na população deste estudo.

O presente estudo possui limitações metodológicas no que se refere ao critério de definição de praticante ou não praticante de alguma religião por uma simples pergunta. Sabe-se da complexidade que envolve a avaliação da prática religiosa. Autores defendem que mais importante do que qual religião um indivíduo professa são o grau e o tipo de envolvimento dele com sua filiação religiosa30. Nesse aspecto, nosso estudo não contempla totalmente a avaliação de forma mais consistente sobre o conceito de "religiosidade", mas uma avaliação de prática religiosa autodeclarada, limitação essa que pode ter influenciado nos resultados do presente estudo. Sugere-se que em outros estudos tais aspectos sejam considerados.

Ainda assim, as informações apresentadas no artigo são relevantes, tendo em vista que se trata de um estudo original numa área pouco explorada e com poucos dados de pesquisa disponíveis. Os dados sugerem que um número considerável de gestantes apresenta transtornos psiquiátricos e consumo de álcool no período gestacional. É importante considerar a influência de tais desordens sobre a saúde materno-infantil e sua relevância do ponto de vista da prevenção, tanto para a saúde da gestante quanto para complicações no desenvolvimento do bebê. O conhecimento sobre a relação entre práticas religiosas e saúde mental é reconhecido como uma estratégia importante de proteção em saúde, sendo importante o conhecimento desse aspecto em estudos dessa natureza. Cabe dizer que este estudo é um estudo correlacional e não tem por objetivo levantamento populacional. Espera-se que outros estudos que ultrapassem e aprofundem os dados apresentados aqui sejam realizados.

Considerações finais

Na literatura científica não foram encontrados estudos prévios que relacionem uso de álcool, prática religiosa e transtornos psiquiátricos entre gestantes. Os dados deste estudo sugerem que um número considerável de gestantes preencheu positivamente quesitos para transtornos mentais e consumo de álcool no período gestacional, o que pode ocasionar desordens da saúde materno-infantil e dificuldades futuras para o bebê. Cabe ainda ressaltar a importância das relações contidas neste estudo no que concerne à prevenção e promoção de saúde, pois a detecção precoce de perturbações na saúde mental de gestantes pode minimizar as complicações obstétricas e promover melhor qualidade de vida materno-infantil.

Espera-se que outros estudos aprofundem os dados apresentados aqui e mais informações sobre o tema sejam reveladas.

Agradecimentos

Agradecimentos aos profissionais dos serviços de atendimentos às gestantes, pela colaboração e permissão para coleta de dados, à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), pela concessão de bolsas de Iniciação Científica, e ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), pelo financiamento da pesquisa (processo número nº 400360/2006-3).

Recebido: 8/7/2008

Aceito: 8/9/2009

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Jul 2008
    • Aceito
      08 Set 2009
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