Resumos
INTRODUÇÃO: O tratamento cirúrgico para hemorroidas deve ter indicação individual e baseia-se no sintoma predominante (sangramento ou prolapso), na gravidade da doença e na presença ou ausência de componente externo (plicoma). Cabe ao cirurgião conhecer as mais variadas técnicas para que possa encontrar o tratamento mais adequado caso a caso. TÉCNICA: O procedimento THD consiste na ligadura alta seletiva e guiada por Doppler de até seis ramos arteriais submucosos que irrigam as hemorroidas, levando à sua desarterialização, associada à correção do prolapso (reparo anorretal ou lifting). Utiliza equipamento e kit especiais. CONCLUSÃO: A técnica do THD tem mostrado bons resultados iniciais. Por ser técnica cirúrgica em que se respeita a anatomia, ela age diretamente sobre a fisiopatologia da afecção e corrige suas principais consequências, ela parece bastante promissora. Sua aplicação inicial pode ser nos pacientes com doença hemorroidária de II grau, que tenham indicação de tratamento cirúrgico, e de III e IV graus, nestes últimos, podendo ser associada à ressecção de plicomas.
Cirurgia; Hemorroidas; Técnica
INTRODUCTION: Surgical treatment for hemorrhoids should be indicated individually and is based on the predominant symptom (bleeding or prolapse), severity of disease and the presence or absence of external component (plicoma). Surgeons must choose among varied techniques the one suitable for each case. TECHNIC: The THD procedure consists of Doppler guided high ligation, selective to up six submucosal arterial branches that supply the hemorrhoids, leading to its desarterialization associated with prolapse repair (anorectal repair or lifting). It uses special equipment and kit. CONCLUSION: THD technique has shown good initial results. Because surgical technique respects the anatomy, it acts directly on the pathophysiology of the disease and corrects its principal consequences; it looks quite promising. Its initial application may be in patients with hemorrhoids grade II, which have surgical indication, grades III and IV, the latter being associated with resection of plicomas.
Surgery; Hemorrhoids; Technique
TÉCNICA
Desarterialização transanal guiada por doppler associada ao reparo anorretal na doença hemorroidária: a técnica do THD
Transanal desarterialization guided by Doppler associated to anorectal repair in hemorrhoids: THD technic
Carlos Walter Sobrado-Junior; José Américo Bacchi Hora
Disciplina de Coloproctologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos Walter Sobrado Junior, e-mail: cwsobrado@hotmail.com
RESUMO
INTRODUÇÃO: O tratamento cirúrgico para hemorroidas deve ter indicação individual e baseia-se no sintoma predominante (sangramento ou prolapso), na gravidade da doença e na presença ou ausência de componente externo (plicoma). Cabe ao cirurgião conhecer as mais variadas técnicas para que possa encontrar o tratamento mais adequado caso a caso.
TÉCNICA: O procedimento THD consiste na ligadura alta seletiva e guiada por Doppler de até seis ramos arteriais submucosos que irrigam as hemorroidas, levando à sua desarterialização, associada à correção do prolapso (reparo anorretal ou lifting). Utiliza equipamento e kit especiais.
CONCLUSÃO: A técnica do THD tem mostrado bons resultados iniciais. Por ser técnica cirúrgica em que se respeita a anatomia, ela age diretamente sobre a fisiopatologia da afecção e corrige suas principais consequências, ela parece bastante promissora. Sua aplicação inicial pode ser nos pacientes com doença hemorroidária de II grau, que tenham indicação de tratamento cirúrgico, e de III e IV graus, nestes últimos, podendo ser associada à ressecção de plicomas.
Descritores: Cirurgia. Hemorroidas. Técnica.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Surgical treatment for hemorrhoids should be indicated individually and is based on the predominant symptom (bleeding or prolapse), severity of disease and the presence or absence of external component (plicoma). Surgeons must choose among varied techniques the one suitable for each case.
TECHNIC: The THD procedure consists of Doppler guided high ligation, selective to up six submucosal arterial branches that supply the hemorrhoids, leading to its desarterialization associated with prolapse repair (anorectal repair or lifting). It uses special equipment and kit.
CONCLUSION: THD technique has shown good initial results. Because surgical technique respects the anatomy, it acts directly on the pathophysiology of the disease and corrects its principal consequences; it looks quite promising. Its initial application may be in patients with hemorrhoids grade II, which have surgical indication, grades III and IV, the latter being associated with resection of plicomas.
Headings: Surgery. Hemorrhoids. Technique
INTRODUÇÃO
A busca pelo tratamento cirúrgico ideal da doença hemorroidária remonta a tempos históricos, atualmente sendo necessário em apenas 10-20% dos pacientes sintomáticos3. No último século, muitas técnicas foram desenvolvidas, mas poucas se firmaram como as propostas por Milligan-Morgan21, Parks24 e Ferguson8, que ainda podem ser consideradas o padrão-ouro no tratamento operatório desta afecção. Com o intuito de simplificar o processo terapêutico, também desenvolveram-se modalidades de tratamento ambulatorial, como a escleroterapia12, a ligadura elástica2, a crioterapia 19e a fotocoagulação23. Chegando à era da cirurgia minimamente invasiva, foram criados os métodos de anopexia mecânica20 e, mais recentemente, a desarterialização hemorroidária guiada por Doppler, ou THD (Transanal hemorrhoidal dearterialization) objeto deste texto. A terapêutica a ser instituída individualmente se baseia no sintoma predominante (sangramento ou prolapso), na gravidade da doença e na presença ou ausência de componente externo (plicoma). Cabe ao proctologista experiente conhecer as mais variadas técnicas para que possa encontrar o tratamento mais adequado caso a caso.
Bases anatomofisiológicas da técnica
O comprimento do canal anal varia de 2,5 a 4 cm acima da borda anal. Inferiormente ele se limita com a pele perianal, área altamente inervada e sensível. Tem seu revestimento epitelial dividido pela linha denteada ou linha pectínea em duas áreas: a cranial, menos sensível à dor, com inervação visceral, e a caudal, mais sensível. O suprimento sanguíneo para o reto e o canal anal é fornecido por três artérias: a artéria retal superior, ramo da artéria mesentérica inferior; artéria retal média, ramo da artéria ilíaca interna; e artéria retal inferior, ramo da artéria pudenda interna. O plexo hemorroidário interno, também chamado de corpo cavernoso do reto, aparece histologicamente como uma rede cavernosa venosa, com shunts arteriovenosos, cercados por tecido conjuntivo, dentro ou abaixo da mucosa retal. Este plexo recebe seu suprimento sanguíneo exclusivamente dos ramos terminais da artéria retal superior.
Segundo Aigner1, em indivíduos saudáveis, o diâmetro médio dos ramos terminais da artéria retal superior é 0,92 mm, com fluxo médio de 11,9 cm/sec e em pacientes portadores da doença hemorroidária, tanto o diâmetro, quanto o fluxo aumentam, sendo o diâmetro médio de 1,87 mm, com fluxo médio de 33,9 cm/sec. Estudos recentes28, com ultrassonografia Doppler endoanal (360°- rotating ultrasonographic endoprobe) demonstraram que na circunferência da parede do reto distal, até 6 cm acima da margem anal, são geralmente identificados seis ramos arteriais localizados nas posições de 1, 3, 5, 7, 9 e 11 horas, em portadores ou não de doença hemorroidária. Neste mesmo estudo demonstraram que, nos pacientes portadores de doença hemorroidária, existe aumento da velocidade do fluxo sanguíneo arterial e diminuição na resistência venosa.
Na teoria do hiperfluxo arterial, o sangue arterial vai para os plexos hemorroidários com maior velocidade levando à congestão e lesão venosa, o que determina estase, edema e prolapso dos mamilos hemorroidários. A hipertensão nos coxins hemorroidários pelo hiperfluxo, contribui também para a degeneração do tecido conectivo. O aumento da sobrecarga durante a defecação piora ainda mais a drenagem venosa e a hipertensão nos coxins. Todo este estresse no tecido conectivo leva, com o tempo, à sua degeneração e ao aparecimento dos sintomas de prolapso, sangramento, desconforto, ardência, mucorréia, dor e prurido.
Evolução histórica
O tratamento por desarterialização hemorroidária guiada por Doppler para a doença hemorroidária - HAL (apenas desarterialização) foi inicialmente descrito no Japão em 1995, por Morinaga et al.22, que relataram bons resultados nos 116 pacientes avaliados, quanto à dor, sangramento e prolapso, após um mês de acompanhamento. Um grupo norteamericano em 2001, após operações em 60 pacientes, concluiu que o procedimento já poderia ser opção à hemorroidectomia, na maioria dos casos32. Desde então, tanto a técnica de desarterialização - HAL, com a introdução posterior do reparo (lifting) anorretal, quanto os equipamentos vêm sendo aperfeiçoados. Dados colhidos de séries de casos cada vez mais longas e com maior seguimento têm sido publicadas, principalmente de serviços na Europa6. Atualmente a técnica THD (desarterialização associada à hemorroidopexia) têm sido indicada para doença hemorroidária de 2º grau refratária, de 3º grau e casos selecionados de 4º grau.
TÉCNICA
O procedimento consiste na ligadura alta seletiva e guiada por Doppler de até seis ramos arteriais submucosos que irrigam as hemorroidas, levando à sua desarterialização, associada à correção do prolapso (reparo anorretal ou lifting).
Foi desenvolvido um anuscópio especial acoplado, na parte lateral de sua ponta, a um sensor Doppler, o que permite escutar o som do pulso arterial na submucosa, localizando a artéria. Faz-se toque digital suave com gel anestésico ou lubrificante, em seguida introduz-se o anuscópio. Identificam-se, por meio do som emitido, os ramos arteriais com grande precisão e faz-se sua ligadura com fio absorvível 00 (acido poliglicólico) à aproximadamente 6 cm acima da linha pectínea, com um ponto realizado através de uma janela lateral no instrumento. Esta desarterialização inicial já reduz o ingurgitamento do tecido hemorroidário, facilitando sua redução, suspensão e fixação (Figura 1).
Posteriormente, realiza-se um chuleio contínuo simples com o mesmo fio em direção craniocaudal até local cerca de 1,0 cm acima da linha pectínea, que, depois de amarrado ao ponto inicial, levará à pexia da mucosa e do tecido hemorroidário prolapsados, que retornam à sua posição anatômica. Nesta fase, deve-se evitar pontos profundos que envolvam o esfíncter anal, pois dificultam o lifting do tecido prolapsado, e também pontos ao nível da linha pectínea, que aumentam a dor no pós-operatório. Este procedimento deve ser realizado nos seis ramos arteriais, localizados nas posições 1, 3, 5, 7, 9,11 horas. Finalmente, revisa-se a hemostasia e faz-se um curativo com a introdução de um hemostático que faz parte do kit THD (Figuras 2 e 3).
Assim, soma-se à interrupção do fluxo arterial, a pexia mucosa e hemorroidária, direcionando o tratamento à resolução dos dois principais sintomas da doença hemorroidária: o sangramento e o prolapso. Pelo fato de não haver ressecção tecidual e por todo o procedimento se dar acima da linha pectínea, espera-se redução da dor pós-operatória, em relação aos procedimentos de hemorroidectomia. Antibióticos utilizam-se de rotina como profilaxia (Figuras 4 e 5).
Fibras comerciais (plantago ovata, psillium, metilcelulose) são prescritas de rotina, assim como analgésicos (dipirona) e anti-inflamatórios (cetoprofeno). Todos os pacientes são examinados semanalmente por quatro semanas, quando são questionados com relação à dor, frequência evacuatória, aspecto das fezes, sangramento, satisfação com o procedimento e retorno ao trabalho.
DISCUSSÃO
Em 2009, em revisão de 1996 casos publicados na literatura, foi concluído que o tratamento é seguro para as hemorroidas graus II e III, e que são necessários mais estudos acerca de sua eficácia nos casos mais avançados e em longo prazo . Já em 2011, um grupo francês, em estudo não controlado com 100 pacientes com hemorroidas grau IV, obteve bons resultados com acompanhamento médio de 34 meses . No mesmo ano, Ratto et al.29 publicaram os resultados do procedimento em 35 pacientes consecutivos com doença hemorroidária mais avançada, obtendo dados semelhantes, o que leva a crer que a técnica tem potencial de emprego para a maioria dos casos com indicação cirúrgica28,28,30,33. Desde então, experiências iniciais realizadas em vários países5,13,25,27,34 já foram publicadas, com bons resultados, seja para o procedimento isolado ou associado à outras técnicas. Em nosso meio vem ganhando adeptos nos últimos anos, já tendo sido realizadas apresentações em congressos e publicações acerca desta experiência inicial16,31, que demonstram bons resultados e baixo índice de complicações em dois anos de acompanhamento.
Foram encontradas seis publicações de estudos comparativos utilizando a desarterialização hemorroidária. Quatro deles comparavam-na à anopexia mecânica, mostrando resultados semelhantes em médio prazo, com um estudo observando menor incidência de complicações precoces e mais rápido retorno ao trabalho para os grupos da desarterialização10, e dois, discreta diminuição da dor no pós-operatório precoce9,17. Um grupo chinês foi francamente favorável, quanto às complicações precoces e à dor no pós-operatório, ao grupo de desarterialização26. Em trabalho comparativo com a hemorroidectomia fechada e com esta técnica, mostrou-se menos dor nesta última e recuperação mais precoce, sendo semelhantes os resultados em um ano4. Estudo indiano não encontrou diferenças entre a desarterialização guiada por Doppler e a simples ligadura cirúrgica das hemorroidas em até um ano de seguimento14. Já estudo egípcio, demonstrou que a hemorroidectomia é superior ao PPH e à desarterialização nos casos avançados em que há plicomas anais, e semelhante nos demais15.
CONCLUSÕES
A técnica do THD tem mostrado bons resultados iniciais. Por ser técnica cirúrgica em que se respeita a anatomia, se age diretamente sobre a fisiopatologia da afecção e se corrige suas principais consequências, ela parece bastante promissora. Sua aplicação inicial pode ser nos pacientes com doença hemorroidária de II grau, que tenham indicação de tratamento cirúrgico, e de III e IV graus, nestes últimos, podendo ser associada à ressecção de plicomas.
Recebido para publicação: 25/06/2012
Aceito para publicação: 13/08/2012
Fonte de financiamento: não há
Conflito de interesses: não há
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Fev 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012
Histórico
-
Recebido
25 Jun 2012 -
Aceito
13 Ago 2012