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Engajamento subjetivo e organização flexível do trabalho: o caso dos trabalhadores da indústria do alumínio primário paraense

Resumos

As empresas têm se aproveitado do ambiente de insegurança e de instabilidade que a lógica da flexibilização - a qual elas seguem - instaura no mundo do trabalho, para se apresentarem como "pontos de referência" nos quais os indivíduos que se "engajam" podem contar. Esta situação tende a criar certo alinhamento entre o ideário da empresa e a percepção dos trabalhadores. O objetivo deste artigo é esclarecer como essa situação é produzida. A pesquisa que lhe deu origem foi realizada entre os meses de fevereiro de 2007 e junho de 2009. A obtenção dos dados se deu por meio de entrevistas semiestruturadas com 30 trabalhadores ligados às áreas operacionais e dois dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de Barcarena. Outras fontes utilizadas foram os relatórios da administração e os informativos internos da empresa de 2003 a 2008. As mudanças organizacionais deflagradas pelo sistema Total Quality Control (TQC), no início dos anos 1990, introduziu um conjunto de práticas gerenciais que exercem forte influência sobre a subjetividade do trabalhador devido à implantação de um ideário organizacional que se estende para além do ambiente de trabalho. Este quadro atua no sentido de promover o "engajamento subjetivo" dos trabalhadores à organização flexível do trabalho.

trabalho e subjetividade; flexibilização produtiva; mudanças organizacionais; indústria do alumínio primário; Albras S.A


The Companies have taken advantage of the environment of insecurity and instability that the logic of relaxation-which they follow-introduces the world of work, to present them as "reference point" in which individuals who "engage" can count on. This situation tends to create some alignment between the ideals of the company and the worker's perception. The main objective of this paper is to clarify how this situation has been produced. The research that gave rise to it was held between the months of February 2007 and June 2009. The obtaining of data came through semi-structured interviews with 30 employees connected the operational areas and two leaders of the Metallurgical Trade Union of Barcarena. Other sources used were the reports of the directors and the company's internal communications from 2003 to 2008. The organizational changes triggered by the Total Quality Control System in the early 1990 introduced a set of management practices which have exerted a strong influence on the worker's subjectivity due to implementation of an organizational ideology that extends itself beyond the working environment. This framework has served to promote worker's 'subjective engagement' to flexible working

work and subjectivity; flexible production; organizational changes; primary aluminum industry


ARTIGOS

Professor do Instituto de Sociologia e Política e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pelotas. Últimas Publicações: O "ativismo social empresarial" e o seu viés antidissensual. Caderno CRH, v. 22, n. 56. Salvador, 2009, p. 325-343. A naturalização da identidade social precarizada na indústria do alumínio primário paraense. Sociologias, v. 12, n. 23. Porto Alegre, 2010, p. 268-303. O empreendedor de si mesmo e a flexibilização no mundo do trabalho. Revista de Sociologia e Política, v. 19, n. 38. Curitiba, 2011, p. 121-140. <barbosaattila@hotmail.com>

RESUMO

As empresas têm se aproveitado do ambiente de insegurança e de instabilidade que a lógica da flexibilização - a qual elas seguem - instaura no mundo do trabalho, para se apresentarem como "pontos de referência" nos quais os indivíduos que se "engajam" podem contar. Esta situação tende a criar certo alinhamento entre o ideário da empresa e a percepção dos trabalhadores. O objetivo deste artigo é esclarecer como essa situação é produzida. A pesquisa que lhe deu origem foi realizada entre os meses de fevereiro de 2007 e junho de 2009. A obtenção dos dados se deu por meio de entrevistas semiestruturadas com 30 trabalhadores ligados às áreas operacionais e dois dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de Barcarena. Outras fontes utilizadas foram os relatórios da administração e os informativos internos da empresa de 2003 a 2008. As mudanças organizacionais deflagradas pelo sistema Total Quality Control (TQC), no início dos anos 1990, introduziu um conjunto de práticas gerenciais que exercem forte influência sobre a subjetividade do trabalhador devido à implantação de um ideário organizacional que se estende para além do ambiente de trabalho. Este quadro atua no sentido de promover o "engajamento subjetivo" dos trabalhadores à organização flexível do trabalho.

Palavras-chave: trabalho e subjetividade; flexibilização produtiva; mudanças organizacionais; indústria do alumínio primário; Albras S.A.

ABSTRACT

The Companies have taken advantage of the environment of insecurity and instability that the logic of relaxation-which they follow-introduces the world of work, to present them as "reference point" in which individuals who "engage" can count on. This situation tends to create some alignment between the ideals of the company and the worker's perception. The main objective of this paper is to clarify how this situation has been produced. The research that gave rise to it was held between the months of February 2007 and June 2009. The obtaining of data came through semi-structured interviews with 30 employees connected the operational areas and two leaders of the Metallurgical Trade Union of Barcarena. Other sources used were the reports of the directors and the company's internal communications from 2003 to 2008. The organizational changes triggered by the Total Quality Control System in the early 1990 introduced a set of management practices which have exerted a strong influence on the worker's subjectivity due to implementation of an organizational ideology that extends itself beyond the working environment. This framework has served to promote worker's 'subjective engagement' to flexible working

Keywords: work and subjectivity; flexible production; organizational changes; primary aluminum industry; Albras S.A.

Introdução

Nas últimas três décadas, testemunhamos a formação de um paradigma de emprego caracterizado pela flexibilização e/ou a precarização das garantias sociais vinculadas à condição de assalariamento. A persistência desta situação promove o esvaziamento do sentido de utilidade social do trabalho e, por conseguinte, atua como fator corrosivo dos princípios reguladores e fundadores da coesão social que dele decorrem, disseminando um sentimento de vulnerabilidade no âmbito de toda a sociedade. Em outras palavras, atua como princípio de desmoralização, de invalidação social, como elemento que dissolve os laços sociais e mina as estruturas psíquicas dos indivíduos.

Diante disto, de modo paradoxal, empresas como a Albras S.A. - caso aqui analisado - aproveitam-se do ambiente de insegurança e de instabilidade que o receituário da flexibilização produtiva e das relações de trabalho instaura, para se apresentarem como "portos seguros" nos quais os indivíduos que se "engajam" podem contar, obviamente que durante o tempo de duração do vínculo entre empregado e empregador.

A adoção e o aperfeiçoamento de técnicas de gestão que demandam um maior envolvimento dos trabalhadores fazem parte de uma estratégia de poder composta por um conjunto de práticas e discursos que objetivam promover o envolvimento dos trabalhadores mais no nível da adesão do que da coerção.

O objetivo deste artigo é esclarecer como esta situação é produzida. Para tal, analisarei as mudanças organizacionais ocorridas na fábrica da Albras S.A. como inscritas em um regime de dominação no qual a noção de empresa torna-se uma referência insidiosamente instilada na produção da subjetividade de um novo indivíduo-trabalhador. Assim, pretendo demonstrar como novos processos de subjetivação e novas formas de controle são produzidos e exercidos no mundo do trabalho por um tipo de estratégia de poder que evoca o que o sociólogo francês Phillipe Zarifian, na trilha analítica deixada por Foucault e Deleuze, denomina de "engajamento subjetivo".

A pesquisa na qual este trabalho se fundamenta foi realizada entre os meses de fevereiro de 2007 e junho de 2009. A obtenção dos dados se deu por meio de entrevistas semiestruturadas com 30 trabalhadores ligados as áreas operacionais e dois dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de Barcarena (Simeb). Outras fontes utilizadas foram os relatórios da administração e os informativos internos da empresa de 2003 a 2008.

Mudanças organizacionais e a produção de um "novo" indivíduo-trabalhador

A Alumínio Brasileiro S.A. (Albras) é a maior empresa brasileira produtora de alumínio primário, localizada no município de Barcarena, estado do Pará. Formalmente constituída em 1978, por meio de uma associação entre a estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)1 1 . Em maio de 1997, a Companhia Vale do Rio do Doce (CVRD) foi privatizada. Em novembro do mesmo ano, ela passou a chamar-se apenas Vale, nome pelo qual o grupo já era conhecido no mercado. O novo logotipo substitui as iniciais CVRD e ganhou as cores verde e amarela para reforçar a ligação da multinacional com o Brasil. e a consórcio Nippon Amazon Aluminium Co. Ltd. (Naac),2 2 . Consórcio de 17 empresas japonesas, entre trading companies, bancos, consumidoras e produtoras de alumínio, e o Japan Bank for Internacional Cooperation. com a finalidade de industrializar e comercializar lingotes de alumínio visando atender principalmente ao mercado japonês.

Em 1985, quando do início de suas atividades, a fábrica possuía capacidade de produção nominal de 160 mil toneladas de lingotes de alumínio por ano. Em 1991, com a partida da segunda fase, atingiu 320 mil toneladas/ano. Em outubro de 1993, devido a melhorias tecnológicas concluídas no processo de produção, atingiu 345 mil toneladas/ano. Em 2001, devido a outra expansão, 406 mil toneladas/ano; em 2002, 407.726 toneladas/ano; em 2006, 455.561 toneladas/ano. Esses dois últimos números alcançados com médias anuais de 1.307 e 1.271 empregados diretos no final dos respectivos anos, números bem inferiores aos 2.356 do início dos anos 1990.

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a fábrica adotou o seguinte receituário de reestruturação produtiva: flexibilização do processo produtivo; reorganização dos postos de trabalho via focalização nas atividades centrais e terceirização das demais atividades; bem como aplicação de métodos de organização do trabalho capazes de incorporar a incerteza e os novos padrões de temporalidade como dados que permitem obter constantes melhorias no processo produtivo e na qualidade do produto.

A implantação formal desse receituário ocorreu em 1989 com o sistema Total Quality Control (TQC), em sua modalidade TQShow. O objetivo era dinamizar as relações de trabalho, visando promover um maior envolvimento dos operadores e repassar para terceiros uma série de atividades. A diretriz foi a descentralização das atividades, liberando a empresa para atividades prioritárias (Castro, 1998). Aqui, temos um exemplo da tese de Druck (1999) sobre a terceirização ser um processo adjacente ao programa de qualidade total, visto que responde pela redução de custos e pelo reordenamento das tarefas.

No caso das indústrias de alumínio primário, por serem indústrias de processo contínuo, a terceirização diferencia-se das indústrias de série devido a não existência em suas cadeias produtivas da mesma possibilidade de adaptabilidade e flexibilização de processos e produtos. Por isso é dada uma maior atenção às funções de controle, comando e correção de processos. Nestas, a flexibilização da produção basicamente consiste em controle de qualidade, adoção de novos modelos de gestão da produção e flexibilização das relações de trabalho via terceirização (Castro, 1998).

Segundo Carmo (2000: 98), é preciso "periodicizar a história da implantação do TQC na Albras, observando como foram desenvolvidas e transformadas as relações nesse período". Desse modo, ele identificou três momentos:

1º momento: CCQ (1986-1988) - fase inicial;

2º momento: TQShow (1989-1992) - insegurança e superficialidade de um modismo;

3º momento: TQC no estilo japonês (1993-...).

No primeiro momento, as tentativas de mudança ocorreram por meio da introdução de programas organizacionais ou de motivação apenas nas áreas de administração e controle. De início, os resultados obtidos foram bastante heterogêneos e o caráter autoritário das práticas gerenciais se interpôs como forte obstáculo.

As respostas a essa política foram rápidas e também restritas, dando margem a várias interpretações, porém com um consenso: a insuficiência da nova forma de gestão em função do caráter autoritário das relações de trabalho protagonizadas pelos supervisores, hoje gerentes operacionais. Essa limitação impede a implantação do CCQ, pois o mesmo tem como base o espírito participativo, impulsionador de atitudes voltadas para o incremento empresarial (Carmo, 2000: 98).

Nesse período, a empresa não possuía um perfil gerencial definido. Essa situação ocorria devido à adoção de vários estilos administrativos incorporados a partir da presença em seus quadros gerenciais de engenheiros provenientes dos projetos Jari, Mineração Rio do Norte, Carajás e Trombetas. A ausência de uma metodologia comum na organização do trabalho abria espaço para aplicação das mais variadas experiências. Ante esse quadro, a empresa viu no TQC a possibilidade não apenas de implantação de uma ferramenta de gestão, mas de uma diretriz gerencial. Nessa fase inicial, tentou-se replicar o que ocorria na CVRD em Carajás, mas, como observa Carmo (2000), para os operadores esse processo deveria ter sido desencadeado pela implantação do 5S.3 3 . Método de organização do espaço de trabalho, cujo objetivo é evitar a perda de tempo na procura de objetos e ferramentas. Seiri: senso de utilização/organização/classificação/descarte. Seiton: senso de ordenação/arrumação/sistematização; Seis ō: senso de limpeza/inspeção/zelo; Seiketsu: senso de padronização/ambientação/higiene/saúde; Shitsuke: senso de autodisciplina. Outro fator destacado foi o sentido mecânico conferido ao processo, em virtude de o enfoque dado pelos gerentes, em sua maioria engenheiros, ter sido nos objetivos de reprodução do capital e não nos operadores.

No segundo momento, ocorrido entre 1989 e 1992, em decorrência do fracasso de experiências isoladas do CCQ em alguns setores, a empresa atentou para a necessidade de retomada da discussão sobre a promoção de mudanças que imprimissem uma diretriz para todos os setores da fábrica. O objetivo era adequar as atividades aos princípios modernizadores exigidos pelo novo modelo. Alguns gerentes relataram que nesse período não havia um modelo de gerenciamento que expressasse a identidade da empresa. Esse momento teve início após a consultoria realizada por Vicente Falconi Campos,4 4 . Orientador técnico do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), consultor de grandes grupos empresariais e único brasileiro escolhido como uma das "21 vozes do século XXI" pela American Society for Quality (ASQ), organização considerada a mais importante do mundo sobre o tema da Qualidade Total. que propôs a implantação do TQC para todas as áreas da empresa. Para tal, estabeleceu-se a dinâmica do TQShow,

[...] um programa de qualidade executado por uma administração que atua todo o tempo fazendo marketing dos resultados dos trabalhos, divulgando atividades, mostrando gráficos de modernização e avanços, outdoors, fazendo propaganda do setor etc. A qualidade serve como autopromoção, status, sem fundamentação, segundo os princípios recomendados (Carmo, 2000: 101).

Em 1992, com a implantação do TQC, a empresa reduziu o seu quadro funcional em 150 funcionários com base em um relatório de consultoria que avaliou todos os postos de trabalho a fim de detectar os que poderiam ser eliminados. A partir daí emergiram novas tensões entre os trabalhadores e a empresa, pois ficou clara a relação entre o TQC e as demissões. Como consequência, deu-se vazão a um entendimento de que não praticá-lo era sinônimo de não ocorrência de demissões. Se para a alta administração o TQC representava a implantação de um programa de excelência empresarial, para os trabalhadores representava insatisfação gerada pelas ameaças de demissão.

Nesse período, ocorreram apresentações de trabalhos de difusão do TQC na forma de seminários e palestras em todas as áreas da empresa. Para o corpo gerencial isto pouco acrescentava na prática, além do que instigava disputas políticas e alimentava aparências. Para os operadores representava a intensificação da carga de trabalho e da cobrança da chefia.

No terceiro momento, iniciado em 1993, já com o Gerenciamento pela Qualidade Total, testemunhou-se uma maior consistência do programa, pois a dinâmica das ações assumiu um caráter mais planejado e sistematizado. Alguns acontecimentos foram cruciais para a consolidação do TQC: Programa Intenso de Treinamento, Plano de Implantação do TQC, implantação do 5S, prática de falha e PDCA.5 5 . Em inglês Plan Do Check Action (PDCA), método baseado no controle de processos desenvolvido na década de 1930 pelo americano Walter A. Shewhart (1891-1967), mas que ficou mundialmente conhecido após William E. Deming (1900-1993) aplicar os conceitos de qualidade no Japão. O PDCA consiste na análise e na medição dos processos para sua manutenção e melhoria. Apesar de várias ações de ensaio e erro, no decorrer dos anos 1990, o programa foi estendido a toda empresa e ganhou força.

Na década de 1990, autores como Leite (1994), Mattoso (1995) e Ruas (1994), ao analisarem os diferentes processos de adaptação empresarial às então novas exigências de competitividade ocorridos no Brasil, defendiam que estes assumiam um caráter de modernização conservadora, pois, na maioria dos casos, não correspondiam a mudanças efetivas nas relações de trabalho. Um dos principais argumentos defendidos por eles era o de que as experiências de aplicação de sistemas e técnicas inspirados nos modelos japoneses de organização flexível ocorreram sujeitando-se aos condicionamentos locais de cada região.

No caso da Albras, é preciso considerar que os condicionamentos locais da microrregião de Barcarena decorreram das seguintes características:

1.ª inexistência de experiência industrial;

2.ª falta de mão de obra qualificada; e

3.ª ausência de tradição sindical.

Esse quadro conferiu à empresa um poder considerável no âmbito local.

Entretanto, passados mais de 20 anos da introdução do sistema TQC, apesar das resistências impostas nos anos 1990, é possível perceber mudanças efetivas no que diz respeito a uma maior participação dos trabalhadores na organização das tarefas. Esta situação nos obriga a relativizar o caráter de modernização conservadora do atual modelo de gestão do trabalho da empresa, o que não significa dizer que, nos períodos de introdução e disseminação do TQC, esse tipo de modernização não tenha ocorrido.

A implantação do receituário do TQC em todas as áreas da empresa decorreu de um jogo de poder em que a correlação de forças entre os envolvidos era estruturalmente desigual. Contudo, atuou no sentido de reproduzir junto aos trabalhadores os discursos do desenvolvimento pessoal e da empregabilidade, isto é, como um conjunto de práticas e discursos que objetivavam a "formação" de um "novo sujeito". Dito de outro modo, reforçava um processo de subjetivação deflagrado via implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação, identificado por Deleuze (1992) como regime de empresa.

Neste sentido, a produção de um novo indivíduo-trabalhador é suscitada a partir dos chamados à polivalência, à flexibilidade, ao engajamento, à proatividade, isto é, ao desenvolvimento contínuo de habilidades e competências impostas pelas empresas. O trabalhador exemplar passa a ser aquele capaz de transformar-se em uma espécie de "empreendedor de si mesmo", capaz de autogerir-se não apenas na realização de metas e demonstração de resultados, mas fundamentalmente no ajustar-se às constantes mudanças organizacionais. O modelo de Gerenciamento pela Qualidade Total introduzido na Albras, como veremos nas seções a seguir, desde o início estabeleceu esse objetivo inaudito.

O regime de dominação de empresa

Enriquez (1997) ressalta que a negação da possibilidade de morte ou de envelhecimento é da natureza das organizações. Os discursos que produzem sobre si mesmas negam a possibilidade de fracasso. Todavia, por mais inebriantes que sejam não fazem desaparecer os fracassos ocorridos diariamente, sejam estes ocasionadores ou não de colapsos organizacionais. Qualquer dirigente empresarial sabe disso, porém a solidez e a longevidade de uma empresa dependem da capacidade de renovar-se continuamente.

Segundo Freitas (2006), essa situação caracteriza a busca pelo "lugar da juventude eterna", assim, a inovação é apresentada como tábua de salvação das empresas e todos os métodos de mobilização das energias internas e externas parecem estar sempre a caminho da obsolescência. Novas teorias administrativas são constantemente produzidas a fim de apresentarem uma solução que, a despeito de poder ser apenas mais um modismo, possa servir como resposta definitiva que tudo engloba, mesmo que temporariamente. Qualquer modismo gerencial somente dura um pouco mais porque passa por reformulações.

Aqui, a noção de flexibilidade significa a busca pelo rejuvenescimento permanente que possibilita às empresas manterem-se em sintonia com as tendências de gestão consideradas como válidas no momento. Assim, as técnicas de gestão implantadas,

[...] matam o tempo histórico, visto que se constituem como um presente perpétuo. Mas esse presente não consagra os mesmos valores, quer dizer, o que valia ontem não vale hoje e menos ainda amanhã. O herói de hoje, se não se atualizar, já não serve mais para amanhã. Mas a essência é mantida, ou seja, no amanhã também existirão valores e heróis a encarná-los (Freitas, 2006: 65).

No caso da Albras, o 5S foi crucial na constituição desse presente perpétuo, isto é, na reelaboração contínua da "cultura organizacional" da empresa e, por conseguinte, do perfil de trabalhador exigido. Nas palavras de Gomes e Castro, o objetivo é o estabelecimento de

[...] certo padrão de comportamento, forjando uma cultura do trabalho baseada nos interesses da empresa, o que fragiliza a força política dos trabalhadores em geral [...]. Essa cultura do trabalho tem invadido os modos de vida do trabalhador. Extrapolando, inclusive, o âmbito da fábrica, impõe uma nova relação de trabalho e, portanto, novas relações de força, marcadas por um "consenso" que implica a passivização do trabalhador (2004: 141).

Aos olhos das empresas, o 5S funciona como meio deflagrador de programas de qualidade total devido à rapidez e à visibilidade dos resultados que normalmente produz. Isto porque, quando assimilado pelos trabalhadores, gera um forte impacto motivacional. Mais do que voltar-se para a melhoria da aparência e da funcionalidade do local do trabalho, o 5S transcende o mero viés material que aparentemente propõe-se a alcançar. A finalidade almejada é bem mais ambiciosa: promover mudanças de atitudes e comportamentos.

O uso contínuo do 5S tende a estimular no trabalhador uma disposição mental para a busca de resultados que muitas vezes só são visíveis a médio e longo prazos. Assim, quando internalizado, ele não apenas produz mudanças no ambiente físico de trabalho, mas também na minimização das tensões entre a empresa e os operadores, haja vista que estes passam a perceberem-se como partícipes do processo de aperfeiçoamento das condições de trabalho. Quanto mais visíveis se tornam os resultados, mais essa cultura do trabalho se fortalece e maior legitimidade adquire o discurso da busca pela qualidade total.

O sistema TQC foi incorporado ao cotidiano da fábrica no decorrer dos anos 1990. O ponto alto foi em 1996, com a expansão do programa Círculo de Controle de Qualidade (CCQ) para toda a empresa. Segundo informações obtidas na XI Expo CCQ da Albras, realizada em outubro de 2008, doze anos após a implantação em todas as áreas da planta industrial, os números alcançados foram de 142 círculos e 960 trabalhadores (circulistas) inscritos, um percentual de adesão superior a 98% dos trabalhadores da área operacional. Nesse período, mais de 3.895 trabalhos foram desenvolvidos.

Os números obtidos são significativos, pois no Brasil, de um modo geral, as experiências do CCQ não foram muito bem sucedidas até antes dos anos 1990, visto que sofreram forte resistência do movimento sindical basicamente por quatro fatores:

a. a dimensão mitigadora do conflito capital-trabalho presente no discurso de chamada ao envolvimento e à participação dos trabalhadores nos negócios da empresa;

b. o aumento da carga de trabalho produzido pelos maiores níveis de responsabilização do trabalhador no processo de trabalho;

c. a intensificação dos processos demissionais produzidos pelo enxugamento do quadro de funcionários possibilitado pelos resultados gerados pelos CCQs; e

d. a intensificação do processo de terceirização e a consequente redução do número de empregos com acesso a uma rede de proteção social mínima.

Na busca por tornar-se uma "empresa enxuta", a Albras aliou a intensificação das responsabilidades dos seus empregados efetivos no processo produtivo ao uso de novas tecnologias produtivas e à ampliação do uso de mão de obra terceirizada.6 6 . Segundo dados do "Relatório de Gestão Albras" de 2005, o número de terceirizados era de 500 trabalhadores. Número esse que corresponde às estimativas feitas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Barcarena. Para tal, o sistema TQC foi fundamental para o "enxugamento" do quadro de trabalhadores da empresa, pois a redução de custos desde o início foi o princípio norteador. Aqui, é preciso lembrar que, nas indústrias produtoras de alumínio primário, por se tratarem de indústrias de processo contínuo, o uso da terceirização se diferencia das indústrias de série por não existir em suas cadeias produtivas a mesma possibilidade de adaptabilidade e flexibilização de processos e produtos. Por isso, é dada uma maior atenção às funções de controle, comando e correção de processos. A flexibilização produtiva neste tipo de indústria , como já foi observado, basicamente consiste em controle de qualidade e na adoção de modelos de gestão da produção e de flexibilização de relações de trabalho via terceirização e não na variabilidade da demanda (Castro, 1998).

A gestão do trabalho da empresa objetiva reduzir ao máximo os tempos mortos de trabalho pela via da chamada à participação dos trabalhadores no planejamento das tarefas, até mesmo no que concerne à avaliação do corpo gerencial. Não podemos esquecer que na organização flexível do trabalho de inspiração japonesa,

[...] a ideia de participação e corresponsabilização do trabalhador representou a quebra do ideário taylorista, que, embora valorizasse o envolvimento do trabalhador, limitava sua participação efetiva por meio de hierarquias rígidas e controle de tempos e movimentos que retiravam deste qualquer possibilidade de intervir no processo produtivo. O toyotismo, ao contrário, parte do reconhecimento de que o trabalhador é quem mais tem condições de intervir no sentido de eliminação de tempos mortos com ideias sobre como melhorar a organização da produção, evitando o retrabalho, incrementando a qualidade e a produtividade (Lima, 2007: 44).

Em uma combinação de estratégias gerenciais e discursivas que demandam maior participação, envolvimento e responsabilização por parte dos operadores, temos na disseminação do slogan da empresa "quem vive a situação, sabe a melhor solução", um indicativo da forte ofensiva desse sistema de gestão sobre a subjetividade dos trabalhadores.

Entretanto, se, por um lado, eliminou-se parte do trabalho braçal, por outro, intensificou-se o trabalho mental. Um operador da área de redução relatou que com as mudanças tecnológicas e organizacionais o número de operadores em sua turma diminuiu de 42 para 14:

A gente pensou que ia ter que trabalhar mais, e até trabalhou. Hoje, nem tanto, pois os novos equipamentos e os procedimentos que foram modificados fazem a gente gastar na média o mesmo tempo que quando estava com mais gente, só que hoje a gente usa mais a cabeça que o físico.

O uso de novas tecnologias produtivas e as mudanças ocorridas na organização do trabalho - e aqui se inclui o uso da terceirização - são identificados pelos operadores como causas da redução no número de trabalhadores diretos para o exercício de determinadas funções. Esse modelo tem feito os operadores enxergarem as mudanças como propiciadoras de certo esvaziamento do caráter embrutecedor do trabalho operacional, já que o trabalho mais braçal passa a ser responsabilidade dos terceirizados. Vejamos os seguintes relatos:

O ponto positivo da terceirização é que o trabalho pesado diminui, se o pessoal da manutenção fazia determinada tarefa no braço, hoje é uma terceira que faz. Hoje o trabalhador tem tempo para exercer a função de forma mais adequada. Na operação a mesma coisa, eu vou dar um exemplo, quando eu entrei na fábrica em média eram seis operadores por seção. Qualquer tarefa era feita com no mínimo três pessoas, era pra correr metal, pra levantar viga, pra trocar tudo que fosse necessário. Hoje, são duas ou três pessoas no máximo cuidando da linha, não mais da seção. Pra nós, isso diminui a atividade braçal, mas aumenta a atenção e a fiscalização do metal, nas tarefas relacionadas à produção em si. Na verdade, a responsabilidade aumentou, só que as tarefas são mais técnicas do que antes, de maior qualidade (operador de produção, 39 anos, na empresa desde 1990).

Quando entrei na empresa, não existia um empregado de terceira numa sala de fornos, tudo era feito por funcionários, da limpeza à espumagem. Hoje, a limpeza dos fornos é terceirizada, para o operador a única preocupação é produzir alumínio. Para dar as dimensões, você tem um forno de oito metros de comprimento por um metro e meio de largura com uma profundidade de 50 cm aproximadamente, o lastro é de 30cm de metal. Você coloca o anodo imerso em uma cuba até a metade para o processo eletrolítico poder atravessar. Quando se faz espumagem tem que tirar esse anodo, só que não é um bloco só, são vários, então tira e fica um buraco. Nesse buraco, você entra em contato direto com outros blocos. Antigamente, o processo era feito no braço, o sujeito pegava as escumadeiras manuais, jogava no forno e tirava o excesso de carvão que impedia a passagem da corrente elétrica. Hoje, é no controle remoto. O trabalho de braço foi terceirizado, o cara abre o forno, bota o equipamento e tira, a parte técnica é conosco. Desse ponto de vista, evoluiu muito, pois as tarefas têm menos desgaste físico e melhor qualidade (mecânico de redução, 41 anos, na empresa desde 1989).

Nesses depoimentos percebe-se que o esvaziamento do conteúdo braçal do trabalho é um ponto de diferenciação social entre os dois grupos de trabalhadores. Os terceirizados passam a ser identificados com as tarefas mais pesadas. Isto não significa que os operadores não mais as executem, mas que estas são vistas como menos desgastantes fisicamente.

A gestão da empresa é norteada pela lógica do TQC e pelo conjunto de técnicas gerenciais incorporado nos últimos 20 anos. A "cultura do trabalho" é produto do modo como esses norteamentos são vivenciados no cotidiano da fábrica. Por isso, não é de se estranhar que a socialização dos trabalhadores seja feita em um ambiente organizacional que procura fundir a vida profissional com a vida pessoal. Muito do que é ensinado para o exercício da atividade profissional é veiculado como aplicável à vida pessoal.

Segundo Deleuze (1992), as instituições disciplinares que emergiram fortemente no século XIX - e aqui se inclui a fábrica taylorista-fordista - começam a entrar em declínio em meados do século XX, de modo que, desde então, mergulhou-se numa crise generalizada de todos os meios de confinamento. Desta forma, as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado passaram a dar lugar àquelas dos espaços abertos e sem duração diretamente assinalável mediante formas de controle ultrarrápidas e flexíveis.

Enquanto nas sociedades disciplinares os meios de confinamento eram moldes previamente definidos que permitiam a repartição do espaço em meios fechados, entre os quais à fábrica com suas ordenações, nas sociedades de controle eles seriam modulações ou moldagens que se modificam continuamente e podem ser aplicadas às mais diversas formas sociais. Deste modo, a sociedade de controle produz a interpenetração dos espaços, uma suposta ausência de limites definidos ocasionada por um modelo reticular de organização social e a instauração de um tempo contínuo no qual os indivíduos encontrar-se-iam submetidos a uma situação de formação permanente (Deleuze, 1992; Costa, 2004).

Em passado recente, com mais frequência que nos dias atuais, as fábricas distribuíam os indivíduos em um espaço comum e, mesmo que de maneira individualizada, todos estavam submetidos à vigilância gerencial. A gestão do trabalho na Albras, antes da implantação do sistema do TQC, enquadrava-se nessa descrição, sendo mesmo definida pelos operadores mais antigos como período dos "gerentes autoritários".

No que concerne à formação profissional, temos o modelo do posto de trabalho como exemplo de molde disciplinar característico da organização do trabalho taylorista-fordista. Esse modelo, gradativamente construído a partir do final do século XVIII pela racionalização do trabalho imposta nas fábricas, acabou por triunfar sobre o modelo da profissão herdado das corporações de ofício que antecedeu a emergência do aparelho de produção industrial. Nele:

O trabalhador é um simples "portador de capacidades", uma simples força de trabalho, como afirmava Marx. Nessa época, as capacidades eram, sobretudo, físicas: destreza manual, habilidade gestual, força física e resistência (Zarifian, 2011: 38).

O posto de trabalho constitui-se no local preciso na fábrica em que um conjunto de tarefas, isto é, uma lista de operações deve ser realizada pelo trabalhador (Zarifian, 2003; 2011).

Nas "empresas flexíveis", o modelo da competência, apropriado e ressignificado pelos discursos provenientes dos departamentos de RH evoca a figura de um trabalhador "empreendedor de si mesmo", convertendo a "autonomia" e a responsabilidade em critérios decisivos para a ocupação de um emprego qualificado. Aqui,

a autonomia é definida pelo contrário das normas. Ganha-se em autonomia pela diminuição das normas [...]. É uma verdadeira inversão de valores em relação à tradição taylorista; a diminuição das normas se torna algo benéfico, o que mostra, indiretamente, que os empregos com mais normas são, se não um mal, pelo menos uma situação pouco desejável e valorizada (Zarifian, 2003: 52).

O molde disciplinar do posto de trabalho sai de cena e a modulação da autorresponsabilidade pela aquisição das habilidades, competências e conhecimentos que viabilizam a permanência na condição de empregabilidade emerge como exercício contínuo da autonomia do trabalhador. Além das capacidades físicas, cognitivas e da formação educacional adequada, é demandado o desenvolvimento de habilidades relacionais, pois o trabalhador isolado em seu posto de trabalho é substituído pelo das células de produção, pelo que trabalha por projetos e pelo que atua em redes.

Como demonstra Zarifian (2002), há um considerável aperfeiçoamento do controle de cada ato de trabalho e de sua duração graças à precisão dos relatórios de informações. O próprio assalariado é quem desencadeia a produção das informações de controle, simplesmente porque o computador ou o terminal que utiliza, o seu meio de trabalho obrigatório, é estruturado segundo procedimentos precisos de tal forma que não se podem executar as tarefas sem o acionamento das operações de controle. Ou seja, é o próprio assalariado quem irá acionar sua atividade de trabalho e modular os momentos em que o fará. Mas isso supõe um forte compromisso de sua parte, visto que ele deve obrigar-se a fazê-lo, já que não há disciplina fisicamente localizada que o obrigue.

Não por acaso existe na empresa um programa de RH intitulado Sistema Integrado de Gestão por Competências. Esse sistema acompanha o desenvolvimento do trabalhador desde o recrutamento e a seleção, avalia o seu desempenho, gera um plano de desenvolvimento individual e identifica as oportunidades de carreira dentro da empresa. Ele está impregnado no discurso da responsabilização do trabalhador por sua condição de empregabilidade, o que nos termos do mercado significa: capacidade de manter-se empregável, isto é, de engajar-se continuamente na obtenção de novos conhecimentos, habilidades e atitudes exigidas por um mercado de trabalho "flexível", tanto no que concerne à implantação de novas tecnologias, quanto à colocação em xeque do contrato por tempo indeterminado de trabalho.

Podemos ver, no caso do Sistema Integrado de Gestão por Competências, a intervenção no nível da organização produtiva, daquilo que Beck (1992) chama de "despadronização do trabalho", isto porque esse sistema é norteado pela lógica da flexibilização produtiva. Por isso todas as etapas que o constituem baseiam-se na individualização das tarefas, exigindo-se dos operadores as capacidades de mobilidade, adaptabilidade e disponibilidade diante das mudanças organizacionais que lhes são impostas no decorrer de suas carreiras na empresa.

Nos termos apresentados pelo mundo empresarial, a competência é basicamente entendida como a capacidade de enfrentar riscos e desafios, o que se entende é que o trabalhador não vai desenvolver novas habilidades fazendo sempre as mesmas coisas. Nesses termos, ela é entendida como de iniciativa e responsabilidade do indivíduo mais do que da empresa, mesmo quando esta faça investimentos nesse sentido. A mensagem é: cada indivíduo deve moldar o próprio comportamento de acordo com as situações profissionais com as quais se depara. O desenvolvimento de programas de capacitação profissional nas comunidades carentes nas proximidades da fábrica é um exemplo da aplicação disto.

Para efeito de ilustração, vejamos o relatado do caso de uma operadora da área de fundição na edição de março de 2008 de um informativo da fábrica chamado Vida Saudável. A jovem trabalhadora, oriunda de Macapá, estado do Amapá, de acordo com a matéria, mudou-se para Barcarena em 2006 "atrás de um futuro e de melhores oportunidades" e em pouco tempo soube aproveitar a primeira oportunidade que lhe apareceu: um curso técnico de operações industriais, oferecido pela empresa aos moradores da comunidade Novo Horizonte. Como já possuía o segundo grau, exigência da empresa para ingresso no seu quadro de operadores, e principalmente devido ao que a matéria intitula "enorme capacidade de aprendizado", ela foi selecionada para um período de seis meses de estágio na área de fundição e posteriormente mais seis meses na área de redução. Após o término do estágio, ela foi incorporada ao quadro funcional da empresa, mais especificamente na área de fundição.

O mais importante é que isso só ocorreu após ela ter assimilado os discursos da responsabilização individual e da polivalência. Isto é, após ter sido "iniciada" na "cultura do trabalho" da empresa, vejamos:

Nesse período de um ano e dois meses de estágio, eu aprendi muita coisa. Se for para dirigir uma empilhadeira ou trabalhar com lingotes eu sei. Conheço o processo em várias etapas. Estou me tornando completa.

Entenda-se: multifuncional.

A imposição da multifuncionalidade ao mesmo tempo em que constitui uma estratégia empresarial visando ao aumento da produtividade pela via da eliminação de tempos mortos, também objetiva a construção de uma narrativa na qual a empresa se apresenta como "preocupada" com o desenvolvimento individual de cada um de seus trabalhadores. Isto ocorre, na medida em que estes estejam suscetíveis ao seu ideário organizacional e se responsabilizem por suas formações e saibam aproveitar as oportunidades de aprendizado que lhes são oferecidas ou que lhes aparecem, independentemente do nível das dificuldades.

Nos dias de hoje, empresas como a Albras instauram um cenário de competição entre os trabalhadores no qual o mote é o aumento da produtividade. Nos discursos empresariais isto é apresentado como estratégia motivacional, mas é preciso dizer que a vigilância gerencial é mitigada pelo maior envolvimento dos trabalhadores, estes convertidos em "vigias de si mesmos". O princípio que norteia o aumento dos rendimentos salariais passa a ser o da autorresponsabilidade, o que coloca os trabalhadores em uma situação na qual o discurso do trabalho em equipe lhes aparece no instante em que são colocados em posição de disputa uns com os outros por reconhecimento individual.

Nesse cenário, o molde disciplinar da condição de assalariamento, no qual há um conjunto de garantias sociais claramente codificadas a cada tipo de ocupação em troca da aceitação de um código moral restritivo, perde força. Em seu lugar, as "empresas flexíveis" impõem uma modulação dos salários, na qual os trabalhadores são submetidos a desafios, concursos, buscas por bônus, entre outras formas de individualização.

No regime de dominação de empresa, as pressões verticais dos gerentes são minimizadas em troca do aumento das pressões horizontais que os trabalhadores dentro das turmas exercem uns sobre os outros e principalmente sobre si mesmos para garantir a continuidade de certos níveis de autonomia incorporados à organização do trabalho. A promoção de um modelo organizacional menos verticalizado significa exatamente isto, do contrário nada o diferiria do modelo de organização do trabalho taylorista-fordista.

Nesta nova matriz de controle, a obediência tende a ser obtida mais pela tentação e pela sedução do que pela coerção, conferindo aos agentes sociais a sensação de livre-arbítrio e não de submissão a uma força externa. Aqui, os trabalhadores, ao mesmo tempo em que são obrigados a adquirirem as habilidades e competências adequadas a um determinado perfil de trabalhador, também são convertidos em responsáveis por essa adequação. Vejamos:

Eu gosto de trabalhar na empresa, porque ela me dá estabilidade. Eu sei que no mercado hoje é difícil conseguir emprego, porque o exército de trabalhadores que está fora é muito grande. Se você não se qualifica, você fica fora. Então, tem pessoas muito qualificadas aí fora, querendo entrar na tua vaga. Hoje pra empresa demitir alguém tem que ser uma coisa muito grave. É só não fazer besteira (operador de produção, 32 anos, na empresa desde 1996).

Em um mercado de trabalho no qual vigoram os princípios da incerteza e da instabilidade, mais do que nunca, como indica Pagès (2005), a organização funciona como sistema mediador das contradições entre os trabalhadores e a empresa. Ela apresenta-se como promovedora de uma aliança que impõem restrições para a empresa e mantém "privilégios" aos indivíduos. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a pertença organizacional possibilita aos indivíduos a oportunidade de defenderem-se da angústia do não pertencimento, oportunizando-lhes um sistema de defesa sólido, organizado e legitimado pela sociedade, ela também exige a colaboração com a manutenção do jogo de poder vigente. Assim, não é por acaso que se busca evitar ao máximo que os trabalhadores, enquanto sujeitos, deparem-se com suas contradições íntimas. Nessa linha de entendimento, Castelhano (2005) advoga:

Essa ação mediadora encobre e oculta processos contraditórios, tentando antecipar e transformar as contradições, antes que elas se transformem em conflitos coletivos. Tudo se passa como se as contradições fossem constantemente "retomadas" no momento em que elas poderiam desembocar num conflito aberto com a empresa (2005: 14).

No caso dos operadores da Albras, essa situação tem como um de seus suportes o fato de os mesmos acreditarem ser difícil uma demissão que não seja pela avaliação por parte da empresa da não necessidade da função ocupada. A preocupação maior é com a possibilidade de serem demitidos por algum processo de reestruturação. Afinal, como é recorrente na fala de muitos entrevistados: "hoje quem manda na empresa não é mais o Estado, mas são os acionistas". Assim, responsabilizar-se pela empregabilidade passa a significar não apenas fazê-lo no âmbito da própria empresa, mas eventualmente fora dela, caso sejam demitidos ou venham a se aposentar, por isso, torna-se cada vez mais importante adquirir os saberes e conhecimentos que lhes são oportunizados no ambiente da fábrica.

O discurso da autonomia não é vazio de conteúdo prático, pois, mesmo com a intensificação do trabalho e o maior estresse decorrente do aumento da responsabilização dos operadores, ela se manifesta por meio da eliminação relativa, mas efetivamente sentida, dos constrangimentos coletivos característicos do tempo dos "gerentes autoritários". Vejamos:

Eu gosto de trabalhar na Albras porque nós temos suporte, nós temos liberdade total para nos expressarmos, para resolvermos os problemas. Nós temos várias ferramentas que nos beneficiam. A empresa nos coloca todo um aparato que permite que nós tenhamos total liberdade pra exercer a nossa função (mecânico de redução, 45 anos, casado, segundo grau completo, trabalha na empresa desde 1990).

Eu gostei de trabalhar na Albras porque ela valoriza muito o ser humano, valoriza muito o empregado. O modo de desempenho da nossa sessão na empresa depende só da gente mesmo, porque ela sempre deu apoio (operador de fornos, 42 anos, casado, segundo grau completo, trabalhou na empresa de 1988 à 2006).

Ao se considerar que as relações de força são operacionalizadas na esfera da produção de ideias, palavras e ações mais do que no nível da repressão (Foucault, 1988; 2007), as práticas e os discursos inerentes à atual gestão do trabalho da empresa manifestam-se por meio das relações simbólicas de forças. Os relatos acima corroboram o fato de que

[...] as relações simbólicas são relações de força que se instauram e se perpetuam por intermédio do conhecimento e do reconhecimento, o que não significa dizer por meio de atos intencionais de consciência: para que a dominação simbólica seja instituída, é preciso que os dominados tenham em comum com os dominantes os esquemas de percepção e de apreciação segundo os quais uns aos outros são percebidos reciprocamente; é preciso que eles se percebam tal como se lhes percebe; quer dizer, que seu conhecimento e seu reconhecimento encontrem seu princípio nas disposições práticas de adesão e de submissão às quais, sem passar pela deliberação e pela decisão, escapam à alternativa entre o consentimento e a coerção (Bourdieu, 2007: 242).

O poder simbólico, como poder que se cria, acumula-se e perpetua-se em virtude da comunicação e da troca simbólica entre agentes inseridos em uma ordem de conhecimento e de reconhecimento que

converte relações de força bruta, sempre incertas e suscetíveis de serem suspensas, em relações duráveis de poder simbólico pelas quais se é obrigado e com as quais se sente obrigado (Bourdieu, 2007: 243).

É o fator que possibilita a transfiguração do capital econômico em capital simbólico, da dominação econômica em dependência pessoal ou até mesmo em devotamento. Esta é bem a situação do caso aqui apresentado.

A produção do "assujeitamento consentido"

Nas sociedades ocidentais, a desregulamentação de garantias sociais historicamente conquistadas pela classe trabalhadora e incorporadas à condição de assalariamento assume ares de dramaticidade porque o trabalho desempenha papel central não apenas na obtenção de renda, mas também como elemento de integração social e de formação de identidade pessoal. Um cenário social em que tais referências fragilizam-se contribui para uma situação na qual

a insegurança social faz da vida um combate pela sobrevivência dia após dia, cuja saída é cada vez mais incerta. Poderíamos falar de desassociação social (o contrário de coesão social) para dar um nome a este tipo de situação, como a dos proletários do século XIX, condenados a uma precariedade permanente, que é também uma insegurança permanente por falta de ter o mínimo controle sobre o que lhes acontece (Castel, 2005: 31).

O caso dos trabalhadores da Albras não é diferente, pois a sensação de insegurança também é sentida, principalmente por aqueles que estão mais tempo empregados na empresa, isto é, as testemunhas dos processos de reestruturação que conduziram à redução gradativa do quadro funcional. A insegurança também é fomentada pela falta de clareza nos critérios utilizados pela empresa na hora de decidir quais funções serão terceirizadas.

Agora tem terceirizado na área de fundição e na área de redução fazendo o trabalho que até mais o menos dois anos atrás (2006) era feito por funcionários da Albras, só que, por exemplo, a gente não sabe exatamente o porquê disto, inclusive o sindicato tá entrando na empresa para saber o porquê disto, pois lá é que tá o produto final e lá é que não pode ter terceirizado e tem. Com certeza isso deixa a gente preocupado, pois se colocaram um terceiro lá é porque de repente vai terceirizar a área. Inclusive todos os que trabalham como terceirizados hoje foram funcionários da Albras. Ela contrata de novo o mesmo cara pagando menos (operador de produção, 39 anos, na empresa desde 1989).

No que diz respeito à incerteza e à insegurança trazidas pela reestruturação produtiva, quando consideramos mais especificamente a flexibilidade externa, isto é, o processo de terceirização, o testemunho a seguir é ilustrativo:

A terceirização pode trazer para dentro da empresa, vamos dizer assim, para os que estão lá há quinze, dez anos, um estresse muito grande, porque as pessoas de 40 ou 50 e poucos anos estão para se aposentar e, hoje no Brasil, pessoas dessa idade têm dificuldade de arranjar emprego, principalmente porque muitos investiram nos filhos, na família. Então, quando a empresa terceiriza, ela traz incerteza, porque os que ficam não sabem até onde se vai terceirizar, qual quadro ela vai terceirizar. A gente sabe que a terceirização é ruim porque não tem benefícios, não tem direito ao fundo de garantia, às férias, apenas ao salário. Já com um emprego de carteira assinada, você tem todos os benefícios e até seguro-desemprego (operador de produção, 32 anos, na empresa desde 1996).

Se, por um lado, a sensação de incerteza paira sobre os operadores, por outro, o conjunto de sistemas e técnicas gerenciais - no qual se incluem just in time, CCQ, a noção de team work, as práticas de outsourcing (terceirização), Kan-Ban e 5S - promove mudanças na vida dos que a eles estão submetidos, objetiva e subjetivamente. Todavia, na empresa, a implantação de técnicas de gestão inspiradas no modelo japonês - e aqui se inclui mais central e especificamente mente o TQC - não foi assimilada sem tensões e resistências.

Segundo operadores que estão na empresa desde os anos 1980, apesar da implantação do TQC no chão da fábrica ter ocorrido no início dos anos 1990, de fato a sua assimilação ocorreu no final da década, isso devido à forte resistência inicial às práticas organizacionais impostas. Essa situação decorria do fato de muitos entenderem que o TQC não promovia mudanças efetivas na postura autoritária de todos os gerentes. Esse momento de inflexão coincide com o episódio da privatização da CVRD, em 1997. A partir daí, os operadores mais antigos relatam que as coisas começaram a mudar, até mesmo com a demissão dos gerentes que não se adaptaram ao novo modelo de gestão. Desde então, eles relataram ter a sensação de "ausência de chefe" nas áreas, o que é corroborado pelos operadores com menos tempo de empresa.

Convém chamar a atenção para o fato de que essa sensação só foi sentida quando os operadores perceberam que as novas técnicas de gerenciamento promoviam mudanças efetivas em relação à gestão do trabalho anterior. Após isso, o trabalho em equipe tornou-se uma diretriz organizacional. Se os operadores ganharam "voz", também foram chamados a uma maior responsabilização, o que implicou investir mais no exercício de suas funções.

O envolvimento do trabalhador com o ideário organizacional da empresa é apresentado discursivamente como política de "valorização do ser humano". Assim, o trabalhador não seria mais visto como mero "fator de produção", mas como verdadeiro "parceiro", "colaborador interno", alguém que pode contribuir para a competitividade da empresa e com isso beneficiar-se. O envolvimento aqui tem no sentimento de não adequação um forte apelo - o medo da não adequação é entendido como o caminho para tornar-se desnecessário. Em outras palavras, tornar-se alvo preferencial de uma demissão que se justifica pela não adequação ao perfil de trabalhador que a empresa deseja.

A empresa possui um aparato discursivo que fomenta o ideário de envolvimento e participação, o CCQ é apenas a materialização disso. A realização da feira anual da empresa Expo CCQ contribui na "chamada ao envolvimento". Podemos notar isso na fala do gerente da área de administração:

O Círculo de Controle da Qualidade é um movimento de respeito, valorização da criatividade e competência dos que fazem a Albras.

Assim como na fala de dois trabalhadores:

Com o CCQ, conseguimos melhorias através dos trabalhos desenvolvidos pela equipe, que focam bem-estar, segurança, 5S, produtividade e meio ambiente (mecânico da área de redução e líder do grupo de CCQ Nova Geração).

É muito gratificante contribuir com ideias que possam trazer resultados positivos, crescimento pessoal e profissional (técnico da área de serviços industriais e circulista do grupo de CCQ Cruzeiro do Sul).

As três falas foram extraídas do Boletim Informativo da Fábrica, de novembro de 2007, referentes à X Expo CCQ. Por sinal, o Boletim Informativo da Fábrica tem sido um dos principais instrumentos de veiculação do ideário da relação de parceria entre empresa e funcionários. Desse modo,

[...] destaca-se o fato de a empresa tentar persuadir seus trabalhadores a envolver-se nos negócios da Albras, com base na ideia de que "o trabalhador é a empresa, e a empresa é o trabalhador". Tal ideário tem sido muito difundido na empresa, quer seja em reuniões entre chefias e trabalhadores, quer seja em cursos e seminários, boletins internos da fábrica (Boletim Informativo da Fábrica) etc., e está assentado no pressuposto de que, se a empresa vai bem, o trabalhador também terá possibilidades de "garantir" a sua reprodução social e de sua família. Ora isso não representa a realidade para a totalidade dos trabalhadores, visto que as estratégias de inserção no mercado internacional utilizadas pela Albras, em geral, são poupadoras de mão de obra [...] (Gomes & Castro, 2004: 142).

Sobre o Boletim Informativo da Fábrica, em maio de 2008 a empresa mudou o nome do informativo para Relacionamento. O objetivo dessa redefinição é claramente produzir uma narrativa que versa sobre a construção de uma relação de parceria entre a empresa e os trabalhadores.

Boltanski e Chiapello (2009) defendem que o novo espírito do capitalismo, erguido sobre a égide de uma lógica organizacional conexionista (redes), promove os discursos do desenvolvimento pessoal e da empregabilidade como suporte da ideia de um indivíduo apto a engajar-se constantemente em novos projetos. Evoca ainda a capacidade de manter-se nesses projetos o tempo que for necessário, aproveitando oportunidades para desenvolver novas habilidades e adquirir novos conhecimentos.

Esse novo espírito produz uma inversão política, na qual as garantias ligadas ao emprego, aqui entendido na condição de assalariamento, não são simplesmente arrancadas dos trabalhadores, mas trocadas pela ampliação relativa dos níveis de "autonomia". Isto é, o que temos é o resultado de um jogo de poder no qual os próprios trabalhadores reivindicam maior participação na gestão do trabalho; o que promove mudanças no processo produtivo e afeta a estrutura das empresas via desmantelamento das unidades organizacionais vigentes.

No entendimento da empresa, um novo tipo de relação está em curso, substituindo o caráter conflituoso característico da relação capital-trabalho e dando origem a uma relação de parceria que, apesar das eventuais resistências e conflitos, promove junto aos trabalhadores a sensação de valorização pessoal e de pertença coletiva. A primeira manifesta-se pela via de uma participação efetiva na organização do trabalho, sendo os CCQs seu melhor exemplo; a segunda, pela via da identificação com a "cultura organizacional" da empresa possibilitada pela existência de um vínculo empregatício cada vez menos frequente em tempos de flexibilização das relações de trabalho. Nos últimos anos, os discursos que dão suporte a esse quadro vêm ganhando forma e força junto aos trabalhadores da Albras.

As técnicas de gestão inspiradas no modelo japonês, além de intensificarem o trabalho trazem consigo a tentativa de entrelaçar ao máximo os interesses dos trabalhadores aos interesses das empresas, haja vista a estratégia de individualização visar ao enfraquecimento do coletivo de trabalhadores e de sua representação sindical. Os discursos empresariais enfatizam que a parceria capital-trabalho é capaz de gerar mais benefícios do que malefícios para os trabalhadores. Tal ideário tenta adquirir legitimidade a partir de um aparato discursivo no qual o trabalhador deve perceber-se valorizado em sua "autonomia", mesmo se relativa, para tomar decisões sobre o processo de trabalho, visto que se depara com os norteamentos que estão implícitos nas estratégias indicadas pela alta administração das empresas.

O alinhamento dos trabalhadores ao ideário organizacional veiculado pela Albras é fortalecido quando da internalização dos valores promovidos pelo sistema TQC e da sensação de fazer parte da "grande família" que a empresa tenta representar. Essa situação lhes confere uma sensação de pertença efetivamente sentida em suas experiências cotidianas, por mais instável e transitório que isso possa vir a ser. Esse quadro contribui para a reprodução social da ideia de responsabilização do trabalhador por sua condição de empregabilidade.

Mesmo os trabalhadores cientes de que o modelo de gestão da empresa intensifica o trabalho, sentem-se valorizados, pois, na percepção dos que testemunharam as mudanças, as suas opiniões hoje em dia são levadas em consideração. Vejamos:

A Albras tinha um sistema de gerenciamento que, no final dos anos 1980, era muito arcaico. Por exemplo: nós chamávamos fora da fábrica os gerentes operacionais, como chamamos hoje, de capataz, pelo modo como eles comandavam suas equipes, coisa que hoje mudou. Mudou acho que pra melhor, pois hoje existe uma relação mais flexível, uma relação, eu diria mais de parceria (mecânico de redução, 41 anos, na empresa desde 1989).

Antes, a comunicação com os gerentes era muito difícil. Hoje é totalmente diferenciada, não existe dificuldade, pois, desde o nível mais baixo ao mais alto, todo mundo fala uma só linguagem. Antigamente, os gerentes eram autoritários. Hoje, o relacionamento é muito mais fácil, muito mais flexível. Nós temos livre acesso aos gerentes de área e de divisão, podemos falar o que pensamos, eles nos entendem. Não é preciso marcar hora, basta chegar e é atendido. Nós temos o 5S e o CCQ, ferramentas de gestão que nos proporcionam bastante coisa. A empresa nos dá suporte para fazermos melhorias nas dificuldades do dia a dia (mecânico de redução, 45 anos, na empresa desde 1990).

A noção de flexibilidade é central no sistema de gestão da empresa. Ela não norteia apenas mudanças no nível objetivo do trabalho, mas fundamentalmente na subjetividade do trabalhador. À medida que são mitigadas as resistências que lhes são impostas, suscitando o maior envolvimento dos trabalhadores na organização de suas tarefas, estes acabam internalizando parte da lógica que lhes é apresentada e passam a reproduzi-la.

Não à toa a palavra "flexível" aparece nas falas acima, indica certa anuência dos operadores às mudanças, pois algumas delas alinham-se às demandas por maior participação na organização das tarefas e minimização do caráter embrutecedor das mesmas. Isto é, quando comparadas às práticas gerenciais anteriores, as atuais, apesar de intensificarem os níveis de responsabilização, eliminaram não apenas boa parte do trabalho braçal, mas também conferiram uma sensação de valorização das opiniões dos trabalhadores.

A noção de flexibilidade é central aos atuais modelos de gestão empresarial por garantir a possibilidade de rejuvenescimento permanente das empresas. O enfraquecimento dos suportes que instituições como família, Igreja e classe social forneciam para certa compreensão do presente e relativa certeza do futuro, impelem ao apego a si mesmo e a qualquer coisa que sirva de referência e diminua a sensação de fragilidade ante as incertezas da vida contemporânea. Grandes empresas, paradoxalmente, aproveitam-se desta situação, que elas mesmas produzem, para apresentarem-se como respostas a tais inquietações.

Por esse motivo, na gestão da empresa, há a necessidade de redefinição do termo funcionário, modificando-o para "colaborador interno" ou "cliente interno", ambos embebidos na lógica da flexibilidade. Como lembra Azaïs:

[...] o uso do termo "cliente" para designar os indivíduos que trabalham em setores diferentes da empresa tem um duplo papel: o de satisfazer as necessidades do trabalhador (numa perspectiva de mercado de relações internas à empresa) - portanto, apresenta um efeito valorizador individualmente - , mas também o de prepará-lo psicologicamente para uma saída (forçada ou voluntária) da empresa ou, no melhor dos casos, para sua externalização. De qualquer forma, o trabalhador sente-se valorizado e reconhecido socialmente; embora não tenha poder efetivo em seu setor, tem a ilusão de se considerar e ser percebido como dono (... de si) (Azaïs, 2004: 44).

Essa redefinição semântica inscreve-se no conjunto de discursos que visa produzir o maior envolvimento do trabalhador, principalmente no modo como percebe a relação com a empresa, ou, se preferirmos, a relação capital-trabalho. Porém, para que soe minimamente verossímil, ela precisa sair da esfera discursiva e ser vivenciada no chão de fábrica, caso contrário, o sentido do envolvimento que se busca obter fica seriamente comprometido, pois o seu conteúdo simbólico esvai-se nas experiências cotidianas e, consequentemente, a opacidade da situação se faz sentida na discrepância entre o que versam os discursos gerenciais e o que efetivamente operacionalizam as práticas gerenciais. Senão vejamos:

Uma das ferramentas que melhorou o corpo gerencial foi a Pesquisa de clima. Ela começou no ano 2000, se não me engano. A Pesquisa de clima avalia o gerente e se a avaliação é baixa ele é chamado. Pois o problema está na operação ou no gerente. Depois da Pesquisa de clima, diminuiu o autoritarismo, porque a gente passou a ter voz. Isso aconteceu em todas as áreas, teve gerente que foi demitido porque a avaliação tava dando "negativão". Isso não acontecia antes, ainda tem alguns, mas tá mudando (operador de produção, 39 anos, na empresa desde 1990).

A despeito da ansiedade promovida junto aos trabalhadores, o estabelecimento de uma gestão que conduz à individualização ganha terreno no mundo do trabalho, pois os modelos de gestão empresarial impõem-se sobre os mesmos visando garantir a adesão ao ideário organizacional das empresas. Como lembra Linhart:

As firmas exigem do trabalhador uma profunda interação com os objetivos da empresa e, para tanto, inúmeras medidas são implantadas em um contexto de controle, tensões e solicitações. O apelo à subjetividade do trabalhador é uma constante desses novos modelos, investindo na motivação e no desenvolvimento da qualidade pessoal de cada um (Linhart, 2000: 27).

A chamada à participação dos operadores, por menor que pareça, está baseada em uma margem de ação efetivamente sentida em relação às práticas de gestão anteriores. Essa diferença, clara para aqueles que vivenciaram as duas fases, contribui para a ressignificação da relação entre a empresa e os trabalhadores. O maior envolvimento dos operadores da Albras enquadra-se naquilo que Zarifian (2002) chama de "engajamento subjetivo", isto é, uma situação de duas faces:

A da captação da atividade subjetiva do assalariado, sob uma forma renovada de relação de dominação, e a do sentido pessoal e coletivo dado à ação social, sob uma forma renovada de relação de emancipação (Zarifian, 2002: 30).

O engajamento subjetivo dos trabalhadores nesses modelos de organização de trabalho manifesta-se por meio de um assujeitamento consentido, pois, mesmo sendo forçado, "no sentido de uma força que se exerce sobre a força do assalariado de maneira estruturalmente desigual" (Zarifian, 2002: 31), não é possível falar em ausência de liberdade. Mesmo porque,

[...] há a liberdade. E liberdade, em primeiro lugar, no exercício da potência de pensar, agir e cooperar dos indivíduos-sujeitos (que se tornam sujeitos nesse exercício). Todas as pesquisas que realizo, há mais seis anos, em grandes empresas de serviços, me confirmam esta asserção: não somente os sujeitos demandam iniciativas, mas as exercem. O que há de novo é que a sociedade de controle, num movimento paradoxal, por deslegitimar e fluidificar a disciplina taylorista, amplia e mistura os devires em que se engajam os sujeitos: o devir não mais se limita à empresa que os emprega, combinando-se, muito mais diretamente que antes, com a pluralidade de devires, precisamente porque os espaços (a família, a escola, a fábrica, o hospital etc.) deixam de ser fechados e, por conseguinte, os problemas que supostamente deveriam regrar (ordenar) deixam de ser confinados e estritamente delimitados (Zarifian, 2002: 31).

Nesse modelo de organização do trabalho, como salienta Silva,

[...] não se deve esperar alheamento do trabalhador "envolvido". Pelo contrário, ele deve saber tomar decisões. E "decisão" aqui entendida não apenas como decisão técnica, mas como escolha de um caminho - uma decisão política, portanto - da mesma forma como o filtro dos interesses do grupo de que se faz parte orienta o juízo sobre as resoluções e a intervenção dos membros dos grupos políticos: saber, por exemplo, distinguir uma intervenção virtuosa. Só um cidadão "envolvido" - porque faz parte da coletividade - possui tal "capacidade". O desalento conspira contra o envolvimento. Por isso, a constante necessidade de mobilização das energias do grupo de trabalho (Silva, 2004: 186).

A incorporação de técnicas gerenciais à vida diária do trabalhador contribui para a produção do assujeitamento consentido. A empresa tenta ressignificar a relação com os trabalhadores, procurando mitigar a conflituosidade característica da relação capital-trabalho, conferindo-lhe um sentido no qual uma relação de "parceria" possa emergir e dar o tom.

Para os trabalhadores, o atual modelo de gestão do trabalho permite maior participação por ser menos autoritário, hierárquico e por respeitar mais suas experiências e opiniões. Ainda que haja casos de gerentes que abusem de sua autoridade e exerçam pressões consideradas desnecessárias, a avaliação geral é bem positiva quando comparada ao passado.

É preciso compreender como é produzido o envolvimento dos trabalhadores. Isto é, como a aprendizagem das normas, dos valores e das crenças da empresa, para usarmos a linguagem de Bourdieu (1998; 2004), designa as regras e os usos socialmente prescritos na experiência de uma coletividade ou de um grupo específico. Vejamos as falas que se seguem:

O 5S, um programa importado do Japão, é excelente, porque melhora tanto as condições de trabalho, a organização em casa e o teu comportamento na rua. Se tu praticas o 5S não vais sair na rua sujando. Então o 5S te dá essa visão, esse conhecimento de organização, de limpeza, aquela vontade de criar, de melhorar alguns processos que usas na empresa. Tu podes usar pra ajudar dentro de casa se tiver alguma coisa que pode ser mudada, tu te sentes mais confiante em fazer aquela mudança, seja na empresa ou em casa (operador de utilidades, 45 anos, na empresa desde 1993).

Nós acabamos levando a experiência do CCQ pra dentro de casa, em termos de segurança, qualidade e parte social. Porque se você aprende alguma coisa lá que acha que é benéfico pra família, acaba levando. Na parte de qualidade também, você acaba melhorando alguma coisa dentro de casa com a influência que teve na empresa, pois você tem um treinamento sobre qualidade e pensa que dá para melhorar em casa também (operador de produção, 30 anos, na empresa desde 2001).

Eu digo assim, tanto na parte profissional quanto na pessoal, quero dizer tanto dentro como fora da empresa, com o 5S nós conseguimos colocar cada coisa no seu lugar. Hoje, quando estou em casa, eu consigo encontrar o que quero com facilidade porque depois que levei o 5S pra casa, eu, minha esposa e meus filhos passamos a nos organizar melhor (mecânico de redução, 45 anos, na empresa desde 1990).

Como se nota, os trabalhadores sofrem forte influência do conjunto de práticas gerenciais. Isto ocorre porque o CCQ, a noção de team work e o 5S promovem mudanças para além do ambiente de trabalho. Outra mudança importante citada foi o estabelecimento de canais de comunicação direta entre os níveis hierárquicos, caso do programa "Conversando com diretores", criado em 1995, no qual um grupo de dez trabalhadores é selecionado, uma vez por mês, para um café da manhã com diretores e gerentes de área. Segundo texto veiculado no informativo interno da fábrica Relacionamento, de junho de 2008, intitulado "Um bate-papo informal e esclarecedor", o objetivo do programa é:

Promover a integração e valorizar o bom relacionamento entre a Diretoria da empresa e os empregados [...]. Trata-se de um momento descontraído, de bate-papo, que tem a meta de proporcionar aos empregados a oportunidade de conhecer mais de perto as dinâmicas e as finalidades da Fábrica, de propor sugestões para todos e discutir sobre os planos da Empresa além de criar entrosamento e clima para a troca de informações e experiências com a alta administração (Relacionamento, 2008: 2).

Os operadores também destacam a eliminação do cartão de ponto, em 1998, como medida de desburocratização que conferiu um sentido de valorização da "palavra", desde então, o próprio funcionário justifica a falta no sistema. Quanto mais efetivas as mudanças na gestão do trabalho, menores os obstáculos que lhes são impostos.

Para efeito ilustrativo, mas com olhar crítico sobre os números apresentados, visto que se baseiam em critérios7 7 . Critérios utilizados: 1. o Carreira - identifica quais ferramentas a empresa oferece aos funcionários para que eles cresçam profissionalmente; 2. o Desenvolvimento - revela o quanto a empresa investe na capacitação do pessoal e reconhece a importância da educação para a qualidade e continuidade do negócio e para o desenvolvimento profissional; 3. o Remuneração e benefícios - expressa a valorização atribuída aos empregados. Os benefícios refletem a preocupação da empresa com o bem-estar do pessoal; 4. o Saúde - mais do que um bom plano de saúde, essa subcategoria avalia a preocupação da organização com a prevenção de doenças e acidentes de trabalho, assim como o cuidado com a qualidade de vida de seus colaboradores. que enfatizam a visão que o mundo empresarial possui de si mesmo, na edição de 2008 do "Guia Você S/A" - Exame "Das 150 melhores empresas para você trabalhar no Brasil", a Albras figurou na nona posição. Em 2007, na segunda e em 2006 na décima.

A flexibilização e/ou desregulação das relações de trabalho configura uma situação de insegurança social e ontológica que dá suporte objetivo aos modelos de gestão promovedores dos discursos do envolvimento e da responsabilização, conferindo-lhes ares de "valorização do ser humano", visto que versam sobre a possibilidade do indivíduo-trabalhador realizar suas potencialidades, caso saiba aproveitar as oportunidades de desenvolvimento de novas "habilidades" e "competências" que as empresas lhe disponibilizam. Nesta chave discursiva:

[...] o trabalho perde espaço para a empresa como referencial de mundo, não por ser esta o lugar da acumulação de capital ou o lugar onde se ganha o sustento ou é possível dignificar-se com o trabalho, mas por ser o lugar onde se empreende, onde se incentiva a disposição de aprendizado constante, que estimula o estar aberto para viver coisas novas e desprender-se das antigas, o lugar onde a racionalidade instrumental coloniza a subjetividade do indivíduo e canaliza-a para o exercício da ação de voltar-se para si mesmo (Barbosa, 2011: 138).

O que estamos testemunhando é a produção de uma narrativa que evoca a figura de um indivíduo apto a vencer as incertezas e as inseguranças do mundo do trabalho. Todavia, ela não elimina os efeitos deletérios desse estado de coisas, apenas os escamoteia insidiosamente no discurso da responsabilização individual e tenta fazer crer que os lugares ocupados pelos indivíduos na estrutura social decorrem do simples mérito de cada um. Dito de outro modo: uma mera questão de ter ou não "o perfil desejado pelo mercado".

Considerações finais

As atuais estratégias de poder e de produção da verdade promovidas pelas empresas - como procurei demonstrar - têm como objetivo inaudito produzir a sujeição dos trabalhadores aos discursos do desenvolvimento pessoal e da empregabilidade, inerentes aos modelos organizacionais impostos pelas novas formas de sociabilidade capitalista.

Esses discursos são insistentemente disseminados nas empresas, e a partir das mesmas, com o objetivo de dar forma à imagem de um indivíduo-trabalhador "empreendedor de si mesmo". Eles obtêm legitimidade independente de serem "verdadeiros" ou "falsos", basta-lhes apenas parecer minimamente verossímeis. Isto é, serem apresentados como estratégias de inserção adequada em um mercado de trabalho ordenado pela flexibilização ou desregulamentação dos direitos trabalhistas atrelados à condição de assalariamento e no qual os saberes exigidos modificam-se constantemente devido às inovações tecnológicas e às tendências gerenciais do momento, mas raramente como produto e meio de reprodução desse quadro.

Empresas como a Albras, sintonizadas que estão com o quadro político, social e econômico que elas mesmas produzem, estranhamente apresentam-se como "referencial de mundo" para aqueles que nelas se engajam. O resultado deste "engajamento subjetivo" é o "assujeitamento consentido" dos trabalhadores a um estado de coisas que lhes impõe um processo de subjetivação norteado pela conversão da instabilidade e da incerteza em princípios ordenadores da vida social.

Recebido: 27.07.12

Aprovado: 23.01.13

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  • Engajamento subjetivo e organização flexível do trabalho: o caso dos trabalhadores da indústria do alumínio primário paraense

    Attila Magno e Silva Barbosa
  • 1
    . Em maio de 1997, a Companhia Vale do Rio do Doce (CVRD) foi privatizada. Em novembro do mesmo ano, ela passou a chamar-se apenas Vale, nome pelo qual o grupo já era conhecido no mercado. O novo logotipo substitui as iniciais CVRD e ganhou as cores verde e amarela para reforçar a ligação da multinacional com o Brasil.
  • 2
    . Consórcio de 17 empresas japonesas, entre
    trading companies, bancos, consumidoras e produtoras de alumínio, e o Japan Bank for Internacional Cooperation.
  • 3
    . Método de organização do espaço de trabalho, cujo objetivo é evitar a perda de tempo na procura de objetos e ferramentas.
    Seiri: senso de utilização/organização/classificação/descarte.
    Seiton: senso de ordenação/arrumação/sistematização;
    Seis
    ō: senso de limpeza/inspeção/zelo;
    Seiketsu: senso de padronização/ambientação/higiene/saúde;
    Shitsuke: senso de autodisciplina.
  • 4
    . Orientador técnico do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), consultor de grandes grupos empresariais e único brasileiro escolhido como uma das "21 vozes do século XXI" pela American Society for Quality (ASQ), organização considerada a mais importante do mundo sobre o tema da Qualidade Total.
  • 5
    . Em inglês
    Plan Do Check Action (PDCA), método baseado no controle de processos desenvolvido na década de 1930 pelo americano Walter A. Shewhart (1891-1967), mas que ficou mundialmente conhecido após William E. Deming (1900-1993) aplicar os conceitos de qualidade no Japão. O PDCA consiste na análise e na medição dos processos para sua manutenção e melhoria.
  • 6
    . Segundo dados do "Relatório de Gestão Albras" de 2005, o número de terceirizados era de 500 trabalhadores. Número esse que corresponde às estimativas feitas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Barcarena.
  • 7
    . Critérios utilizados: 1.
    o
    Carreira - identifica quais ferramentas a empresa oferece aos funcionários para que eles cresçam profissionalmente; 2.
    o
    Desenvolvimento - revela o quanto a empresa investe na capacitação do pessoal e reconhece a importância da educação para a qualidade e continuidade do negócio e para o desenvolvimento profissional; 3.
    o
    Remuneração e benefícios - expressa a valorização atribuída aos empregados. Os benefícios refletem a preocupação da empresa com o bem-estar do pessoal; 4.
    o
    Saúde - mais do que um bom plano de saúde, essa subcategoria avalia a preocupação da organização com a prevenção de doenças e acidentes de trabalho, assim como o cuidado com a qualidade de vida de seus colaboradores.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 2014

    Histórico

    • Recebido
      27 Jul 2012
    • Aceito
      23 Jan 2013
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