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Mixoma atrial esquerdo múltiplo: relato de caso

Resumos

Os tumores primários cardíacos são infrequentes, apresentando incidência entre 0,001% a 0,2%, com características histológicas benignas em 75% dos casos. Os mixomas correspondem a aproximadamente 50% dessas neoplasias. Quanto à localização, 75 a 80% dos mixomas estão no átrio esquerdo, 18% no átrio direito, e mais raramente nos ventrículos. Relatamos o caso de um paciente em classe funcional (CF) IV New York Heart Association (NYHA) e diagnóstico anatomopatológico pós-operatório de mixoma multilobular originário na parede posterior atrial esquerda. À avaliação clínica no 3º mês pós-operatório se encontrava em CF I NYHA e a ecocardiográfica com ausência de massas intracardíacas.

Mixoma; Neoplasias cardíacas; Átrios do coração


Primary cardiac tumors are infrequent, with an incidence between 0.001% and 0.2%, mostly comprising benign histological characteristics in 75% of these cases. Myxomas account for approximately 50% of these neoplasms. As regards location, 75-80% of myxomas are in the left atrium, 18% in the right atrium, and more rarely in the ventricles. We report a case of a patient in functional class (FC) IV New York Heart Association (NYHA) and postoperative histological diagnosis of multilobular myxoma originating in the posterior left atrial wall. Clinical evaluation 3 months after surgery suggested NYHA functional class I and echocardiographic absence of intracardiac masses.

Myxoma; Heart neoplasms; Heart atria


RELATO DE CASO

Mixoma atrial esquerdo múltiplo: relato de caso

José Carlos Dorsa Vieira PontesI; Guilherme Viotto Rodrigues da SilvaII; Ricardo Adala BenfattiIII; João Jackson DuarteIV

IDoutorado; Chefe do departamento de Clínica Cirúrgica - UFMS

IIMédico Residente do Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Universitário da UFMS

IIIMestrado; Professor Auxiliar da Disciplina de Cirurgia Cardiotorácica da Faculdade de Medicina da UFMS

IVMestrado; Chefe do Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul e Cirurgião Cardiovascular do Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Universitário da UFMS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: José Carlos Dorsa Vieira Pontes Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Departamento de Clínica Cirúrgica Av. Senador Filinto Muller, S/N Campo Grande, MS, Brasil E-mail: carlosdorsa@uol.com.br

RESUMO

Os tumores primários cardíacos são infrequentes, apresentando incidência entre 0,001% a 0,2%, com características histológicas benignas em 75% dos casos. Os mixomas correspondem a aproximadamente 50% dessas neoplasias. Quanto à localização, 75 a 80% dos mixomas estão no átrio esquerdo, 18% no átrio direito, e mais raramente nos ventrículos. Relatamos o caso de um paciente em classe funcional (CF) IV New York Heart Association (NYHA) e diagnóstico anatomopatológico pós-operatório de mixoma multilobular originário na parede posterior atrial esquerda. À avaliação clínica no 3º mês pós-operatório se encontrava em CF I NYHA e a ecocardiográfica com ausência de massas intracardíacas.

Descritores: Mixoma. Neoplasias cardíacas. Átrios do coração.

INTRODUÇÃO

Os tumores cardíacos primários são condições raras, tendo uma incidência de 0,0017 a 0,19 em série de autopsias, sendo 60% destes benignos. Os mixomas são os tumores do coração mais comuns, respondendo por cerca de 50% dos tumores cardíacos primários benignos, sendo que a grande maioria se localiza no átrio esquerdo (AE), e 80% tem sua origem no septo interatrial. Clinicamente, se apresentam, quase sempre, com sinais e sintomas de doença da valva mitral ou de eventos tromboembólicos [1,2].

Por se tratar de um paciente com mixoma atrial esquerdo múltiplo, caso não reportado na literatura, é relatado o caso a seguir.

RELATO DE CASO

Paciente de 42 anos, sexo masculino, com queixa de dispneia progressiva, dois meses de evolução, classe funcional IV da New York Heart Association (NYHA), atendido no ambulatório de Cardiologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Na investigação diagnóstica foram solicitados: radiografia simples de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma transtorácico, que evidenciou retificação diastólica do septo interatrial e AE dilatado, com presença de duas massas arredondadas, móveis, com a maior medindo 5,3 x 3,2 cm, provocando obstrução da via de entrada do ventrículo esquerdo (VE), estimada em 0,67 cm2 de diâmetro. Evidenciando também AE de 50 mm; diâmetro ventricular direito de 37 mm; fração de ejeção (FE) de 72%; ventrículo direito (VD) com dimensões aumentadas. As massas aparentemente aderiamse ao anel mitral e à parede livre do AE (Figura 1), sugerindo mixoma, sendo proposto tratamento cirúrgico.


Após esternotomia mediana longitudinal, procedeu-se às canulações da aorta ascendente e das veias cavas superior e inferior, estabelecimento da circulação extracorpórea (CEC) com hipotermia moderada a 27ºC e utilização de cardioplegia cristalóide St. Thomas a 4ºC. Realizada atriotomia direita que não apresentava massas tumorais ou trombos, procedendo-se, então, a incisão transseptal, com visibilização de três massas unidas, diferentemente do ecocardiograma pré-operatório, originadas na desembocadura das veias pulmonares e na parede póstero-lateral atrial esquerda.

Posteriormente, realizou-se a ressecção das massas com eletrocautério convencional, sendo o material encaminhado para estudo anatomopatológico, confirmando-se o diagnóstico de mixoma. Em seguida, foi realizada revisão da cavidade, que não apresentava trombos ou massas, septoplastia, atriorrafia direita e saída de CEC, sendo o paciente encaminhado à recuperação cardíaca pósoperatória, recebendo alta no quarto dia após o procedimento.

No terceiro mês de acompanhamento pós-operatório, o paciente encontrava-se em classe funcional I da NYHA, com normalização dos padrões ecocardiográficos das câmaras direita e esquerda, bem como incremento da FE para 78%, com ausência de trombos intracavitários em AE e valva mitral dentro dos parâmetros da normalidade (Figura 2).


DISCUSSÃO

Os mixomas são os tumores cardíacos mais comuns, sendo geralmente solitários e localizados no AE. Bossert et al. [3] relataram apresentações anômalas dos tumores cardíacos em um estudo com 77 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico, sendo confirmado mixoma em 59. Destes, 44 localizavam-se no AE, quatro no átrio direito (AD), biatrial em 10 casos e um paciente apresentava localização em VE.

Em outro estudo abrangendo 49 pacientes com diagnóstico de mixoma, 61,2% localizavam-se no septo interatrial, 26,5% em outras partes do AE, 6,1% originandose na valva mitral, 4,1% do AD e biatrial em 2%. Em um caso foi observado o tumor originando-se na base ventricular da valva mitral e outro apresentando múltiplos mixomas em ambos os átrios [4].

Há relatos de mixomas múltiplos em VD, originando-se da base ventricular da valva tricúspide e do septo interventricular [5], bem como múltiplos mixomas localizados em AD e VD, originando-se da parede livre do AD e da parede livre do VD, logo abaixo da valva tricúspide e do ápice ventricular [6].

Devido à localização e à morfologia menos prevalente do mixoma atrial em região atrial esquerda e morfologia multilobular, este presente relato evidencia uma apresentação morfológica rara e atípica dos mixomas, com manifestações clínicas clássicas, resultado cirúrgico pósoperatório satisfatório e recuperação funcional total do paciente em pós-operatório em curto prazo.

Artigo recebido em 18 de março de 2010

Artigo aprovado em 7 de junho de 2010

Trabalho realizado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil.

  • 1. Reynen K. Cardiac myxomas. N Engl J Med. 1995;333(24):1610-7.
  • 2. Vale MP, Freire Sobrinho A, Sales MV, Teixeira MM, Cabral KC. Mixoma gigante em átrio esquerdo: relato de caso. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(2):276-8.
  • 3. Bossert T, Gummert JF, Battellini R, Richter M, Barten M, Walther T, et al. Surgical experience with 77 primary cardiac tumors. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2005;4(4):311-5.
  • 4. Keeling IM, Oberwalder P, Anelli-Monti M, Schuchlenz H, Demel U, Tilz GP, et al. Cardiac myxomas: 24 years of experience in 49 patients. Eur J Cardiothorac Surg. 2002;22(6):971-7.
  • 5. Lobo Filho JG, Sales DLS, Borges AEPP, Leitão MC. Mixoma de átrio direito com prolapso para o ventrículo direito. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(2):217-20.
  • 6. Attar MN, Sharman DC, Al-Najjar Y, Moore RK, Millner RW, Khan SX. A rare case of multiple right heart myxomas. Int J Cardiol. 2007;118(2):e66-7.
  • Endereço para correspondência:

    José Carlos Dorsa Vieira Pontes
    Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Departamento de Clínica Cirúrgica
    Av. Senador Filinto Muller, S/N
    Campo Grande, MS, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Mar 2010
    • Aceito
      07 Jun 2010
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