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Crescimento e antropometria em pacientes com paralisia cerebral hemiplégica

Resumos

OBJETIVO: Analisar o crescimento linear, o perímetro cefálico e as diferenças antropométricas entre o lado envolvido e o não-envolvido de 24 crianças com paralisia cerebral (PC) hemiplégica, comparados à média para a idade. MÉTODOS: Estudo transversal com amostragem consecutiva de crianças com PC, classificadas clinicamente como hemiplegia espástica. As medidas antropométricas incluíram: peso, estatura, perímetro cefálico, comprimento total de membro superior, comprimento da mão, largura da palma da mão, comprimento total do membro inferior, comprimento do pé e a circunferência dos membros (braço, coxa e panturrilha). As diferenças antropométricas entre os dimídios foram calculadas em centímetros e como porcentagem de encurtamento, comparando o lado envolvido com o não-envolvido. Dois referenciais populacionais, tabelas de crescimento e o software ABase®, desenvolvido para sistema PalmOS, foram comparados na classificação das medidas do comprimento da mão e do pé. A análise estatística utilizou o coeficiente de correlação de Spearman para avaliar a associação entre variáveis quantitativas e o teste não-paramétrico de Wilcoxon para comparar as medidas do lado envolvido e não-envolvido. RESULTADOS: As médias de peso, estatura e perímetro cefálico se mostraram dentro dos limites normais para a idade e 21% dos pacientes apresentaram microcefalia. A discrepância entre os dimídios foi evidente em todos os casos, sendo maior na largura e comprimento da mão. Houve correlação da dis observada entre os membros superiores e inferiores no lado envolvido (r=0,48) e a discrepância aumenta com a idade (r=0,44). CONCLUSÕES: O maior comprometimento no crescimento das crianças com paralisia cerebral estudadas ocorreu nos membros envolvidos pela hemiplegia e, em menor proporção, no perímetro cefálico.

antropometria; paralisia cerebral; hemiplegia; crescimento; criança


OBJECTIVE: To analyze the linear growth, the head circumference and the anthropometric differences between involved and non-involved sides of 24 children with hemiplegic cerebral palsy, comparing them to standard values for age. METHODS: This cross-sectional study enrolled 24 consecutive children with cerebral palsy clinically classified as spastic hemiplegia. The anthropometric measures included: weight, lenght, head circumference, total upper limb length, hand length, palm width, total lower limb length, foot length, and limb circumference of upper-arm, thigh and calf. The anthropometric differences between both sides were calculated in centimeters and a comparison of the involved and non-involved sides was made. Two different reference values were used to compare the measures of hand and foot length: growth charts and the software ABase® (a PalmOS-based software). The Spearman's correlation coefficient was estimated for the association between quantitative variables and the Wilcoxon non-parametric test was used for age comparisons between involved and noninvolved sides. RESULTS: The mean values of weight, length and head circumference were within the normal range for age and 21% of the children presented microcephaly. Discrepancy was noted between both sides in all cases, being the largest discrepancy in hand length and width. There was a positive correlation between the discrepancy observed in superior and inferior affected limbs (r=0.48), and discrepancy increases with age (r=0.44). CONCLUSION: Growth impairment in children with hemiplegic cerebral palsy was observed on the affected limbs and in smaller proportion in head circumference.

anthropometry; cerebral palsy; hemiplegia; growth; child


ARTIGO ORIGINAL

Crescimento e antropometria em pacientes com paralisia cerebral hemiplégica

Marise Bueno ZontaI; Fábio AgertII; Sandra Regina B. MuzzolonIII; Sérgio Antonio AntoniukIV; Neiva Isabel R. MagdalenaV; Isac BruckIV; Lúcia Helena C. dos SantosVI

IFisioterapeuta; Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pelo Programa de Pós-graduação do Departamento de Pediatria da UFPR, Curitiba, PR, Brasil

IIMédico; Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pelo Programa de Pós-graduação do Departamento de Pediatria da UFPR, Curitiba, PR, Brasil

IIIPsicóloga; Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pelo Programa de Pós-graduação do Departamento de Pediatria da UFPR, Curitiba, PR, Brasil

IVNeuropediatra; Professor do Departamento de Pediatria da UFPR, Curitiba, PR, Brasil

VGeneticista; Professora do Departamento de Pediatria da UFPR, Curitiba, PR, Brasil

VIPediatra; Neuropediatra; Professora adjunta do Departamento de Pediatria da UFPR, Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marise Bueno Zonta Rua Floriano Essenfelder, 81 CEP 80060-270 - Curitiba/PR E-mail: marise.bzonta@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar o crescimento linear, o perímetro cefálico e as diferenças antropométricas entre o lado envolvido e o não-envolvido de 24 crianças com paralisia cerebral (PC) hemiplégica, comparados à média para a idade.

MÉTODOS: Estudo transversal com amostragem consecutiva de crianças com PC, classificadas clinicamente como hemiplegia espástica. As medidas antropométricas incluíram: peso, estatura, perímetro cefálico, comprimento total de membro superior, comprimento da mão, largura da palma da mão, comprimento total do membro inferior, comprimento do pé e a circunferência dos membros (braço, coxa e panturrilha). As diferenças antropométricas entre os dimídios foram calculadas em centímetros e como porcentagem de encurtamento, comparando o lado envolvido com o não-envolvido. Dois referenciais populacionais, tabelas de crescimento e o software ABase®, desenvolvido para sistema PalmOS, foram comparados na classificação das medidas do comprimento da mão e do pé. A análise estatística utilizou o coeficiente de correlação de Spearman para avaliar a associação entre variáveis quantitativas e o teste não-paramétrico de Wilcoxon para comparar as medidas do lado envolvido e não-envolvido.

RESULTADOS: As médias de peso, estatura e perímetro cefálico se mostraram dentro dos limites normais para a idade e 21% dos pacientes apresentaram microcefalia. A discrepância entre os dimídios foi evidente em todos os casos, sendo maior na largura e comprimento da mão. Houve correlação da dis observada entre os membros superiores e inferiores no lado envolvido (r=0,48) e a discrepância aumenta com a idade (r=0,44).

CONCLUSÕES: O maior comprometimento no crescimento das crianças com paralisia cerebral estudadas ocorreu nos membros envolvidos pela hemiplegia e, em menor proporção, no perímetro cefálico.

Palavras-chave: antropometria; paralisia cerebral; hemiplegia; crescimento; criança.

Introdução

A paralisia cerebral (PC), também denominada encefalopatia crônica não-progressiva da infância, é consequência de uma lesão no cérebro em fase de maturação estrutural e funcional, no período pré, peri ou pós-natal(1). Crianças com PC em geral crescem menos, apresentando peso e estatura menores que as saudáveis da mesma idade(2). Rotta(3) enfatiza que estas, além de evoluírem com estatura e peso mais baixos, apresentam também menor resistência às infecções, pontuando a importância do cérebro normal para uma constituição física normal.

A etiologia do retardo no crescimento de crianças com doenças crônicas como a PC é multifatorial(4), podendo estar relacionada a fatores não-nutricionais resultantes das malformações cerebrais ou de lesões responsáveis pela incapacidade da criança(2,5). O momento da agressão que levou à PC(6), o tipo de desordem no movimento(2), a gravidade do envolvimento da PC, especialmente em relação à autoalimentação e à capacidade de deambulação(7), e o grau de limitação na atividade física(4) têm sido apontados como fatores que influenciam as alterações no crescimento.

O retardo no crescimento é maior na forma quadriplégica espástica(4,8), mas também é documentado em crianças com diplegia e hemiplegia(2), mesmo na ausência de desnutrição. Em crianças com PC, aproximadamente 35 a 40% são do tipo hemiplégica espástica, com um lado do corpo mais afetado que o outro(9,10). Estudos prévios apontam alterações no crescimento(10,11) e atraso no desenvolvimento muscular(5,11) e na maturação óssea(12) dos membros envolvidos das crianças com hemiplegia.

Devido às relações básicas entre o crescimento de diferentes partes do corpo, a interferência no crescimento normal pode ser demonstrada pela antropometria, estudo das medidas comparativas do corpo humano(6). Essa técnica é simples, não-invasiva e sem custos adicionais, sendo a ferramenta de escolha para avaliar dismorfismos em crianças, porém pouco utilizada na prática clínica(13). Dentre as possíveis razões para o seu pouco uso, destacam-se: acesso limitado dos profissionais a valores apropriados de referência, tempo despendido na mensuração e tempo consumido para colocação nas tabelas de crescimento. Atualmente, programas específicos, como o software ABase®, desenvolvidos para sistema PalmOS de computadores de bolso, fornecem dados antropométricos que permitem a comparação rápida das medidas, considerando a idade e o sexo do paciente(13).

Nesse contexto, propõe-se, neste estudo, uma análise do crescimento linear, do perímetro cefálico e das diferenças antropométricas entre os dimídios de crianças com PC hemiplégica além de se avaliar a relação entre o perímetro cefálico versus função cognitiva e das diferenças antropométricas versus função motora.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal descritivo. A amostra consecutiva consistiu de crianças com PC do tipo hemiplégica espástica, em acompanhamento no Ambulatório de Espasticidade em Pediatria (AEP) do Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), com faixa etária entre 3 e 5 anos de idade, atendidas no período de junho de 2005 a abril de 2006, com mobilidade independente e comprometimento motor classificado como níveis 1 e 2, de acordo com o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS)(14). Nesse ambulatório, que engloba crianças com PC provenientes de diferentes serviços, as avaliações são realizadas por uma equipe multidisciplinar, sendo da responsabilidade da última autora a avaliação neurológica e a classificação funcional. As orientações são realizadas pelos profissionais específicos (fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo e enfermeiro) de forma individualizada a cada uma das famílias. Nenhuma das crianças deste estudo apresentou história concomitante de doença genética, metabólica, neurodegenerativa ou qualquer outra alteração que pudesse influenciar o crescimento. Não foram excluídas crianças prematuras ou que tiveram baixo peso ao nascimento. O estudo teve início após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital de Clínicas da UFPR. Os responsáveis pelas crianças concordaram com sua participação no estudo, assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A antropometria foi realizada no período matutino, por um único profissional, de acordo com normas padronizadas(15), aferindo-se o comprimento total do membro superior, o comprimento da mão, a largura da palma da mão, o comprimento total do membro inferior, o comprimento do pé e a circunferência dos membros (braço, coxa e panturrilha). A discrepância encontrada entre os dois dimídios foi calculada em centímetros e como porcentagem, pela comparação com o lado não-envolvido, de acordo com fórmula adaptada do estudo de Demir et al(16).

Os valores das aferições de comprimento da mão foram comparados com os dados de Feingold e Bossert(17) e, para o comprimento do pé, com os dados de Blais et al(18) para meninos e meninas, utilizados por Hall et al(15). Essas mesmas medidas foram comparadas com os valores de Freeman por meio do software de distribuição gratuita ABase®(13,19), que oferece valores de referência para 18 medidas antropométricas frequentemente usadas para os dismorfismos, sendo os resultados expressos em texto e tabelas digitais de crescimento. Neste estudo, o resultado foi expresso na forma de texto.

As aferições de peso, estatura e perímetro cefálico foram realizadas no período matutino, durante as consultas. Todas as crianças foram medidas com antropômetro de madeira em decúbito dorsal. As aferições de peso foram realizadas em balança mecânica de marca Fillizola, já que todas as crianças eram nível 1 e 2 do GMFSC, podendo ficar em pé. Os escores Z foram calculados com o software ABase®, que tem como referência a população europeia(19). Todas essas medidas, expressas em percentil ou escore Z, foram consideradas anormais quando diferiam em 2 desvios padrão acima ou abaixo da média ou fora do quinto ou 95º percentis(19).

A função motora foi avaliada através da escala medida da função motora grossa (do inglês gross motor function measure, GMFM)(20), desenvolvida e validada para crianças com PC(21), sendo amplamente aceita inclusive no Brasil(22). A escala foi aplicada por um único profissional, habilitado e consiste em 88 itens que avaliam a função relacionada a cinco dimensões de evolução motora: (A) deitar e rolar, (B) sentar, (C) ajoelhar e engatinhar, (D) ficar em pé, (E) andar, correr e pular.

O teste WPPSI-R(23) foi utilizado para a avaliação cognitiva. Esse instrumento clínico é uma revisão completa de 1989 do WPPSI (Wechsler preschool and primary scale of intelligence), designado para administração individual e avaliação de diferentes aspectos da inteligência de crianças de 3-7 anos. Contém, em sua composição, 12 subtestes divididos igualmente nas áreas verbal e performance.

Os resultados obtidos no estudo foram expressos por médias e desvios padrões, ou por frequências e percentuais. Para avaliar a associação entre variáveis quantitativas, foi estimado o coeficiente de correlação de Spearman. Compararam-se os resultados dos lados (envolvido e não-envolvido) em relação a variáveis quantitativas por meio do teste não-paramétrico de Wilcoxon, considerando-se significante p<0,05. Os dados foram analisados com auxílio do programa computacional Statistica versão 6®.

Resultados

Vinte e quatro crianças com paralisia cerebral tipo hemiplegia espástica participaram deste estudo, sendo 19 (79%) do gênero masculino, com média da idade 49±5 meses. Quanto à lateralidade, 11 (46%) apresentavam o lado direito envolvido. Cinco (21%) foram prematuros e 19 (79%) nascidos a termo. Três pacientes do gênero masculino tinham estatura abaixo do -2 desvios padrão (-2DP). Desses três, dois apresentavam também déficit ponderal e microcefalia, sendo um deles prematuro, e ambos, ao nascimento, pequenos para a idade gestacional. O status cognitivo foi considerado normal (>80) em 13 crianças (57%) e havia retardo em dez (43%). A correlação do status cognitivo com o perímetro cefálico não apresentou significância estatística (r=0,04; p=0,85). A avaliação da função motora grossa aferiu um escore médio de 93±12%.

O peso médio aferido foi 15,5±1,5kg e a estatura média, 99,7±4,6cm. O perímetro cefálico médio foi de 48,8±2,3cm e, em 21% das crianças, encontrava-se abaixo de -2DP. Informações referentes a esses dados e seus respectivos escores Z e percentis, para cada criança, estão descritas na Tabela 1.

Todas as crianças deste estudo apresentaram encurtamento no lado envolvido em pelo menos três das aferições realizadas. Todas as médias para as medidas de comprimento, largura e circunferência aferidas foram significativamente menores do lado envolvido, comparadas às mesmas médias do lado não-envolvido (p<0,001). A maior desproporção foi observada no comprimento e na largura da palma da mão (Tabela 2). A análise de correlação mostrou que, quanto maior a diferença no comprimento total do membro superior envolvido, maior a diferença observada no comprimento (r=0,54) e na largura da palma da mão (r=0,52). Quanto maior a diferença na largura da palma da mão, maior a do pé (r=0,48). Quanto maior a idade, maior a porcentagem de encurtamento na circunferência do braço, sendo que, quanto maior a idade, maior a discrepância encontrada (r=0,44).

Comparando os dados obtidos pela tabela de crescimento e software ABase®, observaram-se resultados divergentes em 32% para o comprimento da mão e em 18% para o comprimento do pé (Tabelas 3 e 4). Estas divergências mostram que o software ABase® conferiu valores menores, exceto em um caso. Além disso, houve discordância na classificação de normalidade em três pacientes para o comprimento da mão e, em dois, para o comprimento do pé.

Discussão

O crescimento é fundamental no desenvolvimento da criança, sendo um marcador de sua saúde e bem-estar(24). O crescimento anormal entre os dimídios nas crianças com PC de forma hemiplégica é usado como modelo para o estudo da influência dos fatores não-nutricionais no crescimento. O fato de que cada criança é o seu próprio controle permite eliminar fatores como a desnutrição, endocrinológicos, gênero, raça, estatura média dos pais e estádio puberal(5).

Uma vez que não existe diferença significativa entre os dimídios na criança normal, já constatado por Demir et al(16), foi utilizado neste estudo o lado não-envolvido para comparação com o envolvido nas crianças com PC hemiplégica, como descrito por Stevensen et al(5) e Van Heest et al(25), que também incluíram ambos os sexos na mesma amostra. As alterações no crescimento linear ou específico dos membros das crianças com PC e o perímetro cefálico podem ser aferidos e comparados com valores de referência para a população geral.

Embora a antropometria seja a técnica de escolha para avaliar dismorfismos em crianças, na prática ela é pouco utilizada. O consumo de tempo e a eventual indisponibilidade de tabelas apropriadas para as várias mensurações do corpo poderiam ser responsáveis por este fato. O software ABase®(13) foi idealizado com o intuito de amenizar esse problema. Neste estudo, os resultados obtidos pelos dois métodos, tabelas de crescimento e software ABase®, foram comparados, mostrando algumas diferenças. As tabelas de crescimento oferecem intervalos para classificação das medidas do paciente, enquanto o software ABase®, utilizado na forma de texto, fornece um número específico. No presente estudo, em cerca de um quarto dos pacientes houve divergência entre a informação do software ABase® e da curva de crescimento. O fato do software ABase® ter como referência a população europeia(19) pode ser um dos motivos dessas discordâncias. No presente estudo, ao verificar a simetria e as proporções de cada indivíduo, as tabelas de crescimento forneceram informações que propiciaram maior facilidade na comparação entre as medidas dos dois dimídios. Por outro lado, dependendo do objetivo da avaliação antropométrica, instrumentos como o software ABase® simplificam a avaliação, considerando-se especialmente o consumo de tempo. O fato dos resultados obtidos por esses dois referenciais não serem intercambiáveis sugere que a escolha do referencial deve ser feita previamente e mantida em todas as avaliações.

Holt(26) analisou o crescimento de 50 crianças com hemiplegia e observou tendência a estarem abaixo do peso e estatura, comparando-as com a média populacional, enquanto Maekawa et al, citados por Uvebrant(11), não encontraram essa tendência. Na amostra aqui estudada, as médias estavam dentro da normalidade, embora três pacientes apresentassem déficit pôndero-estatural não relacionado a fatores nutricionais e se encontram em investigação. Uvebrant(11) analisou 169 crianças com hemiplegia e observou que as médias do peso e altura também não foram significativamente diferentes do normal. Os dados do presente estudo concordam com a ausência de diferença no crescimento linear dessas crianças em relação à população normal.

Talvez um dos fatores que estimule o crescimento linear nos pacientes com hemiplegia seja a possibilidade de um desempenho motor próximo ao normal. O escore médio na GMFM (93%) nessa amostra indicou uma capacidade motora muito próxima da normal, tendo em vista que o esperado, nessa escala, é que aos cinco anos uma criança normal complete 100% dos itens. Estudos têm demonstrado o benefício da atividade física no estímulo ao crescimento e desenvolvimento(27), enquanto outros consideram que a gravidade da alteração no crescimento na PC poderia também estar relacionada à restrição dessa atividade(4). O estudo de Ibrahim e Hawamdeh(8) associou o crescimento mais adequado na PC à melhor função motora e evidenciou menor comprometimento nos hemiplégicos comparados aos diplégicos e quadriplégicos. O fato de as crianças deste estudo terem apresentado uma função motora próxima do normal indica uma grande probabilidade de virem a ter também uma participação social e indicadores de saúde mais adequados do que as crianças com PC com maiores alterações no crescimento, como demonstrado por Stevensen et al(24).

O perímetro cefálico, considerado uma das medidas mais importantes na infância, reflete o volume intracraniano do cérebro em desenvolvimento. A discrepância em sua proporção pode indicar processos patológicos(15). Nesse estudo, 21% dos pacientes apresentaram microcefalia. Stewart, citado por Uvebrant(11), encontrou perímetro cefálico reduzido em quase todos os casos de hemiplegia examinados em seu estudo, o que não foi confirmado nesta pesquisa e na de Uvebrant(11), na qual 15% tinham perímetro cefálico menor que -2DP. Recentemente Ibrahim e Hawamdeh(8) observaram uma diminuição significativa do perímetro cefálico nas meninas hemiplégicas.

Poucos estudos tentaram associar microcefalia e função cognitiva. O teste WIPPSI-R(23) aqui utilizado para a avaliação cognitiva é aceito pelo Conselho Federal de Psicologia para essa faixa etária. Esse teste é aplicado há alguns anos no ambulatório de Recém-Nascidos de Risco do Hospital de Clínicas da UFPR, detectando aos 5 anos um quociente de inteligência <80 nas crianças que apresentaram duas ou mais reprovações no Denver II aos 2 anos de idade, com sensibilidade e especificidade de 70%(28). No presente estudo, não houve correlação entre função cognitiva e perímetro cefálico. Já Uvebrant(11) notou que as crianças com perímetro cefálico <-2DP apresentaram um aumento de 55% na incidência de retardo mental, enquanto aquelas com perímetro >-2DP tiveram um aumento de 21%.

Em contraste com a estatura e o peso normais, a assimetria do crescimento entre os dimídios nas crianças com hemiplegia analisadas foi evidente, sendo o lado envolvido menor e mais curto nas medidas de comprimento, largura e circunferência, dados também observados por Stevensen et al(5). Uvebrant(11) observou hipotrofia em 96% dos casos e alteração frequente no crescimento dos membros envolvidos com discrepância média de 15mm no membro superior e 6mm no inferior. No presente estudo, essas médias foram respectivamente 12,2mm e 6,5mm. Holt(26) observou que 20% das crianças hemiparéticas tinham encurtamento da perna envolvida >2,5%, correspondendo a 20mm; 62% <20mm e 18% nenhum encurtamento. No estudo de Uvebrant(11), esses achados foram 13, 75 e 12% respectivamente e, nesta amostra, foram 8, 50 e 42%. Observou-se também, na presente amostra, que o encurtamento do braço foi mais marcante do que o da perna. A maior desproporção entre os dimídios na hemiplegia estaria localizada na mão e no pé(10); porém, no presente estudo, a maior desproporção foi observada no comprimento e na largura da palma da mão e, em seguida, na circunferência do braço, concordando com Tizard et al(29).

Existe controvérsia sobre a relação entre a discrepância no crescimento do lado envolvido e a idade(5,16,24). Neste estudo, a idade média foi menor e mais homogênea comparada à observada pelos outros pesquisadores que investigaram a relação entre a discrepância no crescimento do lado envolvido e a idade(5,16,24); mesmo assim, observou-se que, quanto maior a idade, maior a porcentagem de redução na circunferência do braço envolvido. Isso reforça o termo preferido por Tizard et al(29), 'undergrowth', menor crescimento, pois o processo do encurtamento está relacionado à dificuldade no crescimento, e não a seu retrocesso. Mesmo que tardiamente haja piora pelo desuso, o encurtamento nos membros se dá precocemente durante o crescimento. No desenvolvimento normal, o crescimento de diferentes partes do corpo segue um curso previsível e proporcional(15). A relação observada entre as medidas do membro superior e inferior no lado envolvido sugere existir uma tendência natural para o crescimento proporcional desse dimídio, mesmo que a assimetria em relação ao lado não-envolvido seja evidente.

A causa da discrepância entre os dimídios na PC hemiplégica não foi totalmente esclarecida. Dentre as hipóteses discutidas, destacam-se: menor fluxo sanguíneo para os membros, lesões no córtex pós-central e consequente desuso, e, provavelmente, a associação desses fatores(11). Stevensen et al(30), investigando os mecanismos do crescimento anormal na PC, questionaram se intervenções não-nutricionais, como colocação de peso e fisioterapia, poderiam ter impacto positivo no crescimento dessas crianças, o que até o momento não foi esclarecido. Demir et al(16) encontraram diferenças significativas nas medidas de membro superior entre os dimídios de crianças com PC hemiplégica, porém o grau do encurtamento não se relacionou à espasticidade. A influência da fisioterapia não pode ser controlada no presente estudo, visto que esses pacientes realizavam tal tratamento em vários outros locais. São necessários novos estudos para verificar a influência de alterações (como o grau de espasticidade, fraqueza muscular e alterações na sensibilidade) no menor crescimento do lado envolvido e sua relação com o uso funcional nas crianças com PC hemiplégica, bem como a investigação de fatores que possam estimular o melhor crescimento do dimídio envolvido e a influência do tratamento fisioterápico.

A inclusão de cinco crianças prematuras pode ser questionada, porém não existem estudos que façam essa comparação em prematuros, tanto adequados como pequenos para a idade gestacional. Futuros estudos com um maior número de pacientes prematuros serão necessários para comprovar esses achados.

Em conclusão, pode-se afirmar que as alterações mais frequentes encontradas no crescimento de crianças com PC de forma hemiplégica se referem à discrepância entre os dimídios e ao perímetro cefálico, não se observando alteração no crescimento linear. A discrepância entre os dimídios foi evidente, mais importante na largura e comprimento da mão, e 21% dos pacientes apresentaram microcefalia não-relacionada à função cognitiva. Os referenciais de normalidade utilizados, tabelas de crescimento e software ABase®, não se mostraram intercambiáveis, sendo importante que o pediatra valorize a seleção prévia do instrumento e o mantenha no decorrer das avaliações.

Recebido em: 18/12/08

Aprovado em: 10/6/09

Instituição: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

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  • Endereço para correspondência:

    Marise Bueno Zonta
    Rua Floriano Essenfelder, 81
    CEP 80060-270 - Curitiba/PR
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      10 Jun 2009
    • Recebido
      18 Dez 2008
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