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REPENSANDO OS LETRAMENTOS PELA PERSPECTIVA PÓS-HUMANISTA

RETHINKING LITERACIES ACCORDING TO THE POSTHUMANIST PERSPECTIVE

RESUMO

O pós-humanismo não apenas convida a repensar a unidade básica de referência para o ser humano e as ciências humanas, como expande o conceito de (prática) social para abranger os seres humanos e os agentes não-humanos interagindo socialmente de forma mais horizontal e simétrica. A pesquisa sobre letramentos, diante dessa nova forma de olhar para o mundo, exige uma nova proposta teórica que supere binarismos usuais nesse campo de estudo tais como digital/analógico e múltiplos/único, entre outros. Portanto, este trabalho objetiva propor uma reflexão sobre o conceito de letramentos como práticas sociais sob uma perspectiva pós-humanista, considerando novas ideias vigentes na literatura sobre pós-humanismo, agência, cognição e subjetividade. Utiliza-se como método a pesquisa bibliográfica, tendo como principais referenciais os trabalhos da filósofa Rosi Braidotti sobre o pós-humanismo crítico, da crítica literária Nancy Hayles sobre a condição pós-humana, da física e teórica feminista Karen Barad acerca do realismo agencial e do linguista aplicado Alastair Pennycook acerca especificamente de sua proposta de uma linguística aplicada pós-humanista. O resultado dessa reflexão teórica indica que uma concepção pós-humanista de letramentos demanda que essas práticas sejam entendidas como práticas materiais-discursivas, isto é, práticas em que matéria e discurso emergem conjuntamente por intra-ação, o que implica um outro olhar para o que seriam os contextos, os sujeitos e os objetos dos letramentos. Por consequência, é também necessário considerar que os significados constitutivos dos letramentos não são isolados em unidades como palavras ou ideias de significantes, mas sim na rede material-discursiva construída por intra-ação.

Palavras-chave:
letramentos; pós-humanismo; realismo agencial

ABSTRACT

Posthumanism not only invites us to rethink the basic unit of reference for the human being and the human sciences, but also expands the concept of social (practice) to encompass human beings and nonhuman agents, interacting socially in a more horizontal and symmetrical way. The research on literacy, in this new way of looking at the world, requires a new theoretical proposal that surpasses usual binarisms in this field of study such as digital/analog and multiple/single, among others. Therefore, this paper aims to propose a reflection on the concept of literacies as social practices from a posthumanist perspective, considering new ideas in the posthumanism literature on agency, cognition and subjectivity. The methodology used in this paper is the bibliographic research and the main references are the works of the philosopher Rosi Braidotti on the critical posthumanism, the literary critic Nancy Hayles on the posthuman condition, the feminist theorist and theoretical physicist Karen Barad on the agential realism, and the applied linguist Alastair Pennycook specifically on his proposal of a posthumanist applied linguistics. The result of this theoretical reflection indicates that a posthumanist conception of literacies demands that these practices be understood as material-discursive practices, that is, practices in which matter and discourse emerge together by intra-action, implying another look at what the contexts, the subjects, and the objects of the literacies would be. Consequently, it is also necessary to consider that the constitutive meanings of the literacies are not isolated in units as words or ideas of signifiers, but in the material-discursive network constructed by intra-action.

Keyword:
literacies; posthumanism; agential realism

INTRODUÇÃO

O movimento do pós-humanismo propõe repensar não só a centralidade atribuída ao ser humano nas práticas sociais e epistêmicas, como a própria visão histórica humanista do sujeito. Braidotti (2013)BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press. indica que é preciso ver de outras maneiras as relações que se estabelecem entre todos os elementos presentes no espaço, quer sejam humanos ou não. Como consequência, áreas de conhecimento como a Linguística Aplicada e a Educação também necessitam ser reconfiguradas para se alinharem a esse novo modo de concepção dos agentes e da estrutura social.

Partindo dessa abertura para olhar as nossas relações sociais, este artigo integra um projeto de doutorado que tem por objetivo analisar como as concepções vigentes de letramentos e formação de professores de língua inglesa são impactadas pela perspectiva pós-humanista. Na fase subsequente, haverá observação participante em escolas urbanas, rurais e em aldeias do oeste do Mato Grosso do Sul com o intuito de relacionar a teoria com esses espaços. Como resultado inicial da pesquisa, apresento, neste artigo, uma reflexão teórica, que objetiva estabelecer relações entre ideias pós-humanistas e pesquisas dos (multi)letramentos já conhecidas pelos linguistas aplicados do Brasil.

Primeiramente, é apresentada a distinção entre pós-humanismo, condição pós-humana, transumanismo e pós-humanismo crítico, com base nos trabalhos de Braidotti (2013BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press., 2016)BRAIDOTTI, R. (2016). Posthuman critical theory. In: BANERJI, D; PARANJABE, M. (Orgs). Critical posthumanism and planetary futures. New Delhi: Springer India., Hayles (1999HAYLES, N. K. (1999). How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press., 2011HAYLES, N. K. (2011). Wrestling with Transhumanism. In: GRASSIE, W.; HANSELL, G. R. (Org.). H+/-: Transhumanism and its critics. Philadelphia: Metanexus Institute., 2014)HAYLES, N. K. (2014). Posthumanism, Technogenesis, and Digital Technologies: A Conversation with Katherine N. Hayles. Entrevistador: Holger Pötzsch. The Fibreculture Journal, v. 23. e Pennycook (2016PENNYCOOK, A. (2016). Posthumanist Applied Linguistics. Applied Linguistics. 39(4):445-61., 2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., sendo tais concepções amplamente relevantes para as discussões sobre a perspectiva em questão. Em um segundo momento, discorro sobre a proposta de uma Linguística Aplicada pós-humanista, feita por Pennycook (2016PENNYCOOK, A. (2016). Posthumanist Applied Linguistics. Applied Linguistics. 39(4):445-61., 2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., procurando mostrar algumas lacunas sobre letramentos que uma abordagem pós-humanista em Linguística Aplicada, voltada para o ensino de letramentos e a formação de professores, deveria explorar.

A partir dessa constatação, trago para a reflexão o problema das novas formas de relacionar materialidade e discurso, dois elementos centrais dos letramentos, e proponho abordar tal problema pela ótica do assim chamado realismo agencial2 2 O realismo agencial é uma teoria proposta por Barad (2007) e que faz parte de um quadro teórico maior, o novo materialismo. de Barad (2007)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press.. Com isso, pode-se partir para um novo olhar sobre o que temos chamado de práticas de letramentos, conceito fundamental para os estudos dos letramentos em geral.

1. PÓS-HUMANISMOS, CONDIÇÃO PÓS-HUMANA E TRANSUMANISMO

Movimentos políticos, sociais ou filosóficos normalmente podem ser reconhecidos a partir de várias características; todavia, os diversos elementos são constituídos de vertentes internas, sendo que os elementos do ideário geral de tais movimentos não estão obrigatoriamente presentes em todas as vertentes. O feminismo serve como exemplo disso. Entre as possíveis perspectivas, há o feminismo pós-moderno de Butler (2013)BUTLER, J. (2013). Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do “pós-modernismo”. Cadernos Pagu, 0(11), 11-42., a visão socialista-feminista de Haraway (1991)HARAWAY, D. J. (1991). A Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist-Feminism in the Late Twentieth Century. In: Simians, cyborgs, and women: the reinvention of nature. New York: Routledge., relacionada à ciência, e ainda o feminismo radical de autoras como MacKinnon (1994)MACKINNON, C. A. (1994). Feminism Unmodified: Discourses on Life and Law. Harvard University Press.. Apesar de trazerem visões diferentes, podem continuar sendo consideradas feminismo, por terem uma mesma espinha dorsal - o que, contemporaneamente, tem-se chamado de empoderamento feminino.

Essa variedade também está presente no pós-humanismo, um campo heterogêneo que reúne tanto novas abordagens filosóficas como discursos tecnocientíficos e ideologias não científicas voltadas para o mercado, religiões e mesmo para a ficção literária e cinematográfica. Todas essas vertentes trazem elementos que têm implicações sociais e políticas diferentes. Diante dessa diversidade de pensamentos dentro do movimento pós-humanista, faço, para fins da discussão que será apresentada, a distinção entre alguns pós-humanismos, condição pós-humana e transumanismo.

O pós-humanismo serve como termo guarda-chuva para vertentes pós-humanistas, entre elas o transumanismo. Apesar de o pós-humanismo e suas correntes, de maneira geral, compartilharem a ideia de um ser humano com uma condição mutável e flexível, e de buscarem uma tentativa de descentramento do conceito de humano oriundo do humanismo, as ideias de autores transumanistas, como More (2013)MORE, M. (2013). The Philosophy of Transhumanism. In: MORE, M.; VITA-MORE, N. (Orgs.). The Transhumanist Reader. Oxford: John Wiley & Sons, Ltd., causaram certo desentendimento sobre o que é, afinal, o pós-humanismo (FERRANDO, 2013FERRANDO, F. (2013). Posthumanism, transhumanism, antihumanism, metahumanism, and new materialisms. Existenz, 8(2), pp.26-32.).

Para More (2013, p. 3)MORE, M. (2013). The Philosophy of Transhumanism. In: MORE, M.; VITA-MORE, N. (Orgs.). The Transhumanist Reader. Oxford: John Wiley & Sons, Ltd., o transumanismo é um movimento e filosofia que “buscam, pela ciência e tecnologia, a continuidade e aceleração da evolução de vida inteligente além de suas formas humanas atuais e das limitações humanas guiadas por princípios e valores de promoção da vida”3 3 “… seek the continuation and acceleration of the evolution of intelligent life beyond its currently human form and human limitations by means of science and technology, guided by life-promoting principles and values.” (Tradução minha) . Esse aprimoramento envolve, por exemplo, práticas como medicina regenerativa, nanotecnologia, criônica e upload de consciência (FERRANDO, 2013FERRANDO, F. (2013). Posthumanism, transhumanism, antihumanism, metahumanism, and new materialisms. Existenz, 8(2), pp.26-32.).

Os transumanistas que seguem o pensamento de More entendem que alcançarão a condição pós-humana quando ultrapassarem os limites biológicos atuais dos humanos, de modo a não sofrerem por doenças ou envelhecimento e conseguirem vencer a inevitabilidade da morte (MORE, 2013MORE, M. (2013). The Philosophy of Transhumanism. In: MORE, M.; VITA-MORE, N. (Orgs.). The Transhumanist Reader. Oxford: John Wiley & Sons, Ltd.). Assim, para esses autores, o transumano é uma condição de passagem, um esforço voluntário feito agora para que se alcance um futuro pós-humano.

Para More (2013)MORE, M. (2013). The Philosophy of Transhumanism. In: MORE, M.; VITA-MORE, N. (Orgs.). The Transhumanist Reader. Oxford: John Wiley & Sons, Ltd., a condição pós-humana é um objetivo não muito claramente delimitado. Ser pós-humano, para o pesquisador, requer desde possuir capacidades cognitivas maiores que as atuais e emoções mais refinadas (mais amor e menos ódio, mais alegria e menos tristeza, por exemplo) até criar espaços para que essa condição seja plena, quer pela via da colonização espacial ou da criação de mundos virtuais complexamente ricos em novas possibilidades de crescimento e desenvolvimento. Em suma, ou se vencem as condições materiais hoje inevitáveis para o ser humano (as da Terra), ou se abre mão, definitivamente, da relação entre vida humana e materialidade física.

Todavia, de outro lado, temos estudiosos que acreditam que já estamos vivendo uma época pós-humana, no sentido de que não nos conformamos mais ao modelo humanista de humano. Umas das autoras que segue esse pensamento é Braidotti (2013)BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press., que inicia o debate em seu livro The Posthuman com a afirmação de que nenhum de nós pode afirmar com certeza que sempre fomos humanos, bem como não é possível dizer que somos apenas humanos; daí sermos, já, todos, pós-humanos. Para essa autora, haverá, em algum momento, a possibilidade de atingirmos novos tipos de identidades transversais que cruzam o humano, mas não se delimitam nele, e, por isso, o reconstituem. A isso tais autores chamam, justamente, de transumano.

A filósofa sugere que há um denominador comum para a condição pós-humana: a suposição de que a estrutura da matéria viva é autorregulada e não é necessariamente constituída por elementos que reconhecemos como parte da natureza. Nessa perspectiva, a condição pós-humana não está relacionada à transformação do ser pela tecnologia, como em More (2013)MORE, M. (2013). The Philosophy of Transhumanism. In: MORE, M.; VITA-MORE, N. (Orgs.). The Transhumanist Reader. Oxford: John Wiley & Sons, Ltd., mas sim ao entendimento de que humanos e não-humanos são parte de um continuum natureza-cultura, ou seja, de que não é possível afirmar se determinado comportamento humano é natural ou cultural, pois não existe uma linha clara e contínua traçada entre esses dois campos. Nisso, a autora apoia-se na visão socialista-feminista de Haraway (1991)HARAWAY, D. J. (1991). A Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist-Feminism in the Late Twentieth Century. In: Simians, cyborgs, and women: the reinvention of nature. New York: Routledge., precursora do pós-humanismo atual, por ter definido os seres da natureza-cultura como “ciborgues”.

Nancy Hayles (1999)HAYLES, N. K. (1999). How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press., uma crítica literária especializada em ficção científica e futurologia, também parte da premissa de que já somos pós-humanos; todavia, diferentemente de Braidotti (2013)BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press., ela sugere que a condição pós-humana surge com a articulação material e epistemológica (via cibernética) entre corpos humanos e máquinas, não havendo, caso se aceitem essas duas articulações, diferenças essenciais ou marcações absolutas entre a existência corpórea e a simulação computacional, mecanismo cibernético e organismo biológico, ou a teleologia robótica e os objetivos humanos.

Para essa pesquisadora, o pós-humano é um amálgama, pois, conforme uma visão cibernética, pode-se entender que ele é formado por uma variedade de componentes considerados como entidades material-informacionais. Num certo sentido, para Hayles (1999)HAYLES, N. K. (1999). How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press., a condição pós-humana do sujeito relaciona o corpo à ideia de prótese, que aprendemos a manipular desde quando nascemos, podendo essa prótese que nos é dada ao nascer ser estendida ou mesmo substituída, parcialmente, por outras próteses, de forma a levar o ser humano a uma constante construção e reconstrução de seu ser.

É importante ressaltar que Hayles (1999HAYLES, N. K. (1999). How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press., 2011)HAYLES, N. K. (2011). Wrestling with Transhumanism. In: GRASSIE, W.; HANSELL, G. R. (Org.). H+/-: Transhumanism and its critics. Philadelphia: Metanexus Institute. acredita que imaginar o futuro nunca é um ato politicamente inocente ou eticamente neutro. Nisso, seu pensamento difere frontalmente das propostas transumanistas, extremamente otimistas e notoriamente acríticas politicamente - como a de More (2013)MORE, M. (2013). The Philosophy of Transhumanism. In: MORE, M.; VITA-MORE, N. (Orgs.). The Transhumanist Reader. Oxford: John Wiley & Sons, Ltd., entre outros. Também Rüdiger (2007)RÜDIGER, F. (2007). Breve história do pós-humanismo: Elementos de genealogia e criticismo. E-compós, v. 8., em sua genealogia do pós-humanismo, posiciona-se em relação aos transumanistas dizendo que a visão de futuro por eles proposta é, no mínimo, fantasiosa.

Rüdiger (2007)RÜDIGER, F. (2007). Breve história do pós-humanismo: Elementos de genealogia e criticismo. E-compós, v. 8., um dos primeiros autores brasileiros vinculados aos estudos de linguagem e comunicação a ocupar-se de pós-humanismo, também aponta o fato de já sermos pós-humanos. Algumas marcas desse processo de mudança em nossa autoimagem são “as tecnologias criadoras de realidade virtual, a engenharia genética, a medicina restauradora, as operações de mudança de sexo, as próteses de todos os tipos, para não falar da exploração de outros mundos” (RÜDIGER, 2007RÜDIGER, F. (2007). Breve história do pós-humanismo: Elementos de genealogia e criticismo. E-compós, v. 8., p. 4). Para o autor, que assume a não-neutralidade dessas ideias, uma discussão urgente a ser realizada diz respeito ao tipo de pós-humanidade que queremos, pois o progresso técnico almejado pelos transumanistas, segundo uma visão efetivamente crítica, pode levar a uma concentração ainda maior de poderio político e privilégio econômico num pequeno grupo de elite, capaz de influir na (des)regulamentação dessas novas tecnologias e pagar pelo autoempoderamento aí implicado.

Assim sendo, no âmbito desta pesquisa, o transumanismo é um conjunto de propostas e crenças sobre um humano supostamente liberto de suas restrições ditas naturais e evolucionárias, ao passo que o pós-humanismo é um conjunto de discursos filosóficos e políticos sobre a condição pós-humana (presente e crescente) e seus desdobramentos políticos, sociais, epistemológicos e ontológicos. Como em todo campo heterogêneo de reflexão e pesquisa, é inevitável que aí também surja uma variedade de vertentes. Apresento aqui três dessas propostas que servem como referencial teórico para esta pesquisa. A primeira delas é a de Rosi Braidotti, filósofa contemporânea e teórica feminista; a segunda é de Nancy Hayles, crítica literária que relaciona os seus estudos à tecnociência, mais especificamente às diferentes ondas de desenvolvimento da teoria cibernética; e, por último, Alastair Pennycook, autor que tem buscado estabelecer uma conexão entre a Linguística Aplicada (doravante LA) - e suas preocupações tradicionais - e a ótica filosófica pós-humanista.

Para Braidotti (2013, p. 37)BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press., “o pós-humanismo é o movimento histórico que marca o fim da oposição entre o Humanismo e o anti-humanismo, e traça um referencial teórico discursivo diferente, olhando mais afirmativamente em direção a novas alternativas”4 4 “Posthumanism is the historical moment that marks the end of the opposition between Humanism and anti-humanism and traces a different discursive framework, looking more affirmatively towards new alternatives.” (Tradução minha) . Uma dessas alternativas é traçar novas teorias sobre o que é a subjetividade do humano. A autora considera que a ciência contemporânea e a biotecnologia afetam dramaticamente o entendimento do que é ser humano, já que a intervenção tecnológica criou a dependência entre esse ser e aparatos que estendem o corpo humano.

Em relação à biotecnologia, toma, como exemplo, o projeto Genoma Humano, que unificou toda a espécie humana em sequências informacionais de DNA. Esse sequenciamento permitiu a leitura de nossa cadeia genética por completo, fazendo com que, além de uma percepção biológica de nossos corpos, pudéssemos ser vistos como padrão informacional. Dessa maneira, a estrutura do ser humano se aproxima da estrutura de máquinas, já que ambas são igualmente redutíveis a padrões informacionais (cibernéticos), o que permite novos debates ontológicos. Braidotti (2013)BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press. é uma autora importante, também, porque suas ideias têm tido impacto explícito na LA (PENNYCOOK, 2018PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge.). Não por acaso, em vista de sua conexão com o feminismo, ela se dedica especialmente à corrente crítica do movimento, propondo, inclusive, a ideia de pós-humanismo crítico, discutida mais adiante.

Hayles (2014)HAYLES, N. K. (2014). Posthumanism, Technogenesis, and Digital Technologies: A Conversation with Katherine N. Hayles. Entrevistador: Holger Pötzsch. The Fibreculture Journal, v. 23. acredita que o pós-humanismo é um movimento que descontrói o sujeito liberal humanista e seus atributos como autonomia, livre-arbítrio, autodeterminação e outros, deixando de ser visto como um elemento com fronteiras bem definidas, já que seu corpo e sua constituição como padrão informacional passam a se articular com máquinas inteligentes e outros aparatos tecnológicos, não sendo possível distinguir o que é um ou outro. Pelo olhar pós-humanista de Hayles (1999HAYLES, N. K. (1999). How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press., 2014)HAYLES, N. K. (2014). Posthumanism, Technogenesis, and Digital Technologies: A Conversation with Katherine N. Hayles. Entrevistador: Holger Pötzsch. The Fibreculture Journal, v. 23., a cognição envolve, além do cérebro humano, as extensões não-humanas do corpo, sejam elas máquinas ou não e, logo, o conhecimento passa a ser visto como amálgama pós-humano e não objeto de nossa “cognição biológica”. Essa indefinição das fronteiras entre o ser humano e a tecnologia é especialmente significativa socioculturalmente porque interfere sobremaneira na ecologia cognitiva da humanidade, ou seja, na distribuição da cognição entre máquinas que operam sobre a metáfora de um mundo computável e capacidades biológicas do humano, como afeto, senciência e consciência, com importantes repercussões éticas e políticas (HAYLES, 2006HAYLES, N. K. (2006). Unfinished Work: From Cyborg to Cognisphere. Theory, Culture & Society, v. 23, n. 7-8, p. 159-166.; BUZATO, 2017BUZATO, M. E. K. (2017). Towards a theoretical mashup for studying posthuman/postsocial ethics. Journal of Information, Communication and Ethics in Society, v. 15, n. 1, p. 74-89.).

No âmbito da LA, vários autores já estabeleceram, aqui e acolá, tentativas de conexões entre temas centrais da área e o pós-humanismo, conforme o exposto mais adiante. Por seu prestígio e pelo impacto internacional de seus trabalhos, destaco aqui Pennycook (2016PENNYCOOK, A. (2016). Posthumanist Applied Linguistics. Applied Linguistics. 39(4):445-61., 2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., que buscou, no artigo e livro homônimos Posthumanist Applied Linguistics, fazer um traçado amplo de relações entre o campo aplicado da linguagem e algumas vertentes do pós-humanismo.

Para Pennycook (2016PENNYCOOK, A. (2016). Posthumanist Applied Linguistics. Applied Linguistics. 39(4):445-61., 2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., o pós-humanismo é um movimento que questiona vários temas como: a centralidade e o excepcionalismo do ser humano no planeta; a relação dos humanos com demais elementos na Terra; a reavaliação do papel de objetos e espaço em relação à ação, ao pensamento humano e à extensão do pensamento e capacidade humana pelas formas tecnológicas de aprimoramento do ser. Esses elementos, entre outros, o autor busca conectar com as ideias de prática situada, identidades híbridas, translinguagem, colonialismo, linguística crítica entre outras, caras à LA.

Não por acaso, uma das autoras importantes no trabalho de Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge. é Braidotti (2013BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press., 2016)BRAIDOTTI, R. (2016). Posthuman critical theory. In: BANERJI, D; PARANJABE, M. (Orgs). Critical posthumanism and planetary futures. New Delhi: Springer India.. Mais especificamente, o que a autora define como pós-humanismo crítico, isto é, um pós-humanismo que considera igualmente, sem preconceitos, todos os elementos - humanos e não-humanos - presentes no espaço, em todos os processos, de forma não hierarquizada. Nessa visão, os sujeitos são constituídos de forma fluida pelas suas relações múltiplas com o natural, o social e psíquico, sem que isso signifique uma dispersão e hiperindividualização. Assim, enquanto o transumanismo pretende “livrar-se” do que é local e contingente no humano, o pós-humanismo crítico enfatiza, ao mesmo tempo, novas formas de estabelecimento da diferença e um forte senso de responsabilidade comunitária que, no entanto, não seja baseado na excepcionalidade e na supremacia humanas, integrando ao que se considera comunidade o que, antes, buscava-se isolar pela dicotomia natureza/cultura.

Feitas as distinções necessárias entre vertentes pós-humanistas encontradas na literatura, passo a discorrer, na próxima seção, sobre a incidência do seu ideário sobre a LA.

2. PÓS-HUMANISMO E A LINGUÍSTICA APLICADA

Campos de estudos como a história, geografia, antropologia, literatura e filosofia têm, por vários anos, discutido séria e amplamente o pós-humanismo. Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge. alega que a LA, diferentemente, ainda tem estabelecido relações fortes com o humanismo, isto é, investiga a língua, os letramentos e a aprendizagem com foco no ser humano (do humanismo) sem se engajar, em geral, com o mundo ao redor ou não-humano5 5 São poucas as exceções nos estudos do letramento, tais como Clarke (2001) e Buzato (2012). Esses trabalhos, contudo, embora abordem a participação dos não-humanos nas práticas sociais (de letramento), não se alinham explicitamente a uma vertente pós-humanista nomeada como tal. . Essa situação, de certa maneira, já contradizia o caráter interdisciplinar da LA de acordo com proposta de Moita Lopes (2006)MOITA LOPES, L. P. (Org.). (2006). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. em seu volume organizado Por uma linguística aplicada indisciplinar. Em um dos capítulos dessa obra, o próprio Pennycook (2006)PENNYCOOK, A. (2006). Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.) (2006) Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola. propõe que a LA seja transgressiva, utilizando instrumentos políticos e epistemológicos que transgridam as fronteiras do pensamento e da política tradicional. Não propunha ainda, porém, certas formas de transgressão, como a das diferenças entre humanos e animais baseadas no conceito de língua, que, em Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., veio a se identificar como parte de uma LA pós-humanista.

Pennycook (2016PENNYCOOK, A. (2016). Posthumanist Applied Linguistics. Applied Linguistics. 39(4):445-61., 2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge. acredita que o pós-humanismo é capaz de transgredir parte da ideologia neoliberal e de epistemologias etnocêntricas e antropocêntricas. Pelos conhecimentos que emergem do movimento, um novo olhar é lançado sobre as concepções de agência, subjetividade e cognição e suas inter-relações, implicando diretamente a LA. Esse olhar repensa ideias centrais à disciplina, tais como língua, linguagem e letramentos.

Em relação à agência, Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge. recorre à Teoria Ator-Rede (TAR), de Bruno Latour (2005)LATOUR, B. (2005). Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford; New York: Oxford University Press., para sugerir que humanos e não-humanos, tais como animais e objetos inanimados, não agem isoladamente e sim de maneira distribuída6 6 A ideia de agência compartilhada com não-humanos nas práticas de letramento é detalhada em Buzato (2013). Para esse pesquisador, a partir de sua pesquisa na qual são analisadas várias concepções para agência, a TAR não nega as diferenças entre humanos e não-humanos, mas enfatiza que restringir a agência a um ou outro desses elementos é menos interessante do que considerar a grande rede de agências que constituem o mundo como ele é. . A TAR considera a sociedade uma rede performativa sustentada por negociações contínuas entre agentes humanos e não-humanos, e todos esses elementos são capazes de transmitir, alterar, transportar ações e resistir a elas, derivando, dessas vinculações agenciais, suas próprias identidades.

Considerar essa concepção de agência é questionar a noção de subjetividade tradicional, como um atributo humano, sobretudo hoje, quando a complexidade das tecnologias inteligentes confere autonomia a essas máquinas, o que, para Braidotti (2013)BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press., pode ser visto como uma das novas formas de subjetividade. Se objetos agem e são sujeitos ativos nas relações da rede, e suas identidades dependem dos demais elementos dessa rede, a cada nova ação tomada por algum ator a identidade de todos se transforma. Logo, a subjetividade é sempre inacabada, parcial e não-linear (BLACKMAN et al., 2008BLACKMAN, L. et al. (2008). Creating Subjectivities. Subjectivity, v. 22, n. 1, p. 1-27.). É inacabada por se reconfigurar a cada ação; não-linear por não depender hierarquicamente de nenhum ator e parcial por não ser possível saber como cada ente se transformou naquilo que é.

Esse senso de coletividade híbrida (de quase-sujeitos e quase-objetos humanos e não-humanos) reflete-se também na ideia de cognição. Enquanto tradicionalmente a cognição é vista como uma capacidade humana (e de alguns animais) executada pelo cérebro, os estudos pós-humanistas tendem a vê-la de duas formas alternativas: a cognição estendida (HAYLES, 2012HAYLES, N. K. (2012). How we think: digital media and contemporary technogenesis. Chicago; London: The University of Chicago Press.) e a cognição distribuída (HUTCHINS, 2000HUTCHINS, E. (2000). Cognition in the wild. Cambridge, Mass: MIT Press, 2000.). A cognição estendida (ou mente estendida) se expande além do organismo para um ambiente tecno-social, sendo esse ambiente uma parte essencial do processo cognitivo (KLUMBYTE, 2018KLUMBYTE, G. (2018). Extended cognition. In: BRAIDOTTI, R.; HLAVAJOVA, M. (Org.). Posthuman Glossary. London: Bloomsbury.). Já a cognição distribuída está, para Hayles (1999HAYLES, N. K. (1999). How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press., 2014)HAYLES, N. K. (2014). Posthumanism, Technogenesis, and Digital Technologies: A Conversation with Katherine N. Hayles. Entrevistador: Holger Pötzsch. The Fibreculture Journal, v. 23., relacionada à ausência de fronteiras delimitadas do sujeito. O ato de pensar, nessa linha de raciocínio, é realizado simultaneamente pelos atores humanos e não-humanos. A pesquisadora ainda sugere que a cognição humana é um recurso limitado, e que são sistemas cognitivos artificiais que auxiliam em sua manutenção e expansão. Note-se, contudo, que “pensar”, para a autora, não significa, necessariamente, ter consciência, mas ser capaz de executar uma atividade cognitiva, mesmo que de baixo nível, que, de alguma forma, reflita ou se reflita no ambiente da entidade que a executa.

De acordo com Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., a diferença entre os dois últimos tipos de cognição é que a cognição estendida aponta para a forma como outros sistemas nos auxiliam a pensar; já a cognição distribuída diz respeito a como o pensamento é resultado do envolvimento da cognição do sujeito e dos demais elementos com os quais ele se relaciona. Tais elementos não se restringem aos aparatos como caneta e papel, sistemas de armazenamento de dados, telefones celulares e computadores. Podem ser animais - que identificam elementos no ambiente e os informam - ou plantas - que indicam a direção do sol, a natureza do solo e assim por diante -, por exemplo.

Percebe-se, nas três concepções apresentadas (agência, subjetividade e cognição), um forte senso comunitário com ênfase na variedade das relações. Uma vez que língua e linguagem são fortemente ligadas a tais concepções, linguagem e língua sob o viés pós-humanista são também vistas dessa forma. Pennycook e Otsuji (2014)PENNYCOOK, A.; OTSUJI, E. (2014). Metrolingual multitasking and spatial repertoires: ‘Pizza mo two minutes coming’. Journal of Sociolinguistics, v. 18, n. 2. indicam que os estudos sobre língua/linguagem conhecidos na LA, incluindo os de bilingualismo, code-switching, multilingualismo e translingualismo, colocam o foco na reação língua-língua. Por outro lado, pesquisas que envolvem a competência linguística e repertórios linguísticos individualizados focam na relação língua-indivíduo. Pennycook e Otsuji (2014)PENNYCOOK, A.; OTSUJI, E. (2014). Metrolingual multitasking and spatial repertoires: ‘Pizza mo two minutes coming’. Journal of Sociolinguistics, v. 18, n. 2. apresentam, então, a ideia de repertório espacial, já que o espaço é, por excelência, um conjunto de relações entre locais, práticas e atividades.

Os autores ilustram essa concepção com a cena de um estrangeiro sendo atendido por um garçom local numa mesa de bar. Os repertórios espaciais são todos os elementos disponíveis no espaço para que a prática da linguagem ocorra, podendo envolver as atividades praticadas (cozinhar, pedir comida, servir clientes)7 7 Os exemplos são relacionados a restaurantes pois foram retirados do artigo de Pennycook e Otsuji (2014), que relata uma pesquisa realizada predominantemente em espaços de restaurantes, cafés, feiras e estabelecimentos do tipo. , as trajetórias sociais e históricas dos participantes (namoradas, sons, chamadas telefônicas e recursos linguísticos adquiridos durante a vida), e a organização do espaço físico (a proximidade das mesas, a porta da cozinha), sendo esse nexo espacial o locus em que a linguagem emerge, colocando em jogo elementos dos repertórios linguísticos (PENNYCOOK; OTSUJI, 2014PENNYCOOK, A.; OTSUJI, E. (2014). Metrolingual multitasking and spatial repertoires: ‘Pizza mo two minutes coming’. Journal of Sociolinguistics, v. 18, n. 2.).

Ao entendermos que os recursos linguísticos e semióticos não estão presentes em um sistema interno de cada falante ou que não são as escolhas disponíveis em uma comunidade de fala, mas estão distribuídos espacialmente, é possível considerar que a linguagem está corporificada e distribuída entre pessoas, lugares e tempo. Ela deixa de ser limitada a propósitos comunicativos e passa a ser parte de uma configuração mais ampla de possibilidades semióticas (PENNYCOOK, 2018PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge.).

Na LA pós-humanista proposta por Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., há uma preocupação em remover os ideais humanistas que privilegiaram a mente humana como fonte de conhecimento e que assumiram os seres humanos como mestres de seus desejos e intenções. As mesmas ideias também apresentam a desierarquização do ser humano e um sujeito constituído pelas suas relações múltiplas com forte senso de responsabilidade comunitária, o que conecta o autor à ideia de pós-humanismo crítico de Braidotti (2013)BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press.. Todavia, Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge. teme que esse processo de “desapego” leve a um abandono dos compromissos da disciplina com visões críticas sobre problemas “reais”, isto é, concretos e situados socio-historicamente, de uso da linguagem. Por essa razão, levanta algumas questões acerca de um realismo crítico pós-humanista.

Pela linha de pensamento construcionista da filosofia crítica da ciência, argumenta Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., nenhuma experiência pode evitar a mediação discursiva e só podemos afirmar que temos acesso ao discurso, não, efetivamente, ao que seria uma realidade além do discurso. Essa forma filosófica de pensar, associada à virada linguística nas ciências humanas, embora dê lugar a uma ontologia que quebra as dicotomias já mencionadas, favorecendo a ideia de uma comunidade mais que humana, abre, também, caminho para argumentar que raça, gênero, etnia e outras categorias políticas muito caras à LA não existem/existiam, causando enorme prejuízo político aos grupos sociais que, em princípio, a LA se dispõe a fortalecer. A única solução para esse dilema parece ser a quebra de mais uma dicotomia; dessa vez, entre discurso e matéria. Por isso, a LA pós-humanista deve servir-se de autores vinculados aos “novos materialismos”, como o de Barad (2003BARAD, K. (2003). Posthumanist Performativity: Toward an Understanding of How Matter Comes to Matter. Signs: Journal of Women in Culture and Society, v. 28, n. 3, p. 801-831., 2007)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press., pesquisadora feminista, e física teórica, proponente do realismo agencial, um dos novos materialismos. Trata-se de um quadro teórico que funde ontologia e epistemologia (o que há, e como conhecer ou falar sobre o que há verdadeiramente), derivando daí consequências éticas e políticas concretas que, por sua vez, estão atreladas a novas concepções de matéria, discurso, causalidade, agência, poder, identidade, corporificação, objetividade, espaço e tempo.

Em oposição à noção de que os objetos e os textos/palavras existem separadamente, o realismo agencial propõe a ideia de emaranhamento8 8 O conceito de Barad (2007) é inspirado do fenômeno físico denominado “emaranhamento quântico”, que ocorre quando grupos de partículas são gerados de forma que o estado quântico de cada partícula não possa ser descrito independentemente do estado da outra, de modo que o estado de cada partícula só pode ser descrito para o sistema como um todo. Assim, quando se medem propriedades físicas de uma partícula emaranhada, o próprio ato de medir (discurso) força a partícula a abandonar todos os outros lugares em que poderia estar e selecionar um local definido (matéria) (WADE, 2018). . Estar emaranhado não é simplesmente se entrelaçar a outra entidade tida como discreta. O emaranhamento, nesse caso, significa que a existência não é individualizada, mas uma condição que emerge da relação com os outros elementos. Os indivíduos (humanos ou de outra natureza material) não preexistem a essas relações; em vez disso, os indivíduos emergem delas. Esse processo de emergência possibilitado pelo emaranhamento é denominado intra-ação (BARAD, 2007BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press.).

O termo é uma oposição à interação, que é o resultado da agência dos indivíduos, ou seja, a ação precede a interação. Porém, ao considerar a ideia de intra-ação, há duas observações a serem feitas: a) agências individualizadas não existem de maneira absoluta, portanto, não é possível identificar essas agências como elementos únicos; b) as agências compartilhadas emergem ao mesmo tempo na criação das intra-ações. A cada ação, as intra-ações são reconfiguradas incluindo e excluindo integrantes e fazendo surgir novas assemblagens, de forma que o tempo e espaço dessas constituições são coletivos e não individuais (BARAD, 2007BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press.). De acordo com Introna (2014)INTRONA, L. D. (2014). Towards a Post-human Intra-actional Account of Sociomaterial Agency (and Morality). In: KROES, P., VERBEEK, P. P. (Orgs). The Moral Status of Technical Artefacts (Vol. 17, p. 31-53)., o universo é uma grande intra-ação. As unidades ontológicas primárias não são “coisas” (objetos, animais, pessoas), mas fenômenos (as reconfigurações/emaranhados, relações/rearticulações). Dessa maneira, a agência é o dinamismo que reconfigura o mundo material, inclusive a agência discursiva/semiótica. Devido às constantes reconfigurações desse fluxo agencial, a realidade, tal qual a entendemos, é um corte (agencial) no tempo, e, portanto, no fenômeno, correspondente ao olhar ou à gênese de um discurso, do observador. Quando esse corte é feito, emerge, por intra-ação, uma realidade momentânea, indissociável da análise/observação do pesquisador e de seu emaranhado.

Kerr, Adams e Pittard (2014)KERR, S.; ADAMS, E.; PITTARD, B. (2014). What is Intra-Action? Three Minute Theory. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v0SnstJoEec. Acesso em: 9 jul. 2019.
https://www.youtube.com/watch?v=v0SnstJo...
exemplificam a intra-ação com o surto do vírus ebola que se iniciou no final de 2013 no continente africano. O fenômeno ebola não pode ser caracterizado somente pelo próprio vírus, mas por uma intra-ação de uma forma biológica simples com corpos humanos, discursos sobre a África, o conceito de pandemia, o papel da política e dos analistas políticos, os canais de notícias e o medo (da morte). Isso quer dizer que, se o vírus não tivesse se unido a um corpo humano e aos que o detectam e falam sobre pandemias, o fenômeno “ebola” seria apenas um conjunto de possíveis configurações de realidade, e não uma realidade constituída. A grande maioria da população mundial não teve contato com o vírus ebola, mas se emaranhou com o fenômeno ebola de alguma forma ao agir ou falar com base nessa nova realidade. O fato de a epidemia ter ocorrido no oeste do continente africano, especialmente em Guiné, Mali e Nigéria, países com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH)9 9 “O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde.” (PNUD Brasil, 2019) , auxiliou a disseminação do vírus, e, dessa forma, também o IDH intra-agiu no momento do corte que gerou o fato (neste caso, a pandemia). Provavelmente, se o encontro entre o vírus e seres humanos tivesse ocorrido em países com alto IDH, possivelmente o medo, a euforia ou outras sensações materiais (incorporadas) que surgiram no assim chamado primeiro mundo não teriam adquirido a força que adquiriram. Sem o discurso alarmista, o fenômeno ebola também não teria sido constituído.

Embora o materialismo agencial, como um todo, seja demasiadamente complexo e denso para ser explicado aqui, o conceito de intra-ação, usado com a devida cautela, poderia ajudar as pesquisas sobre letramentos a atenderem ao apelo de Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge. por uma LA ao mesmo tempo realista e relacional/construtivista, o que passa por pensarmos, via realismo agencial, em letramentos como práticas materiais-discursivas e, portanto, em textos, contextos e habilidades como fenômenos, no sentido de Introna (2014)INTRONA, L. D. (2014). Towards a Post-human Intra-actional Account of Sociomaterial Agency (and Morality). In: KROES, P., VERBEEK, P. P. (Orgs). The Moral Status of Technical Artefacts (Vol. 17, p. 31-53).. Somando-se a isso outros aspectos relevantes, já mencionados, do pós-humanismo, aponta-se para uma perspectiva pós-humanista sobre letramento(s).

3. LETRAMENTOS NA PERSPECTIVA PÓS-HUMANISTA

Na década de 80 do século passado, o letramento, antes definido por uma visão cognitiva em que destacava a dicotomia entre oralidade e escrita, passa a ser entendido como prática social. Essa nova concepção, além de englobar os processos cognitivos, considera também que as práticas de letramentos variam de contexto a contexto e/ou de cultura a cultura (STREET, 1984STREET, B. V. (1984). Literacy in theory and practice. Cambridge; New York: Cambridge University Press. (Cambridge studies in oral and literate culture, 9).). Essa nova compreensão sobre letramentos foi incorporada, já com a cultura digital plenamente instalada nos países do primeiro mundo, pelo assim chamado Grupo Nova Londres (THE NEW LONDON GROUP, 1996THE NEW LONDON GROUP. (1996). A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures. Harvard Educational Review, v. 66, n. 1, p. 60-93.), que apresenta a ideia de multiletramentos. A ênfase recai não só na noção de letramentos como práticas culturalmente situadas, como também na negociação das múltiplas diferenças linguísticas e culturais, e no agenciamento de múltiplas linguagens e mídias nessas práticas.

Gourlay (2013GOURLAY, L. (2013). Posthuman Literacies? Technologies and Hybrid Identities in Higher Education. In: WARBURTON, S.; HATZIPANAGOS, S. (Org.). Digital Identity and Social Media. IGI Global., 2015)GOURLAY, L. (2015). Posthuman texts: nonhuman actors, mediators and the digital university. Social Semiotics, v. 25, n. 4, p. 484-500. entende que essas concepções socioculturais de letramento têm trazido grandes avanços para a educação. Contudo, a pesquisadora indica que, de modo geral, o papel do mundo material não está sendo aí adequadamente considerado, já que nesses trabalhos os objetos tendem a ser considerados apenas ferramentas para comunicação ou partes do contexto. A autora, alinhada a Hayles (1999)HAYLES, N. K. (1999). How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press., entende que o sujeito pós-humano é um amálgama e que não é possível demarcar limites entre o seu organismo biológico e o seu mecanismo cibernético; logo, a sua cognição também não é apenas biológica. Analisando o ensino universitário, ressalta que o resultado do aprendizado dos acadêmicos é consequência de agência e cognição emaranhadas e distribuídas entre as mais variadas (novas) tecnologias, como o compartilhamento antecipado de recursos como slides de apresentações, a possibilidade de captura e gravação de áudio e vídeo, a disponibilidade de textos científicos, além de elementos tradicionais como o professor e os livros.

Como mencionado na primeira seção deste artigo, a visão de pós-humanismo na qual me baseio não focaliza especificamente as tecnologias, embora as incorpore. Assim, objetos materiais e artefatos tecnológicos em geral também podem ser entendidos como parte de uma produção de poder e mudança em uma rede de relações que envolvem humanos e não humanos nos processos de aprendizagem e escolarização via letramentos. De pequenos detalhes tais como um rabisco na parede da sala de aula e a disponibilidade do mobiliário adequado até os objetos que têm sido centro de grande debate na pesquisa e na formulação de pedagogias em letramentos tais como celulares e computadores, muitas agências não-humanas constituem essas redes e emaranhados (LENZ TAGUCHI, 2009LENZ TAGUCHI, H. (2009). Going Beyond the Theory/Practice Divide in Early Childhood Education: Introducing an Intra-Active Pedagogy. New York: Routledge.). Já se sabia que letramentos, enquanto práticas sociais, integram discurso e materialidade; porém, víamos essa integração como a ação de um sujeito pré-existente sobre algo cuja existência objetiva era um dado a priori. Uma visão pós-humanista nos convida não só a considerar o que os alunos dizem ou escrevem e o que as coisas ao seu redor fazem (mesmo que não disponham de intencionalidade) de forma horizontal, isto é, essa visão não acata a dicotomia sujeito-objeto, como também nos chama a considerar que os sujeitos, os artefatos e os discursos que vêm ao mundo pela prática letrada não pré-existem àquela prática, mas tornam-se reais pela fusão de discurso e materialidade (BARAD, 2007BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press.).

Talvez, por isso mesmo, se deva começar a discutir uma perspectiva pós-humanista do(s) letramento(s) a partir da ideia de sujeito (humano) letrado, já que é daí que partem muitos dos autores dessa corrente. Entre os principais pontos do pós-humanismo, Hayles (1999)HAYLES, N. K. (1999). How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press. destaca a desconstrução do sujeito liberal humanista, que tem seus atos refletidos na educação. Nesse sentido, Snaza e Weaver (2015)SNAZA, N.; WEAVER, J. A. W. (2015). Introduction. In: SNAZA, N.; WEAVER, J. A. W. (org.), Posthumanism and Educational Research. Routledge International Studies in Philosophy of Education. New York: Routledge. reclamam a necessidade de desconstruir também a educação liberal humanista, focada em metodologias generalizadas e na primazia do mercado. Os autores sugerem que temas como tragédias ambientais, bioética e biotecnologia, além da relação cultural homem-máquina, não podem ser entendidos de modo pós-humanista quando a política da escola ainda é neoliberal.

Binarismos como ciências humanas e ciências naturais permanecem não somente na escola, mas no mundo acadêmico contemporâneo, pressupondo que o ser humano está em categoria diferente da de natureza. Há algumas tentativas e/ou experimentos que se alinham com as ideias pós-humanistas, como escolas que propõem programas a serem executados em espaços abertos, integrando os mais diferentes tipos de conhecimento: matemática, ecologia, história e economia, por exemplo. No entanto, a abrangência desse tipo de ambiente escolar ainda é muito restrita (SNAZA; WEAVER, 2015SNAZA, N.; WEAVER, J. A. W. (2015). Introduction. In: SNAZA, N.; WEAVER, J. A. W. (org.), Posthumanism and Educational Research. Routledge International Studies in Philosophy of Education. New York: Routledge.).

É preciso considerar, porém, que simplesmente descontruir o sujeito humano liberal e propor um espaço escolar mais diversificado, com currículo mais interdisciplinar, não significa instaurar letramentos pós-humanistas. É importante ressaltar que, pelo viés aqui estudado, não se trata de oferecer uma metodologia ou abordagem de letramentos a ser seguida, tampouco uma definição de letramento delimitada pelo uso dessa ou daquela linguagem ou tecnologia, nem mesmo, ainda, pela ideia, muito cara aos estudos do letramento de cunho sociocultural, de que a comunidade ou o contexto especificam os eventos de letramento previamente à sua ocorrência. O que se propõe é a busca de novas leituras a partir de um pós-humanismo, que, conforme Kuby, Spector e Thiel (2019)KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (2019). Cuts too Small. In: KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (Org.). Posthumanism and Literacy Education: Knowing/Becoming/Doing Literacies. New York: Routledge., nos oferece uma maneira de ver e entender o mundo, e como estamos emaranhados na produção do mundo pelas intra-ações que constituem humanos e não-humanos. As ideias pós-humanistas podem nos ajudar a melhor entender como os estudantes, famílias e comunidades conhecem/são/praticam10 10 A ideia de unir o conhecer, ser e fazer (praticar) está relacionada à inseparabilidade da epistemologia, ontologia e metodologia no realismo agencial proposto por Barad (2007). letramentos com outros humanos e não humanos, sendo constituídos como sujeitos nessas redes em que os textos/discursos não precedem nem sucedem os contextos/materiais, mas texto/discurso e materialidade se co-constituem por intra-ação.

Aqui podemos trazer um exemplo citado por Kuby, Spector e Thiel (2019)KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (2019). Cuts too Small. In: KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (Org.). Posthumanism and Literacy Education: Knowing/Becoming/Doing Literacies. New York: Routledge., que citam o momento em que o olhar de uma criança que recortava e colava papéis para criar um fantoche em forma de sapo é atraído por moscas, sendo esse o momento de um corte do qual surgiu, por intra-ação, uma língua do sapo-fantoche. A mosca, o aluno, o papel já quase que transformado em fantoche formaram, nesse exemplo, um emaranhado no qual os elementos que se afetam mutuamente auxiliam na construção de conhecimento pela criança. Para as autoras, pelo fato de não haver relação formal desses materiais e desse momento com escrita, leitura ou algum outro conhecimento escolar pré-definido, provavelmente a maioria dos professores diriam que esse evento não contaria como letramento. Contudo, desse emaranhado não só emerge uma língua (do sapo), como tal fantoche e tal língua não teriam vindo ao mundo sem a ação do papel e das moscas.

Os programas curriculares e avaliações adotados para o ensino-aprendizagem de letramentos são, para Kuby, Spector e Thiel (2019)KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (2019). Cuts too Small. In: KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (Org.). Posthumanism and Literacy Education: Knowing/Becoming/Doing Literacies. New York: Routledge., muito limitados quanto àquilo que é considerado aprendizagem, justamente pelo seu viés humanista: o sujeito pré-existente adquire um conhecimento pré-existente tornando materiais pré-existentes seus objetos. Especificamente no exemplo da criança que faz o fantoche, a possibilidade de expansão de relações e construções de conhecimento do aluno emerge quando a criança se relaciona com outros animais e elementos materiais em uma intra-ação. Dito de outra forma, com base no realismo agencial, pode-se abrir mão do (pré)conceito de aprendizagem segundo o qual os objetos são vistos como ferramentas que facilitam ou medeiam o aprendizado; pelo materialismo agencial, a aprendizagem seria uma reconfiguração do mundo produzida, ao mesmo tempo, por e como matéria e discurso (CEDER, 2019CEDER, S. (2019). Towards a Posthuman Theory of Educational Relationality. Oxon: Routledge.).

Spector e Kidd (2019, p. 65)SPECTOR, K.; KIDD, B. G. (2019). The Ungraspable In-Between of Posthuman Literacies. In: KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (Org.) Posthumanism and Literacy Education: Knowing/Becoming/Doing Literacies. New York: Routledge. relacionam as ideias de Barad (2007)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press. com os estudos de letramentos para propor que letramentos (na visão pós-humanista) “são aparatos materiais-discursivos de produção que intra-agem com outros fenômenos complexos, ou seja, com outros aparatos de produção, em uma rede irredutível de conexões que coproduzem o mundo em desdobramento”11 11 “[...] are material-discursive apparatuses of production that intra-act with other complex phenomena, that is, with other apparatuses of production, in an irreducible web of connections that co-produce the unfolding world.” (Tradução minha) . Desse modo, o conhecimento não é um estoque a ser utilizado, mas uma realidade produzida constantemente a cada desdobramento do mundo, sendo responsáveis por essa produção todos os envolvidos nessa rede.

Para exemplificar novamente, apelo a Holbrook e Cannon (2019)HOLBROOK, T.; CANNON, S. O. (2019). Threads and fingerprints: Diffractive Writings and Readings of Place. In: KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (Org.). Posthumanism and Literacy Education: Knowing/Becoming/Doing Literacies. New York: Routledge., que contam sobre as visitas feitas por Cannon ao Museu Memorial do Holocausto. As autoras entendem, de forma coerente com a teoria dos multiletramentos (NEW LONDON GROUP, 1996), que prédios e memoriais podem ser lidos como textos materiais, porque organizam um espaço e carregam significados múltiplos12 12 Esses significados somente se materializarão com as relações dos outros elementos da rede. . Contudo, essas mesmas estruturas são, para elas, mais do que textos ou mídias: são uma rede responsiva de mente/cérebro/corpo/prédios/materiais que materializam significados (não-linguísticos) através de emoções (LEMKE, 2015LEMKE, J. L. (2015). Feeling and Meaning: A Unitary Bio-semiotic Account. In: TRIFONAS, P. PERICLES. (Org.). International handbook of semiotics. Dordrecht: Springer Dordrecht.). Essas emoções, por sua vez, podem ser provocadas pelo design desses prédios, bem como pelos objetos/materiais que ali se encontram, e ainda pelas memórias às quais se referem.

Cannon, em sua visita, percebe que alguns artefatos humanos expostos, como um sapato, um chapéu e uma pequena marmita, adquirem significados pelo local onde estão, pela autoridade a eles conferida pelas proteções de vidro que os separam dos visitantes e pelas placas que contam as suas histórias. Esses objetos, que tornam reais os sentidos ali produzidos, explica a autora, são, ao mesmo tempo, materiais, porque agem como matéria, e discursivos, porque se expressam ao visitante. É das intra-ações entre eles que emerge a memória que emociona e instrui quem visita.

Conforme Mazzei e Jackson (2019)MAZZEI, L. A.; JACKSON, A. Y. (2019). Posthuman Literacies in a Minor Language: Expressions-to-come. In: KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (Org.) Posthumanism and Literacy Education: Knowing/Becoming/Doing Literacies. New York: Routledge., o significado não reside na palavra, ideia ou no conceito do significante, mas nas relações estabelecidas pela rede de atores que produzem expressões-por-vir13 13 Expressions-to-come (Tradução minha) . Braidotti (2013)BRAIDOTTI, R. (2013). The Posthuman. Cambridge: Polity Press. tem uma linha de raciocínio parecida, segundo a qual o significante linguístico é um mero ponto numa cadeia de efeitos. A fonte do conhecimento, para ela, vem do infinito fluxo de conexões entre textos e outros elementos da rede, sendo o signo apenas algo gerado nessa interconexão. Em conjunto, essas ideias sobre significado e o exemplo de Holbrook e Cannon (2019)HOLBROOK, T.; CANNON, S. O. (2019). Threads and fingerprints: Diffractive Writings and Readings of Place. In: KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (Org.). Posthumanism and Literacy Education: Knowing/Becoming/Doing Literacies. New York: Routledge. dão o tom do que seriam letramentos numa perspectiva pós-humanista.

De fato, os exemplos relativos ao materialismo agencial presentes nas referências às quais tive acesso estabelecem relações com uma variedade de ideias conectadas ao movimento pós-humanista que, por sua vez, se aproximam da ideia de educação pós-humanista de Pedersen (2016)PEDERSEN, H. (2016). Education. Critical Posthumanism: Genealogy of the Posthuman. Disponível em: https://criticalposthumanism.net/education/. Acesso em 09 jul. 2019.
https://criticalposthumanism.net/educati...
. Para a autora, trata-se de um conjunto de práticas pedagógicas instituídas como convergência de fluxos e intensidades entre entidades humanas e não-humanas que se movimentam e percorrem vários caminhos do processo de aprendizagem, formando assemblagens instáveis e momentâneas que formam o mundo (também instável e reconfigurado a cada momento).

Apesar da sua coerência com os fundamentos do pós-humanismo, as práticas pedagógicas assim descritas, assim como os exemplos trazidos, estão aparentemente muito distantes do ambiente escolar brasileiro e de nossas pedagogias profundamente enraizadas no humanismo. Os dois próximos exemplos, contudo, trazem situações supostamente mais próximas de uma realidade brasileira.

O primeiro deles é de Introna (2014)INTRONA, L. D. (2014). Towards a Post-human Intra-actional Account of Sociomaterial Agency (and Morality). In: KROES, P., VERBEEK, P. P. (Orgs). The Moral Status of Technical Artefacts (Vol. 17, p. 31-53).. Para esse autor, a maioria das atividades avaliativas de conhecimento de estudantes universitários cobra a habilidade de criar um texto acadêmico original que reflita o entendimento do próprio aluno sobre determinado assunto. Essa mesma avaliação normalmente considera que o estudante é o único produtor desse texto. Todavia, com a possibilidade de acesso a milhões de páginas de conteúdo científico de maneira organizada por buscadores de conteúdo, o processo de copiar e colar foi facilitado e popularizado. A relação entre esse aluno e essas tecnologias que propiciam uma nova forma de produzir um texto criam uma intra-ação, da qual emerge um aluno que não existe, de fato, quando desassociado dos processos de copiar e colar.

A escrita, que também faz parte desse emaranhado do qual emerge o aluno letrado, também é reconfigurada pelas relações que estabelece com o estudante, os buscadores e o software que permite copiar e colar. Passa de uma escrita linear para uma escrita retalhada que é permitida a partir dos processadores de texto e, também, da forma como esse novo aluno escreve. Introna (2014)INTRONA, L. D. (2014). Towards a Post-human Intra-actional Account of Sociomaterial Agency (and Morality). In: KROES, P., VERBEEK, P. P. (Orgs). The Moral Status of Technical Artefacts (Vol. 17, p. 31-53). entende que todas essas intra-ações reconfiguram, em consequência, a ideia de autoria, pois produções que utilizam partes de textos de outros autores (muitas vezes sem a devida referência) são legitimadas pela intra-ação que materializa o texto.

Já na educação básica, graças à cobrança no Exame Nacional do Ensino Médio (doravante ENEM), um dos conteúdos é a produção de textos dissertativos-argumentativos, comumente conhecidos apenas como redação. Durante a sua vida escolar, os alunos produzem esses textos em várias condições. Dentro da escola, o texto do aluno emerge de uma intra-ação na qual estão emaranhados o próprio aluno, o professor, a estruturação do texto que o professor apresenta como ideal, os colegas de sala, as coisas que os alunos leem e escutam dos pais, da televisão ou na internet, mas também os ruídos presentes no pátio, na sala de aula e os de fora da escola, o tempo delimitado das aulas e os discursos escolares sobre o que é e como se comporta um vestibulando. Caso a mesma produção aconteça como tarefa escolar, a redação emerge de um emaranhado que pode incluir mídias como computadores, celulares, revistas, perguntas feitas ao professor e aos colegas, ou a grupos de WhatsApp etc. As condições em que redações tornam-se reais são variadas e incluem ou excluem atores humanos e não humanos. Uma abordagem pós-humanista, portanto, nos permite afirmar que o aluno que o ENEM avalia não é real, ou então, não é nem o aluno que saiu do ensino médio, nem o que terá ingressado na universidade. Os professores sabem disso, é claro, mas uma abordagem humanista do assunto coloca esse saber em um lugar que desautoriza uma pedagogia diferente daquela baseada em algoritmos para redações bem avaliadas. Na abordagem humanista, o resto do emaranhado que constitui o escritor nas aulas e em casa mascaram o ser humano que o aluno, efetivamente, seria, como identidade e em competência.

4. PERGUNTAS DE UMA AGENDA PÓS-HUMANISTA DE PESQUISA E PEDAGOGIAS EM/DE LETRAMENTOS

Até aqui, os letramentos foram caracterizados sob o olhar pós-humanista como práticas materiais-discursivas, e o conhecimento, os textos, as subjetividades e as capacidades envolvidas nessas práticas como constituídos pela intra-ação de um emaranhado de materiais e discursos cujas agências não são hierarquizadas ou dicotomizadas. A partir dessas ideias, já se podem antecipar algumas implicações do que seriam letramentos sob a perspectiva pós-humanista.

Primeiramente, professores e alunos passariam a compartilhar o protagonismo no ensino/aprendizagem junto a elementos já tradicionais como cadeiras, mesas, livros e computadores, ao mesmo tempo em que seria aberto o espaço para elementos ainda não vinculados com nossa ideia de subjetividades e capacidades humanas - coisas como ambiente físico da escola e seu entorno, os prédios em que os corpos circulam e aquilo que esses materiais expressam, os movimentos e sons que afetam a percepção e as emoções dos alunos e assim por diante. Consequentemente, as ideias de currículo, avaliação, “conteúdo”, método, entre outras precisariam ser repensadas de modo a maximizar as intra-ações que podem, ou não, materializar um tipo de conhecimento que de fato interfira no estado geral do mundo.

Além disso, não se poderia mais considerar que a produção de um discurso define um sujeito material, ou que o sujeito matéria pré-existe ao seu discurso, quer seja, o sujeito e o discurso “bons” ou “ruins”. O aluno e seu discurso devem ser entendidos como textos, produzidos pela intra-ação do seu corpo e seu discurso. Aqui, como no emaranhamento quântico, ao avaliar ou medir, o aluno é forçado a não estar onde efetivamente estava, ou podia estar, e, logo, avaliar passa a ser uma forma de inventar, e não de comprovar. Em relação à padronização que caracteriza a educação tradicional, ela deveria ser substituída pela noção de que cada um dos alunos se constitui como ser a partir dos vínculos que possui. Pelo fato de esses vínculos serem variados e múltiplos, o conhecimento e habilidades deles também o são, o que torna a ideia de uma progressão linear (em termos de séries/anos) e uma formação acadêmica (pautada como técnica, humanística, de exatas ou biológicas, e assim por diante) uma fabulação, mais do que uma efetiva concretização.

Rautio (2019)RAUTIO, P. (2019). Theory That Cats Have About Swift Louseflies: A Distractive Response. In: KUBY, C. R.; SPECTOR, K; THIEL, J. J. (Org.). Posthumanism and Literacy Education: Knowing/Becoming/Doing Literacies. New York: Routledge. argumenta que um dos papéis do professor é perceber que os letramentos na ótica pós-humanista não ocorrem de maneira linear. As práticas de letramentos podem direcionar o tipo de conhecimento a ser construído, mas, devido às inúmeras relações durante o processo, não há como garantir um controle sobre elas. Estar aberto para perceber as relações que fogem ao esperado está vinculado a entender como funcionam as intra-ações. Novas relações com grande potencial pedagógico podem emergir quando se fala de algo ainda não previsto ou que simplesmente não existe, ao mesmo tempo em que algo material deve se manifestar para que um discurso possa se constituir. Da mesma forma, a escola não pode ser vista como algo que pré-existe ao ensino-aprendizagem, nem o último como algo que aconteça a partir ou apesar da primeira. Haverá escola quando a aprendizagem acontecer pela intra-ação do que o aluno e os elementos que estão na escola constituírem reciprocamente.

Como mencionado na introdução, este estudo é a parte inicial de uma pesquisa de doutorado. Apesar de haver vários avanços no debate teórico-filosófico relacionando letramentos e pós-humanismo, alguns pontos permitem estudos mais aprofundados, a serem desenvolvidos com a continuação da pesquisa, a partir das perguntas que esses desenvolvimentos teóricos iniciais sugerem. Entre tais perguntas estão: a) como caracterizar letramentos pós-humanistas tendo em mente aquilo que emerge de material e discursivo, especificamente nos emaranhados que constituem nossos diferentes tipos de escolas? Por exemplo, como os letramentos escolares, enquanto práticas materiais-discursivas, se efetivam em espaços urbanizados com acesso a novas tecnologias, mas com ausência de elementos da “natureza” em contraste com espaços rurais, com pouco ou sem acesso a novas tecnologias, mas com maior possibilidade de contato com agências ditas “naturais”, ou, ainda, em espaços de comunidades indígenas próximas a centros urbanos, em que os sujeitos transitam entre os dois emaranhados discursivo-materiais?

Trata-se de perguntas realistas e concretas, tais como preconizado por Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge., mas que dependem de investigações teóricas coletivas e mais aprofundadas do que a incursão aqui apresentada. É necessário, de qualquer forma, um foco bem definido de preocupações nessa pesquisa e na formulação de pedagogias a ela relacionadas, pois, como já mencionado, o pós-humanismo é grandemente heterogêneo e em certa medida internamente contraditório.

CONSIDERAÇÕES

O pós-humanismo propõe que, além de repensarmos a excepcionalidade do ser humano, busquemos novas formas de nos relacionar com outros humanos e não humanos no planeta de forma mais horizontal e eticamente significativa. Em jogo, está a desconstrução daquilo que entendemos sobre nós mesmos, fazendo com que mais perguntas que respostas surjam no momento: Viveremos eternamente? Que tipo de ciborgues temos nos tornado e viremos a nos tornar? Quais as consequências de continuarmos nos vendo como sujeitos conscientes, teleológicos, racionais e autônomos em relação ao que dizemos e ao que julgamos saber que existe independentemente de nosso olhar e nossos discursos? Quais as consequências de, em relação à forma como nos vemos, assumirmos deliberadamente que somos matéria e discurso intra-agindo continuamente, e formularmos não só novas pedagogias, mas também uma nova ética, uma nova política e novas pedagogias de acordo com essa premissa?

Há várias implicações especificas dessas perguntas para a Linguística Aplicada em geral, e para os estudos dos letramentos, em particular, e, para além de tais perguntas, há um vasto campo a ser percorrido na busca de uma perspectiva pós-humanista para os letramentos e para a LA, como demonstra Pennycook (2018)PENNYCOOK, A. (2018). Posthumanist Applied Linguistics. New York: Routledge.. De fato, o próprio pós-humanismo é algo em construção, um espaço de criatividade, mas também de conflito e contradição, em que, a cada dia, mais candidatos a intra-atores aparecem. Assim sendo, não se deve esperar dessa ótica, assim como da pesquisa, uma solução ou um fechamento, mas apenas um esforço de adequação dos discursos científicos sobre letramento à sua realidade material, com vistas ao compromisso ético de uma LA (pós-humanista) que se pretenda voltada para as comunidade(s) e sujeitos que a constituem como disciplina quando a disciplina os constitui como seus “objetos” de estudo.

  • 1
    Agradeço ao meu orientador de doutorado Prof. Livre-Docente Marcelo El Khouri Buzato pelas muitas e valiosas sugestões durante a escrita deste artigo.
  • 2
    O realismo agencial é uma teoria proposta por Barad (2007)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press. e que faz parte de um quadro teórico maior, o novo materialismo.
  • 3
    “… seek the continuation and acceleration of the evolution of intelligent life beyond its currently human form and human limitations by means of science and technology, guided by life-promoting principles and values.” (Tradução minha)
  • 4
    “Posthumanism is the historical moment that marks the end of the opposition between Humanism and anti-humanism and traces a different discursive framework, looking more affirmatively towards new alternatives.” (Tradução minha)
  • 5
    São poucas as exceções nos estudos do letramento, tais como Clarke (2001)CLARKE, J. (2001). A new kind of symmetry: Actor-network theories and the new literacy studies. Studies in the Education of Adults, v. 34, n. 2, p. 107-122. e Buzato (2012)BUZATO, M. E. K. (2012). Letramentos em rede: textos, máquinas, sujeitos e saberes em translação. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 12, n. 4, p. 783-809.. Esses trabalhos, contudo, embora abordem a participação dos não-humanos nas práticas sociais (de letramento), não se alinham explicitamente a uma vertente pós-humanista nomeada como tal.
  • 6
    A ideia de agência compartilhada com não-humanos nas práticas de letramento é detalhada em Buzato (2013)BUZATO, M. E. K. (2013). Mapping Flows of Agency in New Literacies: Self and Social Structure in a Post-social World. In: JUNQUEIRA, E. S.; BUZATO, M. E. K. (Org.). New Literacies, New Agencies? New York: Peter Lang.. Para esse pesquisador, a partir de sua pesquisa na qual são analisadas várias concepções para agência, a TAR não nega as diferenças entre humanos e não-humanos, mas enfatiza que restringir a agência a um ou outro desses elementos é menos interessante do que considerar a grande rede de agências que constituem o mundo como ele é.
  • 7
    Os exemplos são relacionados a restaurantes pois foram retirados do artigo de Pennycook e Otsuji (2014)PENNYCOOK, A.; OTSUJI, E. (2014). Metrolingual multitasking and spatial repertoires: ‘Pizza mo two minutes coming’. Journal of Sociolinguistics, v. 18, n. 2., que relata uma pesquisa realizada predominantemente em espaços de restaurantes, cafés, feiras e estabelecimentos do tipo.
  • 8
    O conceito de Barad (2007)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press. é inspirado do fenômeno físico denominado “emaranhamento quântico”, que ocorre quando grupos de partículas são gerados de forma que o estado quântico de cada partícula não possa ser descrito independentemente do estado da outra, de modo que o estado de cada partícula só pode ser descrito para o sistema como um todo. Assim, quando se medem propriedades físicas de uma partícula emaranhada, o próprio ato de medir (discurso) força a partícula a abandonar todos os outros lugares em que poderia estar e selecionar um local definido (matéria) (WADE, 2018WADE, E. (2018). Emaranhamento quântico: quem está certo Einstein ou Bohr? Medium. Disponível em: https://medium.com/@eltonwade/emaranhamento-qu%C3%A2ntico-quem-est%C3%A1-certo-einstein-ou-bohr-c4b71e89952d. Acesso em: 3 maio 2019.
    https://medium.com/@eltonwade/emaranhame...
    ).
  • 9
    “O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde.” (PNUD Brasil, 2019PNUD Brasil. (2019). Desenvolvimento Humano e IDH. Disponível em: http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html. Acesso em: 9 jul. 2019.
    http://www.br.undp.org/content/brazil/pt...
    )
  • 10
    A ideia de unir o conhecer, ser e fazer (praticar) está relacionada à inseparabilidade da epistemologia, ontologia e metodologia no realismo agencial proposto por Barad (2007)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham: Duke University Press..
  • 11
    “[...] are material-discursive apparatuses of production that intra-act with other complex phenomena, that is, with other apparatuses of production, in an irreducible web of connections that co-produce the unfolding world.” (Tradução minha)
  • 12
    Esses significados somente se materializarão com as relações dos outros elementos da rede.
  • 13
    Expressions-to-come (Tradução minha)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2019
  • Aceito
    16 Jul 2019
  • Publicado
    01 Ago 2019
UNICAMP. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Unicamp/IEL/Setor de Publicações, Caixa Postal 6045, 13083-970 Campinas SP Brasil, Tel./Fax: (55 19) 3521-1527 - Campinas - SP - Brazil
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