Acessibilidade / Reportar erro

Apresentação

As fronteiras disciplinares entre a Sociologia e a Criminologia não são evidentes e definitivamente estabelecidas, nem em termos abstratos, nem em termos das trajetórias históricas de emergência dessas respectivas áreas de conhecimento. Do ponto de vista da Sociologia, para alguns não haveria sequer sentido em falar em Criminologia como um campo autônomo de conhecimento, uma vez que os comportamentos referidos ao mundo do crime seriam parte do mundo social e análogos a outros comportamentos, não justificando assim a existência de uma disciplina própria, com supostas especificidades teóricas e metodológicas (Bigo e Bonelli, 2014Bigo, Didier; Bonelli, Laurent. (2016), “Critique de la raison criminologique”. Culture & Conflits [En ligne]. Disponível em Disponível em https://journals.openedition.org/champpenal/9025 , consultado em 14/11/2019.
https://journals.openedition.org/champpe...
). Em termos do caráter mais ou menos utilitário no que diz respeito ao conhecimento do crime e da pena, divergências igualmente se colocam. Diversos ramos da Criminologia buscaram influenciar diretamente as políticas criminais, ao desenharem deste modo um conhecimento explicitamente aplicado e pragmático, criticado, por vezes, por ser insuficiente, em termos de sua cientificidade, ou demasiadamente orientado para o poder (Foucault, 1979Foucault, Michel. (1979), Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal.; Garland, 1999Garland, David. (nov. 1999), “As contradições da ‘sociedade punitiva’: o caso britânico”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, 13: 59-80. ; Young, 2011Young, Jock. (2011), The criminological imagination. Cambridge, Polity Press.).

Ao observar-se a emergência dessas disciplinas nos diferentes contextos nacionais, os entrecruzamentos e disputas se mostram ainda mais complexos. Tomando-se a trajetória de expoentes das respectivas áreas, em seus momentos de consolidação no final do século XIX e início do século XX na Europa Ocidental, tal complexidade é perceptível. No campo da Criminologia, embora não possa ser tomado como uma espécie de efetivo fundador de uma nova área de conhecimento, mas sobretudo como um herdeiro que sintetizou os ensinamentos da Frenologia, da Antropologia, da Medicina Legal e do Alienismo dos dois primeiros terços do século XIX (Renneville, 1994Renneville, Marc. (1994), “La réception de Lombroso en France (1880-1900)”. In: Mucchieli, Laurent (dir.). Histoire de la criminologie francaise . Paris, L’Harmattan, pp.107-135.; Gibson, 2002Gibson, Mary. (2002), Born to criminal: Cesare Lombroso and the origins of biological criminology. Nova York, Praeger Publishers.; 2006Gibson, Mary. (2006), “Cesare Lombroso and Italian Criminology. Theory and politics”. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard (eds.). The criminal and its scientists. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 137-158. ; Frigressi, 2003Frigressi, Delia. (2003), Cesare Lombroso. Torino, Einaudi.), Cesare Lombroso (1835-1909) aparece como uma figura ainda hoje mítica. Se Lombroso se tornou célebre sobretudo pela discussão em torno do “homem criminal” (das características biológicos do indivíduo criminoso)1 1 A conhecida expressão “criminoso nato”, no entanto, foi cunhada por Enrico Ferri (1884). , o conhecimento que buscava desenhar não só paulatinamente passou a incluir fatores sociais na etiologia do crime, mas almejava igualmente ser uma explicação mais ambiciosa da natureza humana, uma verdadeira ciência capaz de dar conta das desigualdades entre os homens (Lombroso, 1887Lombroso, Cesare. (1887), l’homme criminel. Paris, Félix Alcan., 1896Lombroso, Cesare. (1896), L’anthropologie criminelle et ses récents progrès. 3 ed. Paris, Félix Alcan., 1907Lombroso, Cesare. (1907), Le crime, causes et remédes. 2 ed. Paris, Félix Alcan.).

No âmbito da institucionalização da Sociologia, por sua vez, expoentes como Émile Durkheim (1858-1917) estarão em constante diálogo com os criminólogos de seu tempo, sem dúvida para criticar suas concepções, consideradas insuficientes em termos de explicação dos fatos sociais e marcadas pelo ecletismo, ao combinar concepções antropológicas, sociológicas e biológicas do crime. Mas, ao mesmo tempo, Durkheim não deixará de incluir alguns representantes da Criminologia de sua época como propriamente fazendo parte do campo de discussão da Sociologia. A título de exemplos desse diálogo complexo do “arquiteto e herói fundador” da Sociologia (Ortiz, 1989Ortiz, Renato. (out. 1989), “Durkheim: arquiteto e herói fundador”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 4 (11): 1-17.) com seus contemporâneos da Criminologia, inclusive com a “escola italiana”, composta por Cesare Lombroso, Raffaele Garofalo (1852-1934) e Enrico Ferri (1856-1929) (Digneffe, 1998bDigneffe, Francoise. (1998b),“L’ecole positive italienne et le mouvemant de la defense sociale”. In: Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Digneffe, Francoise. Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 2. La rationalité pénale et la naissance de la criminologie, De Broeck Université/Les Presses de l’Université d’ Ottawa/Les Presses de l’ Universiteé de Montréal, Paris-Bruxelles, pp. 233-299.), podem-se citar dois momentos em suas reflexões. Na conhecida passagem das Regras do método sociológico - publicado originalmente em 1895 - em que qualifica o crime como um fenômeno “normal” da vida social, já que “[…] não se produz só na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie, mas em todas as sociedades, qualquer que seja a forma destas” (Durkheim, 1978Durkheim, Émile. (1978), “As regras do método sociológico”. In: Durkheim, Émile. Durkheim: Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, pp. 71-157., pp. 119-124), o sociólogo francês se opõe explicitamente a toda Criminologia da época, que afirmava o caráter “patológico” do fenômeno criminal2 2 Em sua obra anterior, Da divisão do trabalho social (Durkheim, 1893), o autor já desenvolvera um conceito sobre a natureza do crime e da punição, em relação à ideia de “consciência coletiva”, completado, a partir daí, com uma consideração detalhada da função legal da punição. Todos esses elementos, segundo Durkheim, persistiram na mudança de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna. O interesse pela relação entre a punição legal e a mudança social, por sua vez, foi recuperado em um pequeno ensaio intitulado Duas leis da evolução penal (Durkheim, [1899] 2014), no qual analisa as transformações quantitativas e qualitativas na passagem à modernidade e identifica o seu impacto, independente da existência de regimes absolutistas. Durkheim também retoma a ideia de função da punição - em relação à vida escolar - em La educación moral (Durkheim, 1902). Alguns aspectos do crime, relacionados com os homicídios e os ataques à propriedade, são discutidos em sua obra póstuma Lecciones de Sociología. Fisica de las costumbres y el derecho (1950/2003, pp. 173-194) ([2003] 1950, pp. 173-194). Isso significa que um dos fundadores da Sociologia demonstrou muitas vezes seu interesse marcante pelas questões do crime e da punição (Garland, 1990, pp. 23-46; Digneffe, 1998a; Melossi, 2018, pp. 87-105). . Entretanto, em texto publicado anos depois, em que buscava caracterizar a situação da Sociologia na França (Durkheim, 1900), ele não deixava de incluir em sua caracterização o “grupo criminologista”, ou seja, aqueles estudiosos que transitavam entre Criminologia e Sociologia, liderados por Alexandre Lacassagne (1843-1924) e Gabriel Tarde (1843-1904). Tratava-se de intelectuais que desafiavam a “etiologia do crime”, sustentada pela maior parte da “escola italiana”, que se centrava no rol dos fatores individuais - antropológicos e psicológicos -, e enfatizavam - cada um ao seu modo - a dimensão social, o que deu lugar a uma verdadeira separação dentro do debate europeu a partir do ii Congrès International d’Antropologie Criminelle celebrado em Paris, em 1889 (Beirne, 1993Beirne, Piers. (1993), Inventing criminology. Nova York: Suny.; Mucchieli, 1994aMucchieli, Laurent. (1994a), “Hereditéet milieu socia: le faux-antagonisme franco-italien”. In: Mucchieli, Laurent (dir.). Histoire de la criminologie francaise. Paris, L’Harmattan, pp. 189-214.; 1994bMucchieli, Laurent. (1994b), “Naissance et declin de la sociologie criminelle (1890-1940)”. In: Mucchieli, Laurent (dir.). Histoire de la criminologie francaise . Paris, L’Harmattan, pp. 287-312.; Kaluszynski, 2006Kaluszynski, Martine. (2006), “The International Congress of Criminal Anthropology: Shaping the French and International Criminology”. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard (eds.). The criminal and its scientists. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 301-316.; Tonkonoff, 2011Tonkonoff, Sergio. (2011), “Lo social y sus paroxismos. El delito en la obra de Gabriel Tarde”. In: Tarde, Gabriel. Sociología criminal y Derecho Penal. Buenos Aires, Ad Hoc Ediciones, pp. 9-36.)3 3 De fato, Durkheim e Tarde mantiveram um interessante debate sobre a questão da relação entre crime e saúde pública em 1895 (Durkheim, 2007; Tarde, 2007; Digneffe, 1998b, pp. 389-393). .

Os inúmeros desdobramentos, no século XX, dos conhecimentos acerca do crime, da punição e das instituições de controle social por vezes distanciaram, por vezes reaproximaram tais áreas de conhecimento, sempre seguindo dinâmicas institucionais e conflitos políticos desenhados nos diferentes contextos nacionais ou regionais. Por exemplo, a Sociologia do crime e do desvio, especialmente no contexto estadunidense, seguiu sobretudo uma démarche de distanciamento e de crítica das explicações individualistas, voltadas exclusivamente para a compreensão dos aspectos distintivos do criminoso - quer em termos de suas determinações biológicas, quer psicológicas -, em direção a explicações contextuais dos comportamentos considerados desviantes. Teorias funcionalistas, interacionistas e da rotulação terão ao menos em comum a busca pelas forças sociais em jogo nos domínios do crime e da punição (Debuyst, Pires e Digeneffe, 2008Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Dignffe, Francoise. (2008), Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 3. Explique et comprendre la délinquance (1920-1960). Bruxelles, Larcier.; Downes e Rock, 2011Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación. Barcelona, Gedisa.; Melossi, 2018Melossi, Dario. (2018), Controlar el delito, controlar la sociedad. Teorías y debates sobre la cuestión criminal del siglo XVIII al XXI. Buenos Aires, Siglo XXI Editores. ).

Uma Sociologia do crime ligada à assim chamada Escola de Chicago, por exemplo, tomará o espaço urbano como laboratório de pesquisa social, inclusive no que diz respeito ao crime e à criminalidade. Uma teoria da “desorganização social” será empregada, valendo-se de conceitos das diferentes Ciências Sociais, mas igualmente de áreas como a Ecologia (Park e Burguess, 1925Park, Robert; Burguess, Ernest. (1925), The city. Londres, Chicago University Press.; Thrasher, 1927Thrasher, Frederic. (1927), The gang: A study of 1,313 gangs in Chicago. Londres, University of Chicago Press. e Shaw et al., 1940Shaw, Clifford et al. (1940), Juvenile delinquency and urban areas: A study of rates of delinquency in relation to differential characteristics of local communities in American cities. Londres, Chicago University Press.; Melossi, 2018Melossi, Dario. (2018), Controlar el delito, controlar la sociedad. Teorías y debates sobre la cuestión criminal del siglo XVIII al XXI. Buenos Aires, Siglo XXI Editores. ; Downes e Rock, 2011Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación. Barcelona, Gedisa.; Debuyst et al., 2008Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Dignffe, Francoise. (2008), Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 3. Explique et comprendre la délinquance (1920-1960). Bruxelles, Larcier.).

Valeria lembrar, igualmente dessa primeira metade do século XX, as ideias que comporiam a teoria da associação diferencial cunhada por Edwin Sutherland. Embora muitas vezes não seja associado às vertentes “críticas” no interior da Criminologia, Sutherland foi também um importante ponto de inflexão nas investigações sobre as dinâmicas criminais, ao aprofundar os estudos empíricos tal como desenvolvidos pela Escola de Chicago no âmbito da explicação dos crimes cometidos pelos estratos superiores da sociedade americana. Valendo-se de pesquisas de fôlego desenvolvidas entre os anos de 1930 e 1940, Sutherland refere-se ao “aprendizado” necessário ao cometimento de determinados crimes - que chamará de “crimes de colarinho branco”. A mesma reflexão - de que o criminoso aprende a delinquir a partir do ambiente de suas relações sociais - poderia ser aplicada aos criminosos ditos “comuns” - incluindo aqui os “ladrões profissionais”. Nesse sentido, seu trabalho foi igualmente uma mudança importante em relação à visão dominante até então na Criminologia (Sutherland, 1949Sutherland, Edwin (1949), Princípios de Criminologia. São Paulo, Livraria Martins Editora. ; 1991Sutherland, Edwin ([1937] 1991), El Ladrón profesional. Madri, Ediciones de la Piqueta.; 2011aSutherland, Edwin ([1947] 2011a), “Una exposición de la teoría”. Delito y Sociedad , 31: 119-122.; 2011bSutherland, Edwin ([1929] 2011b), “El delito y proceso de conflicto”. Delito y Sociedad , 31: 123-130.; 2016Sutherland, Edwin. (2016), Crime de colarinho branco. Rio de Janeiro, Revan.; Pires, Debuyst e Digneffe, 2014).

Destaca-se nesse mesmo período - dentro da Sociologia estadunidense - a obra de Robert K. Merton sobre a “anomia”. Nessa obra, ao resgatar a concepção de Durkheim, Merton identificou fontes estruturais da tendência ao desvio, nascida da tensão entre uma estrutura cultural que é baseada na busca pelo sucesso e constrói o mito de que essa meta é alcançável por todos os indivíduos, e de uma estrutura social que, para além do “sonho americano”, bloqueia oportunidades devido a uma acentuada desigualdade social (Merton, 1959Merton, Robert. (1959), “Social conformity, deviation and opportunity structures: a comment on the contributions of Dubin and Cloward”. American Sociological Review, 24 (2): 177-189.; 1967Merton, Robert. ([1954] 1967), “Anomie, anomia e interacción social. Contextos de conducta desviada”. In: Clinard, Marshall B. (ed.). Anomia y conducta desviada. Buenos Aires, Paidos, pp. 201-226.; 2002Merton, Robert. ([1968] 2002), Teoría y estructura sociales. Mexico DF, Fondo de Cultura Económica. ; Downes e Rock, 2011Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación. Barcelona, Gedisa.; Pires, Debuyst e Digneffe, 2008Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Dignffe, Francoise. (2008), Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 3. Explique et comprendre la délinquance (1920-1960). Bruxelles, Larcier.)

Seguindo os passos desses vários precedentes teóricos, nas décadas de 1950 e 1960, muitos sociólogos americanos, como Albert Cohen, David Matza e Richard Cloward, construíram avanços em torno das relações entre a juventude e o crime, com um debate crucial em torno da ideia de “subcultura criminosa” (Cohen, 1955Cohen, Albert. (1955), Delinquent boys. The culture of the gang. Glencoe, The Free Press.; Cloward e Ohlin, 1960Cloward, Richard; Ohlin, Lloyd. (1960), Delinquency and opportunity. A theory of delinquent gangs. Nova York, The Free Press.; Cloward, 2008Cloward, Richard. ([1959] 2008), “Medios ilegítimos, anomia y comportamiento desviado”. Delito y Sociedad, 26.; Matza, 2014Matza, David. ([1964] 2014), Delincuencia y deriva. Cómo y por qué algunos jóvenes llegan a quebrantar la ley. Buenos Aires, Siglo XXI Editores.; Matza e Sykes, 2004Matza, David; Sykes, Gresham. ([1957] 2004), “Técnicas de neutralización: una teoría de la delincuencia”. Delito y Sociedad , 20: 127-136.; 2014Matza, David; Sykes, Gresham. ([1961] 2014), “Delincuencia juvenil y valores subterráneos”. Delito y Sociedad , 38: 119-129. ; Downes e Rock, 2011Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación. Barcelona, Gedisa.; Pires, Debuyst e Digneffe, 2000).

Seguindo a chave de olhar para o crime a partir de novas perspectivas, a assim chamada teoria da rotulação sugeriu, nos anos de 1960 - herdeira, em certo sentido, do pensamento da Escola de Chicago -, que o desvio e a criminalidade deveriam ser considerados uma etiqueta/um rótulo atribuído a certos indivíduos por meio de complexos processos de interação social e não mais como uma qualidade particular, intrínseca da conduta individual. Assim, o desvio e o crime passam a ser vistos como fenômenos socialmente construídos e, portanto, o desvio só se tornaria desvio em razão dos quadros de interpretação da realidade definidos pelos grupos sociais dominantes. Isso implicava colocar no centro da investigação sociológica as dinâmicas e os efeitos da reação social em seus diversos momentos - a criação e a aplicação das regras sociais que definiriam aquilo que resulta como desvio e o tratamento efetivo direcionado aos indivíduos considerados como desviantes (Becker, 1963Becker, Howard. ([1963] 2008), Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar.; 2006Becker, Howard. ([1967] 2006), ¿De qué lado estamos?. Delito y Sociedad. Revista de Ciencias Sociales, 21: 89-100. ; Lemert, 1951Lemert, Edwin. (1951), Social pathology. Nova York, Mcgraw-Hill.; 1967Lemert, Edwin. (1967), Human deviance, social problems and social controls, Englewood Cliffs, Prentice-Hall. ; Chapman, 1968Chapman, Dennis. (1968), Sociology and the stereotype of the criminal. Londres, Tavistock. ; Kitsuse, 2006Kitsuse, John. ([1960] 2006): “Reacción de la sociedad ante la conducta desviada: Problemas de Teoría y Método”. Delito y Sociedad : Revista de Ciencias Sociales, 21, 77-88. ; Downes e Rock, 2011Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación. Barcelona, Gedisa.; Melossi, 2018Melossi, Dario. (2018), Controlar el delito, controlar la sociedad. Teorías y debates sobre la cuestión criminal del siglo XVIII al XXI. Buenos Aires, Siglo XXI Editores. ).

Essa complexa e rica tradição sociológica sobre crime e desvio, construída nos Estados Unidos durante os primeiros dois terços do século XX, teve como uma de suas condições de possibilidade a forte e precoce institucionalização dessa disciplina nas universidades americanas, algo ainda sem precedentes no Norte Global. Os vários protagonistas e vocabulários que a compuseram construíram relações distintas com o que se definiu de “Criminologia” nos Estados Unidos, que nasceu - como em outros contextos ocidentais - no calor da importação da “escola positivista” e em estreita relação com a Medicina, a Psiquiatria, a Psicologia e o Direito (Hahn Rafter, 1997Hahn Rafter, Nicole. (1997), Creating born criminals. Urbana e Chicago, University of Illinois Press., 2004 Hahn Rafter, Nicole. (2004), “Earnest A. Hooton and the biological tradition in American Criminology”. Criminology, 42(2): 735-771.e 2006Hahn Rafter, Nicole. (2006), “Criminal Anthropology: its reception in the United States and the Nature of its Appeal”. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard (eds.). The criminal and its scientists. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 159-182.; Sozzo e Salvatore, 2009Sozzo, Maximo; Salvatore, Ricardo. (2009), “Criminología moderna em América Latina y Estados Unidos (1880-1940)”. In: Dammert, Lucia (ed.). Crimen e inseguridad. Políticas, temas y problemas en las Americas. Chile/Catalonia, Santiago de Chile, Flacso, pp. 19-56. ).

A tentativa de Surtherland de colonizar esse campo do conhecimento foi importante desde o início, em clara oposição a qualquer tipo de explicação do crime que recorresse a fatores causais individuais. A sua ambição de construir uma “teoria geral do crime” articula-se com o fato de um dos seus primeiros livros - e uma das suas obras fundamentais - intitular-se Princípios da Criminologia, que teve uma primeira edição já em 1924, mas que viria a sofrer mudanças nas sucessivas edições ao longo da vida de seu autor, até 1947, dando cada vez mais clareza e centralidade às suas ideias sobre a “associação diferencial”. Sutherland também desempenhou um papel muito importante, no plano institucional, na Universidade de Indiana, onde iniciou o magistério em 1935, mesmo ano em que foi criado o Institute of Criminal Law and Criminology (Sheptyki, 2010Sheptycki, James. (2010), “Edwin Sutherland (1883-1950)”. In: Hayward, Keith; Maruna, Shadd; Mooney, Jayne. Fifty key thinkers in criminology. Routledge, Abdingdon, pp. 63-71.).

O já citado Albert Cohen, um dos discípulos mais famosos de Sutherland, conta, em entrevista biográfica, que, quando chegou à Universidade de Indiana, em 1939, para fazer sua pós-graduação, a Universidade era “o centro mais importante de Criminologia do país naquela época”. Em seguida, Cohen afirma, ao demonstrar a ambivalência em relação à forma de se definir a Criminologia - tanto naquele momento, quanto no em que a entrevista foi realizada: “e então me tornei criminólogo, eu não me considerava um criminólogo, me considerava um sociólogo; ainda não consigo me acostumar em ser um criminólogo, mas é nisso que estou absorvido desde então e foi isso que se tornou o principal de minha vida profissional”4 4 Oral History of Criminology, entrevista com Albert Cohen, por John. P Laub, 1997. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=KQ_8D5pfy30&feature=youtu.be, consultado em 18/11/2020. Tradução dos organizadores. .

O sucesso dessa tentativa de colonização foi muito importante. Não é por acaso que a American Society of CriminologyAmerican Society of Criminology, Asc Award Winners. Disponível em https://www.asc41.com/awards/awardWinners.html#sa.
https://www.asc41.com/awards/awardWinner...
- a maior associação profissional do mundo no campo da Criminologia - nomeou um de seus principais prêmios anuais como Prêmio Edwin Sutherland desde o início dos anos 1960 - e foi recebido por autores importantes dessa produção sociológica, como Robert Merton, Edwin Lemert, Lloyd Ohlin, Albert Cohen e Gresham Sykes5 5 A esse respeito, ver https://www.asc41.com/awards/awardWinners.html#sa. .

Isso tudo não impediu, entretanto, a persistência de elaborações no campo da Criminologia estadunidense - durante esses dois primeiros terços do século XX - que continuaram a dar importância aos fatores individuais da criminalidade. Mas, a partir da década de 1930, isso ocorreu especialmente no quadro da “abordagem multifatorial”, desenvolvida por Sheldon e Eleanor Glueck e que foi enormemente influente nesse contexto nacional (Glueck e Glueck, 1930Glueck, Eleanor; Glueck, Sheldon. (1930), 500 criminal careers. Nova York, A. A. Knopf.; 1950Glueck, Eleanor; Glueck, Sheldon (1950), Unraveling juvenile delinquency. Nova York, The Commonwealth Fund.; Laub e Sampson, 1991Laub, John; Sampson, Robert. (1991), “The Sutherland-Glueck debate: on the sociology of criminological knowledge”. The American Journal of Sociology, 96 (6): 1402-1440. ; Logan, 2010Logan, Anne. (2010), “Eleanor Tourouff Gliueck (1898-1972) and Sheldon Glueck (1896-1980)”. In: Hayward, Keith; Maruna, Shadd; Mooney, Jayne. Fifty key thinkers in criminology. Routledge, Abdingdon, pp. 82-88.). Porém, justamente o fato de a relevância dos fatores individuais ter sobrevivido apenas com o enfoque multifatorial evidenciava o peso adquirido pela Sociologia na configuração do campo da Criminologia dos Estados Unidos (Savelsberg et al., 2015Savelsberg, Joachim; Hughes, Loraine A.; Kivivuori, Janne; Short, James F. Jr; Sozzo, Maximo; Sparks, Richard. (2015), “History of Criminology”. In: Wright, J. D. (ed.). International Encyclopedia of Social and Behavioural Sciences. Oxford, Elsevier, vol. 5, pp. 238-242. , p. 239; Savelsberg, 2017Savelsberg, Joachim. (2017), “Criminology in the United States: contexts, institutions and knowledge in flux”. In: Triplett, Ruth Ann (ed.). The Handbook of the history and philosophy of Criminology. Nova York, Siley and Sons, pp. 437-452., pp. 438-439). Não impediu, no entanto, muitos dos principais intelectuais que desenvolveram um vocabulário sociológico sobre o crime e o desvio de se recusarem a ser identificados com o espaço da “Criminologia”, como vimos na hesitação de Albert Cohen, acima narrada. Isso fica especialmente evidente na maioria dos autores da teoria do etiquetamento - uma perspectiva particularmente crítica das instituições e práticas de controle social que costumavam ser associadas à “Criminologia”. Além disso, a Criminologia acabava por ser vista como um tipo de conhecimento a serviço de “agentes de aplicação das regras”, para usar a expressão de Howard Becker, em oposição às suas próprias “simpatias”, que estavam ao lado do desviante (Becker, 1963 Becker, Howard. ([1963] 2008), Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar.e 2006Becker, Howard. ([1967] 2006), ¿De qué lado estamos?. Delito y Sociedad. Revista de Ciencias Sociales, 21: 89-100. )6 6 Uma interessante evidência sobre isso pode ser conferida em Oral History of Criminology. Entrevista com Howards S. Becker, por Brendan Dooley, em 2015. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=26-il8_lKz0&feature=youtu.be, consultado em 18/11/2020. .

Desde a década de 1960, esses tipos de manifestações, juntamente com os vocábulos sociológicos sobre crime e desvio que os desencadearam, especialmente a abordagem do etiquetamento, foram importados tanto em outros contextos de língua inglesa - especialmente no cenário britânico - quanto na Europa Ocidental. Esse processo está vinculado, sobretudo, ao fortalecimento da institucionalização da Sociologia no mundo universitário desses países, após a Segunda Guerra Mundial, com a consolidação e multiplicação dos programas de graduação e pós-graduação no âmbito dessa disciplina. Ao mesmo tempo, foi favorecido pelo clima político e cultural dessa década, atravessado por vários movimentos sociais que colocaram em causa muitos aspectos da ordem social nos países do assim chamado capitalismo avançado e levaram ao surgimento de fortes tensões e conflitos. Tanto dentro quanto fora dos Estados Unidos, desde o final dos anos 1960, a discussão das ideias da teoria do etiquetamento pode ser encontrada nos debates plurais da teoria social e política neomarxista (Gouldner, 1968Gouldner, Alvin. (1968), “The sociologist as partisan. Sociology and the Welfare State”. The American Sociologist, 3(2): 103-116. ; Young, 2005Young, Jock. ([1970] 2005), “Los guardianes del zoológico de la desviación”. Delito y Sociedad , 21: 121-128.; e Liazos 2006Liazos, Alexander. ([1972] 2006), “La pobreza de la sociología de la desviación”. Delito y Sociedad: Revista de Ciencias Sociales, 21: 101-120.).

Essa complexa combinação teórica dá origem ao projeto construído simultaneamente, tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha, de uma “nova Criminologia” - “radical”, “crítica” - que tem no livro publicado em 1973 pelos jovens sociólogos britânicos Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young (1977bYoung, Jock; Taylor, Ian; Walton, Paul. ([1975] 1977b). Criminología crítica. Mexico DF, Siglo XXI.) sua carta de apresentação. Esses autores reivindicaram a combinação de perspectivas anteriores da Sociologia estadunidense, especialmente a abordagem do etiquetamento, com a tradição neomarxista. Em 1975, esses três autores editaram outro influente livro coletivo, no qual reuniram as obras de “novos criminólogos” britânicos e americanos (Platt, H. e J. Schwendinger, Chambliss e Quinney)7 7 No cenário estadunidense, um grupo muito ativo de criminólogos radicais fundou Crime and Social Justice, em 1974, a primeira revista científica que incorporou essa orientação teórica. A partir de 1977, apareceu a revista Contemporary Crises: Crime, Law and Social Policy, dirigida inicialmente, a partir dos Estados Unidos, por William Chambliss. e no qual o debate acerca dos possíveis usos e limites da tradição neomaxista sobre o crime e o controle social se aprofundou e se mostrou em toda a sua heterogeneidade (Taylor, Walton e Young, 1977bYoung, Jock; Taylor, Ian; Walton, Paul. ([1975] 1977b). Criminología crítica. Mexico DF, Siglo XXI.).

Nesses contextos de língua inglesa, durante os anos 1970, em ambos os lados do oceano Atlântico, as posições dos “novos criminólogos” em relação aos conceitos e argumentos marxistas tiveram um amplo nível de variação, indo de abordagens um tanto ortodoxas a outras extremamente heterodoxas. Isso acrescentou complexidade a algumas posições teóricas que, apesar do apelo comum para incorporarem uma orientação “radical” ou “crítica”, também incluíram, em certo grau, elementos muito diferentes do vocabulário sociológico anterior sobre crime e controle social, gerado durante o século XX no contexto americano. Esse movimento intelectual rico e plural produziu investigações sobre toda uma série de temas fundamentais: da invenção da noção de “pânico moral” ao pensamento sobre a construção de sentimentos e emoções públicas em relação ao desvio, à complexa conexão do aumento generalizado da severidade das intervenções do Estado com a crise de hegemonia nas sociedades capitalistas avançadas, até a revelação do caráter difuso do “crime dos poderosos” e sua imunidade frente à justiça criminal (Cohen, 2015Cohen, Stanley. ([1972] 2015). Demonios populares y pánicos morales. Desviación y reacción entre medios, política e instituciones. Buenos Aires, Gedisa. ; Hall et al., 1978Hall, Stuart et al. ([1978] 2013), Policing the crises. Hampshire, Palgrave Macmillan.; Pearce, 1980Pearce, Franck. ([1975] 1980), El delito de los poderosos. Marxismo, el delito y la desviación. Mexico DF, Siglo XXI.)8 8 Sobre a Criminologia crítica de língua inglesa, ver Larrauri (1991); Downes e Rock (2011, pp. 375-417); Van Swaaningen (2011, pp. 123-134); Melossi (2018, pp. 215-237). Para um tour em formato de revista, com um de seus principais autores, Jock Young, ver Sozzo e Fonseca (2012). .

Para além do mundo de língua inglesa, a difusão da Criminologia crítica também se deu - com intensidades variadas - nos cenários da Europa Continental, sendo marcada por toda uma série de peculiaridades em cada um dos campos acadêmicos nacionais. Em alguns desses contextos, muitos dos autores-chave desse tipo de perspectiva não eram sociólogos - como havia acontecido também nos Estados Unidos e no Reino Unido -, mas advogados, anteriormente dedicados ao Direito penal e à Filosofia do Direito que, em alguns casos, construíram um “rito de passagem” em direção a uma figura intelectual diferente, definida como “criminólogo crítico” e, em outros casos, preferiram apoiar-se na identidade - o mesmo produto de uma intersecção - do “sociólogo do direito”. Um exemplo paradigmático a esse respeito foi o caso da Itália. Alguns elementos ajudam a explicar essa peculiaridade: em primeiro lugar, a relativa fragilidade da institucionalização da Sociologia nas universidades italianas, até aquele momento, e sua concentração em outras questões e problemas; em segundo lugar, o legado de uma fraca institucionalização precedente da Criminologia - com uma orientação positivista - nas faculdades de Direito; finalmente, a ascensão das faculdades de Direito - no quadro do clima político e cultural mais amplo do país, desde a década de 1960 - e de perspectivas teóricas “críticas” sobre o próprio Direito, de modo geral. Nesse contexto, um pequeno grupo, predominantemente de juristas - com a exceção de Tamar Pitch -, liderado por Alessandro Baratta, deu origem a uma rica produção intelectual, desde meados da década de 1970 - inicialmente nucleada em torno da revista científica La Questione Criminalista, que começou a ser publicada a partir de 1975. Nessa produção intelectual destacaram-se, entre outras questões, o peso do olhar histórico - como se pode ver no influente livro Cárcere e fábrica, de Dario Melossi e Massimo Pavarini, publicado em 1977 - e a preocupação pela reforma radical do Direito penal, pela construção de uma “política criminal das classes subalternas” - fortemente ligada à formação inicial em Direito desses intelectuais -, como é visto no influente livro de Alessandro Baratta, Criminologia crítica e crítica ao direito penal, 1982 (Melossi e Pavarini, 2006Melossi, Dario; Pavarini, Massimo. ([1977] 2006), Cárcere e fábrica. Rio de Janeiro, Revan.; Baratta, 1986Baratta, Alessandro. ([1982] 1986), Criminología crítica y crítica del derecho penal. México: Siglo XXI.; Pavarini, 1983Pavarini, Massimo. ([1980] 1983), Control y dominación. Teorías criminológicas burguesas y proyecto hegemónico. México, Siglo XXI.; Canziani, 2016Canziani, Carolina. (2016), La criminologia critica in Italia: linee evolutive e generazionali dell’approccio critico allo studio della questione criminale. Corso di dottorato in Scienze Giuridiche. Milão, Università Degli Studi di Milano.)9 9 Sobre o desenvolvimento da Criminologia crítica na Itália, ver Van Swaaningen (2011, pp. 157-164). Para um tour em forma de entrevista detalhada, com dois de seus principais autores, Melossi e Pavarini, ver Sozzo (2007a; 2007b; 2008a; 2008b). . Outras peculiaridades podem ser ressaltadas ao se analisarem esses desenvolvimentos teóricos em cenários como Holanda, Bélgica, França, países da Escandinávia e Alemanha (Van Swaaningen, 2011Van Swaaningen, Rene. (2011), Perspectivas europeas para una criminología crítica. Buenos Aires, BDF., pp. 137-157 e pp. 176-216).

Desde a década de 1970, em estreita relação com o movimento crítico da Criminologia - embora às vezes proclamando sua adesão a este grupo mais amplo e às vezes articulando uma espécie de “secessão” - começaram a surgir nos países do Norte Global, cruzando as fronteiras nacionais, posições teóricas - e políticas - sobre o crime e o controle social, que adquiriram contornos específicos e entre as quais também ocorreram acalorados debates. Em alguns casos, essas posições foram articuladas por intelectuais que se viam como “criminólogos críticos”, abraçando essa nova identidade malformada no mundo da produção de conhecimento. Em outros casos, a preferência continuou a ser a referência à “Sociologia” ou mesmo à “Sociologia do Direito”. Ao longo das décadas subsequentes, essas orientações mantiveram sua vitalidade, num processo de fortalecimento e multiplicação da produção intelectual contida em suas fronteiras.

Em primeiro lugar, destaca-se o extraordinário impacto das perspectivas feministas, que reconfiguraram radicalmente o debate construído até a década de 1970 e incorporaram, de forma irreversível, a desigualdade de gênero como eixo fundamental para se pensarem o crime e o controle social nas sociedades contemporâneas. Inicialmente tais perspectivas tiveram uma forte difusão nos contextos da língua inglesa. Vale destacar o trabalho pioneiro de autoras como Carol Smart (1977Smart, Carol. (1977), Women, crime and criminology. Londres, Routledge and Paul Kegan. ), Pat Carlen (1983Carlen, Pat. (1983), Women’s imprisonment. Londres, Routledge e Kegan Paul.; Carlen et al., 1985Carlen, Pat et al. (1985), Criminal women. Cambridge, Basil Blackwell., Carlen e Worrall, 1987Carlen, Pat; Worrall, Anne. (1987), Gender, crime and justice. Milton Keynes, Open University Press.) e Francis Heidensohn (1985Heidensohn, Frances. (1985), Women and crime. Londres, Macmillan. ; 1992Heidensohn, Frances. (1992), Women in control. The role of women in law enforcement. Oxford, Clarendon. ). Mas logo essas perspectivas foram consolidadas para além das fronteiras nacionais10 10 A literatura feminista sobre o crime e o controle social cresceu de forma exponencial nas últimas três décadas. Para entender mais a esse respeito, ver, entre outros trabalhos: Downes e Rock (2011, pp. 419-449); Maqueda Abreu (2014) e Gelsthorpe e Burman (2017). .

Em segundo lugar, é importante apontar o peso da chamada “virada realista” de vários criminólogos críticos de língua inglesa desde o final dos anos de 1970. Eles abandonaram as posições românticas do pensamento crítico sobre a questão criminal e reconheceram que o “crime comum” - pelo menos em algumas de suas manifestações - era um problema real a ser enfrentado, tanto do ponto de vista científico quanto do político, já que afetava desproporcionalmente grupos desfavorecidos econômica e socialmente. Os trabalhos pioneiros de intelectuais importantes como Eliott Currie (1986Currie, Eliott. (1986), Contronting crime. An American challenge. Nova York, Pantheon Books.), Ian Taylor (1982Taylor, Ian. (1982), Law and order. Arguments for socialism. Londres, Macmillan. ; 1994-1995Taylor, Ian. ([1981] 1994-1995), “Contra el crimen y por socialismo”. Delito y Sociedad , 4-5: 33-58. ) e Jock Young (1993Young, Jock. ([1986] 1993). “El fracaso de la criminología: la necesidad de un realismo radical”. Aavv, Criminología critica y control social. Rosario, Iuris, pp. 5-39.; Young e Matthews, 1993Young, Jock; Matthews, Roger. ([1991] 1993). “Reflexiones sobre el ‘realismo’ criminológico”. Delito y Sociedad , 3: 13-38.; Lea e Young, 2001Lea, John; Young, Jock. ([1984] 2001), ¿Qué es lo que se debe hacer con la ley y el orden? Buenos Aires, Ediciones del Puerto. ) deve ser observado a esse respeito11 11 Para saber mais a respeito do “realismo de esquerda”, ver Larrauri (1991, pp. 143-191); Downes e Rock (2011, pp. 405-418); Van Swaaningen (2011, pp. 313-320) e Matthews (2015). .

Em terceiro lugar, é também fundamental atentarmos para o surgimento de perspectivas que se identificam como “abolicionistas” e que tratam do aprofundamento de uma crítica radical ao funcionamento do sistema penal e, especialmente, da prisão nas sociedades contemporâneas. Ao mesmo tempo, promovem uma agenda política igualmente radical na busca de formas alternativas de resolução dos conflitos por meio do Direito Penal moderno, ao resgatar e investigar experiências práticas, bem como desenvolver um pensamento normativo a esse respeito. Essas perspectivas foram inicialmente formadas no norte da Europa, mas depois tiveram um amplo nível de difusão internacional. Vale destacar, neste caso, os trabalhos de Nils Christie (1986Christie, Nils. ([1982] 1986), Los límites del dolor. Mexico: FCE.; 1992Christie, Nils. ([1977] 1992). “Los conflictos como pertenencia”. In: Eser, Albin et al. De los delitos y de las víctimas. Buenos Aires, Ad-Hoc, pp. 157-182. Disponível em http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2015/01/doctrina40529.pdf#viewer.action=download.
http://www.pensamientopenal.com.ar/syste...
; 1993Christie, Nils. (1993), La indústria del control del delito. Buenos Aires, Editores del Puerto.; 2004Christie, Nils. (2004), Una sensata cantidad de delito. Buenos Aires, Editores del Puerto.), Thomas Mathiesen (1973Mathiesen, Thomas. (1973), The politics of abolition. Nova York, John Wiley and Sons. ; 1986Mathiesen, Thomas. ([1986] 2003), Juicio a la prisión. Buenos Aires, Ediar.) e Louk Hulsman (1984Hulsman, Louk; Bernat de Celis, Jacquelline. ([1982] 1984), Sistema penal y seguridad ciudadana: hacia una alternativa. Barcelona, Ariel.; 1989Hulsman, Louk. ([1986] 1989), “La criminología crítica y el concepto del delito”. In: Hulsman, S. et al. Abolicionismo penal. Buenos Aires, Ediar, pp. 87-107. )12 12 . A respeito da literatura abolicionista, ver Van Swaaningen (2011, pp. 176-219, pp. 320-333) e Ruggiero (2010). .

Na década de 1970, também surgiram outros desdobramentos teóricos, mais distantes do movimento crítico da Criminologia - tal como se configurava naquela época -, mas que apresentavam pontos de convergência em torno de certos argumentos que implicavam uma crítica do estado de coisas existente em torno do crime e do controle social daquele período. Entre eles, certamente o mais influente foi a obra de Michel Foucault, Vigiar e punir, publicado originalmente em 1975, que se colocará no entrecruzamento de inúmeras discussões - do Direito Penal, da História, da Sociologia e da Criminologia. Foucault explicitamente retomará em seu trabalho a análise pioneira de Rusche e Kirchheimer, em Punição e estrutura social (Rusche e Kirchheimer, 2004Rusche, Georg; Kirchheimer, Otto. ([1939] 2004), Punição e estrutura social. Rio de Janeiro, Revan.), publicado originalmente em 193913 13 Acerca do problemático contexto de produção desse livro, consultar Melossi (2020). . Mas o filósofo francês escreverá Vigiar e punir igualmente tendo como pano de fundo tanto suas investigações anteriores acerca das práticas de confinamento da loucura (Foucault, 1978Foucault, Michel. (1978), História da loucura. Rio de Janeiro, Graal.) quanto sua atuação política junto ao Groupe d’Information sur les Prisons, que contestava as condições do sistema prisional francês após as revoltas de maio de 1968 (Alvarez, 2006Alvarez, Marcos César. (2006), “Punição, poder e resistência: a experiência do Groupe d’Information sur les Prisons e a análise crítica da prisão”. In: Scavone, Lucila; Alvarez, Marcos César; Miskolci, Richard (orgs.). O legado de Foucault. São Paulo: Unesp, pp. 45-61.). No livro, Foucault problematizará, a partir de uma análise histórica, o papel de destaque que a prisão passará a desempenhar na penalidade moderna. Mas estará igualmente em jogo, na argumentação de seu estudo, a formação de um novo poder, de tipo disciplinar, que presidirá também a organização de instituições como fábricas, hospitais e escolas, e terminará por desenhar uma sociedade permeada por uma extensa rede de práticas igualmente disciplinares.

No bojo de sua análise histórica e em discussões posteriores, Foucault não deixará de situar o próprio conhecimento criminológico como produto das mutações das formas de poder/saber que reorganizaram as práticas punitivas na modernidade. Para Foucault, o novo poder de punir que emerge desde o fim do Antigo Regime será um poder mais produtivo que repressivo, voltado para transformar os indivíduos, torná-los dóceis e produtivos e não apenas submissos, e para isso esse poder se apoiará em saberes que irão introduzir o conhecimento considerado científico no campo das punições, sendo a criminologia um desses saberes, juntamente com a psiquiatria e a psicologia (Foucault, 1977Foucault, Michel. (1977), Vigiar e punir. Petrópolis, Vozes. , 1979Foucault, Michel. (1979), Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal.; 2016Foucault, Michel. (2016). La sociedad punitiva. Curso del College de France, 1972-1973. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica.)14 14 Sobre o importantíssimo trabalho de Foucault em relação ao crime e ao controle social, ver Garland (1990, pp. 131-177) e Valverde (2017). .

É nessa chave que, claramente, o autor francês situa sua obra numa relação de externalidade e crítica com o que se define como “Criminologia”, numa orientação muito diferente daquela dos intelectuais que reivindicavam a possibilidade das metamorfoses desse campo de saber, a partir da adição de um qualificador, como “crítico” ou “radical”. Apesar disso, sua obra gerou extraordinária repercussão, principalmente a partir dos anos 1980, entre aqueles que se reconheciam como parte do movimento intelectual da criminologia crítica. Nesse sentido, destacam-se as importantíssimas obras históricas publicadas em 1985 por dois autores-chave, que recorreram às ferramentas de Foucault, mas fazendo um uso criativo e inovador para pensar as mutações da criminalidade - e mesmo do controle social - em tempos e lugares que Foucault não tinha salientado. De um lado, o livro de Stanley Cohen, Visions of social control (Cohen, 1988Cohen, Stanley. ([1985] 1988). Visiones del control social. Barcelona, PPU.) e, de outro, o livro de David Garland, Punishment and welfare: a history of penal strategies (1985)15 15 Em livro subsequente, Garland irá reivindicar a necessidade de uma Sociologia da Punição para compreender as mutações no campo das penalidades na contemporaneidade, subárea esta inspirada tanto na investigação de Foucault, quanto de clássicos como Marx, Durkheim e Weber (Garland, 1990). . Posteriormente, a partir da redescoberta das reflexões de Foucault após Vigiar e punir, notadamente em torno da “governamentalidade”, esse “efeito-Foucault” nos estudos sociais sobre o crime e o controle social se multiplicou e se tornou mais plural e complexo, dando origem a toda uma linha de investigação cuja vitalidade foi muito importante nas últimas três décadas, cruzando fronteiras nacionais - como mostram as significativas contribuições posteriores, entre tantas outras, de autores como o próprio Garland (1990Garland, David. (1990), Punishment and modern society: a study in Social Theory. Chicago, The University of Chicago Press; 2001Garland, David. (2001), The culture of control. Oxford, Oxford University Press.), Jonathan Simon (2011Simon, Joathan. (2011), Gobernando a través del delito. Barcelona, Gedisa.) ou Pat O’Malley (2006O’Malley, Pat. (2006), Neoliberalismo, riesgo y justicia penal. Buenos Aires, Ad-Hoc.).

Não é possível, no espaço desta Apresentação, resumir os desenvolvimentos entrecruzados da Sociologia e da Criminologia nas décadas mais recentes. Podem-se ressaltar, no entanto, o prolongamento e adensamentos dos debates, tanto nas vertentes mais “críticas” quantos “tradicionais”, nos países de língua inglesa, com relevantes desdobramentos institucionais (Sparks e Loader, 2012Sparks, Richard; Loader, Ian. (2012), “Situating criminology: on the production and consumption of knowledge about crime and justice”. In: Maguire, Mike et al. (eds.). The Oxford handbook of Criminology. Oxford, Oxford University Press, pp. 3-38., p. 8; Savelsberg et al., 2004Savelsberg, Joachim; Cleveland, L.; King, R. (2004), “Institutional environments and scholarly work: American criminology, 1951-1993”. Social Forces, 82 (4): 1275-1302. ; Savelsberg e Sampson, 2002Savelsberg, Joachim; Sampson, Robert. (2002), “Mutual engagement: Criminology and Sociology”. Crime, law and social change, 37: 99-105.; Koheler, 2015Koheler, Johann. (2015), “Develepment and fracture of a discipline: legacies of the School of Criminology at Berkeley”. Criminology, 53 (4): 513-544. ; Savelsberg, 2017Savelsberg, Joachim. (2017), “Criminology in the United States: contexts, institutions and knowledge in flux”. In: Triplett, Ruth Ann (ed.). The Handbook of the history and philosophy of Criminology. Nova York, Siley and Sons, pp. 437-452.) e em menor escala em países como Holanda (Van Swaaningen, 2006Van Swaaningen, Rene. (2006), “Criminology in the Netherlands”. European Journal of Criminology, 3/4: 463-502. ) e Itália (Canziani, 2016Canziani, Carolina. (2016), La criminologia critica in Italia: linee evolutive e generazionali dell’approccio critico allo studio della questione criminale. Corso di dottorato in Scienze Giuridiche. Milão, Università Degli Studi di Milano.).

De qualquer forma, compreender as variadas trajetórias dos estudos sobre crime e punição em diversos contextos continua sendo uma questão central para uma agenda de pesquisa comparativa, entre países e regiões do Norte Global, que se torna ainda mais complexa ao incorporar os desenvolvimentos do Sul Global (Savelberg et al., 2015Savelsberg, Joachim; Hughes, Loraine A.; Kivivuori, Janne; Short, James F. Jr; Sozzo, Maximo; Sparks, Richard. (2015), “History of Criminology”. In: Wright, J. D. (ed.). International Encyclopedia of Social and Behavioural Sciences. Oxford, Elsevier, vol. 5, pp. 238-242. , p. 242).

As sobreposições, tensões e conflitos entre Criminologia e Sociologia adquirem toda uma série de especificidades nos contextos do Sul Global. Parte importante dessas especificidades se vincula ao fato de que a história da produção de conhecimento sobre a questão criminal nesses cenários é atravessada por fortes relações de subordinação e dependência em relação aos conceitos e argumentos produzidos no Norte Global (Carrington, Hogg e Sozzo, 2016Carrington, Kerry; Hogg, Russell; Sozzo, Máximo. (2016), “Southern criminology”. British Journal of Criminology, 56 (1): 1-20.; Hogg, Scott e Sozzo, 2017Hogg, Russell et al. (2017), “Southern Criminology”. International Journal for Crime, Justice and Social Democracy, 6 (1): 1-7. ; Carrington, Hogg, Scott e Sozzo, 2018Carrington, Kerry; Hogg, Russell; Scott, John; Sozzo, Máximo. (2018), The Palgrave handbook on Criminology and the Global South. Londres, Palgrave.; Carrington, Hogg, Scott, Sozzo e Walters, 2019Carrington, Kerry; Hogg, Russell; Scott, John; Sozzo, Máximo; Walters, Reece. (2019), Southern Criminology. Nova York, Routledge. ).

No caso da América Latina, nas últimas décadas, avanços importantes foram alcançados na compreensão do processo de institucionalização e desenvolvimento da Criminologia dita positivista, entre o Direito e a Medicina, em diversos cenários nacionais, que viveram uma “época de ouro” - embora com variações em diferentes países - entre os anos 1880 e 1940 (Del Olmo, 1992Olmo, Rosa del. (1992), Criminología argentina. Apuntes para su reconstrucción histórica. Buenos Aires, Depalma.; 1999Olmo, Rosa del. (1999), “The development of criminology in Latin America”. Social Justice, 26 (2): 19-45.; 2004Olmo, Rosa del. (2004), A América Latina e sua Criminologia. Rio de Janeiro, Revan/Instituto Carioca de Criminologia.; Salvatore, 1992Salvatore, Ricardo. (1992), “Criminology, prision reform and the Buenos Aires working class”. Journal of Interdisciplinary History, 23 (2): 279-299., 1996Salvatore, Ricardo. (1996), “Penitentiaries, visions of class and export economies: Brazil and Argentina compared”. In: Salvatore, Ricardo; Aguirre, Carlos (eds.). The birth of the penitentiary in Latin America. Austin, University of Texas Press, pp. 194-223. ; 2000Salvatore, Ricardo. (2000), “Positivist Criminology and state formation in modern Argentina (1890-1940)”. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard. The criminal and its scientists. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 253-279.; 2017Salvatore, Ricardo. (2017), “Criminology in Argentina, 1870-1960”. In Triplett, Ruth Ann (ed.). The Handbook of the history and philosophy of Criminology. Nova York, Siley and Sons, pp. 309-320. ; Schwarcz, 1993Schwarcz, Lilia Moritz. (1993), O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras.; Salessi, 1995Salessi, Jorge. (1995), Médicos, maleantes y maricas. Buenos Aires, Beatriz Viterbo Editora. ; Alvarez, 2003Alvarez, Marcos César. (2003), Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: IBCCRIM.; Marteau, 2003Marteau, Juan Félix. (2003), Las palabras del orden. Proyecto republicano y cuestión criminal en Argentina (Buenos Aires, 1880-1930). Buenos Aires, Editores del Puerto.; Caimari, 2004; Creazzo, 2007Creazzo, Giuditta. (2007), El positivismo criminológico italiano en la Argentina. Buenos Aires, Ediar.; Ferla, 2009Ferla, Luis. (2009), Feios, sujos e malvados sob medida: a utopia médica do biodeterminismo. São Paulo, Alameda.; Sozzo e Salvatore, 2009Sozzo, Maximo; Salvatore, Ricardo. (2009), “Criminología moderna em América Latina y Estados Unidos (1880-1940)”. In: Dammert, Lucia (ed.). Crimen e inseguridad. Políticas, temas y problemas en las Americas. Chile/Catalonia, Santiago de Chile, Flacso, pp. 19-56. ; Sozzo, 2014Sozzo, Máximo. (2014), Viagens culturais e a questão criminal. Rio de Janeiro, Revan., 2017; Dias, 2015Dias, Allister Andrew Teixeira. (2015), Arquivos de ciências, crimes e loucuras: Heitor Carrilho e o debate criminológico do Rio de Janeiro entre as décadas de 1920 e 1940. Rio de Janeiro, tese de doutorado em História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. 2015.; Goes, 2017Goes, Luciano. (2017), A tradução de Lombroso na obra de Nina Rodrigues: O racismo como base estruturante da Criminologia brasileira. Rio de Janeiro, Editora Revan.).

É claro que a importação de ideias criminológicas positivistas europeias desempenhou um papel central neste processo. Apesar de uma primeira leitura bastante frequente, às vezes essa importação implicava operações intelectuais mais complexas do que uma mera tradução “aqui” dos conceitos e argumentos gerados “lá”. Em alguns casos, verdadeiras metamorfoses do que foi traduzido em contextos latino-americanos foram produzidas a partir de obras de adaptação e rejeição do que havia sido produzido nos contextos do Norte Global, incorporando certo grau de inventividade e criatividade. No entanto, essas metamorfoses não comprometem necessariamente as relações de subordinação e dependência na produção do conhecimento, mesmo quando podem (Sozzo, 2014Sozzo, Máximo. (2014), Viagens culturais e a questão criminal. Rio de Janeiro, Revan.; 2017).

Após a Segunda Guerra Mundial, na América Latina, seguindo uma dinâmica semelhante produzida na Europa Continental, a tradição da Criminologia positivista iniciou uma lenta mutação que implicava continuar a enfatizar os fatores individuais na explicação do por que as pessoas cometem crimes, mas se afastando dos componentes biológicos e enfatizando os componentes psicológicos. Ainda era um estilo “oficial” de Criminologia, fortemente associado às instituições estatais de controle do crime, na medida em que o modelo medicalizante, com sua linguagem diagnóstica, prognóstica e de tratamento, tivera muito peso, com orientações relacionadas à forte difusão dos regimes autoritários na região. Ainda na década de 1970, os primeiros programas de graduação construídos em universidades latino-americanas dedicadas à Criminologia - como a Universidade de Nuevo León, no México, ou a Universidade de Buenos Aires, na Argentina, ambas criadas em 1974 - tiveram uma orientação bastante marcada neste sentido.

Na década de 1960, em alguns contextos nacionais, a importação de elaborações sociológicas sobre desvio e crime produzidas nos Estados Unidos começou a ocorrer incipientemente - na Argentina, por exemplo, isso aconteceu especialmente em relação às ideias sobre as “subculturas criminosas” (Sozzo, neste dossiê). Mas, em um contexto marcado pela inicial e fraca institucionalização da sociologia no campo acadêmico, os principais importadores dessas perspectivas foram os juristas, especialmente associados ao Direito penal.

Algo semelhante vai acontecer com as perspectivas da Criminologia crítica, que terão importante difusão, principalmente em alguns países latino-americanos (Venezuela, Colômbia, México, Brasil, Argentina) durante as décadas de 1970 e 1980 no campo das faculdades de Direito. Daí surgiu uma primeira geração de “criminólogos críticos” inicialmente formados em Direito penal, com algumas exceções, como a socióloga Rosa del Olmo, que pode ser considerada uma das “mães” desse movimento intelectual da região. Nesse quadro institucional, são criadas nos cursos de Direito e mesmo em alguns programas de pós-graduação matérias relacionadas à Criminologia - como o Mestrado na Universidade de Zulia na Venezuela, promovido por Lola Aniyar de Castro, outra das “mães” da Criminologia crítica na América Latina, e o programa de pós-graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, criado em 1996. Não é por acaso que os estilos, conceitos e argumentos da criminologia crítica predominantemente importados nestas décadas sejam aqueles gerados em países europeus, onde a presença no mundo do Direito dos seus participantes foi mais forte, como a Espanha e especialmente a Itália. E isso moldou também as características da produção intelectual latino-americana, bastante afastada da pesquisa empírica e com forte presença do debate normativo sobre “o que fazer” no campo da política criminal - que por sua vez estava vinculado à frequente participação na vida política e institucional de seus principais intelectuais, como Nilo Batista no Brasil, Lola Aniyar de Castro na Venezuela ou Raul Eugenio Zaffaroni na Argentina (Sozzo, 2014Sozzo, Máximo. (2014), Viagens culturais e a questão criminal. Rio de Janeiro, Revan.; e, neste dossiê; Souza Cordeiro, 2020Souza Cordeiro, Carolina. (2020), Doxas da crítica barattiana. A configuração do campo criminológico brasileiro. 2020. Brasília, tese de doutorado em Direito, Centro Universitário de Brasília, Uniceub..).

Em paralelo a esses desenvolvimentos, sobretudo ligados ao meio acadêmico vinculado ao Direito, também na década de 1960 na América Latina intensificou-se o interesse da Sociologia latino-americana pelo fenômeno do crime e da violência, primeiro de forma incipiente, mas depois de maneira mais marcante, embora com fortes variações entre os diversos contextos nacionais, como mostra o texto de Alvarado, neste dossiê, que será posteriormente retomado.

Na Argentina, por exemplo, isso só se materializará após a transição para a Democracia - e em relação às fortes limitações impostas à pesquisa social pelos regimes ditatoriais de 1966/1973 e 1976/1983 - com o nascimento do primeiro grupo de pesquisa vinculado a esse assunto na Universidade de Buenos Aires, promovido por Juan S. Pegoraro, que por sua vez fundará em 1992 a primeira revista científica especializada fora do mundo do Direito na América Latina, Delito y Sociedad - Revista de Ciencias Sociales16 16 Ver https://bibliotecavirtual.unl.edu.ar/publicaciones/index.php/DelitoYSociedad/issue/archive. . Na década de 1990, apesar do forte “aquecimento” da questão criminal no contexto argentino, verifica-se apenas um crescimento muito moderado da pesquisa sociológica nessa direção, dada a crise econômica das instituições universitárias em pleno desenvolvimento das políticas de austeridade, promovido por uma aliança de governo da Nova Direita. Isso mudará a partir da década de 2000, dando origem a um processo de maior fortalecimento nas últimas duas décadas - que também envolveu ativamente outras disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, como a Antropologia e a Ciência Política. No entanto, os resultados permanecem relativamente modestos em termos do número de professores e pesquisadores em tempo integral e do volume de produção intelectual gerada, como mostra o texto de Sozzo, também neste dossiê.

No caso do Brasil, as produções sociológicas a respeito do crime, violência e dinâmicas criminais intensificaram-se a partir de finais da década de 1970 (Adorno, 1993Adorno, Sérgio. (1993), “A criminalidade urbana violenta no Brasil: um recorte temático”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 35: 3-24.), momento em que a criminalidade urbana se tornou um problema de ordem pública. Antes disso, os estudos sociológicos com enfoque no tema olhavam sobretudo para as populações rurais e menos para os centros urbanos, visto que uma grande parte da população ainda não estava nas cidades. De acordo com Ratton (2018)Ratton, José Luiz. (2017), “Crime, polícia e sistema de justiça no Brasil contemporâneo: uma cartografia (incompleta) dos consensos e dissensos da produção recente das Ciências Sociais”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, 84 (2): 5-12., foi a partir dos anos de 1980 que houve o deslocamento decisivo da produção acadêmica para a área da Sociologia, já que antes o foco estava prioritariamente no conhecimento jurídico, que enfatizava questões legislativas, sobretudo as penais. Tal deslocamento apontou para as ligações entre formas de exercício do poder, desenvolvimento econômico e as permanências autoritárias nas instituições responsáveis pela segurança pública e pela justiça criminal. Essas características ainda são consideradas os principais fatores explicativos para o crescimento da violência, agora percebida como um problema social (Ratton, 2018Ratton, José Luiz. (2017), “Crime, polícia e sistema de justiça no Brasil contemporâneo: uma cartografia (incompleta) dos consensos e dissensos da produção recente das Ciências Sociais”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, 84 (2): 5-12., p. 5).

Ludmila Ribeiro e Alex Niche Teixeira (2017Ribeiro, Ludmila; Teixeira, Alex Niche. (2017), “O calcanhar de Aquiles dos estudos sobre crime, violência e dinâmica criminal”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, 84 (2): 13-80.) mostram que é a partir dos anos 2000 que os grupos de pesquisa nas áreas da Sociologia do crime, da violência e da punição começam a se consolidar no país. Além disso, Lima, Misse e Miranda (2000)Kant de Lima, Roberto; Misse, Michel; Miranda, Ana Paula M. (2000), “Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , Rio de Janeiro, 50: 45-124. afirmam que “no começo da década era possível identificar mais de 450 pesquisadores do tema” (2000Kant de Lima, Roberto; Misse, Michel; Miranda, Ana Paula M. (2000), “Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , Rio de Janeiro, 50: 45-124., p. 46). Ainda, Ribeiro e Teixeira (2017)Ribeiro, Ludmila; Teixeira, Alex Niche. (2017), “O calcanhar de Aquiles dos estudos sobre crime, violência e dinâmica criminal”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, 84 (2): 13-80. apresentam os cinco balanços bibliográficos que tratam da produção na área da sociologia do crime, violência e punição (Adorno, 1993Adorno, Sérgio. (1993), “A criminalidade urbana violenta no Brasil: um recorte temático”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 35: 3-24.; Barreira e Adorno, 2010Barreira, César; Adorno, Sérgio. (2010), “A violência na sociedade brasileira”. In: Martins, Carlos Benetido; Martins, Heloísa Helena T. Souza (orgs.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: sociologia. São Paulo, Anpocs, pp. 303-374.; Campos e Alvarez, 2017Campos, Marcelo da Silveira; Alvarez, Marcos César. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, Benedito (orgs.). Sociologia brasileira hoje. Cotia, SP, Ateliê, pp. 143-213.; Kant de Lima; Misse; Miranda, 2000Kant de Lima, Roberto; Misse, Michel; Miranda, Ana Paula M. (2000), “Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , Rio de Janeiro, 50: 45-124.; Zaluar, 1999Zaluar, Alba. (1999), “Violência e crime”. In: Miceli, Sérgio (org.). O que ler na ciência social brasileira: 1970-1995. São Paulo, Anpocs , pp. 13-107.). Pode-se somar a esses levantamentos o recente balanço produzido por Rattón (2017Ratton, José Luiz. (2017), “Crime, polícia e sistema de justiça no Brasil contemporâneo: uma cartografia (incompleta) dos consensos e dissensos da produção recente das Ciências Sociais”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, 84 (2): 5-12., pp. 5-12), que, por sua vez, afirma que o desenvolvimento desse campo se associa tanto à emergência do crime e da violência como questões de ordem social, quanto ao debate sobre as soluções para esses problemas17 17 Nos limites desta Apresentação, não é possível caracterizar os inúmeros trabalhos que, no Brasil, avançaram nos estudos criminológicos, desde a redemocratização, mas tendo por base sobretudo as Faculdades de Direito. Para um primeiro contato com essa produção, conferir: Santos, 1981; Neder, 2000; Batista, 2011; Sá, Tangerino e Shecaira, 2011; Carvalho, 2011. .

A noção de “Criminologia” como uma definição da própria produção intelectual teve pouca penetração entre os pesquisadores da Sociologia na América Latina - ao contrário do que aconteceu em outros contextos do Norte Global. Para boa parte dos sociólogos que se dedicam ao estudo do crime e do controle do crime, o termo criminologia estaria irremediavelmente associado à tradição positivista e à sua preocupação com os fatores biológicos e psicológicos e com a questão das causas do crime. Abre-se a discussão, deste modo, se tal postura não resultaria em certa fragmentação dos estudos sociais sobre a questão criminal na região, que acabaria por não se beneficiar do diálogo além das fronteiras das disciplinas, faculdades e departamentos do campo acadêmico.

Por exemplo, pesquisadores que trabalham fazendo pesquisas empíricas sobre práticas policiais, sejam eles identificados como “criminólogos” ou “sociólogos” - ou “antropólogos” ou “cientistas políticos” - e que se baseiam em faculdades ou departamentos de Direito ou Ciências Sociais ou Humanas, por vezes não têm espaços comuns de encontro e de discussão de seus trabalhos. A criação de plataformas comuns, que busquem superar esta dificuldade, é uma boa ideia a ser explorada no futuro, tanto nos diversos contextos nacionais, quanto no nível latino-americano.

***

Em síntese, Sociologia e Criminologia emergem, no início do século XXI, como áreas de conhecimento, por vezes em competição, por vezes em convergência pela explicação do fenômeno criminal e da punição. Sobreposições, tensões e conflitos perpassam a história das áreas e das tentativas de consolidação disciplinares, quando observadas em paralelo, e adquirem peculiaridades em diferentes contextos, tanto do Norte como do Sul Global.

O objetivo deste dossiê da Revista Tempo Social, revista de Sociologia da Universidade de São Paulo, consiste, por um lado, em recuperar aspectos de tal história paralela de desenvolvimento dessas áreas em diversos contextos nacionais e regionais. Por outro lado, busca-se igualmente discutir como, na atualidade, reflexões no entrecruzamento desses conhecimentos visam a compreender fenômenos contemporâneos, como o crescimento do encarceramento na contemporaneidade, o caráter seletivo das práticas policiais e judiciais, o desenvolvimento do assim chamado crime organizado, a virada punitiva contemporânea, entre inúmeros outros temas. Os artigos do presente dossiê, mesmo com diferentes estilos de reflexão, aprofundam tais questões ao percorrerem as fronteiras incertas e porosas entre a Sociologia e a Criminologia.

O artigo que abre o dossiê aborda justamente a gênese do conhecimento criminológico e suas relações com outras Ciências Sociais da sua época. A autora, Martine Kaluszinsky, desenvolve pesquisas sobre a história da Criminologia e das políticas penais na França. Entre diversos livros, publicou La République à l’épreuve du crime: la construction du crime comme objet politique (1880-1920), no qual investiga como o crime se tornou um objeto ao mesmo tempo científico e político durante a Terceira República francesa (Kaluszinsky, 2002Kaluszynski, Martine. (2002), La République à l’épreuve du crime: la construction du crime comme objet politique 1880-1920. Paris, LGDJ.). No artigo do dossiê, intitulado “Entre science et politique, la criminologie, une science sociale en balbutiements…”, Kaluszinsky retoma aspectos da história da Criminologia no final do século XIX. As influências da Scuola Positiva de Lombroso, Ferri e Garofalo na Criminologia francesa são repassadas, bem como as dimensões quase sociológicas da Escola Italiana ressaltadas, o que na época abriu canais de interlocuções e de disputas entre autores como Alexandre Lacassagne, Gabriel Tarde e mesmo Émile Durkheim - como foi indicado no início desta apresentação.

Ao buscar não restringir o olhar para a Sociologia e a Criminologia produzidas no assim chamado Norte Global, mas observando igualmente as dinâmicas do Sul Global, os dois artigos subsequentes remetem ao contexto latino-americano, já no século XX. O sociólogo Arturo Alvarado, que possui inúmeros trabalhos e pesquisas sobre temas ligados à justiça criminal, à segurança pública e aos Direitos Humanos, tanto no contexto mais específico do México, quanto dos demais países da América Latina, busca estabelecer uma espécie de genealogia dos estudos sobre a Sociologia do crime e da violência na América Latina em seu artigo intitulado “La Sociología del crimen y la violencia en América Latina: un campo fragmentado”. O enfoque toma como ponto de partida, sobretudo, os primórdios desses estudos, nos anos 60 do século XX, momento em que, em diversos países da região, emerge um conjunto significativo de trabalhos, produzidos já por uma comunidade de conhecimento organizada em torno de um campo analítico relativamente autônomo. O pano de fundo de tal produção e de seus desdobramentos é o inegável crescimento da violência na maior parte dos países do subcontinente. O artigo está centrado principalmente no desenvolvimento da assim chamada Sociologia do crime e da violência na região, mas é possível entrever de que modo, nos mais diversos contextos dos países latino-americanos, tal área de conhecimento se consolida tendo em suas margens diferentes relações com outros tipos de perspectivas e saberes.

Por sua vez, o professor de Sociologia e de Criminologia argentino Máximo Sozzo, explicitamente ao tomar de forma crítica as perspectivas produzidas no Norte Global, circunscreve sua discussão a um contexto específico do Sul Global, o caso Argentino, no artigo nomeado “Criminología, mundo del derecho y modos de compromiso público. Exploraciones sobre el caso de Argentina”. Ao tomar a Criminologia não como uma disciplina com limites rígidos, mas sim como um campo de estudos complexo e polivalente, atravessado por diferentes disciplinas e por diversas tradições teóricas e metodológicas, Sozzo se questiona acerca dos modos de compromisso público dos investigadores nesse âmbito de conhecimento e de intervenção. A vinculação, neste caso, de certos estudos criminológicos principalmente com as Faculdades de Direito delimita um tipo de atuação pública voltada à observação crítica, mas igualmente ao realismo e reformismo dos atores presentes no campo criminológico argentino. Também com vasta produção no campo de estudos da Sociologia da Punição e do Crime, Sozzo publicou, entre diversos outros títulos, o livro Viagens culturais e a questão criminal, em que estuda a recepção das ideias sobre a questão criminal na América Latina - especialmente, na Argentina, no passado e no presente. É também editor da revista Delito y Sociedad - Revista de Ciencias Sociales, importante periódico que divulga trabalhos relativos aos temas do delito, do sistema penal e das formas de controle social, o qual já referenciamos acima.

Na sequência do dossiê, o artigo “O crime organizado entre a Criminologia e a Sociologia: limites interpretativos, possibilidades heurísticas”, de autoria dos pesquisadores brasileiros Fernando Salla (NEV/USP) e Alessandra Teixeira (UFABC), é igualmente uma pertinente contribuição para a discussão das interfaces entre Sociologia e Criminologia, agora na direção de um debate mais abstrato, que interpela a noção de “crime organizado” como objeto de reflexão. Para além de uma revisão bibliográfica do conceito na literatura brasileira e internacional, o texto apresenta uma reflexão crítica das bases teóricas e de seu emprego efetivo em pesquisas empíricas. Busca-se também apresentar uma agenda de pesquisa sobre o tema, na qual a atuação do Estado desempenharia papel central na construção do problema. Salla é autor do livro As prisões em São Paulo (1822-1940), e Teixeira do livro O crime pelo avesso: gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo (Salla, 1999Salla, Fernando. (1999), As prisões em São Paulo (1822-1940). São Paulo, Annablume.; Teixeira, 2016Teixeira, Alessandra. (2016), O crime pelo avesso: gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. São Paulo, Alameda.).

Como o dossiê busca apresentar diferentes perspectivas teóricas desenvolvidas nas fronteiras entre Sociologia e Criminologia e igualmente as implicações, em termos de pesquisas empíricas, das divergências mais abstratas apresentadas, o artigo posterior segue o caminho de uma investigação situada sobre o que seria o assim chamado “crime organizado” no Brasil. Visto por muitos como uma espécie de encarnação de tal conceito na realidade brasileira, o Primeiro Comando da Capital é aí investigado, mas ressaltando-se as diferentes faces de suas características organizacionais. Diante da preocupação das autoridades com a expansão do PCC para além do seu estado de origem, São Paulo, em direção a uma atuação nacional e mesmo internacional, a investigação parte de entrevistas realizadas com funcionários do sistema prisional e com pessoas custodiadas no estado de Minas Gerais. O quadro levantado por Thais Lemos Duarte, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais, e Isabela Cristina Alves de Araújo, doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos, aponta para múltiplos discursos sobre a organização, que se interpenetram a partir do complexo processo de difusão do grupo pelo país.

O artigo seguinte também se volta para questões da sociedade brasileira. A trajetória histórica da justiça juvenil no país é retraçada a partir do diálogo crítico com as perspectivas dos atores que desenharam e redesenharam esse campo de atuação do Estado, bem como com inúmeros estudos criminológicos e sociológicos já realizados sobre o tema. Do primeiro Código de Menores do país, de 1927, até o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, Ana Claudia Cifali, doutora em Ciências Criminais pela PUCRS, Mariana Chies-Santos, pesquisadora de pós-doutorado no NEV-USP, e Marcos César Alvarez, professor livre-docente do Departamento de Sociologia da FFLCH/USP e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), ao mesclarem justamente os conhecimentos dos campos da criminologia e da sociologia da punição, desenvolvem uma densa reflexão acerca dos desdobramentos legais e institucionais envolvendo uma miríade de atores que acabaram por desenhar o problema de um dispositivo que, a despeito das inúmeras mudanças, permanece rotulando e estigmatizando a clientela de sempre, crianças e jovens do sexo masculino, pobres e negros, moradores das periferias das grandes cidades brasileiras, vistos como ameaças privilegiadas à ordem social.

Encerrando o conjunto de artigos do dossiê, mas como um dos seus pontos de destaque, foi incluída a tradução de um ensaio inédito de Dario Melossi, professor alma mater da Universidade de Bologna, na Itália, e distinguished affiliated scholar do Center for the Study of Law and Society na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Entre suas publicações mais importantes estão Cárcere e fábrica (2006), em parceria com Massimo Pavarini, The state of social control: a sociological study of concepts of state and social control in the making of democracy (1990) e Controlar el delito, controlar la sociedad (2018). Seu artigo aqui publicado, intitulado “Bastilhas de pobres e prisões da democracia: uma reflexão sobre um “trade-off entre liberdade e (auto)controle”, analisa a relação entre luta de classes e prisão a partir de duas de suas dimensões nas sociedades modernas: como mecanismo repressivo que opera contra vanguardas políticas e como mecanismo produtor de disciplina sobre amplas camadas sociais, mais especificamente, classes despossuídas. Utilizando as figuras das duas bastilhas, a tradicional e a dos pobres, Melossi explica a relação entre o autocontrole, inscrito no projeto da disciplina prisional, e o autogoverno, como livre exercício da cidadania política.

Ainda como parte do dossiê, é apresentada uma entrevista com a socióloga norte-americana Natalie Byfield, professora do Departamento de Sociologia da St. John’s University, Queens, Estados Unidos, pesquisadora de destaque no campo de estudos críticos sobre raça e que investiga as formas de racialização sobretudo no âmbito da atuação policial, no sistema de justiça criminal, e nas representações midiáticas sobre crimes. A entrevista, realizada pelos pesquisadores brasileiros Letícia Simões-Gomes, doutoranda em Sociologia na USP e pesquisadora do NEV/USP, e Alcides Peron, pesquisador de pós-doutorado em Sociologia, também pela USP, retraça a trajetória de atuação da investigadora, do jornalismo à Sociologia e aos estudos da Criminologia, seus trabalhos sobre o funcionamento do sistema de justiça criminal dos Estados Unidos, sua atuação no conhecido caso dos “cinco do Central Park” e suas pesquisas atuais sobre formas racializadas de vigilância e de policiamento preditivo. O citado caso envolveu um grupo de jovens negros que foram acusados de violentar uma mulher branca e tornou-se emblemático não apenas pela atuação discricionária dos policiais e dos procuradores que o investigaram, mas também pelas narrativas racializadas dos meios de comunicação, que foram determinantes para a condenação dos adolescentes. Byfield, à época repórter do New York Daily News, conta na entrevista como foi designada para cobrir o assunto e como a perspectiva de uma mulher negra foi fundamental para compreender o modo como a discriminação racial operava não apenas no sistema de justiça, mas também nas redações. Além disso, Byfield detalha suas recentes pesquisas acerca da forma como forças policiais, amparadas por instrumentos estatísticos e preditivos, intensificaram a vigilância e abordagens sobre grupos negros em Nova York nos últimos anos. Ao mobilizar evidências históricas, Byfield demonstra como essas práticas de vigilância constituem um “novo racismo científico” que ampara e retroalimenta a ação policial racializada.

Por fim, são apresentadas duas resenhas de livros pertinentes aos debates contemporâneos sobre crime e punição. A primeira se centra no livro de Jonathan Simon, Mass incarceration on trial: a remarkable court decision and the future of prisons in America. A pesquisadora Giane Silvestre (NEV-USP) resume a discussão do livro, que remete ao fenômeno da regressão na taxa de encarceramento nos Estados Unidos, especialmente na Califórnia. Se a questão do crescimento das taxas de encarceramento e seus custos políticos e sociais em inúmeros países a partir do final do século XX é um tema-chave de polêmica nos estudos sociológicos e criminológicos sobre crime e punição na contemporaneidade, a reflexão de Simon se volta para as razões que explicariam o recente decréscimo do encarceramento constatado no país que justamente foi central para a virada punitiva ocorrida desde os anos 1970, problematizada por inúmeros autores. O livro levanta a questão acerca de se um novo consenso estaria se formando e que poderia levar a uma nova humanização da punição, em contrapartida às concepções de pura incapacitação, anteriormente triunfantes. O aprofundamento desse novo consenso e de seu possível alcance no âmbito das decisões políticas abre-se assim como uma importante direção de pesquisa e de intervenção nas fronteiras da Sociologia e da Criminologia.

A socióloga Vanessa Orban (USP) apresenta e discute o livro de Maximo Sozzo, La inflación punitiva. Un análisis comparativo de las mutaciones del derecho penal en América Latina (1990-2015). A obra resenhada é mais uma contribuição para os debates contemporâneos no âmbito da Sociologia da Punição e da Criminologia, ao buscar caracterizar o que seria o “giro punitivo” contemporâneo, já citado. A originalidade do livro consiste em tomar tal discussão a partir da perspectiva da América Latina, com base em pesquisa sob coordenação da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e envolvendo diversos países latino-americanos. A investigação realizada é, deste modo, mais um avanço para a compreensão das mutações punitivas contemporâneas e para o questionamento se a América Latina teria seguido a mesma tendência constatada em países do Norte Global.

Dessa forma, ao reunir autores de diferentes países, com distintas abordagens e temáticas, o presente dossiê pretende fornecer um quadro rico e problematizador das discussões e pesquisas que se desenvolvem nas vizinhanças da Sociologia e da Criminologia contemporâneas. Ao mesmo tempo, o dossiê indica caminhos potencialmente mais ricos, tanto em termos de produção de conhecimento como em termos políticos, no que diz respeito aos diálogos possíveis entre Sociologia e Criminologia. Tal como definido por Sozzo em seu texto, incluído neste dossiê, uma forma mais interessante de definir a Criminologia seria menos como uma disciplina autônoma e mais como um campo de discussão em torno dos temas da questão criminal, incluindo o crime e seu controle em suas múltiplas dimensões. Neste campo, as Sociologias da Violência e da Punição - tal como ocorre no contexto brasileiro (Campos e Alvarez, 2017Campos, Marcelo da Silveira; Alvarez, Marcos César. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, Benedito (orgs.). Sociologia brasileira hoje. Cotia, SP, Ateliê, pp. 143-213.) e como ilustrado no presente dossiê também em outros contextos nacionais e regionais - podem dar significativas contribuições, ao caracterizarem as múltiplas dinâmicas sociais que configuram os comportamentos considerados desviantes, ao investigarem as respostas punitivas e os conflitos de classe que perpassam o campo penal, ao explicitarem as dinâmicas institucionais seletivas e estigmatizadores organizadas em torno dos marcadores sociais da diferença, enfim, ao evidenciarem as formas de poder e de dominação que perpassam essa dimensão estruturante da vida em sociedade.

Referências Bibliográficas

  • Adorno, Sérgio. (1993), “A criminalidade urbana violenta no Brasil: um recorte temático”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 35: 3-24.
  • Alvarez, Marcos César. (2003), Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil São Paulo: IBCCRIM.
  • Alvarez, Marcos César. (2006), “Punição, poder e resistência: a experiência do Groupe d’Information sur les Prisons e a análise crítica da prisão”. In: Scavone, Lucila; Alvarez, Marcos César; Miskolci, Richard (orgs.). O legado de Foucault São Paulo: Unesp, pp. 45-61.
  • American Society of Criminology, Asc Award Winners Disponível em https://www.asc41.com/awards/awardWinners.html#sa
    » https://www.asc41.com/awards/awardWinners.html#sa
  • Baratta, Alessandro. ([1982] 1986), Criminología crítica y crítica del derecho penal México: Siglo XXI.
  • Barreira, César; Adorno, Sérgio. (2010), “A violência na sociedade brasileira”. In: Martins, Carlos Benetido; Martins, Heloísa Helena T. Souza (orgs.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: sociologia São Paulo, Anpocs, pp. 303-374.
  • Batista, Vera Malaguti. (2011), Introdução crítica à Criminologia brasileira Rio de Janeiro, Revan.
  • Becker, Howard. ([1967] 2006), ¿De qué lado estamos?. Delito y Sociedad. Revista de Ciencias Sociales, 21: 89-100.
  • Becker, Howard. ([1963] 2008), Outsiders: Estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro: Zahar.
  • Becker, Peter; Wetzell, Richard F. (2004), Criminals and their scientists: the history of Criminology in international perspective Cambridge, Cambridge University Press.
  • Beirne, Piers. (1993), Inventing criminology Nova York: Suny.
  • Bigo, Didier; Bonelli, Laurent. (2016), “Critique de la raison criminologique”. Culture & Conflits [En ligne]. Disponível em Disponível em https://journals.openedition.org/champpenal/9025 , consultado em 14/11/2019.
    » https://journals.openedition.org/champpenal/9025
  • Campos, Marcelo da Silveira; Alvarez, Marcos César. (2017), “Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016)”. In: Miceli, Sérgio; Martins, Benedito (orgs.). Sociologia brasileira hoje Cotia, SP, Ateliê, pp. 143-213.
  • Canziani, Carolina. (2016), La criminologia critica in Italia: linee evolutive e generazionali dell’approccio critico allo studio della questione criminale Corso di dottorato in Scienze Giuridiche Milão, Università Degli Studi di Milano.
  • Carrington, Kerry; Hogg, Russell; Sozzo, Máximo. (2016), “Southern criminology”. British Journal of Criminology, 56 (1): 1-20.
  • Carrington, Kerry; Hogg, Russell; Scott, John; Sozzo, Máximo. (2018), The Palgrave handbook on Criminology and the Global South Londres, Palgrave.
  • Carrington, Kerry; Hogg, Russell; Scott, John; Sozzo, Máximo; Walters, Reece. (2019), Southern Criminology Nova York, Routledge.
  • Carlen, Pat. (1983), Women’s imprisonment Londres, Routledge e Kegan Paul.
  • Carlen, Pat et al (1985), Criminal women Cambridge, Basil Blackwell.
  • Carlen, Pat; Worrall, Anne. (1987), Gender, crime and justice Milton Keynes, Open University Press.
  • Carvalho, Salo de. (2011), Antimanual de Criminologia Rio de Janeiro, LumenJuris.
  • Chapman, Dennis. (1968), Sociology and the stereotype of the criminal Londres, Tavistock.
  • Christie, Nils. ([1977] 1992). “Los conflictos como pertenencia”. In: Eser, Albin et al De los delitos y de las víctimas Buenos Aires, Ad-Hoc, pp. 157-182. Disponível em http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2015/01/doctrina40529.pdf#viewer.action=download
    » http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2015/01/doctrina40529.pdf#viewer.action=download
  • Christie, Nils. ([1982] 1986), Los límites del dolor Mexico: FCE.
  • Christie, Nils. (1993), La indústria del control del delito Buenos Aires, Editores del Puerto.
  • Christie, Nils. (2004), Una sensata cantidad de delito Buenos Aires, Editores del Puerto.
  • Christie, Nils. (1999), “Elementos para uma geografia penal”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, 13: 51-57.
  • Cloward, Richard; Ohlin, Lloyd. (1960), Delinquency and opportunity. A theory of delinquent gangs Nova York, The Free Press.
  • Cloward, Richard. ([1959] 2008), “Medios ilegítimos, anomia y comportamiento desviado”. Delito y Sociedad, 26.
  • Cohen, Albert. (1955), Delinquent boys. The culture of the gang Glencoe, The Free Press.
  • Cohen, Stanley. ([1972] 2015). Demonios populares y pánicos morales. Desviación y reacción entre medios, política e instituciones Buenos Aires, Gedisa.
  • Cohen, Stanley. ([1985] 1988). Visiones del control social Barcelona, PPU.
  • Creazzo, Giuditta. (2007), El positivismo criminológico italiano en la Argentina Buenos Aires, Ediar.
  • Currie, Eliott. (1986), Contronting crime. An American challenge Nova York, Pantheon Books.
  • Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Dignffe, Francoise. (2008), Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 3. Explique et comprendre la délinquance (1920-1960) Bruxelles, Larcier.
  • Delito y Sociedad. Revista de Ciencias Sociales . Disponível em https://bibliotecavirtual.unl.edu.ar/publicaciones/index.php/DelitoYSociedad/issue/archive
    » https://bibliotecavirtual.unl.edu.ar/publicaciones/index.php/DelitoYSociedad/issue/archive
  • Dias, Allister Andrew Teixeira. (2015), Arquivos de ciências, crimes e loucuras: Heitor Carrilho e o debate criminológico do Rio de Janeiro entre as décadas de 1920 e 1940 Rio de Janeiro, tese de doutorado em História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. 2015.
  • Digneffe, Francoise. (1998a), “Durkheim et les debats sur le crime et la peine”. In: Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Digneffe, Francoise. Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 2. La rationalité pénale et la naissance de la criminologie Paris-Bruxelles, De Broeck Université/Les Presses de l’Université d’ Ottawa/Les Presses de l’ Universiteé de Montréal, pp. 357-398.
  • Digneffe, Francoise. (1998b),“L’ecole positive italienne et le mouvemant de la defense sociale”. In: Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Digneffe, Francoise. Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 2. La rationalité pénale et la naissance de la criminologie, De Broeck Université/Les Presses de l’Université d’ Ottawa/Les Presses de l’ Universiteé de Montréal, Paris-Bruxelles, pp. 233-299.
  • Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación Barcelona, Gedisa.
  • Durkheim, Émile. (1978), “As regras do método sociológico”. In: Durkheim, Émile. Durkheim: Os Pensadores São Paulo, Abril Cultural, pp. 71-157.
  • Durkheim, Émile. (1975), “La Sociologie em France: le groupe criminologiste”. In: Durkheim, Émile. Élements d’une théorie sociale Paris, Les Éditions de Minuit, pp. 81-89.
  • Durkheim, Émile. (2007), “Criminalidad y salud social”. Delito y Sociedad, 24, pp. 133-138.
  • Ferla, Luis. (2009), Feios, sujos e malvados sob medida: a utopia médica do biodeterminismo São Paulo, Alameda.
  • Foucault, Michel. (1977), Vigiar e punir Petrópolis, Vozes.
  • Foucault, Michel. (1978), História da loucura Rio de Janeiro, Graal.
  • Foucault, Michel. (1979), Microfísica do poder Rio de Janeiro, Graal.
  • Foucault, Michel. (2016). La sociedad punitiva. Curso del College de France, 1972-1973 Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica.
  • Frigressi, Delia. (2003), Cesare Lombroso Torino, Einaudi.
  • Garland, David. (1990), Punishment and modern society: a study in Social Theory Chicago, The University of Chicago Press
  • Garland, David. (nov. 1999), “As contradições da ‘sociedade punitiva’: o caso britânico”. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, 13: 59-80.
  • Garland, David. (2001), The culture of control Oxford, Oxford University Press.
  • Garland, David. ([1985] 2018). Castigar y asistir. Una historia de las estrategias sociales y penales del Siglo XX Buenos Aires, Siglo XXI Editores.
  • Gelsthorpe, Loraine; Burman, Michele. (2017), “Feminist criminology: inequality, powerlessness and justice”. In: Liebling, Alison; Maruna, Shadd; McAra, Lesley (eds.). The Oxford handbook of Criminology Sixth Edition, Oxford, Oxford University Press, pp. 213-238.
  • Gibson, Mary. (2006), “Cesare Lombroso and Italian Criminology. Theory and politics”. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard (eds.). The criminal and its scientists Cambridge, Cambridge University Press, pp. 137-158.
  • Gibson, Mary. (2002), Born to criminal: Cesare Lombroso and the origins of biological criminology Nova York, Praeger Publishers.
  • Glueck, Eleanor; Glueck, Sheldon. (1930), 500 criminal careers Nova York, A. A. Knopf.
  • Glueck, Eleanor; Glueck, Sheldon (1950), Unraveling juvenile delinquency Nova York, The Commonwealth Fund.
  • Goes, Luciano. (2017), A tradução de Lombroso na obra de Nina Rodrigues: O racismo como base estruturante da Criminologia brasileira Rio de Janeiro, Editora Revan.
  • Gouldner, Alvin. (1968), “The sociologist as partisan. Sociology and the Welfare State”. The American Sociologist, 3(2): 103-116.
  • Hahn Rafter, Nicole. (1997), Creating born criminals Urbana e Chicago, University of Illinois Press.
  • Hahn Rafter, Nicole. (2004), “Earnest A. Hooton and the biological tradition in American Criminology”. Criminology, 42(2): 735-771.
  • Hahn Rafter, Nicole. (2006), “Criminal Anthropology: its reception in the United States and the Nature of its Appeal”. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard (eds.). The criminal and its scientists Cambridge, Cambridge University Press, pp. 159-182.
  • Hall, Stuart et al ([1978] 2013), Policing the crises Hampshire, Palgrave Macmillan.
  • Heidensohn, Frances. (1985), Women and crime Londres, Macmillan.
  • Heidensohn, Frances. (1992), Women in control. The role of women in law enforcement Oxford, Clarendon.
  • Hogg, Russell et al (2017), “Southern Criminology”. International Journal for Crime, Justice and Social Democracy, 6 (1): 1-7.
  • Hulsman, Louk; Bernat de Celis, Jacquelline. ([1982] 1984), Sistema penal y seguridad ciudadana: hacia una alternativa Barcelona, Ariel.
  • Hulsman, Louk. ([1986] 1989), “La criminología crítica y el concepto del delito”. In: Hulsman, S. et al Abolicionismo penal Buenos Aires, Ediar, pp. 87-107.
  • Kaluszynski, Martine. (2002), La République à l’épreuve du crime: la construction du crime comme objet politique 1880-1920 Paris, LGDJ.
  • Kaluszynski, Martine. (2006), “The International Congress of Criminal Anthropology: Shaping the French and International Criminology”. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard (eds.). The criminal and its scientists Cambridge, Cambridge University Press, pp. 301-316.
  • Kant de Lima, Roberto; Misse, Michel; Miranda, Ana Paula M. (2000), “Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais , Rio de Janeiro, 50: 45-124.
  • Kitsuse, John. ([1960] 2006): “Reacción de la sociedad ante la conducta desviada: Problemas de Teoría y Método”. Delito y Sociedad : Revista de Ciencias Sociales, 21, 77-88.
  • Koheler, Johann. (2015), “Develepment and fracture of a discipline: legacies of the School of Criminology at Berkeley”. Criminology, 53 (4): 513-544.
  • Larrauri, Elena. (1991), La herencia de la criminología critica Madri, Siglo XXI.
  • Laub, John; Sampson, Robert. (1991), “The Sutherland-Glueck debate: on the sociology of criminological knowledge”. The American Journal of Sociology, 96 (6): 1402-1440.
  • Lemert, Edwin. (1951), Social pathology Nova York, Mcgraw-Hill.
  • Lemert, Edwin. (1967), Human deviance, social problems and social controls, Englewood Cliffs, Prentice-Hall.
  • Lea, John; Young, Jock. ([1984] 2001), ¿Qué es lo que se debe hacer con la ley y el orden? Buenos Aires, Ediciones del Puerto.
  • Liazos, Alexander. ([1972] 2006), “La pobreza de la sociología de la desviación”. Delito y Sociedad: Revista de Ciencias Sociales, 21: 101-120.
  • Logan, Anne. (2010), “Eleanor Tourouff Gliueck (1898-1972) and Sheldon Glueck (1896-1980)”. In: Hayward, Keith; Maruna, Shadd; Mooney, Jayne. Fifty key thinkers in criminology Routledge, Abdingdon, pp. 82-88.
  • Lombroso, Cesare. (1887), l’homme criminel Paris, Félix Alcan.
  • Lombroso, Cesare. (1896), L’anthropologie criminelle et ses récents progrès 3 ed. Paris, Félix Alcan.
  • Lombroso, Cesare. (1907), Le crime, causes et remédes 2 ed. Paris, Félix Alcan.
  • Maqueda Abreu, María Luisa. (2014), Razones y sinrazones para una criminología feminista Madri, Editorial Dykinson.
  • Marteau, Juan Félix. (2003), Las palabras del orden. Proyecto republicano y cuestión criminal en Argentina (Buenos Aires, 1880-1930) Buenos Aires, Editores del Puerto.
  • Mathews, Roger. (2015), Criminología realista Buenos Aires, Didot.
  • Mathiesen, Thomas. (1973), The politics of abolition Nova York, John Wiley and Sons.
  • Mathiesen, Thomas. ([1986] 2003), Juicio a la prisión Buenos Aires, Ediar.
  • Matza, David. ([1964] 2014), Delincuencia y deriva. Cómo y por qué algunos jóvenes llegan a quebrantar la ley Buenos Aires, Siglo XXI Editores.
  • Matza, David; Sykes, Gresham. ([1957] 2004), “Técnicas de neutralización: una teoría de la delincuencia”. Delito y Sociedad , 20: 127-136.
  • Matza, David; Sykes, Gresham. ([1961] 2014), “Delincuencia juvenil y valores subterráneos”. Delito y Sociedad , 38: 119-129.
  • Melossi, Dario. (1990), The state of social control: a sociological study of concepts of state and social control in the making of democracy Cambridge (UK), Polity Press; Nova York, St. Martin’s Press.
  • Melossi, Dario. (2018), Controlar el delito, controlar la sociedad. Teorías y debates sobre la cuestión criminal del siglo XVIII al XXI Buenos Aires, Siglo XXI Editores.
  • Melossi, Dario. (2020), “Georg Rusche: um ensaio biográfico”. Civitas: Revista de Ciências Sociais, 20 (2): 287-305.
  • Melossi, Dario; Pavarini, Massimo. ([1977] 2006), Cárcere e fábrica Rio de Janeiro, Revan.
  • Merton, Robert. ([1968] 2002), Teoría y estructura sociales Mexico DF, Fondo de Cultura Económica.
  • Merton, Robert. ([1954] 1967), “Anomie, anomia e interacción social. Contextos de conducta desviada”. In: Clinard, Marshall B. (ed.). Anomia y conducta desviada Buenos Aires, Paidos, pp. 201-226.
  • Merton, Robert. (1959), “Social conformity, deviation and opportunity structures: a comment on the contributions of Dubin and Cloward”. American Sociological Review, 24 (2): 177-189.
  • Mucchieli, Laurent. (1994a), “Hereditéet milieu socia: le faux-antagonisme franco-italien”. In: Mucchieli, Laurent (dir.). Histoire de la criminologie francaise Paris, L’Harmattan, pp. 189-214.
  • Mucchieli, Laurent. (1994b), “Naissance et declin de la sociologie criminelle (1890-1940)”. In: Mucchieli, Laurent (dir.). Histoire de la criminologie francaise . Paris, L’Harmattan, pp. 287-312.
  • Neder, Gizlene (2000) Iluminismo jurídico-penal luso-brasileiro: obediência e submissão Rio de Janeiro, Freitas Bastos.
  • O’Malley, Pat. (2006), Neoliberalismo, riesgo y justicia penal Buenos Aires, Ad-Hoc.
  • Olmo, Rosa del. (1992), Criminología argentina. Apuntes para su reconstrucción histórica Buenos Aires, Depalma.
  • Olmo, Rosa del. (1999), “The development of criminology in Latin America”. Social Justice, 26 (2): 19-45.
  • Olmo, Rosa del. (2004), A América Latina e sua Criminologia Rio de Janeiro, Revan/Instituto Carioca de Criminologia.
  • Oral History of Criminology (1997), Entrevista com Albert Cohen, por John. P Laub. Disponível em Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=KQ_8D5pfy30&feature=youtu.be , consultado em 18/11/2020. Tradução dos organizadores.
    » https://www.youtube.com/watch?v=KQ_8D5pfy30&feature=youtu.be
  • Oral History of Criminology (2015), Entrevista com Howards S. Becker, por Brendan Dooley. Disponível em Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=26-il8_lKz0&feature=youtu.be , consultado em 18/11/2020.
    » https://www.youtube.com/watch?v=26-il8_lKz0&feature=youtu.be
  • Ortiz, Renato. (out. 1989), “Durkheim: arquiteto e herói fundador”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 4 (11): 1-17.
  • Park, Robert. ([1925] 2008), “La organización de la comunidad y la delincuencia juvenil”. Delito y Sociedad , 25: 115-124.
  • Park, Robert; Burguess, Ernest. (1925), The city Londres, Chicago University Press.
  • Pavarini, Massimo. ([1980] 1983), Control y dominación. Teorías criminológicas burguesas y proyecto hegemónico México, Siglo XXI.
  • Pearce, Franck. ([1975] 1980), El delito de los poderosos. Marxismo, el delito y la desviación Mexico DF, Siglo XXI.
  • Ratton, José Luiz. (2017), “Crime, polícia e sistema de justiça no Brasil contemporâneo: uma cartografia (incompleta) dos consensos e dissensos da produção recente das Ciências Sociais”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, 84 (2): 5-12.
  • Renneville, Marc. (1994), “La réception de Lombroso en France (1880-1900)”. In: Mucchieli, Laurent (dir.). Histoire de la criminologie francaise . Paris, L’Harmattan, pp.107-135.
  • Ribeiro, Ludmila; Teixeira, Alex Niche. (2017), “O calcanhar de Aquiles dos estudos sobre crime, violência e dinâmica criminal”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, 84 (2): 13-80.
  • Ruggiero, Vincenzo. (2010), Penal abolitionism Oxford, Oxford University Press.
  • Rusche, Georg; Kirchheimer, Otto. ([1939] 2004), Punição e estrutura social Rio de Janeiro, Revan.
  • Sá, Alvino Augusto de; Tangerino, Davi de Paiva Costa; Shecaira, Sérgio Salomão (orgs.). (2011), Criminologia no Brasil: história e aplicações clínicas e sociológicas São Paulo, Elsevier.
  • Salessi, Jorge. (1995), Médicos, maleantes y maricas Buenos Aires, Beatriz Viterbo Editora.
  • Salla, Fernando. (1999), As prisões em São Paulo (1822-1940) São Paulo, Annablume.
  • Salvatore, Ricardo. (1992), “Criminology, prision reform and the Buenos Aires working class”. Journal of Interdisciplinary History, 23 (2): 279-299.
  • Salvatore, Ricardo. (1996), “Penitentiaries, visions of class and export economies: Brazil and Argentina compared”. In: Salvatore, Ricardo; Aguirre, Carlos (eds.). The birth of the penitentiary in Latin America Austin, University of Texas Press, pp. 194-223.
  • Salvatore, Ricardo. (2000), “Positivist Criminology and state formation in modern Argentina (1890-1940)”. In: Becker, Peter; Wetzell, Richard. The criminal and its scientists Cambridge, Cambridge University Press, pp. 253-279.
  • Salvatore, Ricardo. (2017), “Criminology in Argentina, 1870-1960”. In Triplett, Ruth Ann (ed.). The Handbook of the history and philosophy of Criminology Nova York, Siley and Sons, pp. 309-320.
  • Santos, Juarez Cirino dos. (1981), A Criminologia radical Rio de Janeiro, Forense.
  • Savelsberg, Joachim. (2017), “Criminology in the United States: contexts, institutions and knowledge in flux”. In: Triplett, Ruth Ann (ed.). The Handbook of the history and philosophy of Criminology Nova York, Siley and Sons, pp. 437-452.
  • Savelsberg, Joachim; Sampson, Robert. (2002), “Mutual engagement: Criminology and Sociology”. Crime, law and social change, 37: 99-105.
  • Savelsberg, Joachim; Cleveland, L.; King, R. (2004), “Institutional environments and scholarly work: American criminology, 1951-1993”. Social Forces, 82 (4): 1275-1302.
  • Savelsberg, Joachim; Hughes, Loraine A.; Kivivuori, Janne; Short, James F. Jr; Sozzo, Maximo; Sparks, Richard. (2015), “History of Criminology”. In: Wright, J. D. (ed.). International Encyclopedia of Social and Behavioural Sciences Oxford, Elsevier, vol. 5, pp. 238-242.
  • Schwarcz, Lilia Moritz. (1993), O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930 São Paulo, Companhia das Letras.
  • Shaw, Clifford et al (1940), Juvenile delinquency and urban areas: A study of rates of delinquency in relation to differential characteristics of local communities in American cities Londres, Chicago University Press.
  • Shaw, Clifford; McKay, Henry. (2008), ¿Son los hogares desmembrados un factor causal en la delincuencia juvenil? (1931-1932). Delito y Sociedad , 25: 125-137.
  • Shaw, Clifford; McKay, Henry. ([1942] 1972), Juvenile delinquency and urban areas Chicago, The University of Chicago Press.
  • Shaw, Clifford. ([1930] 1966), The Jack-Roller Chicago, University of Chicago Press.
  • Sheptycki, James. (2010), “Edwin Sutherland (1883-1950)”. In: Hayward, Keith; Maruna, Shadd; Mooney, Jayne. Fifty key thinkers in criminology Routledge, Abdingdon, pp. 63-71.
  • Simon, Joathan. (2011), Gobernando a través del delito Barcelona, Gedisa.
  • Smart, Carol. (1977), Women, crime and criminology Londres, Routledge and Paul Kegan.
  • Souza Cordeiro, Carolina. (2020), Doxas da crítica barattiana. A configuração do campo criminológico brasileiro 2020. Brasília, tese de doutorado em Direito, Centro Universitário de Brasília, Uniceub..
  • Sozzo, Máximo. (2014), Viagens culturais e a questão criminal Rio de Janeiro, Revan.
  • Sozzo, Máximo. (2008b), “Por una criminología crítica. Trayectoria, debates, agenda (II). Entrevista con Dario Melossi”. Delito y Sociedad , 26, 159-167.
  • Sozzo, Máximo. (2008a), “Por una criminología crítica. Trayectoria, debates, agenda (I). Entrevista con Dario Melossi”. Delito y Sociedad , 25: 141-156.
  • Sozzo, Máximo. (2007b), “Crítica y cuestión criminal. Recorridos intelectuales y políticos II. Entrevista Con Massimo Pavarini”. Delito y Sociedad , 24: 139-160.
  • Sozzo, Máximo. (2007a), “Crítica y cuestión criminal. Recorridos intelectuales y políticos I. Entrevista Con Massimo Pavarini”. Delito y Sociedad , 23: 117-134.
  • Sozzo, Máximo; Fonseca, David. (2012), “De la ‘criminologia crítica’ a la ‘imaginación criminológica’. Uma entrevista com Jock Young”. Delito y Sociedad , 33: 141-154.
  • Sozzo, Maximo; Salvatore, Ricardo. (2009), “Criminología moderna em América Latina y Estados Unidos (1880-1940)”. In: Dammert, Lucia (ed.). Crimen e inseguridad. Políticas, temas y problemas en las Americas Chile/Catalonia, Santiago de Chile, Flacso, pp. 19-56.
  • Sparks, Richard; Loader, Ian. (2011), Public Criminology? Londres, Nova York, Routledge.
  • Sparks, Richard; Loader, Ian. (2012), “Situating criminology: on the production and consumption of knowledge about crime and justice”. In: Maguire, Mike et al (eds.). The Oxford handbook of Criminology Oxford, Oxford University Press, pp. 3-38.
  • Sutherland, Edwin (1949), Princípios de Criminologia São Paulo, Livraria Martins Editora.
  • Sutherland, Edwin ([1937] 1991), El Ladrón profesional Madri, Ediciones de la Piqueta.
  • Sutherland, Edwin ([1947] 2011a), “Una exposición de la teoría”. Delito y Sociedad , 31: 119-122.
  • Sutherland, Edwin ([1929] 2011b), “El delito y proceso de conflicto”. Delito y Sociedad , 31: 123-130.
  • Sutherland, Edwin. (2016), Crime de colarinho branco Rio de Janeiro, Revan.
  • Tarde, Gabriel. (2007), “Criminalidad y salud social”. Delito y Sociedad . 24: 121-132.
  • Taylor, Ian. ([1981] 1994-1995), “Contra el crimen y por socialismo”. Delito y Sociedad , 4-5: 33-58.
  • Taylor, Ian. (1982), Law and order. Arguments for socialism Londres, Macmillan.
  • Teixeira, Alessandra. (2016), O crime pelo avesso: gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo São Paulo, Alameda.
  • Thrasher, Frederic. (1927), The gang: A study of 1,313 gangs in Chicago Londres, University of Chicago Press.
  • Tonkonoff, Sergio. (2011), “Lo social y sus paroxismos. El delito en la obra de Gabriel Tarde”. In: Tarde, Gabriel. Sociología criminal y Derecho Penal Buenos Aires, Ad Hoc Ediciones, pp. 9-36.
  • Valverde, Mariana. (2017), Foucault Londres, Routledge.
  • Van Swaaningen, Rene. (2011), Perspectivas europeas para una criminología crítica Buenos Aires, BDF.
  • Van Swaaningen, Rene. (2006), “Criminology in the Netherlands”. European Journal of Criminology, 3/4: 463-502.
  • Young, Jock. ([1970] 2005), “Los guardianes del zoológico de la desviación”. Delito y Sociedad , 21: 121-128.
  • Young, Jock. ([1986] 1993). “El fracaso de la criminología: la necesidad de un realismo radical”. Aavv, Criminología critica y control social Rosario, Iuris, pp. 5-39.
  • Young, Jock. (2011), The criminological imagination Cambridge, Polity Press.
  • Young, Jock; Matthews, Roger. ([1991] 1993). “Reflexiones sobre el ‘realismo’ criminológico”. Delito y Sociedad , 3: 13-38.
  • Young, Jock; Taylor, Ian; Walton, Paul. ([1973] 1977a). La nueva criminología. Contribución a una teoría social de la conducta desviada Buenos Aires, Amorrortu.
  • Young, Jock; Taylor, Ian; Walton, Paul. ([1975] 1977b). Criminología crítica Mexico DF, Siglo XXI.
  • Zaluar, Alba. (1999), “Violência e crime”. In: Miceli, Sérgio (org.). O que ler na ciência social brasileira: 1970-1995 São Paulo, Anpocs , pp. 13-107.
  • 1
    A conhecida expressão “criminoso nato”, no entanto, foi cunhada por Enrico Ferri (1884).
  • 2
    Em sua obra anterior, Da divisão do trabalho social (Durkheim, 1893), o autor já desenvolvera um conceito sobre a natureza do crime e da punição, em relação à ideia de “consciência coletiva”, completado, a partir daí, com uma consideração detalhada da função legal da punição. Todos esses elementos, segundo Durkheim, persistiram na mudança de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna. O interesse pela relação entre a punição legal e a mudança social, por sua vez, foi recuperado em um pequeno ensaio intitulado Duas leis da evolução penal (Durkheim, [1899] 2014), no qual analisa as transformações quantitativas e qualitativas na passagem à modernidade e identifica o seu impacto, independente da existência de regimes absolutistas. Durkheim também retoma a ideia de função da punição - em relação à vida escolar - em La educación moral (Durkheim, 1902). Alguns aspectos do crime, relacionados com os homicídios e os ataques à propriedade, são discutidos em sua obra póstuma Lecciones de Sociología. Fisica de las costumbres y el derecho (1950/2003, pp. 173-194) ([2003] 1950, pp. 173-194). Isso significa que um dos fundadores da Sociologia demonstrou muitas vezes seu interesse marcante pelas questões do crime e da punição (Garland, 1990Garland, David. (1990), Punishment and modern society: a study in Social Theory. Chicago, The University of Chicago Press, pp. 23-46; Digneffe, 1998aDigneffe, Francoise. (1998a), “Durkheim et les debats sur le crime et la peine”. In: Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Digneffe, Francoise. Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 2. La rationalité pénale et la naissance de la criminologie. Paris-Bruxelles, De Broeck Université/Les Presses de l’Université d’ Ottawa/Les Presses de l’ Universiteé de Montréal, pp. 357-398. ; Melossi, 2018Melossi, Dario. (2018), Controlar el delito, controlar la sociedad. Teorías y debates sobre la cuestión criminal del siglo XVIII al XXI. Buenos Aires, Siglo XXI Editores. , pp. 87-105).
  • 3
    De fato, Durkheim e Tarde mantiveram um interessante debate sobre a questão da relação entre crime e saúde pública em 1895 (Durkheim, 2007Durkheim, Émile. (2007), “Criminalidad y salud social”. Delito y Sociedad, 24, pp. 133-138.; Tarde, 2007Tarde, Gabriel. (2007), “Criminalidad y salud social”. Delito y Sociedad . 24: 121-132.; Digneffe, 1998bDigneffe, Francoise. (1998b),“L’ecole positive italienne et le mouvemant de la defense sociale”. In: Debuyst, Christian; Pires, Alvaro; Digneffe, Francoise. Histoire des savoirs sur le crime et la peine. 2. La rationalité pénale et la naissance de la criminologie, De Broeck Université/Les Presses de l’Université d’ Ottawa/Les Presses de l’ Universiteé de Montréal, Paris-Bruxelles, pp. 233-299., pp. 389-393).
  • 4
    Oral History of Criminology, entrevista com Albert Cohen, por John. P Laub, 1997Oral History of Criminology. (1997), Entrevista com Albert Cohen, por John. P Laub. Disponível em Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=KQ_8D5pfy30&feature=youtu.be , consultado em 18/11/2020. Tradução dos organizadores.
    https://www.youtube.com/watch?v=KQ_8D5pf...
    . Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=KQ_8D5pfy30&feature=youtu.be, consultado em 18/11/2020. Tradução dos organizadores.
  • 5
  • 6
    Uma interessante evidência sobre isso pode ser conferida em Oral History of CriminologyOral History of Criminology. (2015), Entrevista com Howards S. Becker, por Brendan Dooley. Disponível em Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=26-il8_lKz0&feature=youtu.be , consultado em 18/11/2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=26-il8_l...
    . Entrevista com Howards S. Becker, por Brendan Dooley, em 2015Oral History of Criminology. (2015), Entrevista com Howards S. Becker, por Brendan Dooley. Disponível em Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=26-il8_lKz0&feature=youtu.be , consultado em 18/11/2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=26-il8_l...
    . Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=26-il8_lKz0&feature=youtu.be, consultado em 18/11/2020.
  • 7
    No cenário estadunidense, um grupo muito ativo de criminólogos radicais fundou Crime and Social Justice, em 1974, a primeira revista científica que incorporou essa orientação teórica. A partir de 1977, apareceu a revista Contemporary Crises: Crime, Law and Social Policy, dirigida inicialmente, a partir dos Estados Unidos, por William Chambliss.
  • 8
    Sobre a Criminologia crítica de língua inglesa, ver Larrauri (1991)Larrauri, Elena. (1991), La herencia de la criminología critica. Madri, Siglo XXI.; Downes e Rock (2011Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación. Barcelona, Gedisa., pp. 375-417); Van Swaaningen (2011Van Swaaningen, Rene. (2011), Perspectivas europeas para una criminología crítica. Buenos Aires, BDF., pp. 123-134); Melossi (2018Melossi, Dario. (2018), Controlar el delito, controlar la sociedad. Teorías y debates sobre la cuestión criminal del siglo XVIII al XXI. Buenos Aires, Siglo XXI Editores. , pp. 215-237). Para um tour em formato de revista, com um de seus principais autores, Jock Young, ver Sozzo e Fonseca (2012)Sozzo, Máximo; Fonseca, David. (2012), “De la ‘criminologia crítica’ a la ‘imaginación criminológica’. Uma entrevista com Jock Young”. Delito y Sociedad , 33: 141-154..
  • 9
    Sobre o desenvolvimento da Criminologia crítica na Itália, ver Van Swaaningen (2011Van Swaaningen, Rene. (2011), Perspectivas europeas para una criminología crítica. Buenos Aires, BDF., pp. 157-164). Para um tour em forma de entrevista detalhada, com dois de seus principais autores, Melossi e Pavarini, ver Sozzo (2007aSozzo, Máximo. (2007a), “Crítica y cuestión criminal. Recorridos intelectuales y políticos I. Entrevista Con Massimo Pavarini”. Delito y Sociedad , 23: 117-134.; 2007bSozzo, Máximo. (2007b), “Crítica y cuestión criminal. Recorridos intelectuales y políticos II. Entrevista Con Massimo Pavarini”. Delito y Sociedad , 24: 139-160. ; 2008aSozzo, Máximo. (2008a), “Por una criminología crítica. Trayectoria, debates, agenda (I). Entrevista con Dario Melossi”. Delito y Sociedad , 25: 141-156. ; 2008bSozzo, Máximo. (2008b), “Por una criminología crítica. Trayectoria, debates, agenda (II). Entrevista con Dario Melossi”. Delito y Sociedad , 26, 159-167.).
  • 10
    A literatura feminista sobre o crime e o controle social cresceu de forma exponencial nas últimas três décadas. Para entender mais a esse respeito, ver, entre outros trabalhos: Downes e Rock (2011Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación. Barcelona, Gedisa., pp. 419-449); Maqueda Abreu (2014)Maqueda Abreu, María Luisa. (2014), Razones y sinrazones para una criminología feminista. Madri, Editorial Dykinson. e Gelsthorpe e Burman (2017)Gelsthorpe, Loraine; Burman, Michele. (2017), “Feminist criminology: inequality, powerlessness and justice”. In: Liebling, Alison; Maruna, Shadd; McAra, Lesley (eds.). The Oxford handbook of Criminology. Sixth Edition, Oxford, Oxford University Press, pp. 213-238. .
  • 11
    Para saber mais a respeito do “realismo de esquerda”, ver Larrauri (1991Larrauri, Elena. (1991), La herencia de la criminología critica. Madri, Siglo XXI., pp. 143-191); Downes e Rock (2011Downes, David; Rock, Paul. (2011), Sociologia de la desviación. Barcelona, Gedisa., pp. 405-418); Van Swaaningen (2011Van Swaaningen, Rene. (2011), Perspectivas europeas para una criminología crítica. Buenos Aires, BDF., pp. 313-320) e Matthews (2015).
  • 12
    . A respeito da literatura abolicionista, ver Van Swaaningen (2011Van Swaaningen, Rene. (2011), Perspectivas europeas para una criminología crítica. Buenos Aires, BDF., pp. 176-219, pp. 320-333) e Ruggiero (2010)Ruggiero, Vincenzo. (2010), Penal abolitionism. Oxford, Oxford University Press..
  • 13
    Acerca do problemático contexto de produção desse livro, consultar Melossi (2020)Melossi, Dario. (2020), “Georg Rusche: um ensaio biográfico”. Civitas: Revista de Ciências Sociais, 20 (2): 287-305..
  • 14
    Sobre o importantíssimo trabalho de Foucault em relação ao crime e ao controle social, ver Garland (1990Garland, David. (1990), Punishment and modern society: a study in Social Theory. Chicago, The University of Chicago Press, pp. 131-177) e Valverde (2017)Valverde, Mariana. (2017), Foucault. Londres, Routledge..
  • 15
    Em livro subsequente, Garland irá reivindicar a necessidade de uma Sociologia da Punição para compreender as mutações no campo das penalidades na contemporaneidade, subárea esta inspirada tanto na investigação de Foucault, quanto de clássicos como Marx, Durkheim e Weber (Garland, 1990Garland, David. (1990), Punishment and modern society: a study in Social Theory. Chicago, The University of Chicago Press).
  • 16
  • 17
    Nos limites desta Apresentação, não é possível caracterizar os inúmeros trabalhos que, no Brasil, avançaram nos estudos criminológicos, desde a redemocratização, mas tendo por base sobretudo as Faculdades de Direito. Para um primeiro contato com essa produção, conferir: Santos, 1981Santos, Juarez Cirino dos. (1981), A Criminologia radical. Rio de Janeiro, Forense.; Neder, 2000Neder, Gizlene (2000) Iluminismo jurídico-penal luso-brasileiro: obediência e submissão. Rio de Janeiro, Freitas Bastos. ; Batista, 2011Batista, Vera Malaguti. (2011), Introdução crítica à Criminologia brasileira. Rio de Janeiro, Revan. ; Sá, Tangerino e Shecaira, 2011Sá, Alvino Augusto de; Tangerino, Davi de Paiva Costa; Shecaira, Sérgio Salomão (orgs.). (2011), Criminologia no Brasil: história e aplicações clínicas e sociológicas. São Paulo, Elsevier.; Carvalho, 2011Carvalho, Salo de. (2011), Antimanual de Criminologia. Rio de Janeiro, LumenJuris..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br