Acessibilidade / Reportar erro

Terapêutica antibiótica na traqueobronquite associada à ventilação mecânica: uma revisão da literatura

RESUMO

O conceito de traqueobronquite associada à ventilação mecânica é controverso, e sua definição não é unanimemente aceita, sobrepondo-se, muitas vezes, à da pneumonia associada à ventilação mecânica. A traqueobronquite associada à ventilação mecânica tem incidência semelhante à da pneumonia associada à ventilação mecânica, com elevada prevalência de agentes multirresistentes isolados, condicionando um aumento do tempo de ventilação mecânica e de internação, ainda que sem impacto na mortalidade. A realização de culturas quantitativas pode permitir melhor definição diagnóstica da traqueobronquite associada à ventilação mecânica, possivelmente evitando o sobrediagnóstico desta entidade. Uma das maiores dificuldades na diferenciação entre traqueobronquite associada à ventilação mecânica e pneumonia associada à ventilação mecânica reside na exclusão de um infiltrado pulmonar por meio da radiografia do tórax; também podem ser necessárias a tomografia computadorizada torácica, a ultrassonografia torácica ou ainda a colheita de amostras invasivas. A instituição de terapêutica antibiótica sistêmica não demonstrou melhorar o impacto clínico da traqueobronquite associada à ventilação mecânica, nomeadamente na redução do tempo de ventilação mecânica, de internação ou mortalidade, apesar da eventual menor progressão para pneumonia associada à ventilação mecânica, ainda que existam dúvidas relativas à metodologia utilizada. Deste modo, considerando a elevada prevalência da traqueobronquite associada à ventilação mecânica, o tratamento desta entidade, por rotina, resultaria em elevada prescrição antibiótica sem benefícios claros. No entanto, sugerimos a instituição de terapêutica antibiótica em doentes com traqueobronquite associada à ventilação mecânica e choque séptico e/ou agravamento da oxigenação, devendo ser realizados simultaneamente outros exames auxiliares de diagnóstico para exclusão da pneumonia associada à ventilação mecânica. Após esta revisão da literatura, entendemos que uma melhor diferenciação entre traqueobronquite associada à ventilação mecânica e pneumonia associada à ventilação mecânica pode diminuir, de forma significativa, a utilização de antibióticos em doentes críticos ventilados.

Descritores:
Bronquite/diagnóstico; Bronquite/tratamento farmacológico; Bronquite/epidemiologia; Bronquite/microbiologia; Pneumonia associada à ventilação mecânica/tratamento farmacológico; Traqueíte/diagnóstico; Traqueíte/tratamento farmacológico; Traqueíte/epidemiologia; Traqueíte/microbiologia

ABSTRACT

The concept of ventilator-associated tracheobronchitis is controversial; its definition is not unanimously accepted and often overlaps with ventilator-associated pneumonia. Ventilator-associated tracheobronchitis has an incidence similar to that of ventilator-associated pneumonia, with a high prevalence of isolated multiresistant agents, resulting in an increase in the time of mechanical ventilation and hospitalization but without an impact on mortality. The performance of quantitative cultures may allow better diagnostic definition of tracheobronchitis associated with mechanical ventilation, possibly avoiding the overdiagnosis of this condition. One of the major difficulties in differentiating between ventilator-associated tracheobronchitis and ventilator-associated pneumonia is the exclusion of a pulmonary infiltrate by chest radiography; thoracic computed tomography, thoracic ultrasonography, or invasive specimen collection may also be required. The institution of systemic antibiotic therapy does not improve the clinical impact of ventilator-associated tracheobronchitis, particularly in reducing time of mechanical ventilation, hospitalization or mortality, despite the possible reduced progression to ventilator-associated pneumonia. However, there are doubts regarding the methodology used. Thus, considering the high prevalence of tracheobronchitis associated with mechanical ventilation, routine treatment of this condition would result in high antibiotic usage without clear benefits. However, we suggest the institution of antibiotic therapy in patients with tracheobronchitis associated with mechanical ventilation and septic shock and/or worsening of oxygenation, and other auxiliary diagnostic tests should be simultaneously performed to exclude ventilator-associated pneumonia. This review provides a better understanding of the differentiation between tracheobronchitis associated with mechanical ventilation and pneumonia associated with mechanical ventilation, which can significantly decrease the use of antibiotics in critically ventilated patients.

Keywords:
Bronchitis/diagnosis; Bronchitis/drug therapy; Bronchitis/epidemiology; Bronchitis/microbiology; Pneumonia, ventilator-associated/drug therapy; Tracheitis/diagnosis; Tracheitis/drug therapy; Tracheitis/epidemiology; Tracheitis/microbiology

INTRODUÇÃO

A definição de traqueobronquite associada à ventilação mecânica (TAV) não é consensual. Em doentes ventilados há mais de 48 horas, febre sem outra causa e/ou contagem leucocitária > 12.000/µL ou < 4.000/µL, associada ao aumento do volume e/ou purulência das secreções respiratórias, com aspirado endotraqueal (AET) com crescimento bacteriano, na ausência de um infiltrado pulmonar de novo ou progressão de infiltrado prévio, sugerem esta entidade.(11 American Thoracic Society; Infectious Diseases Society of America. Guidelines for the management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and healthcare-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med. 2005;171(4):388-416.

2 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.
-33 Craven DE, Chroneou A, Zias N, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis: the impact of targeted antibiotic therapy on patient outcomes. Chest. 2009;135(2):521-8.) Alguns autores consideram obrigatória a presença de secreções purulentas (≥ 25 neutrófilos e ≤ 10 células escamosas por campo de pequena ampliação),(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.) não sendo consensual a necessidade de exames culturais.(55 Torres A, Ewig S, Lode H, Carlet J; European HAP working group. Defining, treating and preventing hospital acquired pneumonia: European perspective. Intensive Care Med. 2009;35(1):9-29.) É muitas vezes considerada um diagnóstico alternativo à pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV).(11 American Thoracic Society; Infectious Diseases Society of America. Guidelines for the management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and healthcare-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med. 2005;171(4):388-416.)

Neste artigo, são revistos os trabalhos publicados relativos à utilização da terapêutica antibiótica na TAV. Foi realizada pesquisa na base PubMed com os termos "ventilator" e "tracheobronchitis" e "antibiotic", sem limitação temporal. Foi igualmente feita pesquisa manual de referências consideradas relevantes citadas nos trabalhos selecionados. Apenas foram considerados artigos em língua inglesa.

Epidemiologia

A TAV tem incidência semelhante à da PAV.(22 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.,44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,66 Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.

7 Shahin J, Bielinski M, Guichon C, Flemming C, Kristof AS. Suspected ventilator-associated respiratory infection in severely ill patients: a prospective observational study. Crit Care. 2013;17(5):R251.
-88 Nseir S, Martin-Loeches I, Makris D, Jaillette E, Karvouniaris M, Valles J, et al. Impact of appropriate antimicrobial treatment on transition from ventilator-associated tracheobronchitis to ventilator-associated pneumonia. Crit Care. 2014;18(3):R129.) Em uma recente metanálise(99 Agrafiotis M, Siempos II, Falagas ME. Frequency, prevention, outcome and treatment of ventilator-associated tracheobronchitis: systematic review and meta-analysis. Respir Med. 2010;104(3):325-36.) com 3.362 doentes a incidência da TAV foi de 11,5%, sendo descritas incidências que variaram entre 1,4%(1010 Dallas J, Skrupky L, Abebe N, Boyle WA 3rd, Kollef MH. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed surgical and medical ICU population. Chest. 2011;139(3):513-8.) e 16,7%.(77 Shahin J, Bielinski M, Guichon C, Flemming C, Kristof AS. Suspected ventilator-associated respiratory infection in severely ill patients: a prospective observational study. Crit Care. 2013;17(5):R251.) De acordo com a literatura, é possível a progressão de TAV para PAV,(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,66 Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.,88 Nseir S, Martin-Loeches I, Makris D, Jaillette E, Karvouniaris M, Valles J, et al. Impact of appropriate antimicrobial treatment on transition from ventilator-associated tracheobronchitis to ventilator-associated pneumonia. Crit Care. 2014;18(3):R129.,1010 Dallas J, Skrupky L, Abebe N, Boyle WA 3rd, Kollef MH. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed surgical and medical ICU population. Chest. 2011;139(3):513-8.,1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.) variando entre 12,2%(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.) e 34%.(1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.) Não foi excluída uma sobreposição significativa entre as duas entidades no momento do diagnóstico da TAV, situação confirmada pelos próprios autores quando abordaram as limitações dos trabalhos, nomeadamente a dificuldade em diferenciar a TAV e PAV pela análise da radiografia do tórax(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,88 Nseir S, Martin-Loeches I, Makris D, Jaillette E, Karvouniaris M, Valles J, et al. Impact of appropriate antimicrobial treatment on transition from ventilator-associated tracheobronchitis to ventilator-associated pneumonia. Crit Care. 2014;18(3):R129.,1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.) e a não utilização da tomografia computadorizada torácica.(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.)

A prevalência de agentes multirresistentes implicados na TAV é elevada,(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,1010 Dallas J, Skrupky L, Abebe N, Boyle WA 3rd, Kollef MH. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed surgical and medical ICU population. Chest. 2011;139(3):513-8.) o que conduz ao uso precoce de antibioterapia de largo espectro.(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,1212 Craven DE, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia: thinking outside the box. Clin Infect Dis. 2010;51 Suppl 1):S59-66.) Os agentes mais frequentemente isolados são as bactérias Gram-negativas, sobretudo Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli. Igualmente relevante é a prevalência de Staphylococcus aureus, ainda que com variação significativa entre diferentes unidades de cuidados intensivos (UCI).(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.)

A TAV aumenta a duração da ventilação mecânica e o tempo de internação em UCI e hospitalar,(22 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.,44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,66 Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.,1010 Dallas J, Skrupky L, Abebe N, Boyle WA 3rd, Kollef MH. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed surgical and medical ICU population. Chest. 2011;139(3):513-8.,1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.,1313 Karvouniaris M, Makris D, Manoulakas E, Zygoulis P, Mantzarlis K, Triantaris A, et al. Ventilator-associated tracheobronchitis increases the length of intensive care unit stay. Infect Control Hosp Epidemiol. 2013;34(8):800-8.

14 Nseir S, Di Pompeo C, Soubrier S, Lenci H, Delour P, Onimus T, et al. Effect of ventilator-associated tracheobronchitis on outcome in patients without chronic respiratory failure: a case-control study. Crit Care. 2005;9(3):R238-45.
-1515 Nseir S, Ader F, Marquette CH. Nosocomial tracheobronchitis. Curr Opin Infect Dis. 2009;22(2):148-53.) possivelmente por dificultar o desmame ventilatório e a extubação,(1212 Craven DE, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia: thinking outside the box. Clin Infect Dis. 2010;51 Suppl 1):S59-66.) e não pelo posterior desenvolvimento de pneumonia.(22 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.) Uma vez que doentes fortemente colonizados sem clínica de infeção não apresentaram diferenças significativas nas variáveis referidas,(66 Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.) a TAV deve ser considerada entidade clínica independente.(1616 Rodríguez A, Póvoa P, Nseir S, Salluh J, Curcio D, Martín-Loeches I; TAVeM group investigators. Incidence and diagnosis of ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit: an international online survey. Crit Care. 2014;18(1):R32.) Segundo Nseir,(22 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.) a TAV aumenta significativamente a mortalidade em doentes do foro médico, possivelmente por posterior evolução para PAV, mas tal não foi confirmado por outros autores.(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,99 Agrafiotis M, Siempos II, Falagas ME. Frequency, prevention, outcome and treatment of ventilator-associated tracheobronchitis: systematic review and meta-analysis. Respir Med. 2010;104(3):325-36.)

Fisiopatologia

A entubação traqueal facilita a entrada de bactérias no trato respiratório inferior e, consequentemente a colonização. Alguns autores(1212 Craven DE, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia: thinking outside the box. Clin Infect Dis. 2010;51 Suppl 1):S59-66.) advogam que, a partir do equilíbrio estabelecido entre os fatores de virulência bacterianos e os mecanismos de defesa do hospedeiro, resultará um processo de colonização que pode evoluir, em alguns casos, para TAV, com bronquiolite purulenta associada à elevada contagem de colônias, ou para PAV com lesão pulmonar alveolar. Adicionalmente, estudos pos mortem sugerem a existência de um contínuo entre o processo traqueobronquítico e pneumônico.(1717 Nseir S, Marquette CH. Diagnosis of hospital-acquired pneumonia: postmortem studies. Infect Dis Clin North Am. 2003;17(4):707-16.)

Diagnóstico

A colheita de AET para exame cultural semiquantitativo ou quantitativo é sugerida por alguns autores(22 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.,33 Craven DE, Chroneou A, Zias N, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis: the impact of targeted antibiotic therapy on patient outcomes. Chest. 2009;135(2):521-8.,66 Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.,1212 Craven DE, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia: thinking outside the box. Clin Infect Dis. 2010;51 Suppl 1):S59-66.) como estratégia que permite melhor definição diagnóstica da TAV. Neste contexto, diversos estudos abordam a importância das culturas semiquantitativas e quantitativas, nomeadamente na diferenciação entre doentes fortemente colonizados e aqueles com traqueobronquite ou pneumonia, não existindo consenso quanto aos valores de referência que devem ser utilizados.(22 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.,66 Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.,1818 Dallas J, Kollef M. VAT vs VAP: are we heading toward clarity or confusion? Chest. 2009;135(2):252-5.) Apesar disto, nos últimos trabalhos publicados,(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,66 Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.,88 Nseir S, Martin-Loeches I, Makris D, Jaillette E, Karvouniaris M, Valles J, et al. Impact of appropriate antimicrobial treatment on transition from ventilator-associated tracheobronchitis to ventilator-associated pneumonia. Crit Care. 2014;18(3):R129.,1010 Dallas J, Skrupky L, Abebe N, Boyle WA 3rd, Kollef MH. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed surgical and medical ICU population. Chest. 2011;139(3):513-8.,1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.) têm sido incluídos apenas doentes em que se verifica crescimento bacteriano ≥ 105UFC/mL no AET, parecendo existir boa correlação entre este limiar e culturas semiquantitativas com crescimento moderado.(66 Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.) No entanto, são diversos os centros em que as culturas quantitativas ou semiquantitativas não são utilizadas por rotina como parte integrante do diagnóstico da TAV,(1616 Rodríguez A, Póvoa P, Nseir S, Salluh J, Curcio D, Martín-Loeches I; TAVeM group investigators. Incidence and diagnosis of ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit: an international online survey. Crit Care. 2014;18(1):R32.) situação que pode conduzir a um sobrediagnóstico desta entidade e que limita a extrapolação de resultados de estudo clínicos, a maioria com seleção de doentes incluindo amostras respiratórias quantitativas.

Uma das maiores dificuldades no diagnóstico da TAV reside na exclusão de um infiltrado pulmonar de novo e, consequentemente, na diferenciação da PAV. Estudos prévios mostram que apenas 68% das PAV podem ser diagnosticadas pela análise da radiografia do tórax,(1919 Wunderink RG, Woldenberg LS, Zeiss J, Day CM, Ciemins J, Lacher DA. The radiologic diagnosis of autopsy-proven ventilator-associated pneumonia. Chest. 1992;101(2):458-63.) e a realização de tomografia computadorizada torácica permite aumentar significativamente a sensibilidade diagnóstica em cerca de 44%.(2020 Syrjälä H, Broas M, Suramo I, Ojala A, Lähde S. High-resolution computed tomography for the diagnosis of community-acquired pneumonia. Clin Infect Dis. 1998;27(2):358-63.) No entanto, em um inquérito multicêntrico recentemente publicado,(1616 Rodríguez A, Póvoa P, Nseir S, Salluh J, Curcio D, Martín-Loeches I; TAVeM group investigators. Incidence and diagnosis of ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit: an international online survey. Crit Care. 2014;18(1):R32.) 49,2% dos centros participantes referiram nunca considerarem esta possibilidade. Considerando a frequente sobreposição de critérios microbiológicos em amostras coletadas por AET,(33 Craven DE, Chroneou A, Zias N, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis: the impact of targeted antibiotic therapy on patient outcomes. Chest. 2009;135(2):521-8.) a coleta de amostras respiratórias por lavado broncoalveolar (LBA) ou escovado brônquico protegido (EBP) pode igualmente ser importante na diferenciação entre TAV e PAV, nomeadamente ao não preencher critérios para esta última entidade (crescimento bacteriano ≥ 103UFC/mL no EBP ou ≥ 104UFC/mL no LBA(2121 Fagon JY, Chastre J, Wolff M, Gervais C, Parer-Aubas S, Stéphan F, et al. Invasive and noninvasive strategies for management of suspected ventilator-associated pneumonia. A randomized trial. Ann Intern Med. 2000;132(8):621-30.)), parecendo ser segura a não utilização de antibioterapia em doentes com culturas quantitativas negativas coletadas por estes métodos.(2121 Fagon JY, Chastre J, Wolff M, Gervais C, Parer-Aubas S, Stéphan F, et al. Invasive and noninvasive strategies for management of suspected ventilator-associated pneumonia. A randomized trial. Ann Intern Med. 2000;132(8):621-30.

22 Croce MA, Fabian TC, Shaw B, Stewart RM, Pritchard FE, Minard G, et al. Analysis of charges associated with diagnosis of nosocomial pneumonia: can routine bronchoscopy be justified? J Trauma. 1994;37(5):721-7.

23 Bonten MJ, Bergmans DC, Stobberingh EE, van der Geest S, De Leeuw PW, van Tiel FH, et al. Implementation of bronchoscopic techniques in the diagnosis of ventilator-associated pneumonia to reduce antibiotic use. Am J Respir Crit Care Med. 1997;156(6):1820-4.
-2424 Heyland DK, Cook DJ, Marshall J, Heule M, Guslits B, Lang J, et al. The clinical utility of invasive diagnostic techniques in the setting of ventilator-associated pneumonia. Canadian Critical Care Trials Group. Chest. 1999;115(4):1076-84.)

A ultrassonografia torácica (UST), quando realizada por profissionais experientes, apresentou igualmente elevada sensibilidade e especificidade no diagnóstico da pneumonia da comunidade em doentes não ventilados,(2525 Reissig A, Copetti R, Mathis G, Mempel C, Schuler A, Zechner P, et al. Lung ultrasound in the diagnosis and follow-up of community-acquired pneumonia: a prospective, multicenter, diagnostic accuracy study. Chest. 2012;142(4):965-72.,2626 Parlamento S, Copetti R, Di Bartolomeo S. Evaluation of lung ultrasound for the diagnosis of pneumonia in the ED. Am J Emerg Med. 2009;27(4):379-84.) parecendo aumentar a sensibilidade diagnóstica em doentes com clínica compatível com pneumonia e radiografia do tórax não sugestiva deste diagnóstico.(2626 Parlamento S, Copetti R, Di Bartolomeo S. Evaluation of lung ultrasound for the diagnosis of pneumonia in the ED. Am J Emerg Med. 2009;27(4):379-84.) Mongodi et al.(2727 Mongodi S, Via G, Girard M, Rouquette I, Misset B, Braschi A, et al. Lung ultrasound for early diagnosis of ventilator-associated pneumonia. Chest. 2016;149(4):969-80.) avaliaram, em um estudo prospetivo incluindo 99 doentes com clínica e radiografia do tórax sugestiva de PAV, a utilidade da UST em seu diagnóstico precoce. Concluíram que a presença de consolidações subpleurais e a presença de broncograma aéreo dinâmico são sinais ecográficos que apresentam elevada sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de PAV, confirmada pelo crescimento bacteriano ≥ 104UFC/mL em LBA ou por critérios clínicos se LBA negativo sob terapêutica antibiótica. Neste contexto, a UST pode auxiliar a diferenciar infiltrados pneumónicos de não pneumônicos. Porém, são necessários estudos adicionais para confirmação destes resultados e esclarecimento da utilidade da UST na diferenciação PAV/TAV, principalmente em doentes com radiografia do tórax não sugestiva de PAV.

Tratar ou não tratar com antibióticos?

Na tabela 1 encontram-se resumidos os trabalhos que abordaram o impacto da terapêutica antibiótica no curso clínico da TAV.

Tabela 1
Impacto clínico da antibioterapia no curso clínico da traqueobronquite associada à ventilação mecânica

A instituição de terapêutica antibiótica nos doentes com TAV não é consensual, principalmente em relação às suas potenciais vantagens.(11 American Thoracic Society; Infectious Diseases Society of America. Guidelines for the management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and healthcare-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med. 2005;171(4):388-416.,1616 Rodríguez A, Póvoa P, Nseir S, Salluh J, Curcio D, Martín-Loeches I; TAVeM group investigators. Incidence and diagnosis of ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit: an international online survey. Crit Care. 2014;18(1):R32.) Os pressupostos a favor desta prática assentam na possível redução do tempo de ventilação mecânica e de internação e, mais recentemente, na redução da progressão para PAV.(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,88 Nseir S, Martin-Loeches I, Makris D, Jaillette E, Karvouniaris M, Valles J, et al. Impact of appropriate antimicrobial treatment on transition from ventilator-associated tracheobronchitis to ventilator-associated pneumonia. Crit Care. 2014;18(3):R129.) Não é claro se estes eventuais benefícios resultam exclusivamente da terapêutica da TAV, pois, possivelmente, estão sendo tratados doentes com PAV em fases precoces diagnosticados como TAV.(33 Craven DE, Chroneou A, Zias N, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis: the impact of targeted antibiotic therapy on patient outcomes. Chest. 2009;135(2):521-8.)

Não existe evidência na literatura de que a instituição de terapêutica antibiótica em doentes com TAV resulta em diminuição estatisticamente significativa do tempo de ventilação mecânica e de internação, apesar da redução estatisticamente significativa do inóculo bacteriano.(1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.) A possibilidade da terapêutica antibiótica reduzir a progressão para PAV referida por alguns autores(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,88 Nseir S, Martin-Loeches I, Makris D, Jaillette E, Karvouniaris M, Valles J, et al. Impact of appropriate antimicrobial treatment on transition from ventilator-associated tracheobronchitis to ventilator-associated pneumonia. Crit Care. 2014;18(3):R129.,1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.) está limitada não só pela baixa acuidade da radiografia do tórax na diferenciação entre as duas entidades, mas também pela não utilização de outros exames auxiliares de diagnóstico. Adicionalmente, apesar da redução da progressão para PAV documentada, tal não se traduziu igualmente em menor tempo de ventilação mecânica, de internação ou em uma redução da mortalidade.

Alguns trabalhos(22 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.,1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.) referem diminuição da mortalidade com a instituição de terapêutica antibiótica, ainda que em subgrupos específicos de doentes(22 Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.) ou considerando a mortalidade por todas as causas.(1111 Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.) Estes achados, não reproduzidos em outros trabalhos,(44 Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.,1313 Karvouniaris M, Makris D, Manoulakas E, Zygoulis P, Mantzarlis K, Triantaris A, et al. Ventilator-associated tracheobronchitis increases the length of intensive care unit stay. Infect Control Hosp Epidemiol. 2013;34(8):800-8.,1414 Nseir S, Di Pompeo C, Soubrier S, Lenci H, Delour P, Onimus T, et al. Effect of ventilator-associated tracheobronchitis on outcome in patients without chronic respiratory failure: a case-control study. Crit Care. 2005;9(3):R238-45.) são controversos, considerando que não encontramos na literatura referências que sugiram que a TAV condicione aumento da mortalidade, independentemente da instituição de antibioterapia.

Neste sentido, considerando a ausência de benefícios claros descritos na literatura, os custos associados, o risco de toxicidade e a potencial emergência de microrganismos multirresistentes, entendemos que não deve ser instituída, por rotina, terapêutica antibiótica em doentes com TAV, apesar de sua elevada prevalência. Esta opinião é partilhada por normas de orientação clínica recentemente publicadas.(2828 Kalil AC, Metersky ML, Klompas M, Muscedere J, Sweeney DA, Palmer LB, et al. Management of Adults with Hospital-acquired and Ventilator-associated Pneumonia: 2016 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the American Thoracic Society. Clin Infect Dis. 2016;63(5):e61-111.) No entanto, deve ser considerada a instituição de terapêutica antibiótica em doentes com TAV que apresentem choque séptico e/ou agravamento da oxigenação, devendo ser providenciados esforços para excluir outros diagnósticos diferenciais como a PAV,(2828 Kalil AC, Metersky ML, Klompas M, Muscedere J, Sweeney DA, Palmer LB, et al. Management of Adults with Hospital-acquired and Ventilator-associated Pneumonia: 2016 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the American Thoracic Society. Clin Infect Dis. 2016;63(5):e61-111.) situação que também pode permitir menor duração da antibioterapia instituída.

Apesar de aumentar o tempo de ventilação e de internação, o tratamento com antibióticos sistêmicos não parece alterar o curso clínico da TAV, possivelmente em relação à baixa concentração antibiótica atingida na via aérea superior proximal.(2929 Mendelman PM, Smith AL, Levy J, Weber A, Ramsey B, Davis RL. Aminoglycoside penetration, inactivation, and efficacy in cystic fibrosis sputum. Am Rev Respir Dis. 1985;132(4):761-5.) Por conseguinte, tem sido sugerida a utilização de terapêutica antibiótica inalada nestes casos. De fato, a antibioterapia inalada, permitindo concentrações elevadas no aparelho respiratório com efeitos sistêmicos mínimos,(3030 Russell CJ, Shiroishi MS, Siantz E, Wu BW, Patino CM. The use of inhaled antibiotic therapy in the treatment of ventilator-associated pneumonia and tracheobronchitis: a systematic review. BMC Pulm Med. 2016;16:40.) mostrou resultados promissores na redução do inóculo bacteriano,(3131 Palmer LB, Smaldone GC, Chen JJ, Baram D, Duan T, Monteforte M, et al. Aerosolized antibiotics and ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit. Crit Care Med. 2008;36(7):2008-13.

32 Athanassa ZE, Myrianthefs PM, Boutzouka EG, Tsakris A, Baltopoulos GJ. Monotherapy with inhaled colistin for the treatment of patients with ventilator-associated tracheobronchitis due to polymyxin-only-susceptible Gram-negative bacteria. J Hosp Infect. 2011;78(4):335-6.
-3333 Palmer LB, Smaldone GC. Reduction of bacterial resistance with inhaled antibiotics in the intensive care unit. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(10):1225-33.) com possível redução do risco de desenvolvimento de resistência bacteriana, carecendo estes dados de confirmação em estudos dirigidos.(3030 Russell CJ, Shiroishi MS, Siantz E, Wu BW, Patino CM. The use of inhaled antibiotic therapy in the treatment of ventilator-associated pneumonia and tracheobronchitis: a systematic review. BMC Pulm Med. 2016;16:40.,3434 Palmer LB. Ventilator-associated infection: the role for inhaled antibiotics. Curr Opin Pulm Med. 2015;21(3):239-49.)

Na figura 1, propõe-se um algoritmo de abordagem do doente com suspeita de TAV.

Figura 1
Algoritmo de abordagem do doente com suspeita de traqueobronquite associada à ventilação mecânica.

AET - aspirado endotraqueal; UFC - unidades de formação de colônia; PAV - pneumomia associada à ventilação mecânica; ECD - exames complementares de diagnóstico; TC - tomografia computadorizada; UST - ultrassonografia torácica; LBA - lavado broncoalveolar; EBP - escovado brônquico protegido; TAV - traqueobronquite associada à ventilação mecânica.


CONCLUSÃO

As infeções respiratórias são responsáveis por metade das prescrições antibióticas em cuidados intensivos. Apesar de alguns autores recomendarem a instituição de terapêutica antibiótica na traqueobronquite associada à ventilação mecânica, de modo a diminuir eventual progressão para pneumonia associada à ventilação mecânica, a metodologia utilizada não exclui significativa sobreposição diagnóstica. Ainda, sua utilização não conduz a redução estatisticamente significativa do tempo de ventilação mecânica, do tempo de internação ou da mortalidade.

Considerando a elevada prevalência da traqueobronquite associada à ventilação mecânica e a consequente significativa prescrição antibiótica associada ao seu tratamento por rotina, sugerimos que a terapêutica antibiótica seja apenas considerada nos doentes com traqueobronquite associada à ventilação mecânica que apresentem choque séptico e/ou défice de oxigenação. Nestes casos, sendo elevada a probabilidade de se tratar de uma pneumonia associada à ventilação mecânica, sugerimos a utilização de outros exames auxiliares de diagnóstico para sua exclusão.

Considerando as limitações dos trabalhos publicados, são necessários estudos adicionais, com critérios diferenciadores entre as duas entidades que excluam uma significativa sobreposição diagnóstica, de forma a avaliar, de maneira fidedigna, o eventual benefício da terapêutica sistêmica com antibióticos na traqueobronquite associada à ventilação mecânica.

AGRADECIMENTOS

À Dra. Teresa Honrado e ao Prof. José Artur Paiva, pela colaboração na revisão do presente artigo.

REFERÊNCIAS

  • 1
    American Thoracic Society; Infectious Diseases Society of America. Guidelines for the management of adults with hospital-acquired, ventilator-associated, and healthcare-associated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med. 2005;171(4):388-416.
  • 2
    Nseir S, Di Pompeo C, Pronnier P, Beague S, Onimus T, Saulnier F, et al. Nosocomial tracheobronchitis in mechanically ventilated patients: incidence, aetiology and outcome. Eur Respir J. 2002;20(6):1483-9.
  • 3
    Craven DE, Chroneou A, Zias N, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis: the impact of targeted antibiotic therapy on patient outcomes. Chest. 2009;135(2):521-8.
  • 4
    Martin-Loeches I, Povoa P, Rodríguez A, Curcio D, Suarez D, Mira JP, Cordero ML, Lepecq R, Girault C, Candeias C, Seguin P, Paulino C, Messika J, Castro AG, Valles J, Coelho L, Rabello L, Lisboa T, Collins D, Torres A, Salluh J, Nseir S; TAVeM study. Incidence and prognosis of ventilator-associated tracheobronchitis (TAVeM): a multicentre, prospective, observational study. Lancet Respir Med. 2015;3(11):859-68.
  • 5
    Torres A, Ewig S, Lode H, Carlet J; European HAP working group. Defining, treating and preventing hospital acquired pneumonia: European perspective. Intensive Care Med. 2009;35(1):9-29.
  • 6
    Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013;126(6):542-9.
  • 7
    Shahin J, Bielinski M, Guichon C, Flemming C, Kristof AS. Suspected ventilator-associated respiratory infection in severely ill patients: a prospective observational study. Crit Care. 2013;17(5):R251.
  • 8
    Nseir S, Martin-Loeches I, Makris D, Jaillette E, Karvouniaris M, Valles J, et al. Impact of appropriate antimicrobial treatment on transition from ventilator-associated tracheobronchitis to ventilator-associated pneumonia. Crit Care. 2014;18(3):R129.
  • 9
    Agrafiotis M, Siempos II, Falagas ME. Frequency, prevention, outcome and treatment of ventilator-associated tracheobronchitis: systematic review and meta-analysis. Respir Med. 2010;104(3):325-36.
  • 10
    Dallas J, Skrupky L, Abebe N, Boyle WA 3rd, Kollef MH. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed surgical and medical ICU population. Chest. 2011;139(3):513-8.
  • 11
    Nseir S, Favory R, Jozefowicz E, Decamps F, Dewavrin F, Brunin G, Di Pompeo C, Mathieu D, Durocher A; VAT Study Group. Antimicrobial treatment for ventilator-associated tracheobronchitis: a randomized, controlled, multicenter study. Crit Care. 2008;12(3):R62.
  • 12
    Craven DE, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia: thinking outside the box. Clin Infect Dis. 2010;51 Suppl 1):S59-66.
  • 13
    Karvouniaris M, Makris D, Manoulakas E, Zygoulis P, Mantzarlis K, Triantaris A, et al. Ventilator-associated tracheobronchitis increases the length of intensive care unit stay. Infect Control Hosp Epidemiol. 2013;34(8):800-8.
  • 14
    Nseir S, Di Pompeo C, Soubrier S, Lenci H, Delour P, Onimus T, et al. Effect of ventilator-associated tracheobronchitis on outcome in patients without chronic respiratory failure: a case-control study. Crit Care. 2005;9(3):R238-45.
  • 15
    Nseir S, Ader F, Marquette CH. Nosocomial tracheobronchitis. Curr Opin Infect Dis. 2009;22(2):148-53.
  • 16
    Rodríguez A, Póvoa P, Nseir S, Salluh J, Curcio D, Martín-Loeches I; TAVeM group investigators. Incidence and diagnosis of ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit: an international online survey. Crit Care. 2014;18(1):R32.
  • 17
    Nseir S, Marquette CH. Diagnosis of hospital-acquired pneumonia: postmortem studies. Infect Dis Clin North Am. 2003;17(4):707-16.
  • 18
    Dallas J, Kollef M. VAT vs VAP: are we heading toward clarity or confusion? Chest. 2009;135(2):252-5.
  • 19
    Wunderink RG, Woldenberg LS, Zeiss J, Day CM, Ciemins J, Lacher DA. The radiologic diagnosis of autopsy-proven ventilator-associated pneumonia. Chest. 1992;101(2):458-63.
  • 20
    Syrjälä H, Broas M, Suramo I, Ojala A, Lähde S. High-resolution computed tomography for the diagnosis of community-acquired pneumonia. Clin Infect Dis. 1998;27(2):358-63.
  • 21
    Fagon JY, Chastre J, Wolff M, Gervais C, Parer-Aubas S, Stéphan F, et al. Invasive and noninvasive strategies for management of suspected ventilator-associated pneumonia. A randomized trial. Ann Intern Med. 2000;132(8):621-30.
  • 22
    Croce MA, Fabian TC, Shaw B, Stewart RM, Pritchard FE, Minard G, et al. Analysis of charges associated with diagnosis of nosocomial pneumonia: can routine bronchoscopy be justified? J Trauma. 1994;37(5):721-7.
  • 23
    Bonten MJ, Bergmans DC, Stobberingh EE, van der Geest S, De Leeuw PW, van Tiel FH, et al. Implementation of bronchoscopic techniques in the diagnosis of ventilator-associated pneumonia to reduce antibiotic use. Am J Respir Crit Care Med. 1997;156(6):1820-4.
  • 24
    Heyland DK, Cook DJ, Marshall J, Heule M, Guslits B, Lang J, et al. The clinical utility of invasive diagnostic techniques in the setting of ventilator-associated pneumonia. Canadian Critical Care Trials Group. Chest. 1999;115(4):1076-84.
  • 25
    Reissig A, Copetti R, Mathis G, Mempel C, Schuler A, Zechner P, et al. Lung ultrasound in the diagnosis and follow-up of community-acquired pneumonia: a prospective, multicenter, diagnostic accuracy study. Chest. 2012;142(4):965-72.
  • 26
    Parlamento S, Copetti R, Di Bartolomeo S. Evaluation of lung ultrasound for the diagnosis of pneumonia in the ED. Am J Emerg Med. 2009;27(4):379-84.
  • 27
    Mongodi S, Via G, Girard M, Rouquette I, Misset B, Braschi A, et al. Lung ultrasound for early diagnosis of ventilator-associated pneumonia. Chest. 2016;149(4):969-80.
  • 28
    Kalil AC, Metersky ML, Klompas M, Muscedere J, Sweeney DA, Palmer LB, et al. Management of Adults with Hospital-acquired and Ventilator-associated Pneumonia: 2016 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the American Thoracic Society. Clin Infect Dis. 2016;63(5):e61-111.
  • 29
    Mendelman PM, Smith AL, Levy J, Weber A, Ramsey B, Davis RL. Aminoglycoside penetration, inactivation, and efficacy in cystic fibrosis sputum. Am Rev Respir Dis. 1985;132(4):761-5.
  • 30
    Russell CJ, Shiroishi MS, Siantz E, Wu BW, Patino CM. The use of inhaled antibiotic therapy in the treatment of ventilator-associated pneumonia and tracheobronchitis: a systematic review. BMC Pulm Med. 2016;16:40.
  • 31
    Palmer LB, Smaldone GC, Chen JJ, Baram D, Duan T, Monteforte M, et al. Aerosolized antibiotics and ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit. Crit Care Med. 2008;36(7):2008-13.
  • 32
    Athanassa ZE, Myrianthefs PM, Boutzouka EG, Tsakris A, Baltopoulos GJ. Monotherapy with inhaled colistin for the treatment of patients with ventilator-associated tracheobronchitis due to polymyxin-only-susceptible Gram-negative bacteria. J Hosp Infect. 2011;78(4):335-6.
  • 33
    Palmer LB, Smaldone GC. Reduction of bacterial resistance with inhaled antibiotics in the intensive care unit. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(10):1225-33.
  • 34
    Palmer LB. Ventilator-associated infection: the role for inhaled antibiotics. Curr Opin Pulm Med. 2015;21(3):239-49.

Editado por

Editor responsável: Pedro Póvoa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2016
  • Aceito
    02 Jun 2017
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br