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A economia brasileira no século XXI: uma análise a partir do modelo do Supermultiplicador Sraffiano

Brazilian economy in the 21st century: an analysis from the perspective of the Sraffian Supermultiplier model

Resumo

O objetivo desse artigo é contribuir para o debate sobre o desempenho da economia brasileira no século XXI, com ênfase nos anos entre 2011 e 2019 marcados pelo baixo crescimento. Para isso, é realizada uma decomposição do crescimento a partir do modelo do Supermultiplicador Sraffiano, tomando como base a metodologia utilizada por Freitas e Dweck (2013) e utilizando dados do Sistema de Contas Nacionais para o período de 2000 a 2019. Embora essa decomposição do crescimento não constitua um teste da validade do modelo do Supermultiplicador Sraffiano, os resultados sugerem que os fatos estilizados da economia brasileira estão de acordo com o previsto por este modelo teórico. Apresento também algumas explicações existentes no campo da heterodoxia sobre o desempenho econômico brasileiro na última década, mostrando como cada uma delas pode se encaixar dentro da ótica do modelo do Supermultiplicador e analiso quais destas tiveram maior relevância para explicar o desempenho econômico brasileiro durante o período analisado.

Palavras-chave
Supermultiplicador Sraffiano; Gastos autônomos; Economia brasileira; Política macroeconômica

Abstract

The purpose of this article is to contribute to the debate on the performance of the Brazilian economy in the 21st century, focusing on the period from 2011 to 2019 characterized by low growth rates. To that end, a growth decomposition is calculated based on the Sraffian Supermultiplier model, taking as the methodology adopted by Freitas and Dweck (2013) a reference and using the data from the System of National Accounts for the period from 2000 to 2019. Although this growth decomposition is not a test which aims to validate the Sraffian Supermultiplier model, the results suggest that the stylized facts of the Brazilian economy are in accordance with what is expected by the theoretical model. I also present some explanations from the heterodox field about the Brazilian economic performance during the last decade, demonstrating how each of these explanations can be compatible with the Supermultiplier model approach and analyze which were more important to explain the Brazilian economic performance during the period under analysis.

Keywords
Sraffian Supermultiplier; Autonomous expenditures; Brazilian economy; Macroeconomic policy

1 Introdução

O objetivo desse artigo é contribuir para o debate a respeito dos determinantes da desaceleração da economia brasileira observada entre 2011 e 2014, da recessão dos anos de 2015 e 2016 e do período de baixo crescimento entre 2017 e 2019. Para isso, foi realizada uma decomposição do crescimento brasileiro a partir do modelo do Supermultiplicador Sraffiano. A decomposição toma como base a metodologia utilizada por Freitas e Dweck (2013)FREITAS, F.; DWECK, E. The pattern of economic growth of the Brazilian economy 1970-2005: a demand-led growth perspective. In: LEVRERO, E. S.; PALUMBO, A.; STIRATI, A. (Ed.). Sraffa and the reconstruction of economic theory. London: Palgrave Macmillan, 2013. v. 2, cap. 7, p. 158-191. e utiliza as Tabelas de Recursos e Usos, as Contas Econômicas Integradas, as Matrizes de Absorção do Investimento e outras fontes de dados complementares. A partir dessa decomposição, é possível mensurar a contribuição dos diversos elementos para o crescimento (ou decrescimento) do PIB e com isso relacioná-los com as causas apontadas para o desempenho da economia brasileira no período recente existentes dentro do campo da heterodoxia.

Enquanto o trabalho de Freitas e Dweck (2013)FREITAS, F.; DWECK, E. The pattern of economic growth of the Brazilian economy 1970-2005: a demand-led growth perspective. In: LEVRERO, E. S.; PALUMBO, A.; STIRATI, A. (Ed.). Sraffa and the reconstruction of economic theory. London: Palgrave Macmillan, 2013. v. 2, cap. 7, p. 158-191. compreende o período de 1970 a 2005, no presente artigo a decomposição é realizada para um período mais recente, de 2000 a 2019, embora a análise e interpretação dos resultados esteja mais focada na década que se inicia em 2011. Este ensaio traz também duas outras contribuições em relação ao trabalho de Freitas e Dweck (2013)FREITAS, F.; DWECK, E. The pattern of economic growth of the Brazilian economy 1970-2005: a demand-led growth perspective. In: LEVRERO, E. S.; PALUMBO, A.; STIRATI, A. (Ed.). Sraffa and the reconstruction of economic theory. London: Palgrave Macmillan, 2013. v. 2, cap. 7, p. 158-191.. Primeiramente, o modelo incorpora o consumo a partir das transferências feitas pelo governo e os impostos, o que muda o nível dos gastos autônomos e sua composição, aumentando o peso do setor público. Em segundo lugar, em Freitas e Dweck (2013)FREITAS, F.; DWECK, E. The pattern of economic growth of the Brazilian economy 1970-2005: a demand-led growth perspective. In: LEVRERO, E. S.; PALUMBO, A.; STIRATI, A. (Ed.). Sraffa and the reconstruction of economic theory. London: Palgrave Macmillan, 2013. v. 2, cap. 7, p. 158-191., não são calculados os índices de volume e os deflatores específicos de cada componente dos gastos autônomos e suas respectivas contribuições para o crescimento são calculadas utilizando o deflator do PIB (de forma a incorporar conjuntamente o índice de volume de cada tipo de gasto e a mudança de preços relativos entre cada gasto e o PIB). No presente trabalho, são calculados índices de volume e deflatores específicos de cada componente dos gastos autônomos e de cada uma das variáveis da decomposição, de forma que o cálculo das contribuições não é afetado por mudanças nos preços relativos.

O artigo é composto por esta introdução e outras cinco seções. A segunda seção apresenta uma especificação do modelo do Supermultiplicador Sraffiano com economia aberta e com governo que será utilizada na decomposição. A seção seguinte discorre sobre a metodologia utilizada e sobre algumas restrições impostas pela disponibilidade dos dados da economia brasileira. Em seguida, apresento os principais fatores explicativos existentes no campo heterodoxo a respeito da desaceleração econômica ocorrida no período de 2011 a 2014, assim como da recessão dos anos de 2015 e 2016, visando mostrar como cada um deles pode se encaixar dentro da ótica do modelo do Supermultiplicador. Na quinta seção, apresento os resultados da decomposição. Num primeiro momento, investigo se os resultados sugerem que o modelo é capaz de explicar a trajetória da economia brasileira no período recente, e em seguida analiso quais das interpretações apresentadas na terceira seção tiveram maior relevância para explicar o desempenho econômico do país. Por fim, considerações finais encerram o trabalho.

2 Modelo do Supermultiplicador Sraffiano

Segundo o modelo do Supermultiplicador, o crescimento do produto é liderado pelo crescimento dos gastos autônomos que não criam capacidade produtiva para o setor privado (Freitas; Serrano, 2015FREITAS, F.; SERRANO, F. Growth rate and level effects, the stability of the adjustment of capacity to demand and the Sraffian supermultiplier. Review of Political Economy, v. 27, n. 3, p. 258-281, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09538259.2015.1067360.
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, p. 258-259). Esses gastos não são induzidos pela renda gerada pelas decisões de produção – isto é, excluindo o consumo a partir dos salários – e que não criam capacidade produtiva para o setor privado da economia, uma vez que esses gastos também são considerados como induzidos pela demanda. Cesaratto, Serrano e Stirati (2003)CESARATTO, S.; SERRANO, F.; STIRATI, A. Technical change, effective demand and employment. Review of Political Economy, v. 15, n. 1, p. 33-52, 2003. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09538250308444.
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classificam como gastos autônomos que não criam capacidade a) todos os gastos realizados pelo governo, incluindo aqui o consumo do governo, os investimentos e as transferências do governo, b) as exportações, c) o consumo ou o investimento residencial das famílias financiado por crédito e d) os gastos das empresas em investimento em pesquisa e desenvolvimento.

O consumo induzido depende do nível de produção e da parcela dos salários na renda, que por sua vez é determinada pelo conflito distributivo e por fatores institucionais e é considerada exógena no modelo.

O investimento que cria capacidade produtiva para o setor privado é realizado com o objetivo de ajustar a capacidade produtiva à demanda esperada e também é tratado como um gasto induzido. Quando a capacidade produtiva se encontra numa proporção adequada à demanda, isso significa que o grau de utilização será igual ao seu nível normal ou desejado. Segundo a especificação presente em Serrano, Freitas e Behring (2019)SERRANO, F.; FREITAS, F.; BHERING, G. The trouble with Harrod: the fundamental instability of the warranted rate in the light of the Sraffian Supermultiplier. Metroeconomica, v. 70, n. 2, p. 263-287, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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, a parcela do investimento induzido em relação ao produto depende da taxa de crescimento esperada, que por sua vez é ajustada de acordo com as taxas de crescimento observadas.

Para compreender como isso acontece, vamos imaginar uma economia que se encontra inicialmente em uma posição totalmente ajustada – isto é, com as expectativas de crescimento sendo realizadas e grau de utilização efetivo igual ao seu nível normal – e que ocorra um aumento em sua taxa de crescimento. Num primeiro momento, a taxa de crescimento do estoque de capital não será afetada, o que fará com o produto cresça mais que a capacidade e que o grau de utilização fique acima do seu nível normal. A partir disso, os capitalistas passarão a ajustar suas expectativas de crescimento e a aumentar a parcela do investimento induzido na renda, o que fará com que o investimento cresça mais que o produto durante algum tempo. Como os novos investimentos constituem apenas uma pequena parcela de todo o estoque de capital existente, num primeiro momento mudanças na taxa de crescimento do investimento provocam apenas pequenas mudanças na taxa de crescimento do estoque de capital e da capacidade produtiva, levando algum tempo para que o crescimento do estoque de capital convirja para a taxa de crescimento do investimento e para que a capacidade produtiva se ajuste totalmente à demanda, mesmo na ausência de novos choques. Isso significa que a) existe uma relação positiva entre taxa de crescimento do produto e parcela do investimento induzido no produto, e b) as flutuações do investimento induzido seguem as flutuações do produto, porém quando a taxa de crescimento do produto aumenta (diminui), a taxa de crescimento do investimento induzido aumenta (diminui) em maior magnitude.

O modelo formal é apresentado em termos agregados para uma economia aberta e com governo. Supomos que a oferta de trabalho é ilimitada e não constitui uma restrição ao crescimento. Excluindo variações de estoques, a oferta total de bens e serviços deve ser igual a demanda total, podendo ser expressa pela seguinte equação:

Y + M = C + I + G + X (1)

Onde representa o PIB ou o produto, são as importações, é o consumo das famílias, é o investimento, é o consumo do governo e são as exportações. As importações são uma função da demanda total e de seu conteúdo importado. Na realidade o percentual de conteúdo importado é diferente de acordo com os usos e isso pode ser calculado utilizando as Matrizes de Insumo Produto. Contudo, vamos utilizar aqui a hipótese simplificadora de que esse coeficiente é igual para todos os usos, ficando esse detalhamento a ser desenvolvido em trabalhos futuros. As importações podem então ser representadas pela expressão a seguir:

M = m ( C + I + G + X ) (2)

O consumo das famílias se divide entre uma parte induzida e uma parte autônoma. A parcela induzida depende das rendas contratuais geradas pelas decisões de produção – isto é, os salários. Já o consumo autônomo consiste no consumo financiado por crédito. Na equação 3 abaixo, o consumo induzido é uma função da renda disponível (Yd) e da propensão marginal a consumir (c), enquanto o consumo autônomo é expresso por CA.

C = c Y d + C A (3)

A renda disponível consiste no PIB menos os impostos (T) somado às transferências feitas pelo governo para as famílias (Tr).

Y d = Y T + T r (4)

Os impostos são expressos por:

T = t Y (5)

Onde representa a relação entre os impostos e o PIB. Combinando as equações 4 e 5 com a equação 3, o consumo das famílias pode ser expresso por:

C = c ( 1 t ) Y + c T r + C A (6)

Vale notar que o consumo a partir das transferências do governo constitui um gasto autônomo. Entretanto, como as transferências apenas aumentam a renda disponível das famílias mas não geram demanda diretamente, seu efeito sobre a demanda efetiva deve ser ponderado pela propensão marginal a consumir das famílias.

O investimento será separado em cinco subcomponentes: a) investimento do governo (IG), b) investimento das empresas privadas IEP, c) investimento das empresas do governo IEG, d) investimento residencial das famílias IFRes e e) investimento das famílias que cria capacidade produtiva IFCap.

I = I G + I E P + I E G + I F Res  + I F Cap  (7)

Os investimentos do governo e das empresas estatais criam capacidade produtiva em alguns casos (quando o governo constrói um hospital público ou quando uma empresa pública constrói uma refinaria, por exemplo) e em alguns casos não (como no caso dos investimentos em infraestrutura), mas evidentemente não criam capacidade produtiva para o setor privado, e por isso são considerados gastos autônomos. Vale acrescentar também que mesmo nos casos em que esses investimentos criam capacidade produtiva para o governo ou para as empresas estatais, essas decisões estão sujeitas, em maior ou menor grau, a fatores políticos e de uma forma geral não são realizadas visando ajustar a capacidade produtiva à demanda esperada. O investimento residencial das famílias não cria capacidade produtiva diretamente e tampouco é financiado exclusivamente pela massa salarial, já que depende também de outros fatores, como as condições de crédito. Portanto, essa despesa também é classificada como um gasto autônomo que não cria capacidade. Por fim, o investimento das empresas privadas e o investimento das famílias (exclusive o investimento residencial) são gastos que criam capacidade produtiva para o setor privado. De acordo com o modelo do Supermultiplicador Sraffiano, esses gastos são considerados como induzidos, uma vez que são explicados pela taxa de crescimento esperada pela demanda efetiva, que por sua vez se ajusta diante das taxas de crescimento efetivamente observadas. O investimento induzido que cria capacidade produtiva é expresso pela equação 9, onde h representa a propensão a investir ou a parcela do investimento induzido em relação ao produto:

I F c a p + I E P = h Y (8)

Combinando as equações 1, 2, 6, 7 e 8, determinamos o nível de produto de acordo com a seguinte equação:

Y = 1 m 1 ( 1 m ) [ c ( 1 t ) + h ] Z (9)

Onde o termo em parênteses representa o valor do supermultiplicador e Z representa a soma de todos os gastos autônomos que não criam capacidade para o setor privado, que é expresso por:

Z = G + c T r + I G + I E G + X + C A + I F R e s (10)

Como podemos ver na equação 9, variações do produto são resultado de variações dos gastos autônomos e do valor do supermultiplicador – que por sua vez dependem de variações nos parâmetros m, c, h e t. Segundo a decomposição aqui apresentada, os gastos autônomos são compostos por sete componentes: a) consumo do governo, b) consumo a partir das transferências do governo às famílias, c) investimento do governo, d) investimento das empresas públicas, e) exportações, f) consumo autônomo das famílias, representado aqui pelo consumo de bens duráveis, e g) investimento residencial das famílias.

É importante ressaltar que dependendo das características institucionais existentes num país e numa determinada época, certos gastos que não são financiados pelas rendas contratuais geradas pelas decisões de produção e que introduzem novo poder de compra na economia podem ser classificados como gastos são autônomos (isto é, independentes da produção corrente e da sua taxa de crescimento esperada) ou como gastos induzidos. Por exemplo, se houver regras fiscais que impõem metas de resultados ficais, o quanto o governo pode gastar passa a depender da arrecadação, que por sua vez depende do nível de atividade. Nesse caso, os gastos públicos passam a ser tratados como gastos induzidos, o que em termos do modelo formal apresentado acima significa que o nível de gastos autônomos seria menor e o valor do supermultiplicador, maior. O crédito para as famílias no Brasil é bastante influenciado pela evolução do emprego formal. Assim, dado um grau de formalização do emprego e tomando como dados os outros determinantes do crédito (como taxas de juros, a política dos bancos públicos, etc.), um crescimento do produto gera um crescimento no nível de emprego, induzindo também em um aumento das concessões de crédito. As exportações, por sua vez, parecem ser um gasto totalmente autônomo, pois a economia brasileira não é grande o suficiente para afetar o ritmo de crescimento do comércio mundial. Apesar dessas considerações, tanto os gastos públicos quanto o consumo das famílias financiado por crédito são tratados como gastos autônomos na decomposição feita neste artigo.

A equação 11 representa a decomposição do crescimento segundo seus componentes. Esta é a expressão que será utilizada para calcular a contribuição de cada variável na seção 5. O passo a passo para chegar até essa equação final pode ser visto no Anexo 1. A variável g corresponde ao crescimento do PIB entre os anos 0 e 1, os subscritos 1 e 0 se referem ao ano correspondente, a é o valor do supermultiplicador e E é a variação de estoques. Embora tenha omitido a variação de estoques quando apresentei o modelo teórico acima, essa variável deve ser incluída na decomposição do crescimento, pois caso contrário a soma das contribuições de cada variável não seria igual ao crescimento efetivo do PIB. Segundo a presente especificação, o crescimento depende de: a) variações dos parâmetros do supermultiplicador (c, h, t e m), b) da variação de cada componente dos gastos autônomos (G,Tr,IG,IEG,X,CA e IFRes) e c) da variação de estoques.

g = α 1 1 t 0 + T r 0 Y 0 Δ c + α 1 Δ h α 1 c 1 Δ t α 1 1 m 0 1 m 1 Δ m + α 1 c 1 Δ T r Y 0 + α 1 Δ G Y 0 + α 1 Δ I G Y 0 + α 1 Δ I E G Y 0 + α 1 Δ X Y 0 + α 1 Δ C A Y 0 + α 1 Δ I F R e s Y 0 + α 1 Δ E Y 0 (11)

3 Decomposição do crescimento utilizando os dados da economia brasileira

Na seção anterior, apresentei o modelo teórico do Supermultiplicador Sraffiano. Entretanto, nem todas as variáveis do modelo estão imediatamente disponíveis a partir dos dados divulgados pelo Sistema de Contas Nacionais, o que requer que sejam feitas algumas adaptações para que seja possível proceder com a decomposição. Nesta seção, discuto algumas questões referentes à disponibilidade e detalhes das informações, bem como algumas escolhas metodológicas adotadas.

A decomposição foi realizada para o período entre 2000 a 2019, pois é apenas para esses anos que existem dados disponíveis no nível de detalhamento necessário. As principais fontes de dados são as Tabelas de Recursos e Usos, as Contas Econômicas Integradas e as Tabelas Sinóticas divulgadas pelo IBGE. O Anexo 2 explica em detalhes como foram calculadas as séries utilizadas na decomposição e o Anexo 3 traz as tabelas com os principais valores da decomposição. O maior enfoque será dado ao período a partir de 2011, pois é quando se inicia o processo de desaceleração econômica. O período de 2004 a 2010, caracterizado por maiores taxas de crescimento, será utilizado como base de comparação durante a análise.

Todos os valores da decomposição foram calculados para todos os anos, tanto a preços correntes quanto a preços do ano anterior. Para calcular a decomposição do crescimento do ano 1 em relação ao ano 0, consideram-se os valores do ano 0 a preços correntes e os valores do ano 1 expressos a preços do ano anterior, de forma que tanto os valores do ano 0 quanto do ano 1 estão expressos a preços do ano 0, e assim o cálculo da decomposição não será influenciado por mudanças nos preços relativos. Por exemplo, as contribuições do crescimento de 2001 são calculadas considerando os valores de 2000 a preços correntes e os valores de 2001 a preços do ano anterior.

Conforme discutido na seção anterior, segundo o modelo teórico do Supermultiplicador Sraffiano, o consumo induzido consiste no consumo a partir dos salários. Contudo, os dados do Sistema de Contas Nacionais não permitem separar o consumo realizado a partir de salários, das transferências ou dos lucros para calcular a propensão marginal a consumir a partir de cada componente da renda. Já a parcela autônoma do consumo consiste no consumo financiado pelo crédito. Embora os dados de concessões de crédito para pessoa física sejam disponibilizados pelo Banco Central, não é possível identificar o uso das concessões de crédito – isto é, se são destinadas a aquisição de bens de consumo, investimento ou capital de giro. Tendo em vista essas restrições, as hipóteses adotadas são de que o consumo de serviços e de bens não duráveis constituem uma boa proxy para o consumo induzido, ao passo que o consumo de bens duráveis é uma aproximação do consumo financiado por crédito. Essa hipótese já foi adotada em outros trabalhos, como em Serrano e Braga (2006)SERRANO, F.; BRAGA, J. O mito da contração fiscal expansionista nos EUA durante o governo Clinton. Economia e Sociedade, v. 15, n. 2, p. 213-239, 2006. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ecos/article/view/8642908.
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e Freitas e Dweck (2013)FREITAS, F.; DWECK, E. The pattern of economic growth of the Brazilian economy 1970-2005: a demand-led growth perspective. In: LEVRERO, E. S.; PALUMBO, A.; STIRATI, A. (Ed.). Sraffa and the reconstruction of economic theory. London: Palgrave Macmillan, 2013. v. 2, cap. 7, p. 158-191..

Os impostos considerados aqui incluem não apenas os impostos sobre a produção e a importação, líquidos de subsídios – que compõem o PIB pela ótica da renda –, mas também os impostos sobre a renda e patrimônio e as contribuições sociais. As transferências, por sua vez, consistem em pagamentos de benefícios sociais como aposentadorias, pensões, seguro-desemprego, abono salarial, bolsa família, etc.

O valor da propensão marginal a consumir é igual a razão entre o consumo induzido – representado aqui pela soma do consumo de bens não duráveis (CND) e serviços (CS) – e a renda disponível, expressa pela equação 4. Portanto, pode ser expresso pela equação abaixo:

c = C N D + C S Y T + T r (12)

Ainda de acordo com o modelo teórico, o investimento das empresas privadas em P&D (pesquisa e desenvolvimento) deveria ser considerado um gasto autônomo que não cria capacidade, mas neste artigo todo o investimento das empresas privadas será considerado como um gasto induzido. O primeiro motivo para isso é que as informações disponíveis no Sistema de Contas Nacionais não permitem determinar o montante de investimentos em P&D realizados por empresas públicas ou privadas. Em segundo lugar, esses dispêndios não possuem valores expressivos no Brasil e boa parte deles são realizados pela Petrobras, que está incluída no investimento das empresas públicas e consequentemente já está sendo considerado como um gasto autônomo que não cria capacidade para o setor privado.

4 Explicações para o desempenho econômico da economia brasileira

No período entre 2004 e 2010, o PIB brasileiro cresceu em média 4,5% ao ano. A partir de 2011, se inicia um processo de desaceleração e entre 2011 e 2014 a taxa de crescimento média cai para 2,3%. No biênio de 2015 e 2016, a economia brasileira passa por dois anos seguidos de recessão, com o PIB apresentando redução média de 3,4% ao ano durante o período. Por fim, entre 2017 e 2019, se observa um período de baixas taxas de crescimento, com crescimento médio do PIB de 1,4% ao ano. Nesta seção, vou apresentar as principais causas apontadas para a desaceleração econômica do período de 2011 a 2014 e da recessão dos anos de 2015 e 2016. A apresentação feita aqui está organizada em tornos das diferentes causas apontadas, e em cada uma delas são mencionados os autores que defendem, criticam ou discutem esses fatores. Serão apresentadas apenas as causas apontadas por autores do campo da heterodoxia, que utilizam o princípio da demanda efetiva como referência teórica para explicar o nível de produto. As diferentes explicações não são mutuamente exclusivas, e muitos autores citam dois ou mais elementos que se somam para analisar o desempenho econômico do Brasil. Na seção seguinte, vou analisar essas interpretações a partir do modelo do Supermultiplicador, analisando qual foi o peso de cada um desses elementos com base na decomposição realizada.

A primeira explicação da desaceleração e recessão econômica é a austeridade fiscal. Basicamente, a redução do ritmo de crescimento das despesas do governo e dos investimentos das empresas estatais teria contribuído para reduzir o ritmo de crescimento da demanda efetiva.

Alguns autores, como Serrano e Summa (2015)SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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, consideram que já no período de 2011 a 2014 a política fiscal teve uma contribuição importante para reduzir o crescimento em relação ao período anterior, de 2004 a 2010. Por outro lado, outros autores como Carneiro (2018)CARNEIRO, R. Navegando a contravento: uma reflexão sobre o experimento desenvolvimentista do governo Dilma Rousseff. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 1, p. 11-54. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
https://www.eco.unicamp.br/images/arquiv...
, Mello e Rossi (2018)MELLO, G.; ROSSI, P. Do industrialismo à austeridade: a política macro dos governos Dilma. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 7, p. 245-282. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
https://www.eco.unicamp.br/images/arquiv...
, Chernavsky, Dweck e Teixeira (2020)CHERNAVSKY, E.; DWECK, E.; TEIXEIRA, R. A. Descontrole ou inflexão? A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Economia e Sociedade, v. 29, p. 811-834, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2020v29n3art06.
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e Rossi e Mello (2021)ROSSI, P.; MELLO, G. Choque recessivo e a maior crise da história: a economia brasileira em marcha à ré. In: TEIXEIRA, L.; BASTOS, P. P. Z. Conjuntura, estrutura e teoria – o capitalismo contemporâneo nas análises do Cecon (2017-2021). Campinas: Editora CRV Ltda, 2021. cap 1, p. 17-27. consideram que a política fiscal passou a ter um papel relevante apenas a partir de 2015, embora reconheçam que durante o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff houve uma redução da taxa de crescimento dos gastos públicos e uma mudança na política econômica, com menor crescimento dos investimentos públicos (que possuem um elevado efeito multiplicador) e aumento nas desonerações fiscais (que possuem um multiplicador baixo)1 (1) Rossi e Mello (2021) apontam que o investimento das empresas estatais já vinha sofrendo reduções desde 2014, em parte por conta da operação Lava Jato. .

A desaceleração da disponibilização de crédito para as famílias é um segundo fator importante apontado para explicar o mau desempenho econômico a partir de 2011. Carneiro (2018)CARNEIRO, R. Navegando a contravento: uma reflexão sobre o experimento desenvolvimentista do governo Dilma Rousseff. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 1, p. 11-54. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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e Mello e Rossi (2018)MELLO, G.; ROSSI, P. Do industrialismo à austeridade: a política macro dos governos Dilma. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 7, p. 245-282. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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apontam que embora as elevadas taxas de crescimento do crédito no período de 2004 a 2010 tenham sido um importante motor do crescimento, isso resultou num aumento do endividamento das famílias, o que impossibilitou que as concessões de crédito continuassem crescendo no mesmo ritmo que antes, o que é interpretado por esses autores como uma reversão endógena do ciclo de crédito. Serrano e Summa (2015)SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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, por sua vez, ressaltam que para que o crédito pudesse continuar aumentando no mesmo ritmo a partir de 2011, seria preciso a) que as taxas de juros das principais linhas de crédito para as famílias continuassem numa tendência de queda, enquanto que a renda das famílias continuasse crescendo ao menos no mesmo ritmo que antes, b) que o prazo médio dos empréstimos continuasse aumentando, e c) que o emprego formal continuasse crescendo, para que novas famílias pudessem ser incorporadas ao mercado de crédito. Contudo, entre 2010 e 2011, o Banco Central aumentou a taxa básica de juros e tomou uma série de medidas macroprudenciais visando conter o aumento do crédito e reduzir o ritmo de crescimento da demanda efetiva, impedindo que as condições mencionadas acima fossem atendidas.

A partir do final de 2014, o Banco Central iniciou um novo ciclo de aumento da taxa básica de juros, um elemento adicional que prejudicou o crescimento do crédito a partir de 2015. Segundo Serrano e Summa (2015)SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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, Carneiro (2018)CARNEIRO, R. Navegando a contravento: uma reflexão sobre o experimento desenvolvimentista do governo Dilma Rousseff. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 1, p. 11-54. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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, Mello e Rossi (2018)MELLO, G.; ROSSI, P. Do industrialismo à austeridade: a política macro dos governos Dilma. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 7, p. 245-282. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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e Rossi e Mello (2021)ROSSI, P.; MELLO, G. Choque recessivo e a maior crise da história: a economia brasileira em marcha à ré. In: TEIXEIRA, L.; BASTOS, P. P. Z. Conjuntura, estrutura e teoria – o capitalismo contemporâneo nas análises do Cecon (2017-2021). Campinas: Editora CRV Ltda, 2021. cap 1, p. 17-27., esse aperto monetário foi um dos elementos que contribuiu para a recessão dos anos de 2015 e 2016, o que parece ser um ponto mais consensual entre esses autores.

Um terceiro elemento apontado é o agravamento da situação da economia mundial a partir da crise financeira internacional que teve início em 2008, cujos canais de transmissão seriam tanto uma redução do crescimento das exportações brasileiras decorrente da desaceleração do comércio mundial quanto uma piora nas condições de financiamento do Brasil. Serrano e Summa (2015)SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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e Chernavsky, Dweck e Teixeira (2020)CHERNAVSKY, E.; DWECK, E.; TEIXEIRA, R. A. Descontrole ou inflexão? A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Economia e Sociedade, v. 29, p. 811-834, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2020v29n3art06.
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mencionam a desaceleração das exportações brasileiras como um fator relevante, embora os primeiros ressaltem que como as exportações possuem um peso relativamente pequeno na demanda total, estas não são capazes de explicarem sozinhas a desaceleração econômica.

Carneiro (2018)CARNEIRO, R. Navegando a contravento: uma reflexão sobre o experimento desenvolvimentista do governo Dilma Rousseff. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 1, p. 11-54. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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chama a atenção do segundo canal como sendo algo que reduziu a autonomia da política econômica brasileira, embora esse não seja um ponto consensual. Serrano e Summa (2015)SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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ressaltam que desde 2003 o crescimento doméstico não tem sido restrito à disponibilidade de divisas internacionais porque uma série de fatores fez com que a restrição externa do país tenha sido bastante flexibilizada a partir de então, tais como o acúmulo de reservas internacionais e o aumento da parcela do passivo externo denominado em moeda doméstica, o que faz com que o risco cambial fique com os detentores dos ativos.

O quarto motivo apontado se deve a um aumento do conteúdo importado da economia brasileira, o que teria feito com que uma parcela crescente da demanda doméstica vazasse para o exterior, de forma que o crescimento do produto passou a ser menor que o crescimento da demanda doméstica, contribuindo para a desaceleração econômica. Para autores como Carneiro (2018)CARNEIRO, R. Navegando a contravento: uma reflexão sobre o experimento desenvolvimentista do governo Dilma Rousseff. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 1, p. 11-54. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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, Mello e Rossi (2018)MELLO, G.; ROSSI, P. Do industrialismo à austeridade: a política macro dos governos Dilma. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 7, p. 245-282. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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, e Sarti e Hiratuka (2018)SARTI, F.; HIRATUKA, C. Desempenho recente da indústria brasileira no contexto de mudanças estruturais domésticas e globais. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 4, p. 127-170. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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, esse processo está relacionado à inserção produtiva e financeira do Brasil na economia mundial. A forma como o país se inseriu nas cadeias globais de valor teria gerado um processo de especialização regressiva, com aumento do peso dos setores intensivos em recursos naturais, bem como um desmanche das cadeias produtivas domésticas e aumento da parcela de insumos importados. Além disso, a inserção financeira combinada com as elevadas taxas de juros vigentes no país teria provocado uma sobrevalorização da moeda doméstica até 2011, que também contribuiu para o aumento do coeficiente importado e comprometido à estrutura produtiva. Sarti e Hiratuka (2018, p. 140-141)SARTI, F.; HIRATUKA, C. Desempenho recente da indústria brasileira no contexto de mudanças estruturais domésticas e globais. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 4, p. 127-170. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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são bastante enfáticos em dizer que no período de 2011 a 2014, a estagnação da produção industrial não se deveu à insuficiência de demanda e sim ao vazamento da demanda para fora. Já Marconi (2017)MARCONI, N. O papel dos preços macroeconômicos na crise e na recuperação. Estudos Avançados, v. 31, p. 97-109, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890011.
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, por exemplo, atribui esse processo a um desajustamento dos preços macroeconômicos do país. A autoridade monetária manteria taxas de juros elevadas com os objetivos de controlar a inflação e atrair capitais externos para suprir a falta de poupança doméstica do país, o que provocaria a apreciação da moeda doméstica.

Serrano e Summa (2015)SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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, por sua vez, defendem que a desaceleração das exportações brasileiras pode ser explicada em boa medida pela desaceleração do comércio mundial, ao passo que a sobrevalorização cambial e problemas na estrutura produtiva doméstica não teriam um papel relevante. Embora esses autores reconheçam que tenha ocorrido um aumento da parcela da demanda total atendida por importações a partir de 2009, esse aumento não teria tido uma magnitude expressiva a ponto de ser importante para explicar a desaceleração econômica.

Por fim, a quinta explicação atribui o mau desempenho econômico à desaceleração do investimento privado, que teria sido provocado tanto por uma redução das taxas de lucro quanto por um aumento das incertezas. Segundo Martins e Rugitsky (2021)MARTINS, G. K.; RUGITSKY, F. The long expansion and the profit squeeze: output and profit cycles in Brazil (1996–2016). Review of Radical Political Economics, v. 53, n. 3 p. 373-397, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1177%2F0486613420982083.
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, o período de crescimento e redução do desemprego que durou até 2010 resultou num aumento do poder de barganha dos trabalhadores, que foi acompanhado por um aumento da parcela dos salários na renda e consequentemente uma redução das margens de lucro das empresas, o que acabou por desestimular o investimento privado. Para Marconi (2017)MARCONI, N. O papel dos preços macroeconômicos na crise e na recuperação. Estudos Avançados, v. 31, p. 97-109, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890011.
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, o processo de desequilíbrio dos preços macroeconômicos mencionado anteriormente, caracterizado por taxas de juros elevadas e câmbio sobrevalorizado, comprimiu a lucratividade dos novos investimentos, em especial a do setor industrial. Chernavsky, Dweck e Teixeira (2020)CHERNAVSKY, E.; DWECK, E.; TEIXEIRA, R. A. Descontrole ou inflexão? A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Economia e Sociedade, v. 29, p. 811-834, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2020v29n3art06.
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e Rossi e Mello (2021)ROSSI, P.; MELLO, G. Choque recessivo e a maior crise da história: a economia brasileira em marcha à ré. In: TEIXEIRA, L.; BASTOS, P. P. Z. Conjuntura, estrutura e teoria – o capitalismo contemporâneo nas análises do Cecon (2017-2021). Campinas: Editora CRV Ltda, 2021. cap 1, p. 17-27. enumeram outros fatores que também teriam contribuído para reduzir a taxa de lucro e influenciado negativamente o investimento. Chernavsky, Dweck e Teixeira (2020)CHERNAVSKY, E.; DWECK, E.; TEIXEIRA, R. A. Descontrole ou inflexão? A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Economia e Sociedade, v. 29, p. 811-834, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2020v29n3art06.
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elencam fatores como a) a desvalorização cambial, que aumentou os custos dos insumos importados, além de ter gerado prejuízos financeiros para as firmas que possuíam dívidas em dólares2 (2) Marconi ressalta os efeitos negativos da valorização cambial sobre a lucratividade num horizonte mais longo de tempo que se inicia nos anos 1980, enquanto Chernavsky, Dweck e Teixeira (2020) se referem aos efeitos num horizonte de tempo mais curto do processo de desvalorização cambial que tem início em 2012. , b) os aumentos da taxa básica de juros, e c) os aumentos dos preços monitorados em 2015, que também provocaram um aumento do custo das empresas. Ainda segundo esses autores, mudanças nos marcos regulatórios de diversos setores, bem como as indefinições em relação às políticas de preços monitorados, o aumento da volatilidade cambial e o aumento da instabilidade política teriam aumentado a incerteza em torno das expectativas das empresas, contribuindo também para reduzir o crescimento do investimento privado. Rossi e Mello (2021)ROSSI, P.; MELLO, G. Choque recessivo e a maior crise da história: a economia brasileira em marcha à ré. In: TEIXEIRA, L.; BASTOS, P. P. Z. Conjuntura, estrutura e teoria – o capitalismo contemporâneo nas análises do Cecon (2017-2021). Campinas: Editora CRV Ltda, 2021. cap 1, p. 17-27., por sua vez, apontam que o processo de desvalorização da moeda nacional que ocorreu desde o segundo semestre de 2014; prejudicou o investimento privado de duas formas: a) através dos seus impactos sobre os custos das empresas e sobre seus balanços patrimoniais (mecanismo semelhante ao apontado por Chernavsky; Dweck; Teixeira, 2020CHERNAVSKY, E.; DWECK, E.; TEIXEIRA, R. A. Descontrole ou inflexão? A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Economia e Sociedade, v. 29, p. 811-834, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2020v29n3art06.
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) e b) através de um encarecimento dos bens de capital que compõem a cesta de investimento das empresas.

Serrano e Summa (2018)SERRANO, F.; SUMMA, R. Conflito distributivo e o fim da “breve era de ouro” da economia brasileira. Novos Estudos Cebrap, v. 37, p. 175-189, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.25091/S01013300201800020002.
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também discutem a relação entre o investimento e a parcela dos lucros na renda, porém apresentam uma visão alternativa à dos autores discutidos no parágrafo anterior. O argumento desses autores é que o investimento produtivo é realizado para adequar o tamanho da capacidade produtiva à demanda esperada. Enquanto a rentabilidade esperada se mantiver acima da rentabilidade mínima exigida pelos capitalistas, reduções da parcela dos lucros na renda – e consequentemente, da taxa de lucro esperada dos novos investimentos – não têm, por si só, um efeito negativo sobre o investimento. Dessa forma, caso um capitalista individualmente se recuse a investir diante de um aumento da demanda, ele corre o risco de perder sua parcela de mercado para seus concorrentes.

Ainda segundo Serrano e Summa (2018)SERRANO, F.; SUMMA, R. Conflito distributivo e o fim da “breve era de ouro” da economia brasileira. Novos Estudos Cebrap, v. 37, p. 175-189, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.25091/S01013300201800020002.
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, a redução do ritmo de crescimento do investimento produtivo observada a partir de 2011 foi resultado da redução das taxas de crescimento da demanda efetiva. Embora o processo de aumentos dos salários reais acima da produtividade – que pressionaram as taxas de lucro esperadas sobre os novos investimentos – não tenha afetado diretamente o investimento, ele fez com que os empresários pressionassem o governo a mudar a política econômica, visando solucionar o conflito distributivo a favor dos lucros.

A Figura 4, apresentada na seção seguinte, mostra que o investimento induzido parece se comportar conforme previsto pelo modelo do Supermultiplicador, com sua taxa de crescimento respondendo a mudanças na taxa de crescimento do produto. Entretanto, a decomposição realizada neste estudo não permite captar a relação de causalidade entre produto e investimento. Uma investigação sobre isso pode ser encontrada em Braga (2020)BRAGA, J. Investment rate, growth, and the accelerator effect in the supermultiplier model: the case of Brazil. Review of Keynesian Economics, v. 8, n. 3, p. 454-466, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.4337/roke.2020.03.08.
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, que analisa se o investimento que cria capacidade produtiva no Brasil pode ser explicado a partir do modelo do Supermultiplicador e do mecanismo de ajustamento da capacidade à demanda esperada. Os testes dão suporte ao modelo, indicando que a) as taxas de crescimento do PIB é que explicam a parcela do investimento induzido no PIB, e b) as taxas de crescimento da demanda final explicam o crescimento do investimento. Além disso, as estimativas não encontram nenhum tipo de quebra ou dummy nas séries nos anos em que estamos considerando aqui, o que parece excluir a hipótese de que outros fatores (tais como a rentabilidade das empresas ou o grau de incerteza) tenham tido um papel importante para explicar o investimento.

Uma vez apresentadas brevemente, essas cinco explicações da desaceleração e recessão econômica brasileira subsequente, é possível analisar como cada uma delas pode ser incorporada no modelo. Todas as três primeiras interpretações (austeridade fiscal, desaceleração da disponibilização de crédito para as famílias e queda da taxa de crescimento das exportações) explicam o mau desempenho econômico através da queda da taxa de crescimento de algum componente dos gastos autônomos: a) os gastos públicos e os investimentos das estatais, no caso da tese da austeridade, b) o crédito para as famílias, e c) as exportações. A quarta interpretação, que enfatiza o aumento do conteúdo importado e o vazamento da demanda para fora, aponta que o Brasil teria sofrido um processo de desindustrialização e desmanche das cadeias produtivas domésticas. Em termos do nosso modelo, isso corresponde a um aumento do parâmetro m, que provocaria uma redução gradual do valor do Supermultiplicador. Por último, a quinta interpretação considera que o investimento produtivo das empresas privadas teria sido negativamente impactado pela redução das taxas de lucro ou por um aumento da incerteza, atribuindo a desaceleração e posterior recessão econômica à queda das taxas de crescimento do investimento das empresas privadas. Entretanto, conforme foi discutido acima, essa interpretação apresenta uma divergência teórica em relação ao modelo do Supermultiplicador Sraffiano, pois neste modelo, o investimento das empresas é visto como um gasto induzido, e é o crescimento da demanda que determina o crescimento do investimento das empresas, e não o contrário. Portanto, essa explicação não será levada em conta na decomposição que será apresentada a seguir.

5 Resultados da decomposição e interpretação

Nesta seção, apresentarei alguns dos resultados mais básicos do modelo e em seguida analisarei quais das explicações mencionadas acima tiveram maior relevância.

5.1 Resultados resumidos da decomposição

O Gráfico 1 mostra a taxa de crescimento do PIB, bem como a contribuição para o crescimento a) do crescimento dos gastos autônomos e b) de mudanças no supermultiplicador. Como podemos ver, boa parte das oscilações no produto são acompanhadas por oscilações nos gastos autônomos, um resultado importante do modelo do Supermultiplicador. No período entre 2001 e 2008, as mudanças no supermultiplicador tem uma contribuição negativa para o crescimento. Segue-se a isso um período de oscilação entre 2009 e 2010 (anos da Crise Financeira Internacional e posterior recuperação) e a partir de 2011, as mudanças no supermultiplicador têm contribuição próxima de zero.

Gráfico 1
Taxa de crescimento do PIB e contribuições para o crescimento

O Gráfico 2 mostra o valor do supermultiplicador e de seus componentes ( e ). Como podemos ver, o valor do supermultiplicador permaneceu relativamente estável, oscilando entre 1,70 e 1,80 durante o período considerado, o que significa, inversamente, que os gastos autônomos representam cerca de 55% do PIB.

Gráfico 2
Supermultiplicador e seus componentes, a preços correntes

Conforme discutido na seção anterior, segundo o modelo do Supermultiplicador Sraffiano, existe uma relação positiva entre a taxa de crescimento do PIB e a parcela do investimento induzido, e as flutuações na taxa de crescimento desse investimento seguem as flutuações da taxa de crescimento do PIB, porém com intensidade maior. Os gráficos 3 e 4 ilustram essas duas relações e parecem mostrar um resultado compatível com os esperados pelo modelo.

Gráfico 3
Taxa de crescimento e parcela do investimento induzido
Gráfico 4
Taxa de crescimento do PIB e do investimento induzido

Embora estes resultados não constituam um teste de causalidade no sentido econométrico, esses primeiros resultados sugerem que os fatos estilizados da economia brasileira estão de acordo com o previsto pelo modelo teórico do Supermultiplicador Sraffiano3 (3) Vale ressaltar que uma relação positiva entre taxa de crescimento do produto e taxa de crescimento do investimento produtivo é um fato estilizado comum a outras teorias do crescimento liderado pela demanda, e não apenas do modelo do Supermultiplicador Sraffiano. Entretanto, para os modelos de Cambridge, Neo Kaleckianos e Neo Marxistas, é a taxa de crescimento do investimento que explica a taxa de crescimento do produto, enquanto no modelo do Supermultiplicador, a causalidade é inversa. . Sendo assim, me parece razoável proceder utilizando os resultados da decomposição para explicar a trajetória econômica do Brasil no século XXI, analisando quais das explicações discutidas na quarta seção tiveram maior relevância.

5.2 Análise das diferentes explicações

Como vimos que as flutuações no PIB seguem as flutuações nos gastos autônomos, a partir de agora esses gastos serão estudados em mais detalhes para compreender melhor quais foram os principais determinantes do desempenho econômico em cada período. Farei uma distinção entre quatro períodos: a) de 2004 a 2010, que foi um período de crescimento relativamente elevado, b) de 2011 a 2014, caracterizado por uma desaceleração do crescimento, c) 2015 e 2016, dois anos consecutivos de recessão, e d) de 2017 a 2019, período caracterizado por baixo crescimento e já com a vigência do teto de gastos. Embora o principal interesse desse trabalho seja nos períodos a partir de 2011, é útil olhar também para os anos de 2004 a 2010 para poder comparar os períodos posteriores com esses anos de melhor desempenho econômico. O período de 2001 a 2003 não será analisado neste artigo.

Os gastos autônomos são classificados em três grupos: a) gastos autônomos públicos, que são compostos pelo consumo do governo, investimento do governo, investimento das empresas públicas e consumo a partir das transferências, b) gastos autônomos privados, que são a soma do consumo autônomos das famílias e de seu investimento residencial, e c) gastos autônomos externos, que consistem nas exportações.

Os gastos públicos representam a maior parcela dos gastos autônomos, com peso médio de 60,6% no período de 2004 a 2019 (já ponderando o peso das transferências pela propensão a consumir). Já as exportações e os gastos privados têm participações médias ou menores, de 23,2% e 16,2%, respectivamente. Como podemos ver no Gráfico 5, esses pesos não sofrem grandes variações ao longo do tempo. É válido ressaltar também que mudanças na composição dos gastos autônomos se devem não apenas a diferenças nas taxas de crescimento entre seus diferentes componentes, mas também a mudanças nos preços relativos. Assim, mudanças nos preços relativos das exportações explicam uma parcela expressiva do declínio do peso desses gastos entre 2004 e 2009, por exemplo.

Gráfico 5
Participação dos componentes dos gastos autônomos, a preços correntes

Esse primeiro resultado já sugere que é improvável que as exportações ou os gastos autônomos privados consigam puxar o crescimento sozinhos por vários anos, devido ao seu peso relativamente pequeno no total dos gastos autônomos.

A partir da decomposição que foi feita, é possível calcular, para cada ano, a contribuição para o crescimento do aumento de cada tipo de gasto autônomo, bem como a contribuição de mudanças na propensão a consumir, a investir, na parcela dos impostos no produto e no conteúdo importado. Com base nessas contribuições, podemos ver qual foi a importância de cada uma das explicações apontadas na seção anterior (austeridade fiscal, desaceleração do crédito, desaceleração das exportações e aumento do conteúdo importado). Conforme discutido na seção supracitada, a tese que enfatiza a redução do investimento das empresas como explicação para a evolução do produto não é compatível com o modelo do Supermultiplicador Sraffiano, portanto seu peso não será medido na decomposição.

Primeiramente, serão apresentadas e discutidas as contribuições para o crescimento da variação de cada um dos três grupos que compõem os gastos autônomos (gastos públicos, gastos privados e gastos externos), e em seguida cada um desses grupos será discutido em maior nível de detalhe. Depois disso, serão apresentadas as contribuições de mudanças dos parâmetros que compõem o supermultiplicador (isto é, os parâmetros c, h, t e m), seguidas por uma discussão mais aprofundada sobre a evolução do conteúdo importado da demanda, elemento apontado como uma das possíveis causas do baixo crescimento da economia brasileira.

O Gráfico 6 mostra a contribuição média, em pontos percentuais, que cada grupo de gastos autônomos teve para o crescimento em cada um dos quatro períodos que estamos considerando, enquanto o Gráfico 7 mostra a contribuição de cada um desses grupos como percentual do crescimento do PIB. Como se pode ver no Gráfico 6, entre os períodos de 2004 a 2010 e 2011 a 2014, houve uma redução da contribuição de todos os grupos de gastos autônomos para o crescimento, embora em média todos esses três grupos ainda tivessem uma contribuição positiva. Essa redução da contribuição dos gastos autônomos também se observa quando analisada em termos de percentual do crescimento (Gráfico 7), sendo possível notar uma redução da contribuição dos gastos públicos e das exportações como percentual do crescimento total. Em 2015 e 2016, os gastos públicos e os gastos autônomos privados tiveram uma expressiva contribuição negativa para o crescimento, enquanto a contribuição das exportações aumentou, o que ajudou a atenuar a queda do PIB nesses anos. Vale ressaltar que a interpretação dos dados do Gráfico 7 para o biênio de 2015-2016 deve ser feita com cuidado, pois como o crescimento foi negativo nesse período, as contribuições positivas dos gastos públicos e dos gastos autônomos privados significam que as evoluções desses gastos contribuíram para a redução do PIB, e vice-versa para as exportações. Por último, no período de 2017 a 2019, os gastos públicos e os gastos autônomos privados voltaram a ter contribuições positivas, mas pequenas. As exportações, por sua vez, mantiveram sua contribuição positiva, embora na média um pouco menor do que nos anos de 2015 e 2016. É interessante notar que embora nesse último período a contribuição dos gastos públicos em pontos percentuais tenha sido menor do que fora entre 2004 e 2010, sua contribuição em termos de percentual de crescimento foi bastante elevada (próxima de 80%), uma vez que o crescimento médio da economia foi menor.

Gráfico 6
Contribuição dos componentes dos gastos autônomos para o crescimento, em pontos percentuais, média por período
Gráfico 7
Contribuição dos componentes dos gastos autônomos para o crescimento, em percentual do crescimento do PIB, média por período

A contribuição dos gastos públicos para o crescimento cai de 2,8 pontos percentuais (pp) entre 2004 e 2010 para 1,1 pp entre 2011 e 2014, sendo o componente dos gastos autônomos cuja contribuição teve a maior queda nesse período. Embora os investimentos do governo e das empresas públicas tenham um peso pequeno nos gastos autônomos, suas elevadas taxas de crescimento entre 2004 e 2010 fizeram com que tivessem uma contribuição relevante para o crescimento do PIB nesse período. Contudo, de 2011 a 2014, os investimentos do governo estagnaram (crescimento médio de 0,6% ao ano), enquanto os investimentos das empresas estatais apresentaram uma queda no acumulado do período (redução média de -7,3% ao ano). A contribuição das despesas de consumo do governo também apresentou redução, enquanto a contribuição das transferências permaneceu praticamente estável. Isso evidencia que já nesse período, a redução do ritmo de crescimento dos gastos públicos teve grande importância para a desaceleração econômica, conforme defendido por Serrano e Summa (2015)SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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.

Nos anos de 2015 e 2016, as contrações dos investimentos do governo e das empresas públicas tiveram uma expressiva contribuição para a queda do PIB, com destaque para a Operação Lava Jato, que fez com que diversos projetos de investimentos da Petrobras fossem interrompidos. As transferências, por sua vez, foram o único grupo de gastos públicos que apresentaram variação positiva no período e consequentemente tiveram contribuição positiva para o crescimento.

Por fim, de 2017 a 2019, os gastos públicos deixam de cair e voltaram a apresentar algum crescimento. Vale lembrar que nesses anos, o teto de gastos já estava em vigor, o que acaba por impor muitas restrições ao crescimento real do gasto público, especialmente os do governo federal. Algumas medidas pontuais fizeram com que a contribuição dos gastos públicos fosse maior em alguns anos específicos. Um exemplo disso foi a liberação dos saques das contas inativas do FGTS realizada em 2017, que fez com que as transferências aumentassem 9,6% nesse ano e apresentassem uma contribuição de 2,1 pp para o crescimento, a maior contribuição desse componente em todo o período analisado na decomposição. Um aumento dessa magnitude nas transferências foi possível pois essa liberação dos saques não estava restrita pelo teto de gastos, embora não seja uma medida que possa ser repetida todos os anos.

Já em 2018, um aumento dos investimentos da Petrobras fez com que os investimentos das estatais tivessem uma contribuição expressiva, de 0,9 pp. Entretanto, esse aumento dos investimentos da Petrobras se deve, em boa medida, a mudanças no Repetro que ocorreram em 2018, dando incentivos fiscais para que a Petrobras nacionalizasse plataformas de petróleo que estavam na posse de subsidiárias estrangeiras, o que foi contabilizado como uma importação que tem como uso a Formação Bruta de Capital Fixo4 (4) Para mais detalhes sobre o que é o Repetro, as mudanças que ocorreram em 2018 e as implicações disso para o Sistema de Contas Nacionais, ver Olinto et al. (2021). . O problema reside no fato de que essa operação não significou uma entrada em operação de novas plataformas, mas apenas uma mudança da propriedade legal desses ativos de um país para outro. Portanto, essa elevada contribuição da Petrobras para o crescimento no ano de 2018 deve ser interpretada com cuidado. Vale ressaltar também que como todo esse investimento é importado, o impacto disso sobre o PIB é nulo, uma limitação que não é captada pela decomposição feita aqui. O Gráfico 8 mostra a contribuição dos gastos autônomos públicos e de cada um de seus componentes para o crescimento.

Gráfico 8
Contribuição dos gastos autônomos públicos e de seus componentes para o crescimento

Analisarei agora a contribuição dos gastos autônomos privados para o crescimento, dentre os quais as concessões de crédito têm um papel muito importante. Conforme foi discutido na segunda seção, embora o crédito seja um gasto que introduz novo poder de compra na economia, ele pode ser parcialmente induzido pelo nível de produto. A metodologia adotada aqui não traz consigo uma explicação dos determinantes das concessões de crédito que permita separarmos qual parcela do crédito é induzida pelo produto e qual parcela pode ser considerada como autônoma. Portanto, sem estudos adicionais não é possível saber se os fatores mais relevantes para os aumentos ou reduções das concessões de crédito foram o nível do endividamento das famílias em cada período, as mudanças nas taxas de juros ou a própria taxa de crescimento da economia, na medida em que isso impacta a criação de empregos formais5 (5) Uma discussão mais detalhada sobre os determinantes da evolução do crédito no Brasil nos anos 2000 pode ser vista em Lima, Pimentel e Bastos (2019). Dentre esses determinantes, os autores destacam o importante papel dos empregos formais. . Sendo assim, é importante levar em consideração que as contribuições dos gastos autônomos privados para o crescimento calculadas aqui consideram que todo o investimento das famílias em construção e seu consumo de bens duráveis estão sendo tratados como autônomos. Caso pudéssemos separar o componente induzido do componente autônomo, as contribuições do aumento desses gastos provavelmente seriam menores – e nos anos de recessão, seriam menos negativas. O Gráfico 9 mostra a contribuição dos gastos autônomos privados e de cada um de seus componentes para o crescimento.

Gráfico 9
Contribuição dos gastos autônomos privados e de seus componentes para o crescimento

A contribuição dos gastos autônomos privados se torna importante a partir de 2004. Em termos do nosso modelo, isso é captado pelo consumo de bens duráveis, que apresentou crescimento médio em volume de 13,1% ao ano entre 2004 e 2010. Como já mencionado na seção anterior, esse processo foi possibilitado pela redução dos juros, pelo aumento do emprego formal e por mudanças regulatórias, tais como a criação do crédito consignado, uma modalidade de empréstimos cujos serviços da dívida são descontados diretamente do salário ou do benefício previdenciário do tomador da dívida. Entre 2009 e 2013, o investimento residencial das famílias também teve contribuições relevantes, impulsionado pelo programa residencial Minha casa minha vida e pela expansão do crédito habitacional.

Conforme ressaltado por vários autores (Serrano; Summa, 2015SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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; Carneiro, 2018CARNEIRO, R. Navegando a contravento: uma reflexão sobre o experimento desenvolvimentista do governo Dilma Rousseff. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 1, p. 11-54. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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; Mello; Rossi, 2018MELLO, G.; ROSSI, P. Do industrialismo à austeridade: a política macro dos governos Dilma. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 7, p. 245-282. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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), a partir de 2011 o crédito desacelera, o que fez com que a contribuição dos gastos autônomos privados começasse a declinar até se tornar negativa a partir de 2014. Depois de ter uma contribuição média para o crescimento de 1,3 pp entre 2004 e 2010, essa contribuição se reduz a 0,6 pp entre 2011 e 2014, e nos anos de 2015 e 2016, sua contribuição se torna bastante negativa (contribuição média de -1,7 pp durante o biênio), em meio a um cenário de recessão e aumento da taxa básica de juros.

A partir de 2017, o consumo de bens duráveis volta a crescer e a ter contribuições positivas, influenciado pela retomada do crescimento econômico (ainda que num ritmo bem menor que na década anterior) e pela redução dos juros. É válido ressaltar também que embora o presente modelo utilize a hipótese de que o consumo induzido a partir das transferências seja apenas em serviços e bens de consumo não duráveis, é razoável supor que parte dos recursos provenientes da liberação dos saques do FGTS que ocorreu em 2017 foram utilizados para comprar bens duráveis ou para quitar dívidas e tomar novos financiamentos, de forma que parte do aumento do consumo de bens duráveis nesse ano pode ser na realidade um reflexo do aumento das transferências.

Por último, vamos analisar o papel das exportações. Nos primeiros anos do período que estamos analisando, as exportações têm uma contribuição relevante para o crescimento do PIB, de pelo menos 1,3 pp em cada um desses anos. A partir de 2008, ano da Crise Financeira Internacional, esse cenário muda e as exportações passam a ter um papel bem menor para o crescimento – com exceção do ano de 2010, quando as exportações cresceram 11,7%, se recuperando da queda de 9,2% em 2009. Sua contribuição média passou de 1,4 pp entre 2004 e 2010 para apenas 0,3 pp entre 2011 e 2014. No biênio de 2015 e 2016, a contribuição das exportações aumenta para 0,8 pp, atenuando a queda do PIB. Por fim, entre 2017 e 2019 o cenário não se altera muito e essa contribuição média passa para 0,4 pp. Portanto, esses resultados encontram-se alinhados ao que foi levantado por outros autores, como Serrano e Summa (2015)SERRANO, F.; SUMMA, R. Aggregate demand and the slowdown of Brazilian economic growth in 2011-2014. Nova Economia, v. 25, p. 803-833, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-6351/3549.
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e Chernavsky, Dweck e Teixeira (2020)CHERNAVSKY, E.; DWECK, E.; TEIXEIRA, R. A. Descontrole ou inflexão? A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Economia e Sociedade, v. 29, p. 811-834, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2020v29n3art06.
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. O Gráfico 10 mostra a contribuição das exportações para o crescimento.

Gráfico 10
Contribuição das exportações para o crescimento

Esse resultado mede o efeito das exportações sobre a demanda efetiva, mas não é capaz de explicar quanto da evolução das exportações é explicada pelo crescimento do comércio ou do PIB mundial e quanto é explicada por mudanças na competitividade dos produtos brasileiros em relação aos outros países, que por sua vez podem ser oriundos tanto de mudanças na taxa de câmbio quanto de ganhos de produtividade. Portanto, são necessários estudos adicionais para saber ao certo quais são os principais fatores que explicam o menor ritmo de crescimento das exportações a partir de 2008 – isto é, em que medida isso é explicado pelo menor ritmo de crescimento do comércio mundial, pela valorização cambial ocorrida entre 2003 e 2011 ou por outros fatores que possam ter influenciado a competitividade externa da produção nacional6 (6) Para mais detalhes sobre os determinantes das exportações brasileiras, ver Padrón et al. (2015). Os resultados obtidos por esses autores indicam que as exportações brasileiras são pouco sensíveis à desvalorizações da taxa de câmbio real. .

Vamos analisar a seguir as contribuições das mudanças dos parâmetros que compõem o supermultiplicador para o crescimento. O Gráfico 11 mostra este processo em pontos percentuais, enquanto o Gráfico 12 mostra essas contribuições como percentual do crescimento do PIB. No período entre 2004 e 2010, o aumento do coeficiente importado teve uma contribuição negativa para o crescimento. Já no período seguinte, o único parâmetro do supermultiplicador que teve uma contribuição importante para o crescimento foi o aumento da propensão a consumir, explicado provavelmente por um aumento da parcela dos salários na renda. No biênio 2015-2016, a redução do conteúdo importado teve expressiva contribuição positiva para o crescimento, enquanto a redução da parcela do investimento induzido teve contribuição negativa. Por fim, na média dos anos de 2017 a 2019, o aumento do conteúdo importado teve uma contribuição negativa de 0,8 pp para o crescimento. Como esse foi um período de baixo crescimento, quando analisamos essa contribuição em termos de percentual do crescimento, vemos que essa contribuição do aumento do conteúdo importado foi expressiva, representando -55,1% do crescimento do período.

Gráfico 11
Contribuição das mudanças dos parâmetros do supermultiplicador para o crescimento, em pontos percentuais, média por período
Gráfico 12
Contribuição das mudanças dos parâmetros do supermultiplicador para o crescimento, em percentual do crescimento do PIB, média por período

Com isso, podemos discutir mais a fundo a quarta explicação apontada para a desaceleração e a recessão econômica brasileira discutida na quarta seção, presente em Carneiro (2018)CARNEIRO, R. Navegando a contravento: uma reflexão sobre o experimento desenvolvimentista do governo Dilma Rousseff. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 1, p. 11-54. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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, Marconi (2017)MARCONI, N. O papel dos preços macroeconômicos na crise e na recuperação. Estudos Avançados, v. 31, p. 97-109, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890011.
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, Mello e Rossi (2018)MELLO, G.; ROSSI, P. Do industrialismo à austeridade: a política macro dos governos Dilma. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 7, p. 245-282. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
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e Sarti e Hiratuka (2018)SARTI, F.; HIRATUKA, C. Desempenho recente da indústria brasileira no contexto de mudanças estruturais domésticas e globais. In: CARNEIRO, R.; BALTAR, P.; SARTI, F. (Org.). Para além da política econômica. São Paulo: Editora Unesp, 2018, cap. 4, p. 127-170. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/para-alem-da-politica-economica.pdf.
https://www.eco.unicamp.br/images/arquiv...
. Esses autores argumentam que uma das causas da desaceleração econômica foi o aumento do coeficiente importado, que fez com que os aumentos da demanda vazassem para o exterior. Conforme visto nos parágrafos acima, é certo que houve uma redução da taxa de crescimento dos gastos autônomos a partir de 2011, de forma que não é possível atribuir a desaceleração no período entre 2011 e 2014 apenas ao vazamento de demanda para o exterior. Além disso, conforme vimos no Gráfico 11, os únicos períodos em que mudanças no coeficiente importado tiveram contribuições negativas expressivas para o crescimento foram entre os anos de 2004 a 2010 (quando tiveram contribuição anual média de -1,8pp) e entre 2017 e 2019 (quando tiveram contribuição anual média de -0,8 pp). Curiosamente, o período entre 2004 e 2010, no qual a contribuição negativa das mudanças no conteúdo importado foi maior, foi justamente o período em que a economia brasileira apresentou taxas de crescimento mais elevadas. No período de desaceleração entre 2011 e 2014, as mudanças desse parâmetro tiveram contribuições pequenas (média de anual de -0,3 pp), seguido por expressivas contribuições positivas justamente nos anos da recessão de 2015 e 2016 (contribuição média de 2,3 pp por ano). Esses resultados merecem alguns comentários.

Conforme mencionado na segunda seção, os coeficientes de conteúdo importado são diferentes para cada componente da demanda final, embora na decomposição apresentada aqui supusemos que o conteúdo importado é igual para todos os gastos. A Formação Bruta de Capital Fixo é o componente da demanda final com o maior conteúdo importado (segundo estimativas de fevereiro de 2016FEVEREIRO, J. B. R. T. Decomposição da taxa de crescimento do PIB pelo lado da demanda: uma metodologia alternativa. Carta de Conjuntura IPEA, abr. 2016 Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/160627_carta_conjuntura30_nota_tecnica_2.pdf.
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). Sabemos também que os principais componentes da Formação Bruta de Capital Fixo são os investimentos em máquinas, em equipamentos e em construção7 (7) No ano de 2019, os investimentos em construção representavam 44,4% do total da Formação Bruta de Capital Fixo, enquanto os investimentos em máquinas e equipamentos constituíam 40,9% desse total. . Como o comércio internacional de produtos da construção é pequeno e concentrado nos serviços especializados da área, é razoável assumir que o conteúdo importado dos investimentos em máquinas e equipamentos é que é elevado, enquanto o conteúdo importado dos investimentos em construção é baixo. Além disso, uma parte considerável dos investimentos em construção são realizados pelas famílias e pelo governo – que estão sendo considerados como gastos autônomos no nosso modelo, – o que significa que o investimento induzido que cria capacidade para o setor privado deve ser bastante concentrado em máquinas e equipamentos. Como os investimentos em máquinas e equipamentos possuem um conteúdo importado elevado, o investimento induzido também deve ter um conteúdo importado elevado, de forma que o crescimento das importações provavelmente é influenciado pela trajetória do investimento induzido. Assim, nos anos de crescimento mais elevado, a parcela desse investimento aumenta, e essa mudança na composição da demanda aumenta também o conteúdo importado da economia (que tem contribuição negativa). Já nos anos de recessão, tanto h quanto m diminuem, fazendo com que o primeiro tenha contribuição negativa e o segundo contribuição positiva para o crescimento. Conforme podemos ver no Gráfico 13, de fato parece haver uma relação inversa entre a contribuição para o crescimento do conteúdo importado e da propensão a investir. Portanto, a discussão sobre os efeitos de mudanças no conteúdo importado deve ser feita levando em consideração que a parcela das importações na demanda total é afetada por mudanças na composição da demanda.

Gráfico 13
Contribuição do conteúdo importado e da parcela do investimento induzido para o crescimento

Conclusão

Neste artigo, realizamos uma decomposição do modelo do Supermultiplicador Sraffiano para a economia brasileira, baseado na metodologia utilizada por Freitas e Dweck (2013)FREITAS, F.; DWECK, E. The pattern of economic growth of the Brazilian economy 1970-2005: a demand-led growth perspective. In: LEVRERO, E. S.; PALUMBO, A.; STIRATI, A. (Ed.). Sraffa and the reconstruction of economic theory. London: Palgrave Macmillan, 2013. v. 2, cap. 7, p. 158-191.. Com base nesses resultados, buscamos contribuir para explicar as causas da desaceleração econômica de 2011 a 2014, da recessão de 2015 e 2016, e do baixo crescimento dos anos de 2017 a 2019, bem como dialogar com as explicações para esse desempenho existentes no campo heterodoxo.

Observamos que a) a taxa de crescimento do PIB e dos gastos autônomos tem uma trajetória bem parecida durante todo o período, b) as flutuações do investimento induzido parecem acompanhar as do PIB, mas com maior intensidade, e c) a parcela do investimento induzido no PIB tem uma relação positiva com a taxa de crescimento da economia. Esses resultados estão de acordo com aqueles previstos pelo modelo teórico, sugerindo que o modelo pode ser utilizado para explicar o desempenho econômico da economia brasileira.

Ao analisar cada um dos períodos, constatei que entre 2011 e 2014, tanto a queda da taxa de crescimento dos gastos do governo quanto dos gastos autônomos privados e das exportações contribuíram para a desaceleração econômica, sendo que a redução da contribuição dos gastos do governo foi a mais pronunciada. No biênio 2015-2016, a forte queda dos gastos públicos – em especial devido aos cortes de investimentos do governo e das empresas estatais – e a redução do consumo autônomo das famílias foram importantes para explicar a recessão, enquanto o crescimento das exportações ajudou a atenuar as quedas do produto. Por fim, entre 2017 e 2019, as exportações mantêm sua contribuição positiva para o crescimento, enquanto o consumo autônomo das famílias e os gastos públicos interrompem as quedas observadas em 2015 e 2016 e voltam a ter contribuições positivas para o crescimento. Vale ressaltar que as taxas de crescimento dos gastos públicos permanecem baixas devido à vigência do teto de gastos e à política fiscal restritiva praticada no período, que visava reduzir o papel do Estado como promotor do crescimento. Com isso, a economia volta a crescer, mas na ausência de uma expansão robusta dos gastos públicos, o crescimento permanece bem abaixo das taxas observadas durante o período de 2004 a 2010.

  • (1)
    Rossi e Mello (2021)ROSSI, P.; MELLO, G. Choque recessivo e a maior crise da história: a economia brasileira em marcha à ré. In: TEIXEIRA, L.; BASTOS, P. P. Z. Conjuntura, estrutura e teoria – o capitalismo contemporâneo nas análises do Cecon (2017-2021). Campinas: Editora CRV Ltda, 2021. cap 1, p. 17-27. apontam que o investimento das empresas estatais já vinha sofrendo reduções desde 2014, em parte por conta da operação Lava Jato.
  • (2)
    Marconi ressalta os efeitos negativos da valorização cambial sobre a lucratividade num horizonte mais longo de tempo que se inicia nos anos 1980, enquanto Chernavsky, Dweck e Teixeira (2020)CHERNAVSKY, E.; DWECK, E.; TEIXEIRA, R. A. Descontrole ou inflexão? A política fiscal do governo Dilma e a crise econômica. Economia e Sociedade, v. 29, p. 811-834, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2020v29n3art06.
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    se referem aos efeitos num horizonte de tempo mais curto do processo de desvalorização cambial que tem início em 2012.
  • (3)
    Vale ressaltar que uma relação positiva entre taxa de crescimento do produto e taxa de crescimento do investimento produtivo é um fato estilizado comum a outras teorias do crescimento liderado pela demanda, e não apenas do modelo do Supermultiplicador Sraffiano. Entretanto, para os modelos de Cambridge, Neo Kaleckianos e Neo Marxistas, é a taxa de crescimento do investimento que explica a taxa de crescimento do produto, enquanto no modelo do Supermultiplicador, a causalidade é inversa.
  • (4)
    Para mais detalhes sobre o que é o Repetro, as mudanças que ocorreram em 2018 e as implicações disso para o Sistema de Contas Nacionais, ver Olinto et al. (2021)OLINTO, R.; CONSIDERA, C.; TRECE, J.; SOUZA, A. O mistério das plataformas fantasmas. Blog do IBRE, 2021. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/o-misterio-das-plataformas-fantasmas.
    https://blogdoibre.fgv.br/posts/o-mister...
    .
  • (5)
    Uma discussão mais detalhada sobre os determinantes da evolução do crédito no Brasil nos anos 2000 pode ser vista em Lima, Pimentel e Bastos (2019)LIMA, P.; PIMENTEL, D.; BASTOS, C. Crédito pessoal no Brasil e a importância do emprego formal. In: SEMINÁRIO DE DIAMANTINA, 18, 2019, Diamantina. Disponível em: https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/portal/download/diamantina-2019/D18_87.pdf.
    https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/port...
    . Dentre esses determinantes, os autores destacam o importante papel dos empregos formais.
  • (6)
    Para mais detalhes sobre os determinantes das exportações brasileiras, ver Padrón et al. (2015)PADRÓN, A.; SANTOS, C. H.; AMITRANO, C.; RIBEIRO, F.; BHERING, G. Por que a elasticidade-preço das exportações é baixa no Brasil? Novas evidências desagregadas. In: MELLO E SOUZA, A.; MIRANDA, P. (Ed.). Brasil em desenvolvimento 2015: Estado, planejamento e políticas públicas. Ipea, 2015, cap. 1, p. 15-42. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5862.
    http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
    . Os resultados obtidos por esses autores indicam que as exportações brasileiras são pouco sensíveis à desvalorizações da taxa de câmbio real.
  • (7)
    No ano de 2019, os investimentos em construção representavam 44,4% do total da Formação Bruta de Capital Fixo, enquanto os investimentos em máquinas e equipamentos constituíam 40,9% desse total.

O autor agradece a André Cavalcanti, Fernando Lara, Guilherme Morlin, Marcelo Tonon, Ricardo Summa, Sidneia Cardoso, aos participantes do 14o Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira e a um(a) parecerista anônimo(a) por comentários e sugestões feitos em versões anteriores deste artigo. Eventuais erros e omissões são de responsabilidade do autor.

  • JEL: E11, E60, O47, O54.

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Anexo 1 Modelo de decomposição do crescimento

A equação do produto pode ser escrita da seguinte forma:

Y = ( 1 m ) c ( 1 t ) Y + ( 1 m ) h Y + ( 1 m ) Z A + ( 1 m ) c Tr + ( 1 m ) E

Onde ZA consiste na soma dos gastos autônomos exclusive as transferências e E é a variação de estoques. Da forma como está apresentado na equação acima, o produto consiste na soma do consumo induzido pela renda, do investimento induzido, dos gastos autônomos exclusive transferências, das transferências (ponderadas pela propensão a consumir) e da variação de estoques, sempre multiplicados pelo índice de conteúdo local (1 − m). Para tornar as notações mais simples, vamos substituir (1 − m) por μ e (1 − t) por τ, e vamos acrescentar um subscrito 0 ou 1 para indicar a qual ano a variável se refere. Para calcular a decomposição do crescimento do ano 1 em relação ao ano 0, os valores do ano 0 são expressos a preços correntes e os valores do ano 1 são expressos a preços do ano anterior. Assim, o cálculo das decomposições não será influenciado por mudanças nos preços relativos.

A variação do produto entre um ano e outro pode ser expressa por:

Y 1 Y 0 = μ 1 c 1 τ 1 Y 1 μ 0 c 0 τ 0 Y 0 + μ 1 h 1 Y 1 μ 0 h 0 Y 0 + μ 1 c 1 T r 1 μ 0 c 0 T r 0 + μ 1 Z 1 A μ 0 Z 0 A + μ 1 E 1 μ 0 E 0

Y1Y0 pode ser representado por gY0. Em seguida, somamos e subtraímos do lado direito da igualdade as expressões μ1c1τ1Y0,μ1h1Y0,μ1c1Tr0,μ1Z0A e μ1E0

g Y 0 = μ 1 c 1 τ 1 g Y 0 + μ 1 c 1 τ 1 μ 0 c 0 τ 0 Y 0 + μ 1 h 1 g Y 0 + μ 1 h 1 μ 0 h 0 Y 0 + μ 1 c 1 Δ T r + μ 1 c 1 μ 0 c 0 T r 0 + μ 1 Δ Z A + μ 1 Δ E + μ 1 μ 0 Z 0 A + E 0

O próximo passo é dividir a expressão inteira por Y0:

g = μ 1 c 1 τ 1 g + μ 1 h 1 g + μ 1 c 1 τ 1 μ 0 c 0 τ 0 + μ 1 h 1 μ 0 h 0 + μ 1 c 1 Δ T r Y 0 + μ 1 c 1 μ 0 c 0 T r 0 Y 0 + μ 1 Δ Z A Y 0 + μ 1 Δ E Y 0 + Δ μ Z 0 A + E 0 Y 0

A seguir, somamos e subtraímos do lado direito da expressão os termos μ1c0τ0 e μ1h0:

g = μ 1 c 1 τ 1 g + μ 1 h 1 g + μ 1 c 1 τ 1 c 0 τ 0 + Δ μ c 0 τ 0 + μ 1 Δ h + Δ μ h 0 + μ 1 c 1 Δ T r Y 0 + μ 1 c 1 μ 0 c 0 T r 0 Y 0 + μ 1 Δ Z A Y 0 + μ 1 Δ E Y 0 + Δ μ Z 0 A + E 0 Y 0

O próximo passo é somar e subtrair os termos μ1c1τ0 e Tr0Y0μ1c0 do lado direito da equação:

g = μ 1 c 1 τ 1 g + μ 1 h 1 g + μ 1 c 1 Δ τ + Δ c τ 0 + Δ μ c 0 τ 0 + μ 1 Δ h + Δ μ h 0 + μ 1 c 1 Δ T r Y 0 + μ 1 Δ c + Δ μ c 0 T r o Y 0 + μ 1 Δ Z A Y 0 + μ 1 Δ E Y 0 + Δ μ Z 0 A + E 0 Y 0

Em seguida, resolvemos esta equação para g, reunindo os termos em comum (Δc e Δμ). A expressão μ11μ1c1τ1+h1 corresponde ao valor do supermultiplicador e será substituída por α1:

g = α 1 c 1 Δ τ + α 1 τ 0 + T r 0 Y 0 Δ c + α 1 Δ h + α 1 μ 1 c 0 τ 0 + h 0 + c 0 T r 0 + Z 0 A + E 0 Y 0 Δ μ + α 1 c 1 Δ T r Y 0 + α 1 Δ Z A Y 0 + α 1 Δ E Y 0

O termo entre colchetes nada mais é que a soma do consumo induzido, investimento induzido, gastos autônomos e variação de estoques como proporção do produto total no período 0. Logo, é igual ao inverso do coeficiente de conteúdo nacional (1/μ0). Além disso, ΔZA pode ser representado como a soma da variação de seus componentes ΔG+ΔIG+ΔIEG+ΔX+ΔCA+ΔIFRes.

g = α 1 c 1 Δ τ + α 1 τ 0 + T r 0 Y 0 Δ c + α 1 Δ h + α 1 μ 0 μ 1 Δ μ + α 1 c 1 Δ T r Y 0 + α 1 Δ G Y 0 + α 1 Δ I G Y 0 + α 1 Δ I E G Y 0 + α 1 Δ X Y 0 + α 1 Δ C A Y 0 + α 1 Δ I F R e s Y 0 + α 1 Δ E Y 0

Por fim, substituímos de volta μ por (1 − m) e τ por (1 − t). Os termos Δμ e Δτ são substituídos por −Δm e −Δt, respectivamente. Chegamos assim à nossa expressão final, que é igual à equação 11 do artigo:

g = α 1 1 t 0 + T r 0 Y 0 Δ c + α 1 Δ h α 1 c 1 Δ t α 1 1 m 0 1 m 1 Δ m + α 1 c 1 Δ T r Y 0 + α 1 Δ G Y 0 + α 1 Δ I G Y 0 + α 1 Δ I E G Y 0 + α 1 Δ X Y 0 + α 1 Δ C A Y 0 + α 1 Δ I F R e s Y 0 + α 1 Δ E Y 0

Anexo 2 Metodologia para o cálculo das variáveis da decomposição

Cálculo dos valores correntes

Os valores correntes do PIB, importações, exportações, consumo do governo, consumo das famílias, formação bruta de capital fixo, variação de estoques, investimento do governo, investimento das famílias, transferências para as famílias e impostos foram obtidos a partir das Tabelas de Recursos e Usos (TRUs) e das Contas Econômicas Integradas (CEI).

O consumo das famílias de bens duráveis (considerado como proxy do consumo autônomo das famílias) e o consumo de serviços e bens não duráveis (considerado como consumo induzido) foram obtidos a partir da Tabela de Recursos e Usos no nível retropolado (com desagregação em 51 atividades e 107 produtos), classificando alguns produtos como bens de consumo duráveis e outros como serviços ou não duráveis. Essa classificação foi feita utilizando os dados de produção da PIA-produto a nível de Prodlist, os dados de importação por NCM e suas respectivas categorias de uso, que permitem separar bens de consumo duráveis de não-duráveis. A Tabela 1 mostra a relação de produtos considerados como bens duráveis. Em todos os cálculos, o consumo das famílias inclui também o consumo final do setor institucional das empresas sem fins de lucro a serviço das famílias.

Quadro 1
Lista de produtos em que o consumo das famílias foi classificado como consumo de bens duráveis

O investimento das empresas públicas encontra-se disponível nos dados do Sistema de Contas Nacionais apenas para os anos de 2010 a 2019. De 2000 a 2009, os valores de 2010 foram retropolados com base na variação nominal de investimento das empresas estatais proveniente do Boletim das Empresas Estatais Federais.

O investimento das famílias é dividido entre investimento em produtos da construção e investimento que cria capacidade produtiva para o setor privado. Novamente aqui o investimento das famílias inclui também o das empresas sem fins de lucro a serviço das famílias. O investimento das famílias em produtos da construção para os anos de 2010 a 2019 consiste na soma dos investimentos em edificações residenciais e na parcela dos investimentos nos serviços especializados para construção realizados pelas famílias. Para calcular o investimento em serviços especializados para construção das famílias, utilizou-se a hipótese de que o investimento em serviços especializados mantém uma proporção com os demais investimentos em construção – isto é, em edificações residenciais, edificações não residenciais e obras de infraestrutura. Assim, a parcela do investimento em serviços especializados realizado pelas famílias é igual ao peso do investimento em edificações residenciais na soma do investimento total em edificações e em obras de infraestrutura. Como não há um detalhamento dos produtos de construção para os anos de 2000 a 2009, nesses anos os valores foram calculados a partir do valor de 2010 e da evolução do investimento total das famílias, o que implica em utilizar a hipótese de que a parcela do investimento das famílias em produtos da construção em relação ao investimento total permaneceu inalterada nesse período. Conhecendo o investimento das famílias em construção, o investimento por parte destas que cria capacidade produtiva é obtido de forma residual.

O investimento induzido, ou o investimento que cria capacidade para o setor privado, consiste na soma do investimento das empresas privadas e do investimento das famílias exclusive os investimentos em construção. Conhecendo o valor total da formação bruta de capital fixo e o investimento do governo, das empresas estatais e o investimento em construção das famílias, essa variável é calculada de forma residual.

Cálculo dos índices de volume

Os índices de volume do PIB, importações, exportações, consumo do governo, consumo das famílias, formação bruta de capital fixo e variação de estoques tem como fonte as Tabelas de Recursos e Usos (TRUs). O índice de volume do consumo das famílias, bem como dos grupos de bens duráveis, de serviços e não duráveis também são obtidos a partir das TRUs para os produtos selecionados. A variação em volume do consumo a partir das transferências foi calculada por deflação, utilizando o índice de preços do consumo de bens não duráveis e serviços.

Para calcular o índice de volume dos impostos, seus valores foram divididos em dois grupos: a) os impostos sobre produtos líquidos de subsídios e b) os demais impostos. Os índices de volume dos impostos sobre produtos estão disponíveis nas TRUs, enquanto os índices de volume dos demais impostos foram obtidos por deflação, utilizando o deflator do PIB.

A variação em volume do investimento das famílias em construção foi calculada por deflação. Nos anos de 2001 a 2010, utilizou-se o índice de preço do investimento em produtos da construção, enquanto para os anos de 2011 a 2019, como há dados mais desagregados, foram utilizados os deflatores dos investimentos em Edificações e dos Serviços especializados para construção.

Os índices de volume dos investimentos do governo e das empresas públicas foram calculados por deflação. Para isso, foi preciso calcular, para os anos de 2001 a 2019, índices de preços para o investimento nessas atividades, combinando a estrutura da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) do setor governamental e das empresas estatais com os índices de preço da FBCF de cada produto, sendo que a composição desses investimentos por produto foi obtida a partir da Matriz de Absorção de Investimentos, calculada em Miguez (2016)MIGUEZ, T. Evolução da formação bruta de capital fixo na economia brasileira 2000-2013: uma análise multissetorial com base nas Matrizes de Absorção de Investimento (MAIs). 2016. Tese (Doutorado em Economia)–Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: https://www.ie.ufrj.br/images/IE/PPGE/teses/2016/Thiago%20de%20Holanda%20Lima%20Miguez.pdf.
https://www.ie.ufrj.br/images/IE/PPGE/te...
e Miguez e Freitas (2019)MIGUEZ, T.; FREITAS, F. Matrizes de Absorção de Investimento: proposta metodológica para o SCN Ref. 2010 (No. Provisório, em elaboração). Rio de Janeiro: BNDES, 2019.. No caso do setor institucional do governo, utilizamos como base a estrutura do investimento da atividade Administração pública. No caso das empresas públicas, os investimentos dessas empresas foram divididos em quatro grupos, de acordo com os dados provenientes do Boletim das Empresas Estatais Federais: Petrobras, Eletrobras, empresas financeiras e demais empresas. Em seguida, foram elaborados índices de preços específicos para os investimentos dessas quatro empresas ou grupos de empresas. No caso da Petrobras, a estrutura do investimento foi obtida somando-se as atividades de Petróleo e Gás Natural e Refino de Petróleo e Coque. A estrutura considerada para o investimento da Eletrobras foi a da atividade Produção e Distribuição de Eletricidade, Gás, Água, Esgoto e Limpeza Urbana. Para as empresas financeiras, considerou-se a estrutura do investimento da atividade Intermediação Financeira, Seguros e Previdência Complementar e Serviços Relacionados. Por fim, no caso das demais empresas, utilizou-se o índice de preço da FBCF total.

Por último, o índice de volume do investimento induzido é obtido de forma residual, uma vez que conhecemos a variação em volume do investimento total, do governo, das empresas públicas e o investimento das famílias em construção.

Anexo 3 Tabelas da decomposição

Tabela 2
Valores correntes das variáveis utilizadas na decomposição, parte 1 de 2
Tabela 2
Valores correntes das variáveis utilizadas na decomposição, parte 2 de 2
Tabela 3
Taxas de crescimento em volume das variáveis utilizadas na decomposição, parte 1 de 2
Tabela 3
Taxas de crescimento em volume das variáveis utilizadas na decomposição, parte 2 de 2
Tabela 4
Contribuição para o crescimento, em pontos percentuais, das variáveis utilizadas na decomposição, parte 1 de 2
Tabela 4
Contribuição para o crescimento, em pontos percentuais, das variáveis utilizadas na decomposição, parte 2 de 2

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2022
  • Aceito
    31 Jan 2023
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