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Privações múltiplas e homicídios: o caso da Região Metropolitana de São Paulo (2001-2018)

Multiple deprivations and homicides: the case of the Metropolitan Region of São Paulo (2001-2018)

Resumo

A dinâmica da taxa de homicídios no Brasil entre 2001-2018 apresenta uma trajetória de certa estabilidade configurando-se como um problema crônico com desdobramentos econômicos e sociais. Neste cenário, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) se destaca das demais pela queda dessa taxa e por apresentar o menor valor no final do período analisado. Paralelamente, a RMSP também assistiu ao decréscimo da privação múltipla dos seus indivíduos. Tendo isso em vista, este trabalho objetivou avaliar a evolução destas privações múltiplas na RMSP e sua relação com a taxa de homicídios. Em suma, observa-se que a situação de privação é multidimensional e determina a potencialidade do indivíduo para a prática criminal; das variáveis selecionadas, a educação e a condição do indivíduo de não estudar e nem possuir renda são as que apresentam maiores elasticidades positivas com a taxa de homicídios e; os riscos de punição da atividade ilegal desincentivam a sua prática.

Palavras-chave
Privação; Multidimensional; Homicídios; Atividade ilegal

Abstract

The dynamics of the homicide rate in Brazil between 2001-2018 presents a trajectory of a certain stability, configuring itself as a chronic problem with economic and social developments. In this scenario, the Metropolitan Region of São Paulo (RMSP) stands out from the others for the drop in this rate and for presenting the lowest value at the end of the analyzed period. At the same time, the RMSP also saw a reduction in the multiple deprivation of its individuals. With this in mind, this work aims to evaluate the evolution of these multiple deprivations in the RMSP and to relate it to the homicide rate. In short, it observed that the situation of deprivation is multidimensional and determines the individual’s potential for criminal practice; of the selected variables, education and the individual’s condition of not studying nor having any income are those that have the greatest positive elasticities with the homicide rate; and the risks of punishing illegal activity discourages its practice.

Keywords
Deprivation; Multidimensional; Homicides; Illegal activity

1 Introdução

A compreensão da dinâmica da atividade ilegal é importante para elaboração de políticas adequadas para sua mitigação e dos seus desdobramentos nas esferas sociais e econômicas. Além de influir sobre a qualidade de vida quanto à sensação de segurança pessoal e proprietária, a atividade ilegal implica custos e incertezas significativas da atividade legal (Loureiro; Silva, 2012LOUREIRO, P. R. A.; SILVA, E. C. D. What causes intentional homicide? Journal of International Development, J. Int. Dev, v. 24, p. 287-303, 2012. ; Fajnzylber, Lederman; Loayza, 2002FAJNZYLBER, P.; LEDERMAN, D.; LOAYZA, N. Inequality and violent crime. Journal of Law and Economics, v. 45, p. 1-40, 2002. ).

Estes desdobramentos da atividade ilegal1 1 As implicações socioeconômicas do crime são extensas e, para título de exposição, destacam-se: dispêndios consideráveis, público e privado, na prevenção e combate da atividade ilegal; prejuízos materiais nos crimes contra o patrimônio; mitigação do desempenho de atividades econômicas que demandam segurança para o seu bom desempenho, como as atividades turísticas; incerteza na segurança reduzindo o incentivo ao investimento local; prejuízos psicológicos da convivência com o crime; redução do estoque de capital humano e da qualidade de vida; queda no bem-estar em decorrência das fragilizações nas relações pessoais; exigência de mudanças em hábitos cotidianos para a ‘convivência’ com o crime; carência do consumo de serviços de educação e saúde dada a interrupção da sua oferta ou pela dificuldade de acesso em decorrência da insegurança, confrontos ou operações de segurança (Santos; Kassouf, 2008; Loureiro; Silva, 2012; Fajnzylber; Lederman; Loayza, 2002; Cerqueira, 2012). justificam a relevância do tema no contexto em que as taxas de homicídios observadas no Brasil são relativamente expressivas, configurando-se como uma das mais elevadas do mundo e se enquadrando como um dos principais problemas socioeconômicos da América Latina2 2 A pesquisa de Londoño e Guerrero (1999) refere-se ao ano de 1996. (Silva et al., 2016SILVA, B. F. A. et al. Relatório Final Projeto Homicídios no Brasil. Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã. Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.; Londoño; Guerrero, 1999LONDOÑO, J. L.; GUERRERO, R. Violencia en América Latina: epidemiologia y costos. Banco Interamericano de Desarrollo, 1999. Mimeo. (Documento de Trabajo, R-375).). Ademais, em 2019, o Brasil apresentou o maior nível histórico de letalidade violenta intencional (Cerqueira et al., 2019CERQUEIRA, D. Atlas da violência: 2019. Organizadores: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019.).

Desde o trabalho seminal de Becker (1968)BECKER, G. Crime and punishment: an economic approach. Journal of Political Economy, v. 76, p. 169-217, 1968., a abordagem econômica sobre o crime tem analisado o comportamento do indivíduo racional na alocação entre a atividade ilegal e legal, levando em conta os ganhos e riscos envolvidos nesta escolha. Entretanto, restringir a análise do crime a aspectos financeiros pode subestimar a complexidade do problema abordado, uma vez que o referencial empírico que se desenvolveu desde tal trabalho seminal tem apresentado uma gama de outros determinantes da atividade ilegal, além de contradição entre algumas das variáveis explicativas (Levitt; Venkatessh, 1996; Sachsida et al., 2010SACHSIDA, A. et al. Inequality and criminality revisited: further evidence from Brazil. Empir. Econ., v. 39, p. 93-109, 2010.).

Daí a relevância de se reconhecer as múltiplas causas da ocorrência do incentivo à atividade ilegal, inclusive dos homicídios, no contexto em que as variáveis socioeconômicas são comumente empregadas para identificar a probabilidade e a tendência da sua ocorrência (William; Sickles, 2002WILLIAMS, J.; SICKLES, R. C. An analysis of the crime as work model: evidence from the 1958 Philadelphia birth cohort study. The Journal of Human Resources, v. 37, n. 3, p. 479-509, 2009.; Kelly, 2000KELLY, M. Inequality and crime. Review of Economics and Statistics, v. 82, n. 4, p. 530-539, 2000.). Este argumento está estruturado tendo em vista a “privação relativa” do indivíduo na sociedade, ou seja, o sentimento de privação dada a desigualdade inerente (Hagan; Petersen, 1995HAGAN, J.; PETERSEN, R. D. Crime and inequality. Stanford University Press, 1995.). Entende-se por privação relativa a situação na qual o indivíduo apresenta valores abaixo do limite estabelecido como corte, do ponto de vista normativo, pela carência ou insuficiência no usufruto de algum atributo (Aaberg; Brandolini, 2014AABERG, R.; BRANDOLINI, A. Multidimensional poverty and inequality. Banca D’Italia, 2014. (Temi di Discussione, Working Papers, n. 976).). Os atributos são as dimensões relevantes para o bem-estar do indivíduo e, portanto, englobam variáveis de diferentes naturezas, como saúde, educação e econômico. Ademais, o perfil relativo, ou distributivo, é relevante neste tipo de abordagem por permitir lançar luzes sobre as características do usufruto destes atributos na sociedade.

O enfoque multidimensional da privação relativa que está sendo proposto neste trabalho permite captar a heterogeneidade em diferentes esferas socioeconômicas que são raízes da preocupação do indivíduo e que a literatura correlacionou com a atividade ilegal (Decancq, 2011DECANCQ, K. Global inequality: a multidimensional perspective. Center for Economic Studies, Katholieke Universiteit, 2011. (Discussions Paper Series, n. 11.09).; Sial; Noreen; Awan, 2015; William; Sickles, 2002; Kelly, 2000KELLY, M. Inequality and crime. Review of Economics and Statistics, v. 82, n. 4, p. 530-539, 2000.; Kume, 2004KUME, L. Uma estimativa dos determinantes da taxa de criminalidade brasileira: uma aplicação em painel dinâmico. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 32, 2004. Anais... ). Neste sentido, o indivíduo se depara com incentivos e desincentivos na sua decisão racional se pratica, ou não, a atividade ilegal, que são dados pela sua privação relativa na sociedade. Ou seja, ao inferir sobre os ganhos das atividades legais e ilegais e os riscos das atividades ilegais, a privação relativa pode ser compreendida como determinante para a decisão pelo crime (Kahneman; Krueger, 2006Kahneman, D.; Krueger, A. B. Developments in the measurements of subjective well-being. Journal of Economic Perspectives, v. 20, n. 1, p. 3-24, 2006.).

Logo, este estudo busca analisar a variação na taxa de homicídios à luz da privação relativa, que é multidimensional e proxy do bem-estar do indivíduo, na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) entre 2001-2018, dado que essa foi a região metropolitana com melhor desempenho na redução desse tipo de crime3 3 Das regiões metropolitanas que se têm dados na Pesquisa Nacional Amostra de Domicílio (PNAD) e para o período analisado. . Essa redução se dá no contexto em que se observa uma escalada positiva na taxa de homicídios e os sinais de recrudescimento em aglomerados urbanos marcados por vulnerabilidade social no país (Silva et al., 2016SILVA, B. F. A. et al. Relatório Final Projeto Homicídios no Brasil. Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã. Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.). Portanto, compreender seus determinantes e as especificidades na RMSP é relevante no sentido de aprofundar os debates sobre os desincentivos para a prática de tal atividade.

Como pode ser observado no levantamento bibliográfico de Budal (2019)BUDAL, K. V. Economia do crime: uma meta-análise qualitativa sobre a produção cientifica nacional nos anos de 1997 a 2017. Dissertação (Mestrado Profissional)–UFPR, 2019. 112p. sobre as publicações de economia do crime, a amostra contemplada neste trabalho foi pouco explorada – dois trabalhos de conclusão de curso4 4 Gazzano (2008) e Schneider (2006) estudam tanto homicídios, quanto roubo e furto. Gazzano (2008) foca seu estudo na mensuração da interação social da criminalidade na RMSP, no sentido de verificar como a decisão do indivíduo em ingressar no mercado ilegal afeta a decisão dos seus vizinhos e, consequentemente, influi nos números da criminalidade da região. Já Schneider (2006) fez duas análises, na primeira toma as variáveis econômicas (renda e desemprego) e “dissuasivas” (o efetivo da polícia militar, as prisões efetuadas pela polícia e o número de pessoas cumprindo pena em estabelecimentos prisionais) para analisar a variação do crime. Na segunda análise, Schneider (2006) toma a restrição da venda de bebidas alcoólicas para, também, compreender a variação no número de crimes. – dando margem para a continuidade do debate. Outra contribuição desta pesquisa está em abordar a discussão em torno da falta de consenso sobre os resultados empíricos da literatura econômica no que se refere aos sinais esperados das variáveis explicativas do crime (Hagan; Petersen, 1995HAGAN, J.; PETERSEN, R. D. Crime and inequality. Stanford University Press, 1995.). Dessa forma, este trabalho relaciona os conceitos de desigualdade multidimensional e economia do crime.

Este estudo encontra-se dividido em três seções além desta introdução e das considerações finais. A segunda seção discorre sobre a abordagem econômica do crime, destacando que algumas das variáveis, inclusive as socioeconômicas, não apresentam consenso quanto ao sinal esperado nas estimativas da atividade ilegal. A terceira seção descreve o tratamento dos dados e a metodologia adotada, e está subdividida em duas partes: na primeira são discutidas as variáveis socioeconômicas que captam a privação multidimensional desagregada do indivíduo, e a segunda esboça o modelo econométrico a ser estimado. Por fim, a quarta seção apresenta a evolução da privação múltipla na RMSP e sua relação com a taxa de homicídios.

2 Referencial teórico

A abordagem econômica do crime tem sua gênese no artigo seminal já mencionado de Becker (1968)BECKER, G. Crime and punishment: an economic approach. Journal of Political Economy, v. 76, p. 169-217, 1968., a qual, posteriormente, foi desenvolvida por Ehrlich (1973)EHRLICH, I. On the relation between education and crime. In: JUSTER, F. T. (Ed.). Education, income and human behavior. New York: McGraw-Hill, 1975., que interpreta o crime enquanto uma atividade econômica na qual o agente opta por praticá-la quando os ganhos líquidos esperados superam aqueles que seriam obtidos na atividade legal. Nota-se que, nestes modelos, os agentes são racionais e ponderam os custos e ganhos esperados para determinar suas escolhas. Daí que a intervenção do governo, via segurança pública, ao elevar os custos do crime reduziria os incentivos para tal prática e, consequentemente, reduziria o seu número.

Tomando isso como base, o referencial empírico subsequente agrega variáveis que captam a privação relativa que influi sobre os incentivos do indivíduo para explicar a dinâmica do crime, além de variáveis dissuasivas5 5 Entende-se por fatores, ou variáveis, dissuasivos a probabilidade de punição e valor da punição diante da decisão do indivíduo em cometer um crime. e outras comumente empregadas na modelagem empírica deste tema. Por ter determinantes multicausais, a ocorrência de homicídios corresponde a um fenômeno particularmente complexo a ser analisado (Ehrlich, 1973EHRLICH, I. Participation in illegitimate activities: a theoretical and empirical investigation. Journal of Political Economy, v. 81, p. 521-565, 1973. ; 1875EHRLICH, I. On the relation between education and crime. In: JUSTER, F. T. (Ed.). Education, income and human behavior. New York: McGraw-Hill, 1975.; Cerqueira, 2010CERQUEIRA. D. Causas e consequências do crime no Brasil. Tese (Doutorado)–Departamento de Economia – PUC Rio de Janeiro, 2012. 168p.; Mendonça; Loureiro; Sachsida, 2002MENDONÇA, M. J. C.; LOUREIRO, P. R.; SACHSIDA, A. A interação social e crimes violentos: uma análise empírica a partir do Presídio de Papuda. Estudos Econômicos, v. 32, n. 4, p. 621-641, 2002.).

Neste sentido, a posição socioeconômica do agente, no contexto social no qual se encontra inserido, fornece seu status, ou sua privação relativa, que são passíveis de alteração a partir da sua decisão de optar pela atividade legal ou ilegal. Daí a constatação da privação relativa ser compreendida enquanto determinante do crime. Estas variáveis que expressam o desejo associado ao padrão de consumo têm na sua insuficiência e desigualdade implicações diretas no crime, e esta percepção é ampliada e estendida para outras variáveis não-monetárias (Mendonça; Loureiro; Sachsida, 2002; Messner; Rosenfeld, 2001MESSNER, S. F.; ROSENFELD, R. Crime and the American dream. In: COTE, S. (Org.). Criminological theories – bridging the past to the future. Universidade de Michigan: Sage Publication Inc., 2001.; Kume, 2004KUME, L. Uma estimativa dos determinantes da taxa de criminalidade brasileira: uma aplicação em painel dinâmico. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 32, 2004. Anais... ).

Considerar estas variáveis não-monetárias decorre da percepção do indivíduo dentro da sociedade, cuja vulnerabilidade é percebida e reconhecida como multifacetada (Narayan, 2000Narayan, D. Voices of the poor: can anyone hear us? World Bank Publication, DC, 2000.)6 6 A pesquisa de Narayan (2000), realizada pelo Banco Mundial, documenta o levantamento da percepção da situação de privação dos indivíduos na situação de pobreza. . A satisfação ou felicidade que influi no posicionamento do indivíduo, engloba diversos aspectos da vida como emprego, condições de moradia, educação, acesso a recursos materiais, dentre outros (Kahneman; Krueger, 2006Kahneman, D.; Krueger, A. B. Developments in the measurements of subjective well-being. Journal of Economic Perspectives, v. 20, n. 1, p. 3-24, 2006.)7 7 Usar o estudo multidimensional permite captar a heterogeneidade no usufruto da vida social, ciente de que o indivíduo se preocupa com outros fatores não-monetários, non-tradable e semicorrelacionados (Decancq, 2011; Sial; Noreen; Awan, 2015). .

Entretanto, descrever essa privação esbarra numa série de dificuldades metodológicas, conceituais e de disponibilidade de dados8 8 No Brasil, a disponibilidade de dados é uma relevante restrição quando o objetivo é descrever as privações multidimensionais no indivíduo. Isso se deve às constantes mudanças na metodologia da coleta de dados, à carência de informações específicas que permitem captar certas dimensões e às especificidades na periodicidade da divulgação dos resultados. Daí a demanda por cautela ao considerar os planos amostrais das principais pesquisas de abrangência nacional disponíveis, bem como suas especificidades (Medeiros; Souza; Castro, 2014). . No relatório da Comissão sobre Medição de Desempenho Econômico e Progresso Social, presidida por Stiglitz e Sen (2009)STIGLITZ, J. E.; A. SEN; FITOUSSI, J. P. Report by the Commission on the measurement of economic performance and social progress. Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress, 2009. Mimeo., foram identificadas algumas das dimensões-chave, que devem ser consideradas simultaneamente para descrever o padrão de vida do indivíduo: i) padrão de vida material (renda, consumo e riqueza); ii) saúde; iii) educação; iv) atividades pessoais, incluindo trabalho; v) voz política e governança; vi) conexões e relacionamentos sociais; vii) ambiente (condições presentes e futuras); viii) insegurança, de natureza econômica e física. Ao estabelecer o padrão de vida, a sensação de vulnerabilidade e sua percepção distributiva – privação relativa – estas dimensões-chaves também fornecem os ganhos e custos na escolha racional do crime. Isto se deve ao fato de tais variáveis influenciarem no bem-estar e na posição relativa dos agentes, portanto, como sublinhado anteriormente, fornecerem os incentivos e desincentivos na escolha entre vias legais e ilegais visando ganhos líquidos positivos dentro da ótica da economia do crime.

Não são escassos os trabalhos que incorporam estas dimensões-chaves que, ao caracterizar a sociedade, permitiriam captar parte da privação do indivíduo. Todavia, a relação destas com o crime tem sido objeto de debate pela falta de consenso na relação de causalidade entre elas nos testes empíricos (Imai; Krishna, 2004IMAI, S.; KRISHNA, K. Employment, dynamic deterrence and crime. 2001. (NBER Working Paper, n. 8281).). Considerando-se isso, justifica-se abaixo a seleção das variáveis explicativas neste trabalho, um breve levantamento bibliográfico de algumas das variáveis que irão compor o modelo empírico desta pesquisa9 9 Cabe ressaltar que: i) as variáveis apresentadas aqui se restringe às selecionadas para os testes empíricos da próxima seção e, portanto, outras dimensões são passíveis de serem selecionadas enquanto variáveis explicativas para o crime; ii) o relatório apresentado por Stiglitz e Sen (2009) foi relevante para a determinação das variáveis-chave para o bem-estar, mas ainda trata-se de um tema ‘inacabado’, no sentido de que não é consenso e comumente outras variáveis passam a integrar a lista para a qualificação do bem-estar; iii) a seleção das dimensões abordadas se deve, também, à disponibilidade e especificidades dos dados, como sublinhado na nota de rodapé 7; iv) esse levantamento não visa preencher a literatura sobre as causas da ocorrência de homicídios e, tão pouco discorrer sobre suas diversas causalidades, mas de apresentar a relação estabelecida dessas variáveis com o crime, bem como dos sinais esperados das estimativas. .

Demográfico: As grandes cidades geralmente comportam melhor infraestrutura e concentram um volume maior de atividades econômicas. A consequência direta disso é a maior oferta de serviços, de educação e de emprego, além das maiores remunerações no mercado legal. Em suma, essa condição está positivamente relacionada à possibilidade de inserção do indivíduo na atividade legal. (Cerqueira, 2012CERQUEIRA. D. Causas e consequências do crime no Brasil. Tese (Doutorado)–Departamento de Economia – PUC Rio de Janeiro, 2012. 168p.; Ciccone; Hall, 1995CICCONE, P.; HALL, R. Productivity and density of economic activity. American Economic Review, v. 86, p. 54-70, 1995.). Por essa ótica, elevar a densidade demográfica aumentaria o custo de oportunidade da atividade ilegal, ou seja, eleva o custo da renúncia pela atividade legal; além disso, quanto maior o número de indivíduos em dada região, menor a probabilidade de encontro entre o potencial criminoso e a vítima (Kelly, 2000KELLY, M. Inequality and crime. Review of Economics and Statistics, v. 82, n. 4, p. 530-539, 2000.). Por outro lado, o tamanho da cidade e seu adensamento facilitam o desenvolvimento de interações sociais entre criminosos e potenciais criminosos, além de gerar menores custos de execução, planejamento e capacidade de captura e punição dos criminosos; nesses casos, a densidade demográfica aumentaria a probabilidade da ocorrência de crimes (Glaeser; Sacerdote, 1999; Sachsida et al., 2010SACHSIDA, A. et al. Inequality and criminality revisited: further evidence from Brazil. Empir. Econ., v. 39, p. 93-109, 2010.; Oliveira, 2005OLIVEIRA, C. Criminalidade e o tamanho das cidades brasileiras: um enfoque da economia do crime. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 33, ANPEC, 2005. Anais... ).

Composição Demográfica: a composição etária é relevante para compreender os determinantes do crime, por exemplo, jovens do sexo masculino estão entre os que mais cometem e são vitimados do crime, inclusive no Brasil (Legge, 2008LEGGE, S. Youth and violence: phenomena and international data. New Directions for Youth Development, n. 119, Fall 2008. Wiley Periodicals, Inc, 2008.; Cerqueira et al., 2020CERQUEIRA, D. et al. Atlas da Violência 2020. Brasília/DF: IPEA/FBSP, 2020.). Isso se deve ao fato de o grau de aversão ao risco modificar-se ao longo da vida do indivíduo. Jovens estão mais propensos ao risco do que indivíduos de idade mais elevada; além disso, são menores as oportunidades disponíveis no mercado legal para eles (Silva; Ramos, 2020SILVA, R. W.; RAMOS, F. S. Crimes letais e o mercado ilegal de drogas no Brasil: uma análise para o período 2006-2015. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 48, ANPEC, 2020. Anais…; Oliveira, 2005OLIVEIRA, C. Criminalidade e o tamanho das cidades brasileiras: um enfoque da economia do crime. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 33, ANPEC, 2005. Anais... ). A subpopulação por cor/raça também influi no viés de letalidade por homicídios, tendo em vista que a cor da pele influencia diretamente na probabilidade de o indivíduo sofrer e cometer homicídios, pelo menos, por quatro vias: i) o racismo institucional que envolve a postura da polícia diante abordagens mais violentas dos negros e; ii) a assimetria da cobertura da mídia que dá menos repercussão a casos de pobres e negros; iii) a relação entre raça, violência e espaço é consequência de um longo processo de desigualdade social que pesa de forma desproporcional contra a população preta e; iv) pessoas de pele preta têm, proporcionalmente, menos oportunidades e renda no mercado legal de trabalho, o que mitiga o custo de oportunidade de inserção na atividade ilegal (Cerqueira; Coelho, 2017CERQUEIRA, D.; COELHO, D. S.C. Democracia racial e homicídios de jovens negros na cidade partida. IPEA, 2017. (Texto para Discussão, n. 2267).; Oliveira Junior; Lima, 2013OLIVEIRA JUNIOR, A.; LIMA, V. C. A. Segurança pública e racismo institucional. Boletim de Análise Político Institucional do IPEA, 2013.; Araújo et al., 2010ARAÚJO, E. M. d. et al. Spatial distribution of mortality by homicide and social inequalities according to race/skin color in an intra-urban Brazilian space. Revista Brasileira de Epidemiologia, SciELO Public Health, v. 13, p. 549-560, 2010.; Gyimah-Brempong; Price, 2006GYIMAH-BREMPONG, K.; PRICE, G. N. Crime and punishment: And skin hue too? American Economic Review, v. 96, n. 2, p. 246-250, 2006.).

Segurança Pública: quando analisada de forma desagregada, Cerqueira (2010) observou a dificuldade dos primeiros trabalhos empíricos na estimação das elasticidades crime-policiamento e crime-encarceramento, sobretudo em virtude da endogeneidade das estimações. Esta dificuldade, entretanto, é minimizada pelo uso de variáveis instrumentais. Witte e Witt (2001)WITTE, A. D.; WITT, R. What we spend and what we get: public and provision of crime prevention and criminal justice. 2001. (NBER Working Paper, n. 8204). complementam essa constatação, levantando outras duas questões: o erro de medição e a não-estacionariedade. Apesar dessas observações, a relação entre crime e polícia numa parte considerável dos estudos mostrou-se negativamente relacionada segundo o levantamento bibliográfico e testes empíricos realizados por Marvell e Moody (1996) e Corman e Mocan (2000). Da mesma forma, a relação crime com o encarceramento e a probabilidade de apreensão e punição também apresentou relação negativa em Levitt (1996); Becker (1968)BECKER, G. Crime and punishment: an economic approach. Journal of Political Economy, v. 76, p. 169-217, 1968. e Imai e Krishna (2004).

Vulnerabilidade na geração de renda: o emprego é interpretado segundo as oportunidades geradas pelo mercado legal de trabalho (Fleisher, 1966FLEISHER, B. M. The effect of income on delinquency. American Economic Review, v. 56, p. 118-137, 1966.). Cabe destacar a ambiguidade da correlação dessa variável em relação ao crime. Elevada taxa de desemprego implica um menor dinamismo na economia, por ter menor geração de renda, logo, a percepção de retorno do crime, que transferiria os ganhos da atividade legal para a ilegal, é menor neste contexto. Por isso, a relação desemprego – crime é inversa. Por outro lado, taxas de desemprego mais elevadas e, consequentemente, menor geração de renda e decréscimos correspondentes aos longos períodos de inatividade, correspondem a reduções nos ganhos da atividade legal, ou queda no custo da renúncia à atividade legal, fazem elevar os incentivos ao crime (Ehrlich, 1973EHRLICH, I. Participation in illegitimate activities: a theoretical and empirical investigation. Journal of Political Economy, v. 81, p. 521-565, 1973. ; Fajnzylber; Araujo, 2001FAJNZYLBER, P.; LEDERMAN, D.; LOAYZA, N. Inequality and violent crime. Journal of Law and Economics, v. 45, p. 1-40, 2002. ; Santos; Kassouf, 2008SANTOS, M. J.; KASSOUF, A. L. Estudos econômicos das causas da criminalidade no Brasil: evidências e controvérsias. EconomiA, v. 9, n. 2, p.343-372, 2008). De acordo com Imai e Krishna (2004), a complexidade dessa análise se deve ao ciclo vicioso envolvido entre tais variáveis, uma vez que o comportamento criminoso afeta os resultados do emprego que, por sua vez, influi sobre a criminalidade, ou seja, ambos se reforçam.

Escolaridade: o acréscimo do nível de instrução do indivíduo é positivamente relacionado à renda obtida de forma legal e, portanto, o custo de oportunidade da inserção em atividades ilegais cresce, tendo em vista, também, que aumenta a oportunidade de obtenção de emprego (Fajnzylber; Lederman; Loayza, 1998FAJNZYLBER, P.; LEDERMAN, D.; LOAYZA, N. Inequality and violent crime. Journal of Law and Economics, v. 45, p. 1-40, 2002. ; Kume, 2004KUME, L. Uma estimativa dos determinantes da taxa de criminalidade brasileira: uma aplicação em painel dinâmico. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 32, 2004. Anais... ; Sachsida et al., 2010SACHSIDA, A. et al. Inequality and criminality revisited: further evidence from Brazil. Empir. Econ., v. 39, p. 93-109, 2010.). Por outro lado, níveis de instrução mais elevados podem apresentar correlação positiva com a criminalidade, pois: i) reduzem os custos no aprendizado em atividades ilegais; ii) mitiga a probabilidade de punição no caso de falha ao realizar o crime; iii) os crimes de colarinho branco, aqueles praticados por indivíduos pertencentes às classes econômicas mais privilegiadas, cujo autores tendem a apresentar elevado status social, para este tipo específico de crime, a escolaridade apresenta correlação positiva (Sachsida et al., 2010SACHSIDA, A. et al. Inequality and criminality revisited: further evidence from Brazil. Empir. Econ., v. 39, p. 93-109, 2010.; Kume, 2004KUME, L. Uma estimativa dos determinantes da taxa de criminalidade brasileira: uma aplicação em painel dinâmico. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 32, 2004. Anais... ; Ehrlich, 1975EHRLICH, I. On the relation between education and crime. In: JUSTER, F. T. (Ed.). Education, income and human behavior. New York: McGraw-Hill, 1975.; Sutherland, 2019).

Renda: os resultados encontrados para essa variável também são contraditórios, pois tanto o custo, quanto a oportunidade do crime estão correlacionados a ela (Fleisher, 1966FLEISHER, B. M. The effect of income on delinquency. American Economic Review, v. 56, p. 118-137, 1966.). Em síntese, a renda pode estar relacionada ao retorno esperado ao se cometer crime ou às oportunidades advindas da atividade legal (Ehrlich, 1973EHRLICH, I. On the relation between education and crime. In: JUSTER, F. T. (Ed.). Education, income and human behavior. New York: McGraw-Hill, 1975.; Fajnzylber; Lederman; Loayza, 2002FAJNZYLBER, P.; LEDERMAN, D.; LOAYZA, N. Inequality and violent crime. Journal of Law and Economics, v. 45, p. 1-40, 2002. ). Logo, a função da renda na modelagem empírica está condicionada à interpretação do pesquisador. Do ponto de vista da desigualdade de renda, a literatura observou que as regiões com elevada desigualdade de renda permitiriam a coexistência de indivíduos com reduzido custo de oportunidade da atividade criminal com outros com relativa elevada posse de bens materiais, que os tornariam potenciais vítimas do crime (Araujo, 2002ARAUJO, J. A. F. Raízes econômicas da criminalidade violenta no Brasil: um estudo usando microdados e pseudopainel – 1981-1996. Revista de Economia e Administração, v. 1, n. 3, p. 1-34, 2002.). Kelly (2000)KELLY, M. Inequality and crime. Review of Economics and Statistics, v. 82, n. 4, p. 530-539, 2000. constatou que para crimes violentos o impacto da desigualdade é elevado. Apesar de a maioria dos crimes ser cometida por membros mais desfavorecidos da sociedade, esses indivíduos enfrentam maior pressão e incentivos para cometer crimes em áreas de alta desigualdade.

3 Metodologia

3.1 Descrição das variáveis

A carência de dados, sobretudo desagregados, é um importante fator que limita as pesquisas de economia do crime e da violência. Devemos admitir, ainda, a possibilidade da existência de endogeneidade entre as variáveis explicativas e a possibilidade de omissão de outras variáveis. A gama de variáveis explicativas empregadas neste trabalho será composta pelas de ordem socioeconômica, demográfica e referente à segurança pública10 10 Duas ressalvas devem ser levantadas: ciente das causas múltiplas da ocorrência de homicídios, este trabalho não visa esgotar suas variáveis socioeconômicas explicativas; e a literatura sobre as privações múltiplas é uma teoria que não tem consenso sobre a composição das variáveis para descrever a situação de privação do indivíduo na sociedade (Decan1, 2009). As dimensões que serão propostas posteriormente são algumas das possibilidades disponíveis na PNAD e PNADC, sensíveis na transição e vulnerabilidade da situação do indivíduo na sociedade (Campello et al., 2018). .

Visando levantar os determinantes da ocorrência de homicídios entre 2001 e 2018 na RMSP, foram extraídos os dados referentes ao número de homicídios do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil do Ministério da Saúde (Datasus). Os dados são referentes ao ano do óbito para residentes cuja categoria CID-10 considera X85 a Y09, além do Y35 e Y3611 11 O CID-10 é a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde e disponibiliza os códigos relativos à classificação de doenças, sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças (Cerqueira, 2019). A partir de tais códigos é possível levantar a causa do óbito, onde o intervalo compreendido entre as causas X85-Y09 são os causados por agressão, e os Y35 e Y36 são os causados por intervenção legal, em suma eles ambos intervalos equivalem aos óbitos por homicídios. .

Os dados da segurança pública, , referem-se ao efetivo alocado na segurança pública por 100 mil habitantes. A população total foi extraída do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os trabalhadores alocados na segurança pública da Relação Anual de Informações Sociais (Rais)12 12 Para os anos de 2001 e 2002 foi utilizada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) CBO 94 – Grupo base, e os dados referentes aos trabalhadores na segurança pública foram extraídos da Rais com base nos códigos 581, 582, 583, 584 e 313. Para os anos entre 2003 a 2018, os dados foram extraídos com base na CBO 2002 – Família com base nos códigos 5171, 5172, 3518, 5173, 5174 e 2423, os quais, segundo a base de dados da Rais e a conversão de classificações, são os códigos correspondentes à CBO 94 – Grupo Base. .

A densidade demográfica, , foi extraída da estimativa populacional e os dados da unidade territorial do IBGE. Já a proporção de pretos e de jovens, idade entre 15 e 29 anos, foi extraída da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE. As siglas são, respectivamente: e .

As variáveis socioeconômicas também foram construídas a partir dos microdados da PNAD e PANDC13 13 Os microdados de 2001 a 2015 foram extraídos da PNAD, e os de 2016 a 2018 da PNADC. Cabe alertar que existem diferenças metodológicas entre essas duas pesquisas. Após consulta do autor ao IBGE, uma das variáveis do modelo, a vulnerabilidade social, foi gerada somente até 2015, pois é inviável que a mesma variável seja gerada para a PNADC. Todavia, pelo dicionário que descreve as demais variáveis do modelo, ainda considerando o recorte de dimensões selecionados neste trabalho, foi possível criar as demais variáveis para o período de 2001-2018, respeitando suas respectivas descrições nos dicionários. . Para isto, foram contempladas cinco dimensões de variáveis dicotômicas14 14 As condições consideradas para cada dimensão dizem respeito ao período de referência da pesquisa, salvo a variável educação, que considera o nível de instrução do indivíduo com base no último ano de estudo, no caso desse indivíduo não estar estudando na semana de referência. . Cabe ressaltar que as variáveis monetárias estão em valores reais de 2018 segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor.

A privação na renda, , toma a proporção de indivíduos com renda inferior à linha de pobreza estimada por Rocha (2006)15 15 Ver metodologia de estimação das linhas de pobreza em Rocha (2006). , que leva em consideração as necessidades mínimas dos indivíduos que, em 2004, era de R$ 250,79 na RMSP.

Para a posição do indivíduo foram geradas as variáveis de vulnerabilidade social, , que toma a proporção de indivíduos com idade superior a 14 anos sem renda proveniente de fonte e que não estuda; e a variável de seguridade social, , que fornece a proporção da população com idade superior a 15 anos, sem carteira assinada, que não é empregado no setor público ou militar, sem outros vínculos formais de trabalho. Já a escolaridade, , fornece informações para indivíduos com mais de 18 anos de idade que não concluíram o ensino fundamental.

As condições sanitárias, , são a média geométrica da proporção de três variáveis referentes ao domicílio do indivíduo: i) água canalizada em, pelo menos, um cômodo da residência; ii) escoadouro do banheiro feito por coleta de esgoto ou pluvial, ou existe fossa séptica no domicílio ligada a rede coletora de esgoto ou pluvial; iii) lixo do domicílio coletado diretamente ou indiretamente.

A estatística descritiva das variáveis descritas está presente na Tabela 1.

Tabela 1
Estatística descritiva das variáveis do modelo

3.2 Privação multidimensional para variáveis dicotômicas

A partir das cinco dimensões das variáveis socioeconômicas, descritas na subseção anterior, é possível descrever a situação de privação múltipla do indivíduo. Seja k = [1, 2, ..., K] o conjunto de atributos; j= [1, 2, … , N] o conjunto de n indivíduos residentes na RMSP, com n > 1; e M(N) o conjunto das matrizes N × K com elementos não negativos, a distribuição multidimensional é dada pela matriz XM(N), em que 𝑥𝑛𝑘 𝜖 ℝ+∀𝑛, 𝑘. Temos então que:

X = x 11 x 12 x 1 K x N 1 x N 2 x N K ;   k = [ 1 ,   2 ,   ,   K ] ;   j = [ 1 ,   2 ,   ,   N ] (1)

onde, xkn é a realização do na indivíduo na ka dimensão, o que permite denotar xn* = (xn1, …, xnK) ∀n como sendo o vetor linha de realizações para a na indivíduo; e x*k = (xn1, …, xnK) ∀n, que representa o vetor coluna de realizações para o atributo ka. Então, a privação multidimensional atributo-por-atributo é captada por x*k = (xn1, …, xnK) para toda dimensão considerada, que permite gerar informações sobre a realização da unidade de observação para determinado atributo.

Logo, a privação do indivíduo passa a ser dada pelo número de dimensões nas quais apresenta valores abaixo do limite estabelecido como corte. Aaberge e Brandolini (2014) formalizaram a construção metodológica a partir da contagem das privações, tomando Yj = 1 se o indivíduo sofre privação na dimensão k, e Yj = 0 caso contrário.

Então, para obter a privação de cada índice, k, que compõe a dimensão d, tomaremos a função da proporção de pessoas que não sofrem privação naquele índice na unidade de observação, ou seja, uma função da proporção de indivíduos, xi16 16 A proporção considerada está de acordo com Aaberge e Brandolini (2014), que estruturam a metodologia para a desigualdade multidimensional desagregada para variáveis dicotômicas. :

k x k = 1 1 n Σ j = 1 N x j k ; k = 1 , , K (2)

A contagem da privação pode-se dar como:

Y = Σ k = 1 r   Y j , k = 1 , 2 , , r (3)

Onde r=1, ...,5 e corresponde ao total de dimensões. Admitindo pesos iguais entre as dimensões17 17 Os pesos são empregados visando atribuir a relevância e paralelo entre as dimensões na satisfação do indivíduo (Decancq, 2013 apud Aaberg; Brandolini, 2014). Aqui serão adotados, como comumente empregado na literatura acadêmica, pesos iguais para as dimensões consideradas, sobretudo devido à complexidade e à ausência de consenso do ponto de vista metodológico, além da dificuldade de se transportar as avaliações dos indivíduos para os dados disponíveis (Aaberg; Brandolini, 2014). , enquanto Y é uma variável aleatória discreta, tem-se a função de distribuição cumulativa da privação F(k) e a sua média dadas como:

F ( k ) = Σ j = 0 k q j ,   k = 0 , 1 , , r (4)
μ = Σ k = 1 r   k q k (5)

Aqui qx refere-se à probabilidade da ocorrência de privação para um determinado indivíduo:

q x = Pr ( Y = k ) (6)

Considerando o caso simplificado de duas dimensões w = 1, 2; a pontuação da privação do indivíduo pode assumir valores Z = [0,1,2], tal que Z ∈ ℕ. Assim, para uma dada amostra, os valores de Z assumem probabilidades Q associadas ao seu valor de Z, onde Q = {q0, q1, q2}, ou seja, para Z = 0 teremos probabilidade Q = q0 e, assim, sucessivamente.

Para duas dimensões e um indivíduo, teremos que pjw=PrX1=jX2=w;pj+=PrX1=j e p+j=PrX2=w;. Então q0 = p00 é o caso de a probabilidade do indivíduo não sofrer privação nas duas dimensões. Por interpretação análoga, em q1 = p10 + p01, o indivíduo sofre privação somente em uma dimensão, e q2 = p11 é a probabilidade do indivíduo ser privado de ambas as dimensões, tal como apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Probabilidades qx

Para variáveis dicotômicas, a privação pode ser compreendida pela desigualdade atributo por atributo e é dada pela função da proporção de pessoas acima de cada um dos limiares específicos do atributo (Aaberg; Brandolini, 2014AABERG, R.; BRANDOLINI, A. Multidimensional poverty and inequality. Banca D’Italia, 2014. (Temi di Discussione, Working Papers, n. 976).). Na abordagem multidimensional dicotômica, pk é definido como a proporção de indivíduos que não são privados na dimensão k,eG(k)=Σj=0kpk como a proporção cumulativa destes indivíduos com k ou menos atributos com valores considerados como de não privação.

Feita tal abordagem, seja da o vetor de privação do indivíduo composto por dimensões selecionadas da literatura e que guardam relações com a ocorrência de homicídios, tal que k = 1, 2, ..., 7. As dimensões são: renda, educação, seguridade social, vulnerabilidade social e condições sanitárias (composta por três atributos); logo: a = 1, 2. ..., 5. Então, quando a dimensão for composta por um único atributo, tem-se a privação da respectiva dimensão; quando a dimensão for composta por mais de um índice, teremos a dimensão dada pela média geométrica do valor observado de cada um, admitindo pesos iguais entre eles18 18 A média geométrica fornece uma medida central, ou o valor típico do conjunto. Seja k = 1, ..., 3, as dimensões que compõem as condições sanitárias, então: da=Πk=1K xik;k⊂a. (caso restrito das condições sanitárias).

3.3 Descrição do modelo

O modelo econométrico que será desenvolvido é baseado nos modelos de crime de Kelly (2000)KELLY, M. Inequality and crime. Review of Economics and Statistics, v. 82, n. 4, p. 530-539, 2000. e Kume (2004)KUME, L. Uma estimativa dos determinantes da taxa de criminalidade brasileira: uma aplicação em painel dinâmico. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 32, 2004. Anais... , de forma a inserir a privação múltipla do indivíduo enquanto determinante da sua probabilidade em praticar a atividade ilegal.

Admitindo o pressuposto de que o indivíduo avalia o risco das suas decisões e seja racional, as abordagens da economia do crime e da violência associam os fatores explicativos relevantes entre aqueles associados à possibilidade de punição do indivíduo em caso de falha na execução da atividade ilegal, e os benefícios e custos associados a tal atividade (Becker, 1968BECKER, G. Crime and punishment: an economic approach. Journal of Political Economy, v. 76, p. 169-217, 1968.; Ehrlich, 1973EHRLICH, I. On the relation between education and crime. In: JUSTER, F. T. (Ed.). Education, income and human behavior. New York: McGraw-Hill, 1975.). Tomando os custos e benefícios, considera-se que a racionalidade do indivíduo não necessariamente implica materialismo restrito.

Nessa ótica, a decisão individual em praticar a atividade ilegal, EUi, é dada por:

E U i = ( 1 π ) φ e c o c ρ (7)

Onde, EUi é resultado: i) do ganho de tal atividade ilegal, φ, diante do sucesso da sua execução, ou seja, de não ser punido; ii) ρ corresponde à atividade policial e outros fatores que fazem elevar o risco de fracasso envolvendo a atividade ilegal, tal que a elevação de ρ aumenta a probabilidade de punição, π, ou seja, reduz o produto: (1 − π)φ; iii) ec são os custos para execução da atividade ilegal; e iv) oc são os custos de oportunidade da atividade ilegal.

Aqui, como sublinhado no referencial teórico, admite-se o pressuposto de que os ganhos esperados e os custos de oportunidade da atividade ilegal guardam relação com a situação de privação do indivíduo, pois a interação do agente racional com o contexto social no qual se encontra inserido configura-se um dos determinantes para a ocorrência de crimes (William; Sickles, 2002WILLIAMS, J.; SICKLES, R. C. An analysis of the crime as work model: evidence from the 1958 Philadelphia birth cohort study. The Journal of Human Resources, v. 37, n. 3, p. 479-509, 2009.)19 19 A possibilidade de ambiguidade da relação entre as variáveis socioeconômicas e o crime, tal como abordado no referencial teórico, impossibilita, de antemão, afirmar sobre as correlações positivas ou negativas da situação de privação em determinada dimensão. . Os ganhos esperados podem ser entendidos como o usufruto de parcelas maiores de determinado atributo com relação positiva com o bem-estar, que gera os incentivos ao crime – ganhos positivos esperados. Enquanto o custo de oportunidade refere-se ao custo da escolha pela atividade ilegal, com relação negativa com os ganhos esperados. Na decisão racional do agente, os ganhos líquidos são ponderados e, portanto, lançam luzes para a compreensão da decisão do indivíduo.

Porém, mesmo que o indivíduo seja um potencial criminoso, o risco e os custos envolvidos, dado ρ, alteram a probabilidade de que o ato criminal seja efetivado (Witte; Witt, 2001WITTE, A. D.; WITT, R. What we spend and what we get: public and provision of crime prevention and criminal justice. 2001. (NBER Working Paper, n. 8204).; Imai; Krishna, 2004IMAI, S.; KRISHNA, K. Employment, dynamic deterrence and crime. 2001. (NBER Working Paper, n. 8281).). Os riscos dizem respeito à probabilidade de insucesso do crime e da punição, enquanto os custos fazem referência ao dispêndio de tempo, planejamento e monetário da sua execução. Essa situação deve ser analisada simultaneamente com a densidade e composição populacional; do ponto de vista da densidade, ao mesmo tempo que ela eleva as possibilidades no mercado legal, também reduz os custos e os riscos de execução da atividade ilegal (Ciccone; Hall, 1995CICCONE, P.; HALL, R. Productivity and density of economic activity. American Economic Review, v. 86, p. 54-70, 1995.; Glaeser; Sacerdote, 1999). Já a composição faz referência às proporções de jovens, mais propensos ao risco e com menores oportunidades no mercado legal, e pretos, que relativamente têm menores rendimentos e colocação no mercado legal de trabalho; em suma, esse contexto faz elevar a probabilidade de inserção da atividade ilegal (Silva et al. 2016SILVA, B. F. A. et al. Relatório Final Projeto Homicídios no Brasil. Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã. Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2016.; Oliveira, 2005OLIVEIRA, C. Criminalidade e o tamanho das cidades brasileiras: um enfoque da economia do crime. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 33, ANPEC, 2005. Anais... ).

Assim como em Kume (2004)KUME, L. Uma estimativa dos determinantes da taxa de criminalidade brasileira: uma aplicação em painel dinâmico. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 32, 2004. Anais... , Kelly (2000)KELLY, M. Inequality and crime. Review of Economics and Statistics, v. 82, n. 4, p. 530-539, 2000., Resende e Andrade (2011)RESENDE, J. P.; ANDRADE, M. V. Crime social, castigo social: desigualdade de renda e taxas de criminalidade nos grandes municípios brasileiros. Estudos Econômicos, v. 41, n. 1, p. 173-195, 2011. e Cerqueira e Lobão (2003)CERQUEIRA, D.; LOBÃO, W. Condicionantes sociais, poder de polícia e o setor de produção criminal. IPEA, 2003. (Texto para Discussão, n. 95)., na amostra deste trabalho alguns dos dados disponíveis são agregados e a decisão individual, tal como descrita, é impossibilitada de ser estimada. Consequentemente, tomaremos o somatório da função de decisão individual de se cometer a atividade ilegal, γ, para obtermos as conclusões para a unidade de observação, i: RMSP20 20 Este procedimento do somatório da função de decisão individual preserva as motivações e inferência sobre os ganhos líquidos do crime e, portanto, não compromete o modelo e a relação de elasticidade entre as variáveis. A função passa a fornecer a taxa de criminalidade captando as mudanças no crime diante das variações nas variáveis explicativas (Kume, 2004; Resende; Andrade, 2011). Entretanto, é inegável que a utilização de dados agregados deixa de captar algumas das dinâmicas criminais (Cerqueira; Lobão, 2003). .

γ i = Σ i = 1 N E U i ; i = 1 , , N (8)

Feitas tais considerações e restringindo a atividade ilegal para a ocorrência de homicídios, mantendo todos os demais pressupostos, tem-se γ = thom que é a taxa de homicídios para cem mil habitantes. Logo, a taxa de homicídios passa a ser uma função da possibilidade de punição, da densidade e composição populacional e do vetor de privações do indivíduo.

Admitindo a relação log-log entre as variáveis descritas, o modelo econométrico da taxa de homicídios registrados passa a ser representado como:

log  thom j t = α + β 0 log segu j t + β 2 log dend j t + β 3 log rend j t + β 4 log vuln j t + β 5 log segu j t + β 6 log educ j t + β 7 log csan j t + β 8 log pret j t + β 9 log jove j t + u j t (9)

O modelo proposto, dado o embasamento teórico e empírico, é passível de ser testado em outros contextos sociais, inclusive em economias subdesenvolvidas, como a brasileira, com taxas de homicídios relativamente elevadas. Entretanto, amostras diferentes, tomando suas especificidades socioeconômicas, podem resultar em elasticidades e sinais divergentes dos encontrados neste trabalho, tendo em vista que os valores relativos, a interação entre os agentes e a privação observados influem nos ganhos líquidos e, consequentemente, nas motivações do agente. Em suma, qualquer modelagem empírica, com a taxa de homicídios enquanto variável dependente, depara-se com dificuldades em testar hipóteses teóricas, pois dinâmicas distintas podem estar relacionadas à taxa de homicídios (Cerqueira; Lobão, 2003).

4 Análise dos resultados

Na abordagem proposta neste trabalho, o caso particular da RMSP é de mitigação da taxa de homicídio em valores relativamente expressivos entre aqueles observados nas demais regiões metropolitanas que se têm dados na PNAD, Tabela 2.

Tabela 2
Taxa de homicídio (100 hab) nas Regiões Metropolitanas brasileiras: 2001 -2018 * * Região Metropolitana de Belém (RMBE), Região Metropolitana de Fortaleza (RMFO), Região Metropolitana de Recife (RMRE), Região Metropolitana de Salvador (RMSA), Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Região Metropolitana de Rio de Janeiro (RMRJ), Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), Região Metropolitana de Curitiba (RMCB), Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA).

Nos anos finais da amostra, tomando os valores observados para o Brasil (Tabela 2), as taxas de homicídios por 100 mil habitantes sobressaem nas regiões metropolitanas do Norte e Nordeste, e os valores são particularmente expressivos na RMBE, RMFO e RMSA. Por outro lado, as RMBH, RMSP e o DF, com a trajetória decrescente, apresentam as menores taxas da amostra.

Pode-se observar que a ínfima variação da taxa de homicídios no Brasil entre 2001-2018, de 0,21%, pode ser interpretada como de um problema crônico. Em 2018 foram 57.956 homicídios no país, ou seja, uma média de 158,78 por dia. Tomando os maiores aglomerados urbanos do país, a oscilação da taxa de homicídios foi heterogênea; quatro regiões metropolitanas apresentaram oscilações positivas, e dentre elas se destacam a RMBE com acréscimo de 305,35% e as RMSA e RMFO com variações superiores à 200%. Por outro lado, essa taxa decresceu em cinco regiões metropolitanas e no Distrito Federal; com exceção da RMCB com redução de 0,86%, as demais unidades de observação apresentaram decréscimos superiores à 25%, e nos chama a atenção a RMSP, onde essa redução foi próxima de 90%.

As taxas observadas na RMSP são menores que as nacionais desde 2006 e, também, nos anos seguintes ela apresenta os menores valores da amostra entre as regiões metropolitanas listadas na Tabela 2. Entre os 39 municípios que compõem a RMSP, a taxa de homicídio decresceu em todos eles21 21 Caso haja interesse nos dados da taxa de homicídios por município da RMSP: solicitar ao autor. , e na capital esse decréscimo foi superior a 90%. O município de São Paulo, em 2018, respondia por 37,52% do total de homicídios da sua região metropolitana. Além disso, o ritmo de decréscimo dessa taxa na capital é semelhante ao da sua região metropolitana. Tomando os anos finais da amostra, as maiores taxas de homicídio são observadas em Osasco, Santa Isabel e Diadema, respectivamente, cujos valores são superiores a 13,5 homicídios por cem mil habitantes. No outro extremo, as menores taxas, inferiores a 4, são observadas em Caieiras, Santana de Parnaíba e São Caetano do Sul.

Esta mitigação na taxa de homicídios na RMSP coincide com uma melhoria na qualidade de vida dos indivíduos, como será apresentado a seguir. Tal como abordado no referencial teórico deste trabalho, as oscilações nestas variáveis socioeconômicas são relevantes para a compreensão da dinâmica das motivações do crime, uma vez que elas influem sobre os ganhos e custos esperados na escolha entre a atividade legal e ilegal22 22 Estes ganhos e custos são específicos da amostra e do período analisados. A multicausalidade e a interação das variáveis socioeconômicas na motivação do crime fazem da relação dinâmica aqui explorada, dos sinais e valores das elasticidades em relação ao crime, não genéricos para outras amostras e períodos. . Com a intenção de compreender as causas por trás do bom desempenho relativo na redução da taxa de homicídios na RMSP, é que se segue a análise, focada no aspecto socioeconômico, onde as dimensões que captam a privação do indivíduo serão consideradas para, na sequência, associá-las aos ganhos líquidos entre as atividades legal e ilegal.

O Gráfico 1 ilustra esta redução na privação entre os indivíduos na RMSP, entre 2001-2018 quando se analisa a variação da privação múltipla a partir dos dados da PNADC, como ilustrado na seção 3.2. Em termos percentuais, o maior decréscimo é observado na educação (74,08%), o que significa que se elevou o número de indivíduos com mais de 18 anos com ensino fundamental completo. As condições sanitárias, que relativamente privam menos indivíduos, reduziram-se em 20,50%, e a maior cobertura de domicílios com escoadouro sanitário foi o principal fator explicativo, relativo às melhores cobertura de domicílios com água encanada e coleta de lixo. A privação na renda, pessoas em situação de pobreza, e na seguridade social, indivíduos sem vínculo formal de trabalho, decresceram, respectivamente, 39,09% e 33,34%, e são as privações que englobam, em 2018, o maior número de indivíduos: 19,30% e 34,34%, também respectivamente. Por fim, a vulnerabilidade social, indivíduos com idade superior a 14 anos que não trabalham ou frequentam escola, calculada entre 2001 e 2015, decresceu 19,12% e privou, em 2015, 14,56% indivíduos da amostra.

Gráfico 1
Privação multidimensional: RMSP

Na Tabela 3, os qa indicam privações, onde α refere-se ao número de atributos em que há privação e varia entre 0 e 5 para os anos de 2001-2015, e entre 0 e 4 para os anos de 2016, 2017 e 2018. Logo, a tabela contém a probabilidade de os indivíduos sofrerem privações ao longo dos anos da amostra. Em 2001, a probabilidade de o indivíduo adulto sofrer uma privação (q1) prevaleceu sobre as demais, e a maior parte da amostra sofria entre uma e duas privações. Neste mesmo ano, a probabilidade de seleção de um indivíduo que não sofre nenhuma privação era de 12,6%.

Tabela 3
Contagem da distribuição da privação

Para os anos em que j varia de 0 a 5, nota-se que a partir de 2002 há uma tendência de elevação do número de indivíduos que não sofrem nenhuma privação, e da mesma forma, reduz-se o montante daqueles que sofrem apenas uma privação. Esse movimento se dá em detrimento da redução da probabilidade de indivíduos adultos sofrerem duas ou mais privações. Quando j varia de 0 a 4, nota-se uma redução na probabilidade de seleção de indivíduo que não sofre privação nas dimensões consideradas, em detrimento da elevação na probabilidade de sofrer privação em uma ou mais dimensões.

Cabe ressaltar que a probabilidade de selecionar um indivíduo que sofra privação em todas as dimensões assumiu valor próximo a zero. Também é pouco expressiva, relativamente, a probabilidade de selecionar indivíduos com quatro privações.

Em suma, os resultados apresentados anteriormente podem ser interpretados como uma proxy da melhoria no bem-estar da população da RMSP, uma vez que o bem-estar, composto por múltiplos atributos, sem exceção entre eles, indicou níveis correspondentes a uma qualidade de vida melhor no período analisado. Esta variação dos atributos considerados tem efeito sobre os ganhos líquidos da atividade ilegal e, consequentemente, podem ser associados às reduções na taxa de homicídios da amostra, tal como formalizado na metodologia. Ciente das contradições empíricas das publicações acadêmicas quanto aos sinais e valores das elasticidades do crime para estes atributos, a afirmação da relação entre a redução na privação de cada atributo e o decréscimo da criminalidade torna-se questionável. Daí a necessidade da análise desagregada das dimensões consideradas.

A Tabela 4 apresenta a matriz de correlação das variáveis que compõem o modelo da Equação 11. Nota-se que a taxa de homicídios, thomit, está negativamente correlacionada com a segurança pública, densidade demográfica e com as proporções de jovens e adultos. Por outro lado, ela é positivamente correlacionada com as demais variáveis do modelo que expressam a privação dos indivíduos. Além disso, as correlações entre as variáveis independentes do modelo são inferiores a 0,8 e, portanto, desejáveis a fim de se evitar problemas de multicolinearidade nas estimativas.

Tabela 4
Matriz de correlação das variáveis do modelo da Equação 11

Feita essas análises, a Tabela 5 conecta o conceito das motivações do crime que influem sobre os ganhos líquidos da atividade ilegal, privação múltipla, com a redução da taxa de homicídios observada na RMSP. Para isto são apresentadas as estimativas que estabelecem, respectivamente: i) o risco de punição da atividade ilegal que envolve a segurança pública e o adensamento demográfico; ii) os custos de oportunidade e ganhos prováveis da atividade ilegal dados pela situação de privação do indivíduo, sujeito ao risco da punição para o período de 2001-2015 e 2001-2018 e; iii) a Equação 9, que reúne algumas das características do indivíduo quanto à composição demográfica, o risco de punição e os ganhos e custos prováveis envolvidos na atividade ilegal, também para os períodos de 2001-2015 e 2001-2018. Além dessas elasticidades e das informações da regressão, ainda são apresentados três testes: i) o Teste VIF do fator de inflação da variância que visa captar a presença de multicolinearidade; ii) o Teste White para testar a existência de heterocedasticidades e; iii) o Teste de Durbin-Watson que detecta a presença de autocorrelação (dependência) nos resíduos da análise da regressão.

Na primeira regressão, a segurança pública apresenta elasticidade negativa, indicando que um aumento na segurança pública em 1% levou a uma redução na taxa de homicídios em 0,36%. Logo, no cálculo racional da prática da atividade ilegal, o indivíduo se depara com o acréscimo no risco de punição dada a elevação do efetivo em segurança pública, que acresce a probabilidade de ser pego, o que converge para o desincentivo para o crime de homicídio.

A relação é elástica e negativamente relacionada com a densidade demográfica – tal resultado era esperado, tendo em vista que a RMSP é uma das mais densas do país e apresenta as menores taxas de homicídios. A elevação do adensamento ao concentrar a atividade econômica gera, além de melhores remunerações no mercado legal, mais ofertas de educação e emprego, o que torna menos atrativa a escolha pelo crime. Ou seja, o custo de oportunidade para a atividade ilegal, aquilo que deixa o indivíduo usufruir legalmente ao optar pelo crime, é crescente com a elevação da concentração populacional que é acompanhado pela geração de emprego e renda23 23 Por outro lado, isso não invalida o argumento de que o maior adensamento demográfico reduziria os custos de planejamento do crime e dificultaria a sua investigação e punição, mas que o efeito do primeiro se sobrepõe ao segundo, considerando que a região já apresentava, antes da análise, alta densidade demográfica. .

As regressões II e III complementam a regressão I ao considerar a probabilidade do indivíduo ter potencial para cometer homicídio, tendo em vista a privação relativa, segundo os ganhos e custos prováveis relacionados à prática desta atividade ilegal. Observa-se que as variáveis explicativas nas regressões II e III apresentam os mesmos sinais, com exceção da segurança pública que não tem significância estatística para a regressão II: essa variável continua inelástica e negativamente relacionada com a taxa de homicídios no caso em que apresenta significância estatística. A densidade demográfica, em ambos os casos, continua elástica e negativamente relacionada com a taxa de homicídios.

A privação na renda, positivamente relacionada e estatisticamente significativa, tem pouco poder explicativo na variação da taxa de homicídios. É necessário elevar em 10% o número de indivíduos abaixo da linha de pobreza para elevar em 0,61% e 0,74% a taxa de homicídios nas regressões II e III, respectivamente. Os ganhos em rendimento no mercado legal na RMSP, redução da privação na renda, estão associados a maiores oportunidades legais o que, por outro lado, acresce o custo de oportunidade da atividade ilegal, tornando-a menos atrativa. Estas elasticidades são relativamente baixas, pois a variável renda está mais associada a crimes contra o patrimônio.

As condições sanitárias, não-significativa na regressão II, são inelásticas e com sinal negativo para explicar a variação da taxa de homicídios nas demais estimativas. A natureza dos dados e sua agregação impossibilita a criação de dummies que permitam captar se as regiões com piores condições sanitárias, proxy para menor infraestrutura, dentro da RMSP, são aquelas que concentram as ocorrências de homicídios. Como alternativa, esta variável buscou investigar se as melhorias nas condições sanitárias, de forma agregada, ao beneficiar a condição de vida da região teriam desdobramentos sobre esta atividade ilegal. Porém, mesmo com a redução da privação, a elasticidade indicou acréscimos na taxa de homicídios para esta dimensão, ou seja, melhores condições sanitárias têm ligação direta com a taxa de homicídios. Esta evidência soa como paradoxo e já foi abordado pela literatura que constatou a melhoria de indicadores de infraestrutura coexistindo com a elevação das taxas de criminalidade (Paixão, 1988PAIXAO, A. L. Crime, controle social e consolidação da democracia: as metáforas da democracia. In: REIS, F. N.; O’DONNELL, G. (Org.). A democracia no Brasil. São Paulo: Vértice, 1988.). A hipótese deste trabalho é de que, do ponto de vista agregado, elevar os gastos com as condições sanitárias não teria um desdobramento direto sobre a redução dos homicídios, mas sim a sua focalização em regiões que carecem deste tipo de serviço – estimativa impossibilitada pela natureza dos dados.

A privação na educação, significativa nas regressões II e III, é inelástica, positiva e indica que maiores privações na educação tendem a elevar a taxa de homicídios e essa relação é relativamente mais elevada entre 2001-2015. Apesar da contradição na literatura empírica quanto ao sinal desta variável nas regressões em relação ao crime, as estimativas para a RMSP indicaram que sobressaem os ganhos no mercado formal associados a níveis de escolaridade mais elevados. A possibilidade de obtenção de emprego formal e salários mais elevados reduz os ganhos líquidos da atividade ilegal.

A vulnerabilidade social é, dentre as variáveis que captam a privação do indivíduo, a que explica melhor a variação na taxa de homicídios por ser elástica e estatisticamente significativa. A elevação de 1% na vulnerabilidade tende a elevar em 1,2% a taxa de homicídios. Reduzir a vulnerabilidade social está diretamente associada à elevação das oportunidades no mercado legal de trabalho. A ocupação do indivíduo entre instruir-se ou estar empregado eleva, portanto, o custo de oportunidade da taxa de homicídios, uma vez que está associada ao dinamismo da economia legal via geração de emprego e renda que acresce o capital humano.

Nas regressões IV e V, para os casos em que se observa significância estatística, a interpretação das variáveis do modelo não difere dos casos anteriores. Chama-se a atenção, apenas, para a vulnerabilidade social que admite valor inelástico. O ponto importante a ser destacado nas regressões IV e V é a proporção de jovens e negros que é elástica e negativamente relacionada com a taxa de homicídios.

A literatura nacional tem convergido ao afirmar que os agentes que cometem homicídios e são vítimas dele são majoritariamente compostos por homens, pretos e jovens (Silva; Ramos, 2020SILVA, R. W.; RAMOS, F. S. Crimes letais e o mercado ilegal de drogas no Brasil: uma análise para o período 2006-2015. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 48, ANPEC, 2020. Anais…; Oliveira, 2005OLIVEIRA, C. Criminalidade e o tamanho das cidades brasileiras: um enfoque da economia do crime. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 33, ANPEC, 2005. Anais... ; Araújo et al., 2010ARAÚJO, E. M. d. et al. Spatial distribution of mortality by homicide and social inequalities according to race/skin color in an intra-urban Brazilian space. Revista Brasileira de Epidemiologia, SciELO Public Health, v. 13, p. 549-560, 2010.). Nesse contexto, é importante ressaltar que, pelo menos na RMSP, não é a variação na proporção desses dois grupos, jovens e pretos, que explica as oscilações positivas na taxa de homicídios, pelo contrário, enquanto a proporção de jovens e pretos foi elevada, a taxa de homicídios decresceu na região. Nesse sentido, destaca-se que há poucos trabalhos que abordam a existência de uma correlação entre percentual de negros na população e crimes violentos (Silva; Ramos, 2020SILVA, R. W.; RAMOS, F. S. Crimes letais e o mercado ilegal de drogas no Brasil: uma análise para o período 2006-2015. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 48, ANPEC, 2020. Anais…). Isto chama atenção para novas agendas de pesquisa que busquem captar a questão do sexo e racial com a atividade ilegal, extrapolando a observação por proporções como feito neste trabalho.

Outro ponto a ser destacado é a seguridade social, que em nenhuma das regressões apresentou significância estatística.

Tabela 5
Coeficientes, P-Valor e testes das elasticidades para a taxa de homicídios na RMSP (2001-2018).

Cabe ressaltar que, em todas as regressões, o Teste VIF situou-se abaixo do comumente aceito na literatura econômica (VIF = 10), que mensura o grau em que cada variável independente é explicada pelas demais variáveis independentes. Pelo Teste White, não se rejeita, a 1% de significância, a hipótese nula de homocedasticidade, por isso o modelo não possui heterocedasticidade. Já com o Teste de Durbin-Watson, dado o tamanho da amostra e o número de parâmetros, não houve indícios de autocorrelação.

Considerações finais

Como abordado no referencial, da ampla gama de potenciais variáveis para explicar a ocorrência de homicídios, as condições socioeconômicas do indivíduo inserido na sociedade, do ponto de vista relativo, são relevantes para compreender a sua probabilidade em desenvolver a atividade ilegal. Nesse sentido, a evolução da privação em variáveis comumente empregadas para a abordagem econômica da ocorrência de homicídios foi explanada na RMSP a fim de compreender o decréscimo na taxa de homicídio dessa região. Esse decréscimo demanda compreensão por se destacar, no contexto nacional, entre as regiões metropolitanas brasileiras.

Assim, salvo a seguridade social, as demais variáveis socioeconômicas empregadas explicam a variação da taxa de homicídios na RMSP, entretanto, é a educação e a vulnerabilidade social que se destacam, dado o valor das elasticidades. Em especial, a redução do número de indivíduos desprovidos de renda e que não estão estudando apresenta as maiores elasticidades entre as privações. Portanto, salvo as condições sanitárias, a redução da taxa de homicídios observada na RMSP está associada à melhoria na qualidade de vida captada pelas múltiplas dimensões abordadas enquanto variáveis explicativas.

Outro ponto relevante a ser destacado é a problemática levantada nos resultados quanto à composição demográfica. A problemática a ser trabalhada em agendas futuras de pesquisa visa explorar as especificidades dos pretos e jovens que os levam a responder por uma porcentagem significante do número de homicídios, não tomando apenas as proporções, mas buscando compreender a correlação negativa das suas respectivas privações com o crime. Uma hipótese a ser testada será a distribuição da privação entre subgrupos de idade e cor da pele, bem como observar sua evolução no tempo. A variação da privação múltipla nesses grupos específicos pode ser uma das causas da redução do crime na região.

  • 1
    As implicações socioeconômicas do crime são extensas e, para título de exposição, destacam-se: dispêndios consideráveis, público e privado, na prevenção e combate da atividade ilegal; prejuízos materiais nos crimes contra o patrimônio; mitigação do desempenho de atividades econômicas que demandam segurança para o seu bom desempenho, como as atividades turísticas; incerteza na segurança reduzindo o incentivo ao investimento local; prejuízos psicológicos da convivência com o crime; redução do estoque de capital humano e da qualidade de vida; queda no bem-estar em decorrência das fragilizações nas relações pessoais; exigência de mudanças em hábitos cotidianos para a ‘convivência’ com o crime; carência do consumo de serviços de educação e saúde dada a interrupção da sua oferta ou pela dificuldade de acesso em decorrência da insegurança, confrontos ou operações de segurança (Santos; Kassouf, 2008SANTOS, M. J.; KASSOUF, A. L. Estudos econômicos das causas da criminalidade no Brasil: evidências e controvérsias. EconomiA, v. 9, n. 2, p.343-372, 2008; Loureiro; Silva, 2012LOUREIRO, P. R. A.; SILVA, E. C. D. What causes intentional homicide? Journal of International Development, J. Int. Dev, v. 24, p. 287-303, 2012. ; Fajnzylber; Lederman; Loayza, 2002; Cerqueira, 2012CERQUEIRA. D. Causas e consequências do crime no Brasil. Tese (Doutorado)–Departamento de Economia – PUC Rio de Janeiro, 2012. 168p.).
  • 2
    A pesquisa de Londoño e Guerrero (1999)LONDOÑO, J. L.; GUERRERO, R. Violencia en América Latina: epidemiologia y costos. Banco Interamericano de Desarrollo, 1999. Mimeo. (Documento de Trabajo, R-375). refere-se ao ano de 1996.
  • 3
    Das regiões metropolitanas que se têm dados na Pesquisa Nacional Amostra de Domicílio (PNAD) e para o período analisado.
  • 4
    Gazzano (2008)GAZZANO, M. Um modelo espaço-temporal bayesiano para medir a interação social na criminalidade: simulações e evidências na Região Metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado)–PPGE. UFRGS, 2008. e Schneider (2006)SCHNEIDER, A. A. Determinantes da criminalidade na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado)–FGV EAESP, 2006. estudam tanto homicídios, quanto roubo e furto. Gazzano (2008)GAZZANO, M. Um modelo espaço-temporal bayesiano para medir a interação social na criminalidade: simulações e evidências na Região Metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado)–PPGE. UFRGS, 2008. foca seu estudo na mensuração da interação social da criminalidade na RMSP, no sentido de verificar como a decisão do indivíduo em ingressar no mercado ilegal afeta a decisão dos seus vizinhos e, consequentemente, influi nos números da criminalidade da região. Já Schneider (2006)SCHNEIDER, A. A. Determinantes da criminalidade na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado)–FGV EAESP, 2006. fez duas análises, na primeira toma as variáveis econômicas (renda e desemprego) e “dissuasivas” (o efetivo da polícia militar, as prisões efetuadas pela polícia e o número de pessoas cumprindo pena em estabelecimentos prisionais) para analisar a variação do crime. Na segunda análise, Schneider (2006)SCHNEIDER, A. A. Determinantes da criminalidade na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado)–FGV EAESP, 2006. toma a restrição da venda de bebidas alcoólicas para, também, compreender a variação no número de crimes.
  • 5
    Entende-se por fatores, ou variáveis, dissuasivos a probabilidade de punição e valor da punição diante da decisão do indivíduo em cometer um crime.
  • 6
    A pesquisa de Narayan (2000)Narayan, D. Voices of the poor: can anyone hear us? World Bank Publication, DC, 2000., realizada pelo Banco Mundial, documenta o levantamento da percepção da situação de privação dos indivíduos na situação de pobreza.
  • 7
    Usar o estudo multidimensional permite captar a heterogeneidade no usufruto da vida social, ciente de que o indivíduo se preocupa com outros fatores não-monetários, non-tradable e semicorrelacionados (Decancq, 2011DECANCQ, K. Global inequality: a multidimensional perspective. Center for Economic Studies, Katholieke Universiteit, 2011. (Discussions Paper Series, n. 11.09).; Sial; Noreen; Awan, 2015SIAL, M. H.; NOREEN, A.; AWAN, R. U. Measuring multidimensional poverty and inequality in Pakistan. The Pakistan Development Review, v. 54, n. 4, p. 685-698, 2015.).
  • 8
    No Brasil, a disponibilidade de dados é uma relevante restrição quando o objetivo é descrever as privações multidimensionais no indivíduo. Isso se deve às constantes mudanças na metodologia da coleta de dados, à carência de informações específicas que permitem captar certas dimensões e às especificidades na periodicidade da divulgação dos resultados. Daí a demanda por cautela ao considerar os planos amostrais das principais pesquisas de abrangência nacional disponíveis, bem como suas especificidades (Medeiros; Souza; Castro, 2014MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H. G. F.; CASTRO, F. A. A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares. Social Science Research Network Working Paper, 2014 Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2493877.
    http://ssrn.com/abstract=2493877...
    ).
  • 9
    Cabe ressaltar que: i) as variáveis apresentadas aqui se restringe às selecionadas para os testes empíricos da próxima seção e, portanto, outras dimensões são passíveis de serem selecionadas enquanto variáveis explicativas para o crime; ii) o relatório apresentado por Stiglitz e Sen (2009)STIGLITZ, J. E.; A. SEN; FITOUSSI, J. P. Report by the Commission on the measurement of economic performance and social progress. Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress, 2009. Mimeo. foi relevante para a determinação das variáveis-chave para o bem-estar, mas ainda trata-se de um tema ‘inacabado’, no sentido de que não é consenso e comumente outras variáveis passam a integrar a lista para a qualificação do bem-estar; iii) a seleção das dimensões abordadas se deve, também, à disponibilidade e especificidades dos dados, como sublinhado na nota de rodapé 7; iv) esse levantamento não visa preencher a literatura sobre as causas da ocorrência de homicídios e, tão pouco discorrer sobre suas diversas causalidades, mas de apresentar a relação estabelecida dessas variáveis com o crime, bem como dos sinais esperados das estimativas.
  • 10
    Duas ressalvas devem ser levantadas: ciente das causas múltiplas da ocorrência de homicídios, este trabalho não visa esgotar suas variáveis socioeconômicas explicativas; e a literatura sobre as privações múltiplas é uma teoria que não tem consenso sobre a composição das variáveis para descrever a situação de privação do indivíduo na sociedade (Decan1, 2009DECANCQ, K. Essays on the measurement of multidimensional inequality. Proefschrift voorgedragen tot het behalen van de grad van Doctor in de Economische Wetenschappen. Katholieke Universiteit Leuven, 2009.). As dimensões que serão propostas posteriormente são algumas das possibilidades disponíveis na PNAD e PNADC, sensíveis na transição e vulnerabilidade da situação do indivíduo na sociedade (Campello et al., 2018CAMPELLO, T. et al. Faces da desigualdade no Brasil: um olhar sobre os que ficam para trás. Saude Debate, v. 42, n. 3, p.54-66, 2018.).
  • 11
    O CID-10 é a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde e disponibiliza os códigos relativos à classificação de doenças, sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças (Cerqueira, 2019CERQUEIRA, D. Atlas da violência: 2019. Organizadores: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019.). A partir de tais códigos é possível levantar a causa do óbito, onde o intervalo compreendido entre as causas X85-Y09 são os causados por agressão, e os Y35 e Y36 são os causados por intervenção legal, em suma eles ambos intervalos equivalem aos óbitos por homicídios.
  • 12
    Para os anos de 2001 e 2002 foi utilizada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) CBO 94 – Grupo base, e os dados referentes aos trabalhadores na segurança pública foram extraídos da Rais com base nos códigos 581, 582, 583, 584 e 313. Para os anos entre 2003 a 2018, os dados foram extraídos com base na CBO 2002 – Família com base nos códigos 5171, 5172, 3518, 5173, 5174 e 2423, os quais, segundo a base de dados da Rais e a conversão de classificações, são os códigos correspondentes à CBO 94 – Grupo Base.
  • 13
    Os microdados de 2001 a 2015 foram extraídos da PNAD, e os de 2016 a 2018 da PNADC. Cabe alertar que existem diferenças metodológicas entre essas duas pesquisas. Após consulta do autor ao IBGE, uma das variáveis do modelo, a vulnerabilidade social, foi gerada somente até 2015, pois é inviável que a mesma variável seja gerada para a PNADC. Todavia, pelo dicionário que descreve as demais variáveis do modelo, ainda considerando o recorte de dimensões selecionados neste trabalho, foi possível criar as demais variáveis para o período de 2001-2018, respeitando suas respectivas descrições nos dicionários.
  • 14
    As condições consideradas para cada dimensão dizem respeito ao período de referência da pesquisa, salvo a variável educação, que considera o nível de instrução do indivíduo com base no último ano de estudo, no caso desse indivíduo não estar estudando na semana de referência.
  • 15
    Ver metodologia de estimação das linhas de pobreza em Rocha (2006).
  • 16
    A proporção considerada está de acordo com Aaberge e Brandolini (2014)AABERG, R.; BRANDOLINI, A. Multidimensional poverty and inequality. Banca D’Italia, 2014. (Temi di Discussione, Working Papers, n. 976)., que estruturam a metodologia para a desigualdade multidimensional desagregada para variáveis dicotômicas.
  • 17
    Os pesos são empregados visando atribuir a relevância e paralelo entre as dimensões na satisfação do indivíduo (Decancq, 2013 apud Aaberg; Brandolini, 2014AABERG, R.; BRANDOLINI, A. Multidimensional poverty and inequality. Banca D’Italia, 2014. (Temi di Discussione, Working Papers, n. 976).). Aqui serão adotados, como comumente empregado na literatura acadêmica, pesos iguais para as dimensões consideradas, sobretudo devido à complexidade e à ausência de consenso do ponto de vista metodológico, além da dificuldade de se transportar as avaliações dos indivíduos para os dados disponíveis (Aaberg; Brandolini, 2014AABERG, R.; BRANDOLINI, A. Multidimensional poverty and inequality. Banca D’Italia, 2014. (Temi di Discussione, Working Papers, n. 976).).
  • 18
    A média geométrica fornece uma medida central, ou o valor típico do conjunto. Seja k = 1, ..., 3, as dimensões que compõem as condições sanitárias, então: da=Πk=1Kxik;ka.
  • 19
    A possibilidade de ambiguidade da relação entre as variáveis socioeconômicas e o crime, tal como abordado no referencial teórico, impossibilita, de antemão, afirmar sobre as correlações positivas ou negativas da situação de privação em determinada dimensão.
  • 20
    Este procedimento do somatório da função de decisão individual preserva as motivações e inferência sobre os ganhos líquidos do crime e, portanto, não compromete o modelo e a relação de elasticidade entre as variáveis. A função passa a fornecer a taxa de criminalidade captando as mudanças no crime diante das variações nas variáveis explicativas (Kume, 2004KUME, L. Uma estimativa dos determinantes da taxa de criminalidade brasileira: uma aplicação em painel dinâmico. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 32, 2004. Anais... ; Resende; Andrade, 2011RESENDE, J. P.; ANDRADE, M. V. Crime social, castigo social: desigualdade de renda e taxas de criminalidade nos grandes municípios brasileiros. Estudos Econômicos, v. 41, n. 1, p. 173-195, 2011.). Entretanto, é inegável que a utilização de dados agregados deixa de captar algumas das dinâmicas criminais (Cerqueira; Lobão, 2003CERQUEIRA, D.; LOBÃO, W. Condicionantes sociais, poder de polícia e o setor de produção criminal. IPEA, 2003. (Texto para Discussão, n. 95).).
  • 21
    Caso haja interesse nos dados da taxa de homicídios por município da RMSP: solicitar ao autor.
  • 22
    Estes ganhos e custos são específicos da amostra e do período analisados. A multicausalidade e a interação das variáveis socioeconômicas na motivação do crime fazem da relação dinâmica aqui explorada, dos sinais e valores das elasticidades em relação ao crime, não genéricos para outras amostras e períodos.
  • 23
    Por outro lado, isso não invalida o argumento de que o maior adensamento demográfico reduziria os custos de planejamento do crime e dificultaria a sua investigação e punição, mas que o efeito do primeiro se sobrepõe ao segundo, considerando que a região já apresentava, antes da análise, alta densidade demográfica.
  • JEL: Z00, K4, C22.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2021
  • Aceito
    10 Out 2022
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