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Um paradigma para entender e tratar as doenças psiquiátricas

EDITORIAL

Um paradigma para entender e tratar as doenças psiquiátricas

Um problema-chave do diagnóstico é o fato de que os elaborados sistemas de classificação hoje existentes baseiam-se somente em descrições subjetivas dos sintomas. Tal fenomenologia detalhada inclui a descrição de múltiplos subtipos clínicos; no entanto, não há uma característica biológica que diferencie um subtipo do outro. Além disso, reconhece-se que uma variedade de transtornos pode exibir sintomas clínicos semelhantes, e que um mesmo transtorno pode se manifestar de forma distinta em pessoas diferentes.

Uma abordagem de pesquisa que descreve achados neurobiológicos confiáveis baseados na síndrome psicopatológica seria mais consistente do que um sistema não-etiológico de classificação.

Tentativas integradoras para entender questões complexas de saúde podem transcender as fronteiras das disciplinas e do conhecimento e fornecer oportunidades para observar os fenômenos a partir de perspectivas diversas. Um futuro sistema de critérios diagnósticos, em que a etiologia e a fisiopatologia sejam essenciais na tomada de decisões diagnósticas, colocaria a psiquiatria mais próxima de outras especialidades médicas. A relação entre o estresse e a enfermidade é um forte exemplo de uma área de estudo que pode ser mais bem compreendida a partir de uma perspectiva integradora. O potencial de um enfoque integrador para contribuir com as melhorias na saúde e bem-estar humanos é mais importante do que os vieses históricos que têm sido associados à abordagem científica integradora.1

Essa abordagem mostra, muito claramente e sem nenhuma dúvida, que as causas, desenvolvimento e prognóstico dos transtornos são determinados pelas interações de fatores psicológicos, sociais e culturais com a bioquímica e a fisiologia. A bioquímica e a fisiologia não estão desconectadas e não diferem do restante das experiências e eventos de vida do indivíduo.

Esse sistema está baseado nos estudos atuais que relataram que o cérebro e seus processos cognitivos funcionam em extraordinária sincronia. Conseqüentemente, aceitar o complexo cérebro-corpo-mente hoje é possível quando sabemos que os três sistemas - neurológico, endócrino e imune - possuem receptores em células críticas que podem receber informação (via moléculas mensageiras) de cada um dos outros sistemas.2 O quarto sistema, a mente (nossos pensamentos, sentimentos, crenças e esperanças), é a parte do funcionamento do cérebro que integra o paradigma PsicoNeurolmunoEndocrinologia. A interação corpo-mente, um funcionamento explícito do cérebro, é crítica para a manutenção da homeostase e bem-estar.3

Hoje, é amplamente aceito que o estresse psicológico pode alterar o estado homeostático interno de um indivíduo. Durante o estresse agudo, ocorrem respostas fisiológicas adaptativas, incluindo aumento da secreção adrenocortical de hormônios, principalmente de cortisol. Sempre que existe uma interrupção aguda desse equilíbrio, a enfermidade pode sobrevir. Especial interesse merecem o estresse psicológico (estresse na mente) e as interações dos sistemas neurológico, endócrino e imune, que serão revisados nesta edição.

Os ambientes sociais e físicos têm um enorme impacto em nossa fisiologia e comportamento e influenciam o processo de adaptação ou "alostase".4 É correto afirmar, ao mesmo tempo, que nossas experiências alteram nosso cérebro e pensamentos, isto é, modificando nossa mente, alteramos nossa neurobiologia. Essa ação do cérebro é a primeira linha de defesa do corpo contra a enfermidade, contra o envelhecimento e a favor da saúde e do bem-estar.3 Dessa forma, somente a adoção de um enfoque multidisciplinar, reunindo o conhecimento e a tecnologia da física, da fisiologia, da psicologia e da filosofia, poderá integrar o sistema em seu conjunto. Os genes, o estresse precoce, as experiências na vida adulta, o estilo de vida e as experiências de vida estressantes contribuem como forma pela qual o corpo se adapta a um meio ambiente mutável; e todos esses fatores ajudam a determinar o custo para o corpo - ou a "carga alostática". A maioria desses estudos envolve a neurobiologia e a psicologia, mas são imperfeitos sem a contribuição de outras áreas, tais como a antropologia cultural, a economia, a epidemiologia, a ciência política e a sociologia.4

Os dados emergentes na área da psiconeuroimunologia contribuem para a compreensão dos mecanismos pelos quais os eventos traumáticos afetam a saúde corporal. A interação entre o comportamento, a neurobiologia e o sistema endócrino, que pode resultar em imunossupressão, é a descoberta mais interessante na medicina atual e suas implicações são importantes para a prevenção e o tratamento das doenças somáticas.5

Dessa forma, temos o grande prazer de apresentar este suplemento intitulado "PsicoNeuroImunoEndocrinologia: um paradigma para a compreensão e o tratamento da doença psiquiátrica" aos leitores da Revista Brasileira de Psiquiatria.

Mario Francisco Juruena

Institute of Psychiatry, Departament of Psychological

Medicine, Section of Neurobiology of Mood Disorders;

Stress, Psychiatry and Immunology Lab (SPI-Lab),

King's College/University of London, UK

Andrea H Marques

National Institute of Mental Health,

Section on Neuroendocrine Immunology and

Behavior Integrative Neural Immune Program, NIH, Bethesda,

Maryland, EUA

Andrea Feijo Mello

Programa de Doenças Afetivas (PRODAF), Departamento de

Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),

São Paulo (SP), Brasil

Marcelo Feijo Mello

Programa de Atendimento às Vítimas de Violência (PROVE),

Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de

São Paulo (UNIFESP), São Paulo (SP), Brasil

Referências

1. King SL, Hegadoren KM. An integrative science approach: value added in stress research. Nurs Health Sci. 2006;8(2):114-9.

2. Basar E, Karakas S. Neuroscience is awaiting for a breakthrough: an essay bridging the concepts of Descartes, Einstein, Heisenberg, Hebb and Hayek with the explanatory formulations in this special issue. Int J Psychophysiol. 2006;60(2):194-201.

3. Ray O. The revolutionary health science of psychoendoneuroimmunology: a new paradigm for understanding health and treating illness. Ann N Y Acad Sci. 2004;1032:35-51.

4. McEwen BS. From molecules to mind. Stress, individual differences, and the social environment. Ann N Y Acad Sci. 2001;935:42-9.

5. Tosevski DL, Milovancevic M. Stressful life events and physical health. P Curr Opin Psychiatry. 2006;19(2):184-9.

Financiamento: Inexistente

Conflito de interesses: Inexistente

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Maio 2007
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