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QUEM PODE FALAR NO CENÁRIO POLÍTICO? DISCURSOS DISCRIMINATÓRIOS SOBRE A VOZ E A FALA PÚBLICA FEMININAS

Who Can Speak on the Political Scene? Discriminatory Discourses about Female Voice and Public Speech

¿Quién puede hablar en la escena política? Discursos discriminatorios sobre la voz femenina y el discurso público

Resumo

O artigo trata da longa duração histórica dos discursos discriminatórios que visam a calar e/ou a menosprezar a voz e a fala pública femininas. Valendo-se de pressupostos e procedimentos metodológicos da Análise do discurso francesa, examinam-se enunciados da Grécia e da Roma antigas e do Brasil contemporâneo, formulados em gêneros discursivos diversos, que materializam um conjunto de ideias, crenças e representações a propósito das supostas incapacidades femininas para o desempenho oratório no espaço público. No que concerne à contemporaneidade, analisam-se enunciados que tematizam a voz e a fala pública femininas no cenário político, mais precisamente com respeito à ex-presidenta Dilma Rousseff e à deputada federal Tabata Amaral. Demonstra-se que, a despeito das profundas transformações históricas nas condições de produção dos discursos, a discriminação da fala e da voz femininas consolidou-se de tal modo que continua a se perpetuar em nossos dias.

Palavras-chave:
Discurso político; Fala pública; Fala feminina

Abstract

The article discusses the long-standing history of silencing and belittling women’s voices and public speech through discriminatory discourses. Using assumptions and methodological procedures of the French Discourse Analysis, we examine utterances from ancient Greece and Rome, from modern Europe and contemporary Brazil, coming from different fields of knowledge and formulated in different discursive genres, which materialize a set of ideas, beliefs, and representations about the supposed female incapacities for public performance in public space. Regarding contemporary times, we analyze utterances that focus on female voice and public speech in the political scenario, more precisely, utterances that concern former president Dilma Rousseff and federal deputy Tabata Amaral. We demonstrate that, despite the profound historical changes in the conditions of discourse production, the discrimination of female speech has become so consistent that it continues to perpetuate itself today.

Keywords:
Political discourse; Public speech; Women’s speech

Resumen

El artículo aborda la larga duración histórica de los discursos discriminatorios que buscan silenciar y/o menospreciar la voz y la expresión pública de las mujeres. Utilizando supuestos y procedimientos metodológicos del Análisis del Discurso francés, se examinan enunciados de la antigua Grecia, Roma y la contemporánea Brasil, y se formulan en géneros discursivos variados. Estos enunciados materializan un conjunto de ideas, creencias y representaciones acerca de las presuntas limitaciones de las mujeres para el discurso público en el espacio público. En lo que respecta a la contemporaneidad, se analizan enunciados que tratan sobre la voz y la expresión pública de las mujeres en el ámbito político, específicamente aquellos relacionados con la expresidenta Dilma Rousseff y la diputada federal Tabata Amaral. Se demuestra que, a pesar de las profundas transformaciones históricas en las condiciones de producción de los discursos, la discriminación hacia la voz y la expresión pública de las mujeres se ha consolidado de tal manera que continúa perpetuándose en nuestros días.

Palabras clave:
Discurso político; Expresión pública; Voz femenina

Falar é aos homens que compete.

(Homero, I, 358-359)

No que diz respeito a silenciar as mulheres, a cultura ocidental tem milhares de anos de prática.

(Beard, 2018BEARD, M. Mulheres e poder: um manifesto. Tradução de Celina Portocarrero. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018., p. 11)

1 INTRODUÇÃO

A voz e a fala femininas foram há muito proscritas do campo da fala pública. Essa proscrição tem uma força tamanha que seus ecos se estendem até nossos dias, em que pesem as profundas transformações históricas que se processaram ao longo dos séculos. Com efeito, não se deve reduzir a história da fala pública a uma restrita história da retórica. Antes, ela precisa se expandir o suficiente para compreender uma história do corpo, dos gestos e da voz do orador e de seu exercício de fala pública, uma história dos dispositivos materiais que produzem, transmitem e registram esse exercício e ainda uma história do público ouvinte, considerando a ampla diversidade de suas recepção e comportamentos (Courtine; Piovezani, 2015COURTINE, J.-J.; PIOVEZANI, C. (Org.). História da fala pública: uma arqueologia dos poderes do discurso. Petrópolis: Vozes, 2015.). Com mais forte razão, em meio a essa sua condição complexa e diversa, a história da fala pública não poderia contornar as exclusões e as discriminações de que a voz e a fala femininas foram contínua e constantemente objeto.

Mais presente e atuante do que talvez pudéssemos supor, há uma “sexuação” nas práticas e representações da fala pública. Essa sexuação consiste no fato de que a repartição entre as possibilidades e os efetivos exercícios da fala pública e entre seus poderes, alcances e efeitos é atravessada e constituída por uma histórica e social divisão entre os universos masculino e feminino. Ocorre, portanto, a formação de uma percepção sexuada da fala pública, cujo destino será longo e consistente. Em uma tal percepção,

contrapõem-se a força viril do orador que fala e vence o tumulto dos auditórios e a passividade feminina sob a forma cômoda do silêncio; contrastam-se a virtude masculina da coragem exigida pela parrêsia e o vício feminino da bajulação e do eufemismo; demarcam-se, finalmente, o ideal masculino da voz, que se assentaria na harmonia firme e viril da fala e que remonta à força dos gritos de guerra e caça, e a feminidade sedutora do canto, no qual ecoariam a melodia de ninfas e sereias (Courtine; Piovezani, 2015COURTINE, J.-J.; PIOVEZANI, C. (Org.). História da fala pública: uma arqueologia dos poderes do discurso. Petrópolis: Vozes, 2015., p. 17).

Partindo dessa contraposição entre o que seriam as forças e aptidões masculinas para o desempenho oratório e o que se alega serem as fragilidades e incompetências femininas para a fala pública, nosso artigo trata da longa duração histórica dos discursos discriminatórios que visam a calar e/ou a menosprezar a voz e a fala femininas. Valendo-nos de pressupostos, noções e procedimentos metodológicos da Análise do discurso francesa, examinamos aqui enunciados da Grécia e da Roma antigas e do Brasil contemporâneo. Provenientes de diferentes campos do saber e formulados em gêneros discursivos diversos, tais enunciados materializam um conjunto de ideias, crenças, valores e representações a propósito da suposta incapacidade feminina para o exercício de fala no espaço público.

No que concerne à contemporaneidade, especificamente, serão analisados enunciados que tematizam a voz e a fala pública femininas no cenário político, mais precisamente enunciados que dizem respeito à ex-presidenta Dilma Rousseff e à deputada federal Tabata Amaral. Nosso objetivo é o de demonstrar que, a despeito das consideráveis transformações históricas nas condições de produção dos discursos e a despeito da diversidade dos tempos, dos espaços, dos campos de saber e dos gêneros discursivos, a discriminação da fala e da voz femininas atravessou os séculos e consolidou-se de tal modo que continua a se perpetuar em nossos dias.

Como se pode observar, na perspectiva dos estudos discursivos, há uma concepção de história e de sociedade que pressupõe a produção, a reprodução e as transformações nas relações de força e de sentido que se processam em seu interior e as constituem. Numa abordagem discursiva, os discursos são concebidos ao mesmo tempo como elementos em que se materializam as diferentes ideologias de uma sociedade, como um universo que determina o que podemos ou não podemos dizer, em diversas condições de produção do que se diz, e finalmente como um processo em que se constituem os sentidos que passa a adquirir cada uma das coisas ditas. Esse processo constrói os sentidos mediante a instauração de relações de equivalência e de encadeamento entre as palavras e enunciados que produzimos como sujeitos do dizer. Desse modo, as mesmas palavras e enunciados podem produzir diferentes sentidos, quando inseridos num ou noutro discurso, tanto quanto as palavras e os enunciados distintos podem produzir os mesmos sentidos, desde que inseridos num mesmo discurso (Pêcheux, 1997PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da Unicamp, 1997., p. 160-161).

Por um lado, o discurso é uma materialização privilegiada das lutas sociais, porque dá corpo e difusão às ideologias, e, por outro, consiste numa prática de poder, pela qual lutamos. Ele é um “poder de que queremos nos apoderar” (Foucault, 2001FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2001., p. 10), porque encerra nosso direito de dizer e de nos fazermos ouvir e compreende a legitimidade, a força, a conservação e o alcance das formas e dos conteúdos do que dizemos. As relações sociais desniveladas, os mecanismos de reprodução social e os sistemas diversos de opressão e dominação produzem esta distribuição desigual: os discursos opressivos, que aberta ou dissimuladamente beneficiam poderosos e que direta ou indiretamente depreciam despossuídos, estão muito mais arraigados e são muito mais duradouros e difundidos do que os discursos emancipatórios, que os denunciam como engodo interesseiro ou como ignorância de que alguns podem se favorecer mais ou menos inconscientemente. Esse funcionamento discursivo torna fundamentais uma análise e uma compreensão mais precisa dos discursos que detratam a voz e a fala femininas.

2 A VOZ E A FALA FEMININAS: BREVE GENEALOGIA DE UMA LONGA HISTÓRIA DE EXCLUSÕES

Na passagem da Odisséia, de Homero, que reproduzimos logo abaixo, se materializa um discurso de silenciamento da fala pública feminina mediante um descrédito que lhe é impingido em sua comparação à fala pública masculina.

Cantava para eles o célebre aedo, e eles estavam sentados em silêncio a ouvir. Do triste regresso dos Aqueus cantava, do regresso que de Tróia Palas Atena lhes infligira. De seus altos aposentos ouviu o canto sortílego a filha de Icácio, a sensata Penélope. E desceu da sua sala a escada elevada, não sozinha, pois duas criadas com ela seguiam. Quando se aproximou dos pretendentes a mulher divina, ficou junto à coluna do tecto bem construído, segurando à frente do rosto um véu brilhante. De cada lado se colocara uma criada fiel. Chorando assim falou ao aedo divino: “Fémio, conheces muitos outros temas que encantam os homens, façanhas de homens e deuses, como as celebram os aedos. Uma delas cantam agora, enquanto estás aí sentado; e que eles em silêncio bebam o seu vinho. Mas cessa já esse canto tão triste, que sempre no meu peito o coração me despedaça, visto que em mim está entranhada uma dor inesquecível. Pois vem-me sempre à memória a saudade daquele rosto, do marido a quem toda a Hélade e Argos celebram.” Tal resposta deu à mãe o prudente Telémaco: “Minha mãe, por que razão levas a mal que o fiel aedo nos deleite de acordo com a sua inspiração? Não são culpados os aedos, mas Zeus: aos homens que por seu pão trabalham estabeleceu o destino que entendeu. Não é justo levarmos a mal que ele cante a desgraça dos Dânaos. Pois os homens apreciam de preferência o canto que lhes pareça soar mais recente aos ouvidos. Que o teu espírito e o teu coração ousem ouvir. Não foi só Ulisses que perdeu o dia do retorno em Tróia; também pereceram muitos outros. Agora volta para os teus aposentos e presta atenção aos teus lavores, ao tear e à roca; e ordena às tuas servas que façam os seus trabalhos. Pois falar é aos homens que compete, a mim sobretudo: sou eu quem manda nesta casa.” (Homero, 2010HOMERO. Odisséia. Tradução de Frederico Lourenço. 8. ed. Lisboa: Livros Cotovia, 2010., p. 34-35, grifos nossos)1 1 Homero, Odisséia 1, 325-359. .

Eis aí o momento em que Penélope desce de seus aposentos e se dirige ao grande salão do palácio, onde seus pretendentes se amontoam a sua espera e à disposição de sua escolha. “Chorando”, a frágil Penélope sugere ao aedo, que então cantava aos presentes, uma mudança na temática do que era então entoado: o “canto tão triste” lhe trazia a memória de Ulisses, seu marido, de quem ainda esperava o retorno da Guerra de Troia. Telêmaco, por seu turno, interpelando a mãe, não apenas desautoriza a solicitação de Penélope, alegando que os aedos não tinham culpa do destino de Ulisses, como também lhe ordena o retorno aos trabalhos domésticos - aos “lavores, ao tear e à roca”. Sua justificativa é a de que a fala pública é uma competência exclusivamente masculina: “falar é aos homens que compete”. A postura de Telêmaco, que em nossos dias e a partir de uma posição progressista identificaríamos como misógina, fora caracterizada por Homero como “prudente”.

Na perspectiva homérica, a intervenção de Penélope é uma sequência de erros: ela erra em seu excessivo sentimentalismo (“Chorando assim falou ao aedo divino”; “cessa já esse canto tão triste, / que sempre no meu peito o coração me despedaça”); erra ao se incomodar com o que canta o aedo e ao lhe sugerir que entoe tema distinto daquele que então cantava, pois, assim, parece desconhecer e desrespeitar “sua inspiração”; erra ao desconhecer que os aedos cantam o que cantam não movidos por sua própria vontade, mas por inspiração divina (“Não são culpados os aedos, mas Zeus”); erra pela ausência de empatia para com outros que se perderam no retorno de Tróia, além de Ulisses (“Não foi só Ulisses que perdeu o dia do retorno / em Tróia; também pereceram muitos outros”; e erra por ter deixado seu espaço recluso e seus afazeres domésticos (“Agora volta para os teus aposentos e presta atenção / aos teus lavores, ao tear e à roca”). Mas, sem dúvida, Penélope errou ainda mais por ter ousado falar em espaço quase público, por ali ter feito uma demanda e por não ter reconhecido a autoridade masculina de seu filho (“Pois falar é aos homens/ que compete, a mim sobretudo: sou eu quem manda nesta casa”).

Se nos limitarmos ao universo Ocidental, é possível afirmar que esse é o “primeiro exemplo registrado de um homem mandando uma mulher ‘calar a boca’ e afirmando que a voz dela não deveria ser ouvida em público” (Beard, 2018BEARD, M. Mulheres e poder: um manifesto. Tradução de Celina Portocarrero. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018., p. 15). No entanto, a despeito dessa sua condição de primeiro registro escrito da opressão masculina sobre uma mulher, trata-se, numa perspectiva discursiva, de um enunciado que atesta o funcionamento de um anterior e já bem assentado dispositivo de silenciamento da fala pública feminina. Nele, a detratação desta última se conjuga com o enaltecimento da competência da fala masculina. Já estabelecido, tal dispositivo daria ainda ensejo a uma longa história de discriminações.

Sua atuação não se restringiria, portanto, ao texto homérico. Ao longo da Antiguidade grega e latina, assistiremos a uma emergência contínua de suas operações, sob a forma de uma série de regularidades discursivas. Na passagem do período Arcaico ao período Clássico da Grécia Antiga, e com a entrada para um regime democrático de governo, outra obra, desta vez uma comédia, faria reverberar o silenciamento registrado na epopeia de Homero. Ekklesiazousai, que poderia ser traduzida por “as mulheres que se reúnem em assembleia” (Pompeu, 2016POMPEU, A. M. C. Tradução: excerto de Assembleia das mulheres, de Aristófanes. Transversal - Revista em Tradução, Fortaleza, v. 2, n. 1, p. 84-87, 2016., p. 84), é a décima peça escrita por Aristófanes. Seu enredo consiste na reunião de um grupo de mulheres que, lideradas por Praxágora, vestem-se com trajes masculinos para ir à assembleia, espaço interditado à presença feminina. Lá elas pretendiam discursar para o público e defender a entrega do Estado às mulheres. A comédia narra, então, os obstáculos encontrados pelo grupo para a realização desse seu projeto. Entre os empecilhos com que se depararam, estaria, não por acaso, a parca habilidade oratória, o que funciona, no texto, como parte de sua graça. Vejamos, a seguir, algumas passagens que materializam mais emblematicamente o menosprezo pela fala feminina:

[1ª Mulher] E como uma associação de mulheres frágeis vai discursar na assembleia?

[Praxágora] De um modo excelente. Pois dizem dos jovens que, quanto mais enrabados, mais terríveis são no discursar. Assim, a coisa começa bem para nós.

[1ª Mulher] Não sei, terrível é a falta de experiência.

[Praxágora] Mas não é esse o intuito de estarmos aqui reunidas: ensaiar o que devemos discursar lá? Você aí, não se antecipe em prender a barba; suponho que as outras já treinaram como falar.

[1ª Mulher] E qual de nós já não é perita em falar, querida?

[...]

[Praxágora] Então vai, põe a coroa: vai dar tudo certo. Agora tente falar bonito como um homem, apoiando a postura na bengala.

[2ª Mulher] Eu preferia que outro, desses acostumados a discursar, fizesse o melhor, enquanto eu assistiria calmamente sentada…

Pelos excertos, é possível afirmar que o absurdo narrado pela comédia está assentado numa série de oposições: se, por um lado, o risível reside no fato de que as mulheres, mesmo frágeis, querem discursar na assembleia (“E como uma associação de mulheres frágeis vai discursar na assembleia?”); por outro lado, como resíduo sintomático, tem-se a naturalização de um discurso segundo o qual a força é um pré-requisito para a fala. Uma vez que a força seria um atributo viril, a habilidade da fala se torna apanágio masculino. Paráfrases possíveis do que se enuncia na comédia de Aristófanes seriam as seguintes: “os homens são fortes e, por isso, podem discursar” e, seu correlato, “as mulheres são frágeis e, por isso, não podem discursar”. Do mesmo modo, a exposição do que poderia ser uma alternativa que favoreceria as mulheres frente a sua suposta inaptidão concorre para os efeitos de humor da comédia: “dizem dos jovens que, quanto mais enrabados, mais terríveis são no discursar”. Na busca por uma semelhança entre homens e mulheres que pudesse proporcionar uma boa desenvoltura oratória a estas últimas, ressalta-se o papel sexual passivo exercido por ambos, de que decorreria uma certa paridade retórica. A validade dessa equivalência é refutada logo em seguida, na medida em que se destaca a falta de experiência das mulheres nas práticas de fala pública, ainda que, hipoteticamente, fossem tão “enrabadas” quanto os bons oradores: “terrível é a falta de experiência”.

No mesmo sentido da depreciação da fala feminina, encontram-se os distintos empregos dos verbos λέγειν (lê-se: léguein) e λαλεῖν (lê-se: lalêin). Com o verbo λέγειν, faz-se referência ao discurso a ser feito em assembleia e a sua necessidade de ensaio: “Mas não é esse o intuito de estarmos aqui reunidas: ensaiar o que devemos discursar lá?”. Na sequência, por meio do verbo λαλεῖν, alude-se à fala das próprias mulheres ou à fala da qual já haviam se apropriado: “suponho que as outras já treinaram como falar. E qual de nós já não é perita em falar, querida?”. De um lado, o grave discurso na assembleia, de outro, a frívola fala das mulheres. Ainda que os dois verbos remetam à mesma ação, não são os mesmos os sentidos produzidos por ambos.

Noutros termos, para o ato de discursar em assembleia, emprega-se λέγειν, cuja definição em dicionário seria, entre outras, “ler em voz alta; recitar; cantar; dizer; ordenar; dizer com insistência ou com autoridade; falar como orador” (Malhadas; Dezotti; Neves, 2006-2010)2 2 Referência eletrônica, ausência de página. . A fala das mulheres, por sua vez, é anunciada pelo verbo λαλεῖν, cuja definição, no mesmo dicionário, seria “emitir sons inarticulados; tagarelar; assunto objeto de falatório” (Malhadas; Dezotti; Neves, 2006-2010). É especificamente no exercício de fala proposto pelo verbo λαλεῖν que Aristófanes enquadra a fala feminina: é nele que as mulheres são “peritas”. Não por acaso, na sequência do excerto, Praxágora sugere a uma das mulheres que fale “bonito como um homem”. A resposta de sua interlocutora expressa sua preferência e o que seria sua cômoda isenção: que um homem falasse em seu lugar, dado o seu costume em discursar. Nessa referência à fala masculina, novamente se utiliza o verbo λέγειν.

Já em outro tempo e em outro campo do saber, mas ainda na Grécia antiga, são produzidos outros textos que continuam a materializar a discriminação da voz e da fala femininas. No período Helenístico, Aristóteles empreende um estudo sobre a história natural, que se assenta no princípio de que a descrição das espécies deveria apresentar um paralelo perfeito com uma descrição valorativa de suas vozes. No bojo desse princípio, ressalta-se uma distinção entre as tonalidades vocais masculinas e femininas, em que se subsomem as vozes dos homens e das mulheres: “De um modo geral, a fêmea, na maioria dos animais, tem uma voz mais aguda”; “a voz dos machos difere da das fêmeas, sendo que os machos emitem uma voz mais grave do que elas, em todos os animais cuja voz se prolonga” (Aristóteles, 2006, p. 216, 217)3 3 Aristóteles, História dos animais 5. .

Em Fisiognomía, Aristóteles reitera e estende as caracterizações da voz grave e da voz aguda, atribuindo-lhes valores bastante distintos: “Quanto à voz, a grave e intensa indica coragem, e a aguda e fraca, covardia”4 4 Versão original em espanhol: “En cuanto a la voz, la grave e intensa indica valentía y la aguda y débil cobardia”. ; “uma voz poderosa é própria do homem corajoso e uma frouxa, efeminada e fraca do inseguro”5 5 Versão original em espanhol: “una voz poderosa es propia del hombre valiente y una floja, afeminada y débil del pusilânime”. ; “Quanto aos que falam com voz aguda, doce e oscilante são afeminados: compara-se às mulheres e ao conjunto desse aspecto”6 6 Versão original em espanhol: “Cuantos hablan con voz aguda, dulce y quebrada son afeminados: compárese las mujeres y el conjunto del aspecto”. (Aristóteles, 1999, p. 47, 49, 75). Trata-se, assim, de outra forma de funcionamento do dispositivo que silencia as mulheres: não basta proibir seu exercício de fala pública, é preciso ainda subtrair o valor de sua voz, numa clivagem que a distingue e a inferioriza relativamente à voz masculina. Não por acaso, Montiglio (2015MONTIGLIO, S. Falar em público e ficar em silêncio na Grécia Clássica. In: História da fala pública: uma arqueologia dos poderes do discurso. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 25-52.), ao mencionar as restrições ao exercício da fala que ocorriam na Grécia Clássica, dirá que “Platão sonhava com uma arena pública purificada de toda e qualquer desmesura: juramentos, imprecações, súplicas e gemidos femininos” (2015, p. 34).

O deslocamento da Grécia para a Roma antiga e a passagem da filosofia para a poesia mitológica ensejam a observação e o registro de modificações sociais, mas não suficientes para a eliminação ou mesmo para uma significativa atenuação dos discursos que detratam a voz e a fala femininas. No início da Era cristã, Roma assiste ao nascimento das Metamorfoses, de Ovídio. Uma de suas personagens femininas é Filomela. Seu infortúnio foi de ter sua língua cortada por Tereu, que a havia estuprado e que assim procedeu justamente para evitar sua denúncia pública:

Inclina Filomela o níveo colo, Da espada, que vê nua, espera a morte; Mas o duro, o feroz, por mais que a triste Lute, resista, invoque o pátrio nome, Com rígida torquês lhe aferra a língua, A língua, que falar em vão procura, Lha extrai da boca, e rápido lha corta A púrpura raiz lhe nada em sangue. (Ovídio, 2016OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução de Manuel Bocage. Porto Alegre: Concreta, 2016., p. 183)7 7 Ovídio, Metamorfoses 6.

Além da violência física e simbólica de que Filomela foi vítima, há nas Metamorfoses outros enunciados que materializam as práticas de interdição da fala feminina. Duas personagens têm sua capacidade vocal furtada. A primeira delas é Io. Tomada de ciúmes de seu marido Júpiter, Juno transforma Io em uma vaca, que perde, assim, o poder da fala articulada: “Súplices braços estender quisera/ Para o seu guardador, mas que é de braços?/ Intenta dar um ai, solta um mugido:/ Treme do som, da sua voz se espanta” (Ovídio, 2016OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução de Manuel Bocage. Porto Alegre: Concreta, 2016., p. 101)8 8 Ovídio, Metamorfoses 1. . Já a segunda personagem feminina é a ninfa Eco. Considerada tagarela, Eco perde a autonomia de sua fala, passando apenas a repetir o final das frases que escuta: “Satúrnia entendeu/ e disse: ‘a tua língua, que me iludiu tanto,/ pouco poder terá, no uso parvo da voz’./ E a ameaça confirma: quando alguém diz algo, Eco repete apenas o final das frases” (Ovídio apudCarvalho, 2010CARVALHO, R. N. B. de. Metamorfoses em tradução. 2010. 158f. Relatório de pós-doutoramento (Pós-doutorado em Letras Clássicas) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 101)9 9 Ovídio, Metamorfoses 3. .

Além de conservar e estender discursos de detratação da voz e da fala feminina que já se materializaram em tantos textos da Antiguidade, os relatos mitológicos de Ovídio comportam ainda outro elemento de depreciação do campo feminino. Neles, não ocorre somente o assalto da capacidade linguística e vocal das personagens, mas destaca-se também a falta de sororidade. A solidariedade que poderia haver entre elas é ali substituída pela rivalidade, pelo ódio e pela vingança. Assim, o efeito que se produz é o de que as próprias mulheres seriam em boa medida as responsáveis pelo silenciamento que se abate sobre elas. Nesse caso, não é o universo masculino que sequestra a fala e a voz do feminino, mas, antes, as próprias deusas, heroínas e humanas é que o fariam umas às outras.

Se os discursos do preconceito contra a voz e a fala femininas materializam-se em textos ficcionais e filosóficos da Antiguidade, eles não deixaram de se materializar em enunciados do próprio campo que busca regular a fala pública. Isso porque em tratados de retórica, nos quais um dos objetivos consistia em estabelecer normas para corrigir o que eram considerados defeitos nos usos da voz e nos exercícios da fala, tais preconceitos voltam a ser reproduzidos. Ali, nas avaliações de suas diferenças, não há espaço nem possibilidade de mistura entre as vozes masculinas e femininas. Nesse domínio, a consagração e o descrédito são produzidos, principalmente, ainda que não de modo exclusivo, por separações que se pretendem absolutas e definitivas. Vejamos alguns exemplos desse funcionamento numa passagem da Instituição oratória, obra de Quintiliano, publicada por volta do ano de 95 de nossa Era:

Se desenvolvemos, em contrapartida, as qualidades da voz, tal como fazemos com todas as demais, mediante um cuidado atento, a negligência e a ignorância enfraquecem-nas. Mas esse cuidado não deve ser o mesmo para os oradores e para mestres do canto; no entanto, há muitas condições comuns aos dois casos: a robustez da constituição corporal, para que nossa voz não seja fina e estridente, como a dos eunucos, das mulheres e dos doentes. Atingiremos esse resultado graças à marcha, às fricções, à continência e a uma digestão fácil, ou seja, à frugalidade. [...]

Porque aquele que está comprometido com inúmeras obrigações para com seus concidadãos precisa possuir uma voz robusta e resistente, ao invés de uma flexível e delicada, uma vez que todos os cantores, modulando suas vozes, amolecem até mesmo os sons mais elevados, ao passo que nós, nós somos forçados em geral a adotar um tom áspero e veemente, a passar noites em vigília, a absorver a fumaça das velas e a prosseguir nosso trabalho com as vestes banhadas de suor. (Quintiliano, Inst. orat. XI, 3, 19 e 23).

A robustez e a resistência da voz podem ser compartilhadas por oradores e cantores, na medida em que permitem sua oposição à fineza e à estridência da voz dos eunucos, das mulheres e dos doentes. Contudo, a modulação, a flexão, o amolecimento e a delicadeza da voz masculina apenas pode frequentar a leveza e a recreação do entretenimento proporcionado pelos cantores, ao passo que na gravidade e na seriedade dos usos públicos dessa voz tais propriedades e inflexões vocais devem estar ausentes, em benefício do “tom áspero e veemente”.

Para Beard (2018BEARD, M. Mulheres e poder: um manifesto. Tradução de Celina Portocarrero. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.), essa regularidade atestada nas práticas de silenciamento, de estigmatização da voz e da fala pública femininas, seria quebrada no mundo antigo em apenas duas ocasiões: a primeira delas corresponderia às circunstâncias em que o acesso à fala pública se tornava possível às mulheres para que elas se manifestassem na condição de vítimas ou de mártires. Ainda assim, em geral, tais manifestações não estavam investidas de significativa legitimidade. Já a segunda, por seu turno, refere-se a situações nas quais o assunto tratado permitia às mulheres a atuação como porta-vozes: por um lado, em algumas ocasiões, elas puderam falar em defesa de seus lares, de seus filhos e maridos; por outro, não lhes era permitido falar pela comunidade, irrestritamente, ou mesmo pela classe masculina, mas apenas e tão somente em defesa dos interesses femininos. Excetuando-se esses relativamente raros episódios, há mais regularidade e continuidade de discursos segundo os quais as mulheres deveriam reservar sua voz à esfera e aos assuntos domésticos e femininos: “na maioria das circunstâncias, uma mulher que falasse em público não era, por definição, uma mulher” (Beard, 2018, p. 29).

Nesse breve percurso que fizemos sobre uma longa duração histórica, assistimos à emergência e à consolidação de uma unidade discursiva (Foucault, 1997FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997., p. 23-34). Não a origem, perdida para sempre na noite dos tempos e, por isso mesmo, tão inapreensível quanto impertinente, mas a proveniência e a singularidade de um enunciado como um acontecimento. Eis o que se configurou desde a formulação de Homero pela boca de Telêmaco: “Agora volta para os teus aposentos e presta atenção / aos teus lavores, ao tear e à roca; e ordena às tuas servas / que façam os seus trabalhos. Pois falar é aos homens / que compete, a mim sobretudo: sou eu quem manda nesta casa”. Trata-se de algo que fora articulado e escrito, que se abre a um campo de memória e que não se esgota nem na formulação linguística nem na produção de certo sentido. Essa abertura a um campo de memória faz com que esse enunciado, assim como ocorre com outros, esteja “aberto à repetição, à transformação, à reativação” (Foucault, 1997, p. 32). Ele tem relações constitutivas com situações históricas e sociais que o provocam e com consequências que ele ocasiona, mas também, de modo particular, com enunciados que já o precediam e com os que o sucederão.

A unidade discursiva que delineamos aqui não só atravessou longos séculos e distantes espaços, mas também ultrapassou as fronteiras entre instituições, campos de saber e gêneros discursivos. Isso, evidentemente, não significa que na passagem de um a outro contexto histórico, de uma a outra instituição, de um a outro campo de saber e ainda de um a outro gênero discursivo não tenham se processado consideráveis transformações. Um exame minucioso com um tal escopo poderia demonstrá-lo. Diferentemente desse propósito, nossa opção foi a de confirmar a consistência e o alcance dessa unidade discursiva que perpetuou a discriminação da voz e da fala femininas10 10 Para uma discussão mais verticalizada acerca das categorias de “fala” e “voz” no interior dos estudos do discurso, ver: Courtine, J.-J.; Piovezani, C. (2015); Piovezani, C.; Salazar, P.-J. (2016). . Feito isso, passaremos agora a apontar, na produção de discursos de nossos dias, particularmente no cenário político, tanto a reprodução mais ou menos modificada dessas coisas ditas, quanto o surgimento de dizeres que se lhes opõem.

3 O CENÁRIO POLÍTICO CONTEMPORÂNEO: DISCURSOS SOBRE A VOZ E A FALA PÚBLICA DE DILMA ROUSSEFF E DE TABATA AMARAL

Apesar de todas as inflexões, modificações e rupturas históricas e sociais a que assistimos ao longo do século XX, o preconceito contra a fala e a voz femininas está ainda bastante presente e atuante no Brasil contemporâneo. As lutas travadas, as batalhas vencidas e as perdidas e as conquistas igualitárias alcançadas - entre as quais se destacam as políticas afirmativas, de modo geral, que se promoveram de forma mais ou menos intensa desde a Constituição de 1988, principalmente com as ações dos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, e os movimentos feministas, de modo particular, já emergentes a partir das primeiras décadas do século XX11 11 A título de mera ilustração, ver os textos de Pagu publicados no jornal O homem do povo, criado e dirigido por Oswald de Andrade e pela própria Pagu, que circulou entre 27 de março a 13 de abril de 1931. - não foram suficientes para confrontar em pé de igualdade os valores misóginos e patriarcais mais do que arraigados nos gestos e nas decisões políticas, sociais e comportamentais, nem para eliminar os padrões estéticos das práticas e das representações oratórias.

Na sociedade brasileira de nossos tempos, uma vez mais em textos de gêneros discursivos diversos e em diferentes esferas sociais, é possível flagrar retomadas mais ou menos modificadas de memórias que: i) ora sugerem que “falar é aos homens que compete”; ii) ora apontam que as mulheres são frágeis e, por isso, não podem discursar, ou mesmo que, quando falam, trata-se, antes, de amenidades, fofocas ou tagarelices; iii) ora afirmam que a voz feminina, sendo aguda, indica covardia, fraqueza e insegurança; iv), ora indicam que se trata de uma voz fina, estridente e fraca, desprovida, portanto, da robustez necessária à fala pública; v) ora salientam, enfim, que, na esteira das práticas de fala e de escuta impulsivas, irritáveis, inconstantes e violentas da multidão, a fala feminina não é apta à oratória, dado que a massa não fala, apenas vocifera, geme ou murmura. Noutros termos, são memórias que produzem o sentido de uma fala pública que pouco ou nada diz e o de uma voz cuja agudez indica a fraqueza, a insegurança e a covardia femininas.

Um caso emblemático da materialização discursiva dessas memórias ocorreu em 2015, no auge das articulações políticas que teriam como desfecho o definitivo afastamento de Dilma Rousseff da presidência da do país. Naquele ano, foi publicado o livro Dilmês: o idioma da mulher sapiens, de autoria do jornalista Celso Arnaldo Araújo. Conforme já se pode inferir de seu título, a obra trata do desempenho oratório da então presidenta Dilma Rousseff, e o faz de modo a menosprezar e a satirizar a fala pública de Dilma. Composto por 15 crônicas dedicadas a comentar a desenvoltura oratória da presidenta, o livro apresenta de forma manifesta discursos disfóricos à fala feminina. São textos que não apenas atualizam a disjunção, quase a impossibilidade, produzida historicamente entre mulheres e lugares de poder e autoridade, mas também reverberam a interdição de se reconhecer competência à fala pública feminina. Para ilustrar essa posição de seu enunciador, reproduzimos um trecho da crônica intitulada Dilma fala: “pra mim sê pré” e, em seguida, procedemos à análise:

O que choca em Dilma não é a oratória em si. Há pessoas preparadíssimas que não se expressam bem - preferíveis, por sinal, às que dão um show de palavreado para camuflar a falta de conteúdo. Mas o problema de Dilma sempre pareceu mais complexo. A forma primitiva da fala, da saudação à despedida, já traía na candidata o primarismo do pensamento e um despreparo generalizado. Ela não apenas falava mal - mas dava a nítida impressão de não saber o que falava, sobre virtualmente qualquer assunto.

Para quem se dispusesse a ouvi-la com um mínimo de atenção, a fala de Dilma, desde os primórdios de sua ascensão ao proscênio da política nacional, sempre foi um triste espetáculo de pensamentos rudimentares, expressos por uma sintaxe que desafiaria estudiosos da neurolinguística em aborígenes australianos. Na própria presidente, quando instada a se manifestar, é nítido o sofrimento pela necessidade de articular ideias em público. Ouça um discurso em que Dilma improvise. Gestos que normalmente acompanham o resgate de palavras em nosso arcabouço léxico se desenham no ar quase sempre silenciosos, desacompanhados da respectiva expressão verbal, soltos no vazio do pensamento. Sempre foi patente o esforço de Dilma, nunca bem-sucedido, de desenvolver uma ideia - os esgares produzidos por essa tentativa frustrada traem sua dificuldade de instrumentalizar o raciocínio com palavras.

A entonação que vocaliza o dilmês também é característica em certos vocábulos chave do discurso de Dilma, como o prolongado “nóoos” majestático com que inicia suas bravatas sobre os feitos do lulopetismo - um “nóoos” quase sempre seguido de uma agônica pausa, carente de enunciados por longos segundos. Posturas arrogantes, de empáfia autoritária, também costumam acompanhar o despejo do dilmês sobre palanques e diante de microfones (Araújo, 2016ARAÚJO, C. A. Dilmês: o idioma da mulher sapiens. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2016., p. 25-26, grifos nossos).

O que inicial e explicitamente se ressalta nesse texto, e que nele se apresenta como sua própria razão de ser, consiste na relação que seu enunciador pretende estabelecer entre a crítica da aparência, isto é, o que ele diz sobre a fala de Dilma, e o que seria a censura a algo bem mais sério e grave: aquilo que afirma a respeito dos pensamentos da presidenta. As escolhas lexicais e as determinações linguísticas não apenas não deixam dúvidas quanto à crença nessa relação, mas, mais do que isso, enfatizam a suposta ligação constitutiva entre linguagem e pensamento: “forma primitiva da fala” e “primarismo do pensamento”; “falava mal” e “não saber o que falava”; “pensamentos rudimentares” e “sintaxe que desafiaria estudiosos da neurolinguística”; “sofrimento pela necessidade de articular ideias em público” e “vazio do pensamento”; e “sua dificuldade de instrumentalizar o raciocínio com palavras”. Aliás, não seria excessivo dizer que a ênfase nessa direção é, antes, a produção de um efeito de agressividade, em tese atenuado pelo de humor que já se anuncia desde o título jocoso, Dilmês, e de parte do igualmente irônico subtítulo mulher sapiens, do livro.

Há uma enorme frequência e uma não menor cristalização nas interpretações dedicadas às relações que estabelecemos entre o que se processa dentro de nós e o que se manifesta em nossos corpos e nos indícios de nossos gestos, das modulações de nossa voz e de nossas expressões faciais. Essas enormes frequência e cristalização são acompanhadas por um reduzido reconhecimento de nossa parte de que o fazemos conforme práticas e discursos hegemônicos. Não obstante, sabemos que esse tipo de articulação entre a zona exterior do corpo e de seus signos sensíveis, estes que podemos ver, ouvir, tocar e experimentar, de um lado, e a zona interior dos seres humanos, isto é, esse nosso espaço interno que compreende o que se passa em nossos corações, em nossas cabeças e em nossas almas, de outro, esteve muito presente e atuante em diferentes contextos históricos. Com efeito, é provável que essa relação entre exterior e interior se tenha configurado como uma constante antropológica no modo de proceder às interpretações que fazemos uns dos outros.

Pois é justamente a partir de algo tão absolutamente consolidado nas maneiras de sentir e de pensar que a crônica de Araújo e seu livro de modo geral descreditam o desempenho oratório de Dilma e, por extensão, sua capacidade de julgamento e suas decisões. Assim, a crítica poderia se tornar ao mesmo tempo mais crível e, segundo essa perspectiva, mais pertinente, na medida em que não seria difícil que os leitores do Dilmês fossem conduzidos por um processo discursivo que se assenta em esquemas do tipo: exterior/interior, forma/conteúdo, linguagem/pensamento, atos/palavras etc. Assim, se retoma e se reproduz um discurso antigo e bastante bem conservado, a saber, o que materializa a ideia de que algo que não foi expresso clara e corretamente compreende um pensamento confuso. Ao encontro desta, vão ideias afins, tal como a de que “erros” de linguagem refletem deficiências cognitivas ou ausência de complexidade no pensamento. Peso e valor suplementares adicionam-se, portanto, à crítica, uma vez que ela trata da fala da presidenta, certamente, mas para visar efetivamente a um alvo mais relevante e prejudicial, os programas e as ações do governo do PT: em Dilma e em seu governo grassariam “um despreparo generalizado”.

Além da relação entre linguagem e pensamento, em que a pretensa prova da confusão do último seria a suposta incorreção e hesitação na formulação da primeira, da imagem de um enunciador que conjuga o efeito de humor com uma indisfarçável agressividade, tal como se observa em expressões como “triste espetáculo de pensamentos rudimentares”, há ainda outros expedientes linguísticos e argumentativos na composição do texto que merecem exame. Entre eles, analisaremos somente dois: o uso de pré-construídos e o da isenção do enunciatário para melhor condenar a personagem atacada. Empregar o determinante definido no início de um sintagma produz o efeito de evidência daquilo sobre o que se fala. Trata-se de algo que, uma vez efetiva ou imaginariamente repetido no interdiscurso, surge na formulação intradiscursiva como algo cuja existência é bastante conhecida e inegável. Eis o efeito que se produz com o uso do pré-construído. É isso que se constitui em expressões como “O que choca em Dilma”, em que não haveria dúvida de que Dilma produz o choque; como “A forma primitiva da fala” e “o primarismo do pensamento”, em que também não haveria dúvida quanto à condição primitiva da fala e ao caráter igualmente primitivo do pensamento.

Um procedimento discursivo que possibilita ao enunciador produzir efeitos de sentido que buscam fazer com que o enunciatário creia no que lhe é dito consiste em isentar este último de uma falta atribuída exclusivamente a quem se ataca no texto. Assim, se constrói uma espécie de comunidade imaginária entre enunciador e enunciatário, ambos partidários de uma mesma posição ideológica. Para que o escopo da acusação a Dilma não recaia sobre o enunciatário, o enunciador afirma que “Há pessoas preparadíssimas que não se expressam bem”, tal como pode ser o caso de quem se imagina que possa ser o leitor do texto. Mais do que isso, sustenta ainda que essas “pessoas preparadíssimas” são “preferíveis, por sinal, às que dão um show de palavreado para camuflar a falta de conteúdo”. O enunciatário não apenas é isento do ataque desferido em Dilma, mas pode também eventualmente integrar-se ao grupo das “pessoas preparadíssimas”. Em todo caso, constrói-se ou reforça-se o consenso sobre a má qualidade de expressão de Dilma, sua inaptidão cognitiva e seu despreparo para bem exercer suas funções. No máximo, a depender de sua autoimagem, o enunciatário pode falhar na excelência da expressão, mas não participará da comunidade de que Dilma é ilustre representante; comunidade composta por aqueles, talvez, sobretudo, aquelas, que não pensam direito e, por isso, não estão preparados(as) para tomar decisões e governar.

Como se não bastasse detratar a língua e a fala de Dilma, também sua voz é atacada para melhor depreciar seu pensamento e rebaixar ainda mais suas decisões e ações governamentais. Sem um exame rigoroso assentado em aparato científico, o enunciador nada mais faz do que formular juízo de valor travestido de discurso de especialista: “entonação”, “certos vocábulos”, “nós majestático”. A referência às ações já empreendidas pelos governos Lula e Dilma é chamada nessa posição antagonista e conservadora de “bravatas sobre os feitos do lulopetismo”. Ainda e sempre sob essa mesma chave são lidas as suspensões de fala de Dilma, ali designadas como “uma agônica pausa, carente de enunciados por longos segundos”. É a partir do consenso mais do que consolidado segundo o qual as paradas na fala são sinais de hesitação, insegurança e desarticulação do pensamento que as pausas nas intervenções da presidenta são consideradas “agônicas” e que frações de segundos ou alguns poucos segundos são chamados de “longos”. Caso estivesse inscrito em posição distinta, o enunciador poderia ver nessas mesmas pausas um signo de reflexão minuciosa, de ausência de afobação, de senso de responsabilidade quanto ao que se fala, ao fazê-lo do lugar institucional máximo da presidência da República, e de ponderação meticulosa dos efeitos positivos e negativos que uma palavra mal posta pode suscitar.

Enfim, para os adeptos da posição conservadora, Dilma fala mal, não pensa bem e é despreparada para desempenhar as altas funções políticas pelas quais já fora e mais do que nunca pela qual ainda era a responsável. A presidenta não fala, mas “despeja o dilmês”, hesita ao falar de modo a produzir agonia em quem a ouve e profere “bravatas”. Mas os defeitos de Dilma não se encerrariam por aí. Além de tudo isso e acompanhando seus erros de expressão e de conteúdo, de ações e de decisões, estão “posturas arrogantes” e a “empáfia autoritária”. Em resumo, o julgamento conservador é implacável: quando Dilma suspende sua fala, é hesitante, insegura, desarticulada e inapta cognitivamente; mas quando a presidenta se mostra firme, segura e decidida, estaria dando provas de arrogância e autoritarismo. A um homem público, branco e alinhado ao neoliberalismo é muito provável que um tal conjunto de juízos, produto de um malabarismo axiológico, todavia coerente na posição conservadora, se fixasse com mais e maiores dificuldades.

Aparentemente destoando dessa posição que ataca a fala e a voz de Dilma, surge aquela em que se inscreve o enunciador de uma reportagem publicada em maio de 2019 pela revista Época. O título da matéria é “Tabata Amaral cobra Weintraub e deputados perguntam se ela vai derrubar mais um ministro”; este é seguido do lide: “Quando a deputada do PDT foi à tribuna, o plenário ficou em silêncio para escutar”12 12 Tabata Amaral cobra Weintraub e deputados perguntam se ela vai derrubar mais um ministro. Disponível em: <https://epoca.globo.com/tabata-amaral-cobra-weintraub-deputados-perguntam-se-ela-vai-derrubar-mais-um-ministro-23669020>. Acesso em: 31 de out. 2019. . Nela se aborda a discussão entre deputados e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, acerca dos cortes de verba em sua pasta. No enunciado que intitula a reportagem, há a produção de certo efeito incisivo no ato de fala de Tabata Amaral, uma vez que ela “cobra Weintraub”, e não lhe “endereça questões” ou ainda “dialoga com ele”, e que essa opção por “cobra” contrasta com “perguntam”, verbo dicendi escolhido para designar o ato de fala dos deputados. Além disso, o enunciador atribui a estes últimos a concepção do pressuposto de que a discussão entre a deputada e o ministro anterior, Vélez Rodríguez, havia definido seu afastamento do cargo. Ou seja, a fala de Tabata seria incisiva, estaria investida de poderes e produziria efeitos.

O enunciado que constitui o lide conduz a esse mesmo sentido. Ali, Tabata Amaral é retomada por forma remissiva que indica sua função e sua filiação partidária “deputada do PDT”, o que reforça sua própria legitimidade institucional, que, por sua vez, se estende a seus pronunciamentos feitos na Câmara ou alhures. Mais do que essa legitimidade, o que se produz com o contraste “foi à tribuna” e “o plenário ficou em silêncio para escutar” são efeitos de expectativa pela recepção de uma alocução, de apreensão compartilhada por todos que ocupavam o plenário e de autoridade de que essa fala estaria investida. Há certo script construído e reproduzido na história e nas sociedades ocidentais, segundo o qual aos poderosos cabe a prerrogativa da fala e das ordens, ao passo que aos subalternos cabe a escuta, o silêncio e o cumprimento do que lhes é ordenado. Evidentemente, entre Tabata e os demais deputados não há uma tal hierarquia. Mas isso não impede que o script figure em nosso imaginário e produza efeitos de distinção entre quem toma a palavra e quem a ouve. Além disso, há uma correlação entre ir à tribuna, o investimento de poder à fala que a subida a um púlpito privilegiado proporciona e o silêncio ouvinte que essa fala é capaz de impor.

Um enunciador que assim concebe e descreve uma fala feminina parece se inscrever numa posição enunciativa oposta àquela que encontramos em Dilmês. Diante desta que se caracteriza como a materialização de um posicionamento misógino e conservador, a que se depreende na reportagem da Época seria, antes, a de um posicionamento progressista. Ainda que esse contraste entre as duas posições não seja falso, ele simplifica o objeto linguístico e histórico que nos propomos a analisar. Isso porque a intervenção de Tabata Amaral é apresentada como uma fala que cala, e não como uma que dialoga. O debate concebido como embate de forças viris, no qual vence a que demonstrar não somente maior potência lógica e passional do orador, mas também maior energia de seu corpo e de sua voz, é um antiquíssimo modelo retórico, que reitera um igualmente ancestral padrão oratório masculino. Finalmente, não devemos nos esquecer de que a deputada do PDT, que se elegeu e se notabilizou graças ao que se considera ser sua plataforma em defesa da educação - o que, inclusive, nada mais é do que um consenso social -, tem se posicionado em alinhamento com as propostas neoliberais que passaram por votação no Congresso, tal como a Reforma trabalhista. Essa posição é a mesma dos grandes veículos da mídia brasileira. Assim, ficamos menos surpresos com a leitura de um texto da revista Época no qual uma fala feminina não é menosprezada.

Há ainda outros fatores na reportagem que concorrem para construir os contornos dessa posição discursiva de seu enunciador. Em princípio, destaca-se a paráfrase do lide no interior da matéria: “Quando a jovem de 25 anos subiu na tribuna, porém, todos ficaram em silêncio”. Conforme se costuma dizer da lógica jornalística de nossos tempos, o que se torna notícia é o que se apresenta como mais ou menos extraordinário. Nas duas ocorrências, tanto no enunciado do lide quanto em sua retomada parafrástica, se produz o efeito de admiração ou até mesmo de surpresa ante o fenômeno retratado: uma jovem que cala um público composto em sua maioria por homens brancos, cisgêneros, de meia-idade, abastados e relativamente bem instruídos.

A segunda ocorrência ainda comporta elementos novos: não se trata somente de uma mulher, mas de uma “jovem de 25 anos”; não se trata somente de ir até a tribuna, mas de nela “subir”, o que indica mais manifestamente a ascensão espacial e, ainda mais, a posição superior na hierarquia gozada por aquela que tem coragem, ainda jovem, para intervir com sua fala em público; enquanto no lide as duas orações se relacionam de modo coordenado, no enunciado que ora examinamos a relação entre as duas orações é marcada pela ligação adversativa, o que intensifica o efeito de surpresa; o uso do pronome indefinido “todos”, que em posição nuclear no sintagma ressalta o fato de que a totalidade, e não somente uma sua parcela dos deputados “ficaram em silêncio”; e, finalmente, a atualização do verbo ficar na terceira pessoa do plural em modo indicativo com seu aspecto perfeito, durativo e, ao mesmo tempo, inceptivo e cursivo remete tanto ao estado em que passaram a ficar os deputados quanto ao estado em que permaneceram ao longo da fala de Tabata.

Porque coisa dita e repetida, o esforço feito pela deputada para redigir seu pronunciamento é ressaltado, bem como se destacam os qualificativos que lhe são atribuídos: “Reservada, ela não vaiou nem aplaudiu os demais discursos. Revisou o que iria falar e trocou interações breves com outros políticos ao longo do dia” e, mais à frente, “Criteriosa, até revisou seu discurso: tirou uma referência a ‘cavaleiros templários’, ordem de guerreiros católicos na Idade Média, e trocou por ‘cruzada’”. Sua discrição, indicada em sua reserva em não se manifestar diante dos pronunciamentos alheios, é consoante com o estereótipo de uma qualidade feminina. Já a prudência, apontada com o uso de “criteriosa”, é um traço eufórico do caráter dos dois gêneros, ainda que tradicionalmente esteja mais conforme ao controle viril do que ao que se alega ser o desequilíbrio feminino. Essa virtude se articula tanto com a preparação do pronunciamento, “trocou breves interações com outros políticos ao longo do dia”, fato que lhe acrescenta ainda a abertura ao que lhe dizem os demais e o senso colaborativo de lhes apresentar sua posição, quanto com a reiterada revisão a que Tabata o submeteu, antes de proferi-lo na tribuna da Câmara. O esmero de revisar seu discurso pode, contudo, produzir efeitos não tão positivos: a redação prévia do que vai se dizer está sujeita a ser interpretada como dificuldade para ser espontânea e falar de improviso e/ou como artificialidade e maquinação. Além disso, na revisão, de acordo com o enunciador da Época, a substituição de “cavaleiros templários” por “cruzadas” pode produzir os sentidos de inocuidade, preciosismo ou certo acovardamento.

O conhecimento de que dispomos sobre a longa história de discriminação da fala e da voz femininas permite tanto que vejamos na posição do jornalista Celso Arnaldo Araújo, autor de Dilmês, uma conservação quase irretocável dos antigos preconceitos misóginos, quanto que identifiquemos uma inflexão dessa posição, mas não necessariamente uma ruptura para com ela, nos enunciados da reportagem da revista Época. Enquanto naquela ouvimos a perpetuação dos ecos das falas de Homero e Aristófanes, de Aristóteles, Ovídio e Quintiliano, agora, em distintas condições de produção, o que intensifica ainda mais a posição conservadora, nesta, há possibilidade, mas também surpresa no fato de que uma mulher de pouca idade possa falar e calar uma assembleia e no fato de que sua fala não seja fofoca, tagarelice ou amenidades.

A matéria sobre Tabata não está fora, portanto, das memórias construídas acerca da inaptidão oratória feminina. Ao deslocamento que parece haver na admiração expressa por sua competência retórica, sobrepõe-se o espanto com essa competência de Tabata Amaral. É uma persistente continuidade de discursos que menosprezam a fala feminina que justifica a surpresa do enunciador de um texto publicado em veículo da grande mídia para com a desenvoltura oratória da jovem deputada. Em face de insuficientes inflexões como essa numa longa duração de discursos do preconceito, assistimos à emergência de vozes dissonantes e resistentes do movimento feminista. No que afirmam, estão manifestas as lutas por vez, voz e fala13 13 Uma análise de tais reivindicações pode ser encontrada em trabalho anterior, no qual demonstramos o funcionamento dessa resistência feminista em enunciados produzidos por Marielle Franco. Alguns desses enunciados são os seguintes: Minha palavra é palavra de mulher, mas vale e Não serei interrompida (Braga; Piovezani, 2022). .

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O panorama histórico que empreendemos e os exercícios de reflexão e análise que efetuamos aqui sobre discursos a propósito da voz e da fala femininas demonstram haver uma força tão sólida e um alcance tão extenso nesses discursos que eles atravessam várias e diversas fronteiras. Embora tenhamos assistido a uma longa série de profundas transformações históricas nas condições de produção dos dizeres e na diversidade dos tempos e dos lugares, dos campos de conhecimento e dos gêneros discursivos, a discriminação da fala e da voz femininas estabilizou-se de tal forma que se conservou até nossos dias. Contudo, conforme demonstramos, essa força e esse alcance não impediram que surgissem outras posições, tal como aquelas que discordam dos posicionamentos conservadores, mas ainda ecoam alguns de seus preconceitos, conforme vimos surgir na reportagem sobre Tabata Amaral.

O exame que efetuamos aqui sobre enunciados da Grécia e da Roma antigas e do cenário político do Brasil contemporâneo ilustra muito bem os poderes e perigos que se concentram na ordem do discurso. Uma dessas inquietações de que nos fala Foucault é a da sua “existência transitória destinada a se apagar sem dúvida, mas segundo uma duração que não nos pertence” (2001, p. 8). Se essa propriedade do discurso assim genericamente descrita já nos perturba, deveríamos muito mais nos afligir com a consistência e a tenacidade dos discursos que reproduzem ora com maiores ora com menores modificações a percepção sexuada e discriminatória do campo da fala pública.

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  • QUINTILIANO. Institution oratoire. Paris: Les Belles Lettres, 2003.
  • 1
    Homero, Odisséia 1, 325-359.
  • 2
    Referência eletrônica, ausência de página.
  • 3
    Aristóteles, História dos animais 5.
  • 4
    Versão original em espanhol: “En cuanto a la voz, la grave e intensa indica valentía y la aguda y débil cobardia”.
  • 5
    Versão original em espanhol: “una voz poderosa es propia del hombre valiente y una floja, afeminada y débil del pusilânime”.
  • 6
    Versão original em espanhol: “Cuantos hablan con voz aguda, dulce y quebrada son afeminados: compárese las mujeres y el conjunto del aspecto”.
  • 7
    Ovídio, Metamorfoses 6.
  • 8
    Ovídio, Metamorfoses 1.
  • 9
    Ovídio, Metamorfoses 3.
  • 10
    Para uma discussão mais verticalizada acerca das categorias de “fala” e “voz” no interior dos estudos do discurso, ver: Courtine, J.-J.; Piovezani, C. (2015COURTINE, J.-J.; PIOVEZANI, C. (Org.). História da fala pública: uma arqueologia dos poderes do discurso. Petrópolis: Vozes, 2015.); Piovezani, C.; Salazar, P.-J. (2016).
  • 11
    A título de mera ilustração, ver os textos de Pagu publicados no jornal O homem do povo, criado e dirigido por Oswald de Andrade e pela própria Pagu, que circulou entre 27 de março a 13 de abril de 1931.
  • 12
    Tabata Amaral cobra Weintraub e deputados perguntam se ela vai derrubar mais um ministro. Disponível em: <https://epoca.globo.com/tabata-amaral-cobra-weintraub-deputados-perguntam-se-ela-vai-derrubar-mais-um-ministro-23669020>. Acesso em: 31 de out. 2019.
  • 13
    Uma análise de tais reivindicações pode ser encontrada em trabalho anterior, no qual demonstramos o funcionamento dessa resistência feminista em enunciados produzidos por Marielle Franco. Alguns desses enunciados são os seguintes: Minha palavra é palavra de mulher, mas vale e Não serei interrompida (Braga; Piovezani, 2022BRAGA, A.; PIOVEZANI, C. Quem mandou calar Marielle? Marielle Franco e a luta pela palavra feminina. In: BUTTURI JUNIOR, A.; SEVERO, C.; PEREIRA, R. A.; BRAGA, S. (Org.). Pandemias discursivas. Campinas: Pontes, 2022. p. 55-90.).

Editado por

Editor de Seção:

Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2020
  • Aceito
    12 Set 2023
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