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Hidrotórax secundário à nutrição parenteral: relato de caso

Resumos

Hidrotórax secundário à infusão de nutrição parenteral é uma condição rara, embora se apresente cada vez mais comum. Neste relato de caso, uma paciente com síndrome do intestino curto desenvolveu instabilidade hemodinâmica e insuficiência respiratória algumas horas após o início da infusão de nutrição parenteral. Ressaltamos também as manobras para evitar e tratar tal complicação.

hidrotórax; nutrição parenteral; síndrome do intestino curto


Hydrothorax due to parenteral nutrition infusion is a rare, although increasingly common event. This report shows a short bowel patient who developed hemodynamic instability and respiratory failure few hours after parenteral nutrition infusion's start. We also emphasize the maneuvers to avoid and treat such complication.

hydrothorax; parenteral nutrition; short bowel syndrome


RELATO DE CASO

Hidrotórax secundário à nutrição parenteral - relato de caso

Hydrothorax due to parenteral nutrition - a case report

José Henrique SilvahI; Cristiane Maria Mártires LimaI; Francisco Abaeté das Chagas-NetoII; Guilherme Teixeira AraújoI; Fernando Bahdur ChueireIII; Selma Freire de Carvalho CunhaIV; Júlio Sérgio MarchiniV

IMédico Residente do Departamento de Clínica Médica/Nutrologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIMédico Residente do Departamento de Clínica Médica/Radiologia da. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIIMédico Assistente do Departamento de Clínica Médica/Nutrologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IVProfessora Doutora do Departamento de Clínica Médica/Nutrologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

VProfessor Titular do Departamento de Clínica Médica/Nutrologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: José Henrique Silvah Departamento de Clínica Médica - Hospital das Clínicas Av. Bandeirantes, 3.900, 6° andar CEP 14048-900 - Ribeirão Preto (SP), Brasil E-mail: ozeenrique@gmail.com

RESUMO

Hidrotórax secundário à infusão de nutrição parenteral é uma condição rara, embora se apresente cada vez mais comum. Neste relato de caso, uma paciente com síndrome do intestino curto desenvolveu instabilidade hemodinâmica e insuficiência respiratória algumas horas após o início da infusão de nutrição parenteral. Ressaltamos também as manobras para evitar e tratar tal complicação.

Palavras-chave: hidrotórax; nutrição parenteral; síndrome do intestino curto.

ABSTRACT

Hydrothorax due to parenteral nutrition infusion is a rare, although increasingly common event. This report shows a short bowel patient who developed hemodynamic instability and respiratory failure few hours after parenteral nutrition infusion's start. We also emphasize the maneuvers to avoid and treat such complication.

Keywords: hydrothorax; parenteral nutrition; short bowel syndrome.

Introdução

A realização de acessos venosos centrais é um procedimento de rotina em hospitais para administração de medicações, quimioterápicos, hemoderivados e nutrição parenteral, não sendo isento de complicações1. Apresentamos o caso de uma paciente que desenvolveu hidrotórax secundário à implantação de cateter venoso central de longa permanência, do tipo Port-a-cath®, para infusão de nutrição parenteral total (NPT).

Relato do caso

Descrevemos o caso de uma mulher de 42 anos, internada no Serviço de Nutrologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto em abril de 2009, com diagnóstico de síndrome do intestino curto (menos de 15 minutos de trânsito intestinal) secundária à torção de pedículo vascular e, ainda, histórico de duas cirurgias abdominais prévias. Como consequência, a paciente foi submetida a: (1) uma enterectomia jejuno-ileal, de 15 centímetros pós-Treitz até o íleo terminal; (2) uma anastomose gastrojejunal, sem trânsito duodenal, similar ao bypass gástrico utilizado nas anastomoses em Y de Roux. A administração de NPT, necessária para o tratamento desta paciente, foi realizada inicialmente por meio de cateter de curta permanência posicionado em veia central e inserido com a técnica de Seldinger. Vinte dias depois, para manutenção em longo prazo da nutrição parenteral, um cateter tipo Port-a-cath® foi inserido na veia jugular interna direita, sendo confirmado o adequado posicionamento por meio de fluoroscopia e refluxo sanguíneo positivo após inserção. Após o implante do Port-a-cath®, o cateter de curta permanência foi removido. Passados 19 dias, para administração de NPT por esse dispositivo, foi procedida a punção do mesmo com agulha de ponta huber, tipo de agulha recomendado para tal procedimento. Baseada na ponta idealizada por Huber em 1946, esta agulha, com um desenho especial, provoca lesão linear no diafragma dos reservatórios, sendo o tecido separado e não cortado1. Contudo, não foi realizada a manobra de aspiração do cateter. Durante o primeiro dia de infusão de NPT, a paciente evoluiu com dor torácica intensa, taquipnéia, taquicardia, dor abdominal irradiada para ombro direito, diminuição do murmúrio vesicular ipsilateral e instabilidade hemodinâmica. Foi instituído suporte ventilatório não invasivo e inserido um cateter de curta permanência duplo lúmen em veia jugular interna esquerda para infusão de aminas vasoativas, fluidos e antibioticoterapia. À radiografia de tórax, evidenciou-se volumoso derrame pleural à direita (Figuras 1 e 2). Toracocentese diagnóstica foi realizada à beira do leito, confirmando através da saída de líquido leitoso típico, a suspeita de hidrotórax por infusão de NPT (Figura 3). Após drenagem do tórax em selo d'água com saída de 2.900 ml de líquido, procedeu-se adicionalmente teste com azul de metileno, onde foi observado retorno no dreno do corante injetado no cateter (Figura 4). Fluoroscopia e radiografia de tórax também confirmaram o mau posicionamento do Port-a-cath® à direita (Figura 5). Posteriormente à investigação e estabilização do quadro, o cateter mal posicionado foi removido. O outro dispositivo vascular, provisório, foi mantido, como já citado previamente, em veia jugular interna esquerda, para continuidade do tratamento medicamentoso previamente iniciado, uma vez que, diante de instabilidade hemodinâmica da paciente, preconizou-se o tratamento de uma possível infecção. Embora possível, a ocorrência de um hemotórax após a remoção do cateter venoso central de longa permanência, por lesão ao vaso, não foi observada. Contudo, com a interrupção da infusão de NPT no espaço pleural e a drenagem torácica, a paciente evoluiu com rápida melhora clínica, sendo suspensos o antibiótico e as outras medidas de suporte.






Discussão

O presente caso relata uma morbidade secundária à inserção do cateter venoso central. Pneumotórax, hemorragias, trombose, embolia aérea e perfuração de vasos, tal como a artéria pulmonar, são algumas das complicações descritas na literatura1,3-6.

Buscando-se evitar tais complicações, mesmo quando o procedimento é realizado por médico treinado, certificado por radiografia, todas as etapas (checklist) relacionadas a este procedimento não devem ser abreviadas. Uma das manobras recomendadas é a de aspiração do cateter antes de qualquer utilização do dispositivo, para verificar o retorno do sangue. Entretanto, esta não foi realizada no caso apresentado, antes da infusão de NPT por meio de um Port-a-cath®. Atribui-se ao mau posicionamento do cateter venoso central de longa permanência o quadro de hidrotórax. Estratégia também conveniente, e que poderia ser empregada na ausência de refluxo sanguíneo quando da manobra de aspiração do cateter, é a obtenção de radiografias de controle em pelo menos duas incidências, em planos ortogonais (anteroposterior e perfil), além da fluoroscopia com injeção de contraste. O uso desta última é o método mais preciso para confirmar a posição do cateter durante o ato de sua inserção, fazendo parte das recomendações do American College of Surgeons, embora faltem dados na literatura de que o uso rotineiro de radiografias possa prevenir a ocorrência de complicações, estas medidas podem ajudar no diagnóstico do mau posicionamento do cateter7,8.

Pontos anatômicos têm sido usados para estimar a posição adequada da extremidade distal do cateter. Por exemplo, para dispositivos inseridos em veias subclávia ou jugular interna, a imagem da ponta do cateter deve se encontrar abaixo do brônquio principal direito, correspondente ao posicionamento na junção cava-atrial8.

Existindo dúvida quanto à posição adequada do dispositivo vascular, o seu uso deve ser desencorajado.

A punção guiada por ultrassonografia, não realizada na paciente em questão, possivelmente resulta em um menor tempo de duração do procedimento e menor índice de complicações imediatas9. Na literatura, têm sido relatados casos de erosão vascular evoluindo com derrame pleural de manifestação tardia, até 11 dias após o implante do dispositivo vascular, podendo levar à morte10. Embora acreditemos que essa possa ter sido a causa do ocorrido com a nossa paciente, não foi possível confirmar esta hipótese.

Faltam dados a respeito do tratamento específico do hidrotórax secundário à infusão de NPT. Contudo, como demonstrado no caso de nossa paciente, a instituição de medidas de suporte ventilatório e hemodinâmico, além da imediata suspensão da infusão de NPT e drenagem do líquido extravasado, se mostraram eficazes em prevenir um pior desfecho. Felizmente, o hidrotórax secundário à infusão de NPT é um evento raro, embora com crescente incidência11. Esta é uma complicação séria que se não diagnosticada e cuidadosamente tratada, levará o paciente ao óbito. Ressaltamos a importância da confirmação da posição do cateter antes de todo início de seu uso, destacando o controle radiológico após punção e a manobra de refluxo de sangue.

Submetido em: 19.09.10

Aceito em: 05.07.11

Conflito de interesses: nada a declarar.

Contribuições dos autores

Coleta de dados: JHS, CMML, GTA, FBC, FACN.

Redação do artigo: JHS, CMML, GTA, FBC, FACN, SFCC, JSM.

Revisão crítica do texto: JHS, CMML, GTA, FBC, FACN, SFCC, JSM.

Aprovação final do artigo*: JHS, CMML, GTA, FBC, FACN, SFCC, JSM.

*Todos os autores leram e aprovaram a versão final submetida ao J Vasc Bras.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) - Ribeirão Preto (SP), Brasil.

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  • Correspondência:

    José Henrique Silvah
    Departamento de Clínica Médica - Hospital das Clínicas
    Av. Bandeirantes, 3.900, 6° andar
    CEP 14048-900 - Ribeirão Preto (SP), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      19 Set 2010
    • Aceito
      05 Jul 2011
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