Acessibilidade / Reportar erro

Campo eletrostático de uma carga em repouso num campo gravitacional uniforme

Electrostatic field of a charge at rest in a uniform gravitational field

Resumos

As transformações de Rindler são usadas para obter o campo eletrostático de uma carga em repouso na presença de um campo gravitacional uniforme.

transformações de Rindler; referenciais não inerciais; princípio da equivalência; distorção gravitacional do campo coulombiano


Rindler transformations are used to obtain the electrostatic field of a charge at rest in a uniform gravitational Field.

Rindler transformations; non inertial referentials; equivalence principle; gravitational distortion of an electrostatic field


ARTIGOS GERAIS

Campo eletrostático de uma carga em repouso num campo gravitacional uniforme

Electrostatic field of a charge at rest in a uniform gravitational field

Mario Goto1 1 E-mail: mgoto@uel.br.

Departamento de Física, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil

RESUMO

As transformações de Rindler são usadas para obter o campo eletrostático de uma carga em repouso na presença de um campo gravitacional uniforme.

Palavras-chave: transformações de Rindler, referenciais não inerciais, princípio da equivalência, distorção gravitacional do campo coulombiano.

ABSTRACT

Rindler transformations are used to obtain the electrostatic field of a charge at rest in a uniform gravitational field.

Keywords: Rindler transformations, non inertial referentials, equivalence principle, gravitational distortion of an electrostatic field.

1. Introdução

Para obter os campos elétrico e magnético de uma carga em movimento uniforme, a alternativa mais simples é usar as transformações de Lorentz para transformar o campo coulombiano no referencial próprio da carga para o campo eletromagnético no referencial do observador para o qual a carga se move uniformemente [1-3]. A outra alternativa é trabalhar com as soluções das equações de Maxwell na forma dos potenciais retardados de Liénard-Wiechert [4-7].

Para obter o campo eletrostático de uma carga em repouso na presença de um campo gravitacional uniforme, o problema se inverte. Observada do referencial inercial em queda livre, a carga está sujeita a uma aceleração própria constante e, portanto, em movimento hiperbólico. Como o campo eletromagnético de uma carga em movimento hiperbólico é conhecido [8-14], as transformações de Rindler podem ser usadas para obter o campo eletrostático da carga em repouso no campo gravitacional uniforme. Pelo Princípio da Equivalência, referenciais uniformemente acelerados (com aceleração própria a) e referenciais em repouso na presença de um campo gravitacional uniforme g = -a são equivalentes [15-17]. Após obtido o campo, mostra-se que o mesmo é solução das equações de Maxwell, mais especificamente da equação (lei) de Gauss, na presença de um campo gravitacional uniforme. Em abordagem mais direta, E. Eriksen e O. Gron [14] obtém o campo eletrostático resolvendo as equações de Maxwell no espaço-tempo de Rindler.

O referencial principal, do observador, seja inercial ou não, será sempre o R, com coordenadas (xµ)= .O R' indicará um referencial auxiliar, inercial ou não, com coordenadas

O campo gravitacional, uniforme, será definido ao longo do eixo zz', g = -a = - e o tensor métrico guv será definido de forma compatível com o tensor métrico minkowskiano [15] , com os sinais relativos das componentes diagonais tempo-tempo e espaço-espaço (-, +, +, +). Por simplicidade, será adotado o sistema natural de unidades onde c = 1 porém, quando necessário por motivos de clareza, a velocidade da luz c será colocada explicitamente. Neste texto, campos gravitacionais e campos de aceleração são usados como sinônimos.

As ilustrações usadas nas secções 2, 4 e 5 baseiam-se em simulações computacionais de Monte Carlo [20-22]. O procedimento, relativamente simples, parte de uma distribuição uniforme de pontos aleatórios, mais precisamente pseudo-aleatórios. Na secção 4, distribuições uniformes no espaço-tempo, em amostragens de 30000 (trinta mil) pontos, são mapeadas via transformações de coordenadas, o que permite visualizar os efeitos geométricos, no espaço-tempo, destas transformações.

Nas secções 2 e 5, para obter as configurações espaciais dos campos elétricos recorre-se à técnica de rejeição de Neumann [21-22] para obter as proporcionalidades das distribuições com as intensidades dos campos. Para a amostragem das linhas de campo, além das coordenadas (x, z) distribuídas com peso probabilístico proporcional à intensidade |E| do campo, as orientações espaciais são indicadas por segmentos de reta de igual comprimento Δs com as extremidades ancoradas nos pontos (x, z) e (xx, zz) para Δxs sin zs cos , onde o ângulo vem da relação Ex/Ez = tan . O segmento Δs é tomado o menor possível com resolução que permita visualizar as orientações das linhas de campo. As amostragens finais contém três mil pontos, exceto no campo coulombiano, com dez mil pontos, sendo atribuídas cores arbitrárias em cada impressão de pontos para encobrir os efeitos de saturação. A saturação ocorre nas proximidades da carga, no entorno do ponto de divergência do campo elétrico.

As simulações são configuradas em quadros de amostragem de dimensões 40L x 40L, onde L é uma unidade arbitrária de distância. As acelerações e os campos gravitacionais são dados em a/c2 e g/c2, respectivamente, cuja unidade é L-1. Os pequenos caracteres no canto superior esquerdo são para controle de processamento.

2. Carga em movimento hiperbólico

O conteúdo desta secção é preparatório e mostra como obter o campo eletromagnético de uma carga em movimento hiperbólico. No caso de uma carga q em movimento arbitrário é dado pelo potencial de Liénard-Wiechert [4,6]

onde vµ= (c, v) é a quadri-velocidade e

A condição

define a causalidade através do tempo retardado

O vetor rq = r(tq) dá a posição da carga no tempo retardado tq e

com módulo

define as coordenadas do campo em relação a esta posição retardada.

As componentes temporal e espacial do quadri potencial (1) são

e

respectivamente.

O movimento hiperbólico ao longo do eixo z é descrito pelo par de coordenadas do espaço-tempo parametrizadas pelo tempo próprio,

que corresponde à trajetória

à velocidade

e à aceleração

ajustadas para as condições iniciais (tq = 0) z0 = cα e v0 = 0. O parâmetro auxiliar α = c/a é usado para tornar as equações mais compactas. Veja as representações gráficas para a trajetória (azul), velocidade (verde) e aceleração (vermelho) na Fig. 1.


Para esta trajetória hiperbólica, a condição (3) resulta

que, usando a equação da trajetória (10), pode ser re arranjada numa equação algébrica de segundo grau em tq cujas soluções são

Usando a coordenada radial cilíndrica

mais os parâmetros auxiliares

e

a Eq. (14) fica

O vetor posição relativa (5) fica

e, portanto,

Da Eq. (17),

que leva à expressão

Considerando as condições vinculadas

da Eq. (21), resulta

Assim, as componentes não nulas do quadri-potencial, Eqs. (7) e (8), são

e

funções apenas das coordenadas atuais do espaçotempo. Eliminando os termos de gauge, resultam as expressões finais

e

onde

e o sinal ± foi corporado à carga. Como a variação

espaço-temporal do campo eletromagnético propaga-se com a velocidade da luz, o campo deve estar confinado à região z + ct > 0, o deslocamento da frente de propagação do campo dado por z + ct = 0.

As figuras a seguir descrevem as evoluções da carga fonte e do campo elétrico no intervalo de tempo -15 < ct < 15, as configurações espaciais do campo nos vários instantes representadas em quadros delimitados por -20 < ct < 20 e -20 < z < 20, origem no centro, espaço e tempo em unidades de L, para a aceleração própria a/c2 =0, 5 (em unidades de L-1). O campo tem simetria azimutal, as posições da carga em cada instante obtidas pela equação da trajetória (10), aparecendo nas figuras como pontos brancos encobrindo os pontos de divergência.

Proveniente de z , nos momentos iniciais a configuração do campo elétrico é quase planar devido à velocidade próxima à da luz da carga fonte. A Tabela 1 contém os dados sobre a posição zq(t), velocidade β(t) e aceleração a(t)/c2 da carga fonte e a posição zy (t) da frente plana de propagação do campo elétrico no intervalo de tempo considerado.

Conforme a carga fonte se aproxima, a frente plana de propagação do campo elétrico aproxima-se à velocidade da luz A Fig. 2 ilustra a situação no instante ct = -5, quando carga fonte se encontra na posição zq(t) = 5, 4 com velocidade β(t)= -0, 9259, desacelerada.


No instante ct = 0, Fig. 3, a carga fonte chega à posição z = 2 e a velocidade se anula, β = 0, rever- tendo o movimento para retornar a z , e a frente de propagação do campo atinge a posição zy = 0. A partir deste momento pode-se observar que o campo elétrico tem uma parte solidária à carga fonte, que acompanha a carga fonte no seu retorno, e uma outra que prossegue, com a velocidade da luz, avançando em direção a zy - , ignorando o retorno da carga, situação ilustrada na Fig. 4.



3. Campo gravitacional uniforme

Na relatividade geral, referenciais inerciais ou não inerciais são igualmente adequados para descrever as leis da Natureza e estão conectados entre si pelas transformações gerais de coordenadas

as coordenadas xµdo referencial R com as coordenadas do referencial R'. Assim sendo, as leis da relatividade restrita, válidas nos referenciais inerciais, podem ser genelarizadas para todos os referenciais. Na física, leis significam equações diferenciais e referenciais não inerciais significam gravitação. A gravitação é uma interação universal e afeta todas as equações diferenciais através da métrica definida pelo campo gravitacional, solução das equações de Einstein.

Referenciais inerciais existem apenas localmente. O mesmo ocorre com referenciais uniformemente acelerados ou, de forma equivalente, campos gravitacionais uniformes. São conceitos globais, definidos sobre todo o espaço-tempo infinito, mas válidos apenas em pequenas regiões do espaço-tempo. Se houvesse um referencial inercial válido globalmente, a relatividade restrita seria suficiente para descrever toda a física e a relatividade geral seria apenas uma questão acadêmica.

Se R' for um referencial inercial, as propriedades do espaço-tempo são conhecidas e a física é descrita pela relatividade restrita. Em particular [15],

é a equação de movimento de uma partícula clássica de massa m0 sujeita a uma força externa f 'α .

Usando apenas regras elementares de derivação, a equação de movimento acima pode ser transformada na equação de movimento

no referencial não inercial R, onde

é a força externa e

é a conexão afim que responde pelo campo gravitacional.

A métrica em R fica

com o tensor métrico

A conexão afim (29) pode ser escrita em termos do tensor métrico e das suas derivadas,

No caso de um campo gravitacional uniforme, a métrica é

com as componentes não triviais

ou seja,

4. Transformações de Rindler

As transformações de Rindler conectam os referenciais inerciais com os uniformemente acelerados [18-19], e podem ser obtidas resolvendo o sistema de equações diferenciais

Como apenas

são as componentes não nulas da conexão afim, o sistema de equações fica

A primeira e a segunda equações implicam que

para alguma constante Cα, resultando

A última das equações do sistema (37) fornece a equação temporal

cuja solução é

levando às transformações

Para o movimento hiperbólico os coeficientes Bα e Dα devem ser escolhidas como Bz = Dz = c2/2a e B0 = - D0 = c2/2a, sendo que as escolhas C0 = 0 e

C3 = c2 levam às condições iniciais x'0= 0 e x'3 = 0 para t = 0 e z = 0, resultando nas equações

conhecidas como transformações de Rindler; conectam as coordenadas inerciais de R' com as coordenadas não inerciais de R.

4.1. Mapeamento

A Fig. 5 é uma amostragem de uma distribuição uniforme de pontos coordenados (ct, x), as cores vermelho, azul, verde e amarelo associadas ao primeiro, segundo, terceiro e quarto quadrantes, respectivamente, a borda demarcada por pontos pretos. São utilizados trinta mil pontos lançados aleatoriamente e a utilização das cores visa identificar a proveniência dos pontos nas distribuições pós mapeamento.


A Fig. 6 mostra o mapeamento através das transformações de Lorentz


dos pontos uniformemente distribuídos da Fig. 5, a velocidade relativa V = βc entre os referenciais tomada exageradamente alta (β =0.3) para enfatizar o resultado.

Todos os referenciais inerciais são equivalentes entre si e as transformações de Lorentz conectam todos os pontos do espaço-tempo, univocamente.

O mesmo não ocorre com as transformações de Rindler, Eqs. (43). Uma distribuição uniforme no referencial acelerado como o da Fig. 5 será mapeada sobre uma região correspondente a apenas um quadrante no referencial inercial, como ilustrado na Fig. 7 para aceleração a/c2 =0, 1 (em unidades de L-1).


Para entender esta restrição, é conveniente examinar as transformações inversas de Rindler,

que são válidas sob as condições

Estas condições definem uma região equivalente a um quadrante delimitada pelas duas retas perpendiculares entre si

na parte superior do ponto de cruzamento. A Fig. 8 ilustra a amostragem de pontos correspondentes coordenadas inerciais (ct',x') uniformemente distribuídos na região acessível às transformações de Rindler para a/c2 =0,1. Ao serem mapeadas via transformações inversas de Rindler, Eq. (45), resulta a distribuição dos pontos (ct, x) correspondentes às coordenadas não inerciais, Fig. 9.



As cores mostram as correspondências das coordenadas não inerciais da Fig. 9 com as coordenadas inerciais da Fig. 8 permitindo visualizar o efeito geométrico do mapeamento. Os pontos cinzas na parte superior da Fig. 9 são originários da parte superior da Fig. 8, dentro da região acessível porém fora do quadro de amostragem.

Esta correspondência a um quadrante no referencial inercial contra o espaço todo do referencial acelerado significa que observadores em referenciais acelerados estão sujeitos a um horizonte de eventos no referencial inercial além do qual não tem acesso.

No entanto, é preciso salientar que conceitos globais implícitos nas definições de referenciais inerciais e ou referenciais uniformemente acelerados são modelos matemáticos que, do ponto de vista físico, são válidos apenas localmente. Além disto os parâmetros, velocidade e aceleração, das transformações foram tomadas exageradamente elevadas para ressaltar os efeitos dos mapeamentos. No caso das transformações de Rindler, conforme se diminui a aceleração, o horizonte de eventos torna-se mais e mais distante, como ilustrado na Fig. 10, a/c2 = 0, 03, cujo mapeamento resulta na distribuição da Fig. 11. Acelerações abaixo de a/c2 = 0, 02 levam o horizonte de eventos para fora do quadro de amostragem e as distorções geométricas do mapeamento tornam-se cada vez menores. Assim, se, por exemplo, a localidade corresponder à região colorida delimitada pela borda preta das ilustrações, a presença do horizonte de eventos pode passar despercebida, a distorção geométrica no referencial acelerado aparecendo de forma bastante atenuada, como na Fig. 12, correspondente à aceleração a/c2 =0.01.




No limite a/c2 0, o horizonte de eventos é deslocado para uma distância infinitamente grande, o referencial acelerado tendendo ao inercial.

4.2. Campos vetoriais

Nas transformações gerais de coordenadas, Eq. (26), transformações diferenciais

definem as transformações dos campos vetoriais,

Em particular, das transformações de Rindler (43) resultam

e a inversa

considerando apenas as componentes não triviais.

Correspondem às transformações dos campos vetoriais

e a inversa

5. Carga em repouso no campo gravitacional uniforme

Um corpo em repouso no referencial uniformemente acelerado R descreve um movimento hiperbólico se observado do referencial inercial R'. O campo eletromagnético de uma carga em movimento hiperbólico, em R', é definido pelo quadri-potencial cujas componentes temporal e espacial são

e

respectivamente, para

Eqs. (23-25) com a notação readequada. As transformações (53) levam o campo de R' para R,

usando as componentes covariantes

Inserindo os campos (54) e (55) e considerando as transformações de coordenadas (43) transladadas para

resultam

As transformações de Rindler (58) implicam na relação

de modo que

para α = c/a, a única componente não nula do quadri-potencial sendo

Pode-se verificar que no limite a 0(α = c/a ) reduz-se a

identificado com o potencial coulombiano

de uma carga q em repouso na origem.

5.1. Campo eletrostático

Tendo o potencial, o campo elétrico é a componente

do tensor eletromagnético

Como as componentes não diagonais do tensor métrico são nulas, a identidade

aplicada às componentes covariantes (34) da métrica leva às componentes contravariantes

Especificamente,

para a componente Ex,

para a componente Ey e

para a componente Ez.

Em componentes cilíndricas,

No limite a 0 as Eqs. (63-65) reduzem-se às componentes do campo coulombiano

A presença do campo gravitacional distorce a estrutura do espaço-tempo, como mostra o mapeamento das coordenadas de um referencial inercial para outro não inercial, secção 4.1. Embora não se possa comparar diretamente as figuras dos mapeamentos, que são realizados no espaço-tempo, com as configurações do campo elétrico, que são objetos espaciais, é possível inferir que a distorção do espaço-tempo afeta a configuração do campo eletrostático, Eq. (66), como mostra a Fig. 13 para g/c2 =0, 05 comparada com a Fig. 14 do campo coulombiano na ausência de campo gravitacional.



Em relação ao campo eletrico de uma carga em movimento hiperbólico, secção 2, as Figs. 2, 3 e 4 mostram as configurações do campo em três instantes diferentes da trajetória, para a/c2 =0, 5, com a característica separação entre os campos de velocidade, atrelada à carga, e de radiação, livre. O mesmo sistema é visto no referencial próprio da carga como um campo eletrostático (sem radiação) na presença de um campo gravitacional uniforme g/c2 =0, 5, com a configuração de campo mostrada na Fig. 15.


A trajetória hiperbólica da carga, Fig. 1, comparada com a região do espaço-tempo do referencial inercial acessível ao referencial acelerado, Fig. 16, mostra que após a carga reverter a direção do seu movimento (primeiro quadrante da Fig. 1), o campo de radiação continua a avançar para a região não acessível ao observador acelerado (quarto quadrante da Fig. 16), seguindo para além do seu horizonte de eventos, justificando a ausência da radiação no referencial acelerado. Embora a força de reação radiativa seja identicamente nula no movimento hiperbólico de uma partícula carregada, a perda de energia e momento transportada pela radiação deve ser compensada por uma força externa adicional se comparada com a necessária para manter o mesmo movimento hiperbólico de uma partícula idêntica porém neutra. Como o efeito desta força externa adicional deve ser mensurável no referencial próprio da carga, resulta num conflito com o Princípio da Equivalência [8-10]. Este conflito, propõe o autor, talvez possa ser resolvida interpretando a força adicional como devida a uma pequena diferença entre a massa inercial e a massa gravitacional (passiva) das partículas carregadas, preservando o Princípio da Equivalência na versão forte da relatividade geral [19].


Somente campos gravitacionais muito intensos podem causar estas distorções locais nos campos eletrostáticos. Apenas objetos astrofísicos compactos e massivos, como anãs brancas e estrelas de nêutron, podem gerar, em sua superfície, campos gravitacionais intensos [23]. Buracos negros seriam os candidatos óbvios, mas tem a ressalva de que o acesso é limitado pelo raio de Schwarzschild. Anãs brancas são as binárias Sirius A e B, tem massas da ordem de 2.3 x M e 1.0 x M, respectivamente. O raio do Sirius B é estimado como da ordem de 5.5 x 106 m 0.008 x R, o que fornece a aceleração gravitacioanal na superfície de g 4.6 x 106 m/s2 . As grandezas M 1.98844 x 1030 kg e R 6.961 x 108 m são a massa e o raio do Sol, respectivamente. As estrelas de nêutron são objetos mais compactos que as anãs brancas. Uma com massa da ordem de 1.4 x M tem o raio R 4.4 x 103 m e a aceleração gravitacional na superfície de g 1.86 x 1012m/s2 .

Os buracos negros são objetos massivos que colapsaram para abaixo do raio de Schwarzschild onde, por definição, a velocidade de escape é igual à velocidade da luz ve = = c, que define o raio de Schwarzschild,

O campo gravitacional presente na região correspondente à superfície de Schwarzschild é

Usando c = 3 x 108 m/s e G =6.67259 x 10-11 m3 kg-1s-2, resulta

Buracos negros produzidos no universo primordial acredita-se possam ter massas entre 10-5g < m < 105 x M. Os formados pelos colapsos estelares tem massas da ordem de M 2 3.82 x M e o campo gravitacional é, em ordem de grandeza,

Na região central das galáxias acredita-se que existam buracos negros massivos, com massas entre 105 x M a 109 x M. Para um buraco negro com massa de 105 x M correspondem RS 2.95 x 105 km e aceleração g 1.5 x 108 m/s2 . Para um com massa 109 x M, resultam RS 2.95 x 109 km e aceleração g 1.5 x 104 m/s2.

Pode-se ver que a aceleração gravitacional mais intensa, nestes exemplos, fica em torno de 1012m/s2, que corresponde a

5.2. Lei de Gauss

Uma maneira de obter o campo eletrostático é resolvendo a equação diferencial definida pela lei de Gauss na forma diferencial. A forma integral não é útil neste caso pois a presença do campo gravitacional torna o sistema não esfericamente simétrico. As equações de Maxwell na presença de campo gravitacional são dadas por [15]

onde g = - det(gµv). No caso eletrostático, interessa a lei de Gauss,

que, em termos das componentes do campo elétrico, Eq. (60), fica

considerando que

as componentes não triviais do tensor métrico dadas pelas Eqs. (34).

Para as componentes Ex e Ey do campo elétrico, Eqs. (63) e (64), resultam as derivadas

e

que, somadas, resultam

lembrando que p2 = x2 + y2 e α = c/a.

A componente Ez , Eq. (65), pode ser separada em três partes,

a componente

com a derivada

a componente

com a derivada

e a componente

com a derivada

Somando as derivadas das três partes e reagrupando

os termos em potências de p, resulta

que leva ao resultado

válido em todo o espaço exceto na origem (p2 = 0, z = 0), mostrando que a lei da Gauss é satisfeita na forma usual

onde

no caso de uma carga puntiforme em repouso na origem. Este fato mostra que o fluxo das linhas de campo geradas pela carga é a mesma com ou sem o campo gravitacional. A presença do campo gravitacional apenas distorce os caminhos que as linhas de campo se propagam no espaço.

6. Conclusões

O campo eletrostático na presença de um campo gravitacional uniforme pode ser obtido usando as transformações de Rindler que conectam referenciais inerciais com os uniformemente acelerados. Os efeitos de um campo gravitacional uniforme sobre o campo elétrico de uma carga em repouso são bem ilustrados usando técnicas de Monte Carlo desenvolvidos para este fim, com informações qualitativas sobre a intensidade e a orientação do campo. Campos uniformes, seja gravitacional, elétrico ou magnético, são apenas conceitos, não realizáveis fisicamente, porém válidos localmente. Considerando que aumentar a intensidade do campo ou diminuir a escala de distância tem efeitos equivalentes na configuração do campo eletrostático, compreendese que apenas campos gravitacionais muito intensos podem causar alterações localmente relevantes. Um campo gravitacional como o da superfície da Terra não deve ter nenhum efeito perceptível sobre o campo de uma carga em repouso.

Recebido em 4/11/2008

Revisado em 17/6/2009

Aceito em 27/7/2009

Publicado em 18/2/2010

  • [1] James H. Smith, Introducción a la Relatividad Especial (Ed. Reverté, Barcelona, 1969).
  • [2] Richard A. Mould, Basic Relativity (Springer, Nova York, 1994).
  • [3] C. Møller, The Theory of Relativity (Oxford University Press, Oxford, 1972).
  • [4] John David Jackson, Classical Electrodynamics (John Wiley & Sons, Nova York, 1999).
  • [5] C. Teitelboim, D. Villarroel and Ch.G. Van Weert, Rev. Nuovo Cimento 3, 1 (1980).
  • [6] A.O. Barut, Electrodynamics and Classical Theory of Fields and Particles (Dover, Nova York, 1980).
  • [7] L. Landau and E.L. Lifshitz, The Classical Theory of Fields (Pergamon Press, Oxford, 1976).
  • [8] T. Fulton and F. Rohrlich, Annals of Phys. 9, 499 (1960).
  • [9] D.G. Boulware, Annals of Phys. 124, 169 (1980).
  • [10] E. Eriksen and O. Gron, Ann. of Phys. 286, 320 (2000).
  • [11] E. Eriksen and O. Gron, Ann. of Phys. 286, 343 (2000).
  • [12] E. Eriksen and O. Gron, Ann. of Phys. 286, 373 (2000).
  • [13] E. Eriksen and O. Gron, Ann. of Phys. 297, 243 (2002).
  • [14] E. Eriksen and O. Gron, Ann. of Phys. 313, 147 (2004).
  • [15] Steven Weinberg, Gravitation and Cosmology (John Wiley & Sons, Nova York, 1972).
  • [16] F. Rohrlich, Annals of Phys. 22, 169 (1963).
  • [17] Eric A. Lord, Tensors Relativity and Cosmology (Tata McGraw-Hill, Nova Delhi, 1979).
  • [18] N.D. Birrel and P.C.W. Davies, Quantum fields in Curved Space (Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1982).
  • [19] Mario Goto, P.L.Natti and E.R. Takano Natti, Class. Quantum Grav. 27, 025005 (2010).
  • [20] Mario Goto, H. Iwamoto, V.M. de Aquino e V.C. Aguilera-Navarro, American Journal of Physics 69,1 (2001).
  • [21] I.M. Sobol, The Monte Carlo Method (Univ. Chicago Press, Chicago, 1974).
  • [22] M.H. Kalos and P.M. Whitlock, Monte Carlo Method (John Wiley, Nova York, 1986).
  • [23] Bradley W. Carroll and Dale A. Ostlie, Modern Astrophysics (Addison-Wesley, Reading, 1996).
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      27 Jul 2007
    • Revisado
      17 Jun 2009
    • Recebido
      04 Nov 2008
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br