CASE REPORT
Histoplasmose nasal sem acometimento pulmonar em paciente imunocomprometido
Michelle ManziniI; Michelle Lavinsky-WolffII
IMédico Residente do 2º ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Médico Residente)
IIDoutora em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Michelle Lavinsky-Wolff Rua Ramiro Barcelos, nº 2350, zona 19, Santa Cecília Porto Alegre - RS. CEP: 90035-903
Palavras-chave: fungos, histoplasmose, obstrução nasal.
INTRODUÇÃO
A histoplasmose é uma infecção causada pelo fungo Histoplasma capsulatum. É endêmica em várias partes do mundo, sobretudo no centro-oeste dos Estados Unidos, na América Latina e no sul da África1.
Em 99% dos casos, a infecção é autolimitada ou restrita aos pulmões. No 1% restante, pode acometer, também, fígado, baço, linfonodos, medula óssea, pele e mucosas1.
A histoplasmose mucocutânea não é incomum em casos de imunossupressão, mas é rara em imunocompetentes1.
Devido à raridade do acometimento nasal isolado e ao aspecto da lesão, geralmente, a doença é confundida com neoplasia maligna.
Este artigo, ao relatar o caso de um paciente imunodeprimido com histoplasmose nasal, sem acometimento pulmonar sincrônico, visa chamar a atenção sobre a afecção, a fim de se evitar o diagnóstico errôneo frente a um caso de lesão nasal infecciosa.
APRESENTAÇÃO DO CASO
JP, masculino, 59 anos, aposentado, natural e procedente de Porto Alegre, RS. Paciente cirrótico por hepatite C e por álcool, tabagista, HIV negativo. Foi internado neste hospital para realizar bypass em membro inferior, quando se queixou de lesão nasal com 2 meses de evolução. Foi avaliado pela equipe da Otorrinolaringologia, que visualizou lesão ulcerada e irregular, coberta por crosta em vestíbulo nasal direito (Figura 1). Não havia outra particularidade no exame otorrinolaringológico. Realizou-se biópsia da lesão, pois a hipótese diagnóstica inicial foi de neoplasia maligna, devido ao aspecto da lesão. Não foram realizados outros exames enquanto se aguardava o resultado da biópsia.
Após alta hospitalar, o paciente retornou ao ambulatório de Otorrinolaringologia com as mesmas queixas. O exame físico estava inalterado em relação ao anterior.
O resultado da biópsia revelou inflamação crônica ulcerada, com tecido de granulação em mucosa respiratória. Pesquisa de fungos, em meio de Grocott, positiva: estruturas leveduriformes pequenas e ovoides sugestivas de histoplasmose.
Solicitou-se avaliação da Infectologia, realizou-se radiografia de tórax, exame que não mostrou sinais sugestivos de histoplasmose, e iniciou-se itraconazol 100 mg duas vezes ao dia, dose corrigida para a taxa de filtração glomerular, com plano de 12 meses de tratamento.
Foi reavaliado após um mês de tratamento, já sem lesões nasais.
DISCUSSÃO
O histoplasma é ubíquo e potencialmente virulento. Seus esporos são inalados pelo trato respiratório e, após serem fagocitados pelos macrófagos e expostos à temperatura corporal, convertem-se em leveduras, as quais se propagam, dentro dos macrófagos, até alcançarem o sistema linfático. Nessa fase, de acordo com a imunidade celular do indivíduo, a disseminação hematogênica poderá ocorrer1.
A infecção tem início, geralmente, nos pulmões, quando o inóculo é pequeno e o paciente imunocompetente. Raramente, a infecção se dissemina e envolve diferentes órgãos. Quando atinge a cabeça e o pescoço, os lugares mais afetados são cavidade oral, laringe e faringe. Restringe-se à mucosa e, com frequência, é diagnosticada, erroneamente, como neoplasia maligna1, podendo ser confundida, também, com doenças granulomatosas e tumores nasais benignos.
Devido ao pequeno tamanho do fungo (2-4 mm) e à similaridade com outras leveduras, o diagnóstico da histoplasmose é feito ao isolar-se o fungo em cultura, o que retarda o diagnóstico e o tratamento2.
A cultura é o exame padrão-ouro para o diagnóstico e demora entre duas a quatro semanas para positivar. Contudo, não é útil nos casos graves, nos quais a intervenção deve ser rápida. A cultura em Sabouraud tem sucesso de 25% a 40%. Nas lesões aerodigestivas, na forma crônica - na qual a cultura não é muito eficaz-, a biópsia fixada com Gomori, o qual cora o agente infeccioso, é diagnóstica3.
O tratamento é feito com itraconazol sistêmico, o qual tem se mostrado eficaz, contudo deve ser evitado em pacientes hepatopatas. Infecções graves ou recalcitrantes devem ser tratadas com anfotericina B4.
A cirurgia não tem papel terapêutico, mas é útil para o diagnóstico, já que a histoplasmose não é angioinvasiva e o desbridamento cirúrgico extenso não é necessário4.
COMENTÁRIOS FINAIS
Apesar de rara, a histoplasmose deve ser considerada no diagnóstico de lesões nasais, sobretudo em pacientes imunocomprometidos. A não realização da cultura retarda o diagnóstico e o tratamento, podendo comprometer o prognóstico do paciente.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 26 de junho de 2011 . cod. 8653.
Artigo aceito em 24 de novembro de 2011.
Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
- 1. Sood N, Gugnani HC, Batra R, Ramesh V, Padhye AA. Mucocutaneous nasal histoplasmosis in an immunocompetent young adult. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2007;73(3):182-4.
- 2. Oikawa F, Carvalho D, Matsuda NM, Yamada AT. Histoplasmose no septo nasal sem envolvimento pulmonar em um paciente com síndrome da imunodeficiência adquirida: relato de caso clínico e revisão de literatura. São Paulo Med J. 2010;128(4):236-8.
- 3. Araújo Filho BC, Neves MC, Butugan O, Voegels RL, Campelo VES. Histoplasmose e rinossinusite: uma rara associação. Arq Int Otorrinolaringol. 2006;10(2):141-5.
- 4. Rizzi MD, Batra PS, Prayson R, Citardi MJ. Nasal histoplasmosis. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135(5):803-4.
Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Out 2012 -
Data do Fascículo
Out 2012