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Guerreiros ou guardiões? Notas sobre o conceito de polícia

Warriors or guardians? Notes on the concept of police

Resumo

O artigo discute o conceito de polícia, em abordagem crítica à posição tradicional dos estudos de policiamento que tomam a possibilidade do uso da força como elemento definidor. Considerando as evidências sobre a violência policial e a existência empírica das mentalidades propostas pela moldura “guerreiro-guardião”, indicamos outro caminho conceitual e alguns dos desafios para a construção de um novo perfil de policiamento.

Palavras-chave:
Polícia; Proteção; Guerreiros e guardiões

Abstract

The article discusses the concept of police, in a critical approach to the traditional position of policing studies which identify the possibility of the use of force as a defining element. Considering the evidence on police violence and the empirical existence of the mentalities proposed by the “warrior-guardian” framework, we indicate another conceptual path and some of the challenges for the construction of a new policing profile.

Keywords:
Police; Protection; Warriors and guardians

1. Introdução

Os recentes protestos populares contra a violência policial nos Estados Unidos e a reiterada impunidade de policiais envolvidos em atos de brutalidade assinalam um momento agudo de uma crise do policiamento que prioriza a força como abordagem básica. No relatório da Força Tarefa sobre o policiamento do século XXI criada pelo presidente Barack Obama (President’s Task Force on 21st Century Policing, 2015), se sustentou que os esforços de reforma das polícias fossem orientados pela noção de que policiais devem se conceber como “guardiões” e não mais como “guerreiros”. A mudança proposta envolve a superação do tipo de mentalidade dos policiais que se veem como “soldados na guerra sem trégua contra o crime” (STOUGHTON, 2016bSTOUGHTON, Seth Principled policing: Warrior cops and guardian officers. Wake Forest Law Review, 51, 2016b, pp. 611-76.) em direção à ideia de que policiais devem atuar com as comunidades, como protetores, percebendo que sua autoridade é resultado do consentimento do público.

Até há pouco, não havia evidências a respeito da existência dessa “moldura guerreiro-guardião”. A polarização entre as duas possíveis orientações psicológicas era pensada metodologicamente, mas não como realidade empírica. Recente trabalho de McLean et al (2019), entretanto, realizado em dois departamentos de polícia nos Estados Unidos, com respostas de 82.4% dos policiais, encontrou que as duas orientações existem efetivamente e condicionam perfis policiais distintos1 1 O estudo também encontrou que alguns policiais podem compartilhar ambas as orientações. .

(...) as mentalidades do guardião e do guerreiro foram relacionadas a resultados bastante diferentes. Por um lado, a mentalidade do guardião foi associada a maiores prioridades de comunicação durante as interações com os cidadãos e menos apoio ao uso abusivo da força. Por outro lado, a mentalidade do guerreiro foi associada a prioridades de comunicação mais fracas e a prioridades de controle mais fortes durante as interações com os cidadãos, bem como a atitudes mais positivas em relação ao uso abusivo da força (tradução nossa)2 2 No original: (...) the guardian and warrior mindsets were related to quite different outcomes. On the one hand, the guardian mindset was associated with greater communication priorities during interactions with citizens and less support of attitudes towards force misconduct. On the other hand, the warrior mindset was associated with weaker communication priorities and stronger control priorities during interactions with citizens, as well as more positive attitudes towards force misconduct. .

Nesse artigo, discutimos o quanto o conceito de polícia pode se associar a essas duas orientações, sugerindo que a mudança a ser construída no policiamento exige, também, uma nova teoria sobre o significado dessa atividade. Para isso, fazemos a crítica ao conceito de polícia proposto pelo professor Egon Bittner (1921-2011), seguramente o mais influente na literatura especializada. Ato contínuo, apresentamos um novo conceito, que nos parece mais consentâneo aos desafios do policiamento nas democracias contemporâneas e que poderá impactar o processo de seleção de novos policiais com a mentalidade dos guardiões para melhor alinhar suas atividades às tarefas de proteção e promoção de direitos.

2. O conceito tradicional, a polícia como força

O tema do uso da força é central na discussão a respeito do próprio conceito de polícia. A maior parte dos pesquisadores tem se alinhado à ideia de que as instituições policiais se distinguem de todas as demais pelo fato de que seus membros possuem a possibilidade legal do emprego da força, o que reverbera o conceito weberiano do monopólio do uso legítimo da força física como característica própria do Estado. Para Bayley (2001BAYLEY, David. Padrões de Policiamento: uma análise internacional comparativa. São Paulo: Edusp, 2001.), por exemplo, o uso legítimo da força no âmbito interno da nação (o que permitiria separar o emprego da força pelas FFAA), assinala o que há de específico na função policial. Por este motivo, ele entende que são também forças policiais quaisquer instituições que exerçam funções de guarda ou vigilância, ainda que não sejam chamadas de polícias. Na mesma linha, Monet (2001MONET, Jean-Claude. Polícias e Sociedades na Europa. São Paulo: Edusp, 2001.) sustenta que, além da autorização para o uso legítimo da força - que pode ser eventualmente encontrada em outras atividades profissionais como, por exemplo, na enfermagem psiquiátrica ou na tutela de presos, a polícia seria caracterizada pelo fato de poder empregar seus recursos coercitivos contra qualquer pessoa em situações que nunca podem ser completamente definidas a priori.

No Brasil, o tema tem sido objeto de poucos trabalhos acadêmicos, destacando-se os esforços de Jacqueline Muniz e Domício Proença. Também para estes autores, o mandato policial está essencialmente vinculado à autorização para o emprego da força nos termos da lei; sob limites claros, portanto, e deveríamos compreender o uso da força pela polícia apenas no sentido de sua utilidade para produzir obediência e respeito às leis; ou seja: para mudar comportamentos tidos como indesejáveis. Nessa abordagem, o uso real da força e sua possibilidade de uso integrariam um único fenômeno (MUNIZ; PROENÇA, 2003MUNIZ, Jacqueline; PROENÇA JÚNIOR, Domício. Police use of Force: the rule of Law and full accountabilitiy. Compative models of accountability seminar. Cidade do México, 2003.).

Estas posições são tributárias do trabalho de Bittner (1980BITTNER, Egon. The Functions of the Police in Modern Society. Cambridge: Oelgeschlager, Gunn and Hain, 1980.) que ofereceu a definição mais amplamente aceita sobre a natureza específica do trabalho policial, vinculando-a à possibilidade do emprego da força. Isso não significa que Bittner reduza o trabalho policial à aplicação da lei ou às tarefas de repressão que exigem o emprego da força. Pelo contrário, ele afirma, taxativamente, que, para a grande maioria dos policiais, as circunstâncias em que o emprego da força é necessário são eventos raros quando comparados ao conjunto das intervenções policiais:

A relativa probabilidade do recurso real à força varia bastante de uma tarefa para outra, embora geralmente seja baixa. É virtualmente zero para alguns policiais. Para outros, eleva-se ao nível de uma bem improvável, mas ainda assim perceptível possibilidade, e convém manter-se permanentemente alerta. Assim, ser policial significa estar autorizado, e ser exigido, a agir de modo coercitivo quando a coerção for necessária, segundo o determinado pela avaliação do próprio policial das condições do local e do momento (BITTNER, 2003BITTNER, Egon. Aspectos do Trabalho Policial. São Paulo: Edusp, 2003.: 20).

Assim, o que Bittner sustenta é que a natureza da função policial pressupõe o poder de submeter alguém, contra a sua vontade, seja para alterar um comportamento tido como inadequado ou de risco, seja para efetuar uma prisão ou conduzir suspeito de atividade ilícita. Esse mandato policial seria, para o autor, executado de três formas distintas: a) pela tentativa de negociação, b) pela intimidação e c) pela “proeza física”.

A reflexão terminou se impondo também por conta da sutileza de seu raciocínio3 3 Bittner (2003) argumenta, por exemplo, que a possibilidade do emprego da força termina gerando duas requisições incompatíveis por parte da sociedade: a primeira, a de que os policiais sejam profissionais e sigam estritamente as leis; a segunda, que os policiais violem as leis e sejam violentos “sempre que necessário”. . Em síntese, para Bittner, aquilo que pode distinguir a função policial das demais é a possibilidade do uso da força, o que estaria sempre presente, mesmo quando - como ocorre na maioria das vezes - os policiais não fazem uso dela.

Devemos enfatizar, entretanto, que com a concepção da centralidade da capacidade do uso da força no papel da Polícia não se pode chegar à conclusão de que as rotinas ordinárias da ocupação policial são constituídas pelo exercício real dessa capacidade. É muito provável, embora nos faltem informações a respeito, que o uso da coerção física e da repressão sejam raras para os policiais como um todo. O que importa é que o procedimento policial é definido pela característica de não se poder opor-se a ele durante seu curso normal e, se acontecer tal oposição, a força poderá ser usada. Isso é o que a existência da Polícia disponibiliza para a sociedade. Desse modo, a questão: ‘o que os policiais devem fazer?’ é quase completamente idêntica à questão: ‘que tipos de situações exigem corretivos que são coercitivos e não negociáveis?’ (BITTNER, 2003BITTNER, Egon. Aspectos do Trabalho Policial. São Paulo: Edusp, 2003.: 132-133).

A definição teórica proposta para se compreender a própria atividade policial, assim, não estaria na dependência de uma comprovação empírica a respeito do emprego efetivo da força como centralidade. Em qualquer atividade desenvolvida pelos policiais, entretanto, encontraríamos um substrato representado pela noção, compartilhada socialmente, de que os profissionais da área exercitam uma autoridade cujo poder coercitivo é evidente e que, no limite - caso as coisas não andem como se espera - poderão recorrer à força para assegurar seus comandos. Muniz et al (1999MUNIZ, Jacqueline; PROENÇA JÚNIOR, Domício; DINIZ, Eugenio. “Uso da Força e Ostensividade”. In: Ação Policial. Conjuntura Política. Boletim de Análise - Departamento de Ciência Política da UFMG, Belo Horizonte, 1999, pp. 22-26.) oferecem um bom exemplo a respeito:

Há momentos, exatamente nestas situações, em que o policial assume o papel de um coordenador que decide o que será feito, comanda as ações e determina os comportamentos. Este é o caso, por exemplo, de um socorro a vítimas de acidente de trânsito: parar o trânsito, cercar a área, afastar os transeuntes, chamar a ambulância, assegurar o seu acesso, lidar com parentes e vítimas, respaldar as decisões médicas dos atendentes, coordenar o apoio para um trânsito rápido até o hospital, e mesmo colaborar para a presteza do atendimento das vítimas. Tudo isso seria impossível sem a perspectiva de compelir, o que pressupõe, uma vez mais, a possibilidade do uso de força para obter obediência.

A par dos evidentes méritos desta posição, cabe refletir se ela permite, de fato, melhor compreender o trabalho policial. Até que ponto, no mais, ela pode auxiliar na complexa tarefa de, para além do trabalho “realmente existente”, estruturar as bases para aquilo que deva ser o trabalho policial no Estado Democrático de Direito4 4 O conceito procura estabelecer uma diferença com o Estado Liberal, onde se presume apenas o ordenamento legal para o controle do arbítrio. Para Habermas e Häberle (2003: 68), por exemplo, o Estado Democrático de Direito ocorre onde há outra legitimação: É que o Direito não somente exige aceitação; não apenas solicita reconhecimento de fato, mas também pleiteia merecer reconhecimento. Para a legitimação de um ordenamento estatal, constituído na forma da lei, requerem-se, por isso, todas as fundamentações e construções públicas que resgatarão esse pleito como digno de ser reconhecido. . Afinal, o esforço pela construção de uma teoria do policiamento seria mesmo desprovido de sentido não estivesse a própria ideia de policiamento inserida em um quadro mais amplo do qual partimos e que envolve uma posição a respeito de, pelo menos, alguns conceitos básicos como os de consentimento, prevenção, força, coerção e violência e noções a respeito de justiça e de direito, além de uma direção estratégica sobre segurança pública.

3. Para um novo conceito, a polícia como proteção

A princípio, parece-me questionável que uma definição essencialista a respeito da atividade de policiamento assuma uma das dimensões do trabalho policial e, precisamente, aquela que aparece empiricamente apenas in extremis. Esta é a crítica que autores como Fielding (2002FIELDING, Nigel G. Theorizing Community Policing. British Journal of Criminology, 42, 2002, pp. 147-163.: 149-150) dirigem a Bittner:

O fato de que a força física é, empiricamente, um meio empregado apenas excepcionalmente para resolver o conjunto de problemas com os quais os policiais lidam sugere que uma explicação a respeito da atividade policial avançará muito pouco por referência à autoridade para o uso da força que os policiais desfrutam (tradução nossa5 5 No original: The very fact that physical force is, empirically, a minor means of resolving the general run of circustamces with witch the policie deal, suggests that explanation of a large share of police work is relatively little advanced by reference to the forceful authority officers ultimately enjoy. ).

Se o emprego da força pelos policiais não caracteriza a maior parte das intervenções realizadas por eles, então por qual razão o seu emprego - mesmo quando tratado como possibilidade ou autorização genérica - diria respeito à essência do mandato policial? É possível que esse caminho dificulte, mais que esclareça, a compreensão da atividade policial e, ainda, que obstaculize os esforços reformadores na área. É também provável que tal definição facilite uma apropriação indevida por parte da subcultura policial - identificada com a glorificação da própria violência - e que, assim, já apareça como expressão de uma abordagem tradicional sobre o trabalho da polícia pela qual, involuntariamente, se hipertrofia sua missão repressiva. A definição da polícia a partir da prerrogativa do uso da força tende a ser compreendida por policiais de mentalidade “guerreira” como uma confirmação dos valores que maximizam as abordagens violentas.

Para além desse risco, se nos esforços necessários para uma teoria do policiamento desconsiderarmos a dimensão empírica do uso concreto da força ou dos poderes coercitivos da polícia, haverá sempre a tendência de menosprezar as diferenças entre as atividades policiais - que aparecem como manifestações de uma mesma essência - e entre políticas de segurança completamente distintas que modelam posturas igualmente contrastantes entre as forças policiais. Assim, por exemplo, trabalho de Miller (2000, apudSANDERS; YOUNG, 2003SANDERS, Andrew; YOUNG, Richard. “Police Powers”. In: NEWBURN, Tim (ed.). Handbook of Policing. Devon, UK: Willan Publishing, 2003.: 229), encontrou que, em Cleveland (EUA), onde se adotou a abordagem conhecida como “tolerância zero”, a polícia realizou 101 revistas para cada mil habitantes, contra seis revistas para cada mil habitantes realizadas pela polícia na similar cidade de Humberside (UK), onde nunca se cogitou aplicar aquela política. Tratar as atividades destas duas forças policiais como se elas traduzissem apenas ênfases diferenciadas - e não naturezas contrastantes - parece revelar um equívoco.

Monjardet (2003MONJARDET, Dominique. O Que Faz a Polícia. São Paulo: Edusp, 2003.: 21-23) procura resgatar a definição de Bittner empregando a imagem do “martelo”. Também esse instrumento, argumenta a autora, poderia ser utilizado para vários fins como escalar uma montanha, quebrar o vidro de um ônibus acidentado e libertar pessoas ou quebrar a cabeça de alguém. Em todos estes momentos, o martelo exerceria sempre uma força sobre alguém ou sobre um objeto. Assim seria a atividade policial. A imagem é boa, mas permite que, ao invés de se resolver o problema, se mude de assunto. O que seria preciso demonstrar é por que as atividades “salvar a vida de alguém” e “quebrar a cabeça de alguém” podem ser melhor compreendidas como resultados que se unificam em uma essência instrumental - no caso, o uso da força como meio - do que o seriam se reconhecêssemos que a atividade policial pode ser definida segundo seus fins; vale dizer: segundo um conteúdo e não por um recurso formal.

O paradigma pelo qual o trabalho policial pode ser definido como aquele correspondente ao monopólio do uso da força pelo Estado poderia ser substituído, com vantagem, pela ideia de que cabe à polícia proteger as pessoas ou assegurar a todos o exercício dos seus direitos elementares. Missões para as quais, como se sabe, é preciso, eventualmente, empregar a força ou deixar claro que se poderá empregar a força. Ao invés de uma definição a partir do poder concedido aos policiais de usar a força, teríamos, então, uma definição a partir daquilo que se espera que a polícia faça. Uma definição do tipo valorizaria o papel da polícia, projetando uma moldura onde a noção de direito é destacada. Por esse caminho, no mais, a mentalidade do policial guardião adquire proeminência.

Não se trata, então, de menosprezar o papel repressivo a ser desempenhado pela polícia. O respeito à própria civilização democrática seria uma noção inconsistente se imaginássemos que os infratores não devessem ser reprimidos ou se imaginássemos que, em algumas circunstâncias, as pessoas não possam ser demovidas de suas intenções ou, simplesmente removidas de onde estão, por meio da força legítima empregada por policiais. O problema que desejo sublinhar é outro: penso que, para uma perspectiva democrática e humanista, seja muito importante definir o trabalho policial como aquele vocacionado por uma missão protetiva, algo que sua identificação com a noção de força termina obscurecendo. Ainda mais quando essa definição se encontra arraigada na visão que os próprios policiais têm a respeito do que fazem. Com efeito, para a maioria dos policiais em todo o mundo existiria um “verdadeiro trabalho da Polícia”: prender criminosos (VAN MAANEN, 1978VAN MAANEN, John. “The asshole”. In: MANNING, Peter K.; VAN MAANEN, Jonh. (eds.). Policing: A view from the street. Los Angeles, CA: Goodyear Press, 1978, pp. 221-238.). Todas as demais atividades desempenhadas no dia a dia do policiamento - como as tarefas de pacificação ou de assistência - são normalmente vistas como perda de tempo e são, quando muito, toleradas pelos policiais. No fundo, eles gostariam que outras instituições as realizassem, porque não se sentem policiais quando estão envolvidos com elas (ROLIM, 2006ROLIM, Marcos. A Síndrome da Rainha Vermelha, policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.).

Ainda, uma definição da atividade policial que a vincule essencialmente à possibilidade do emprego da força tende a apagar as distinções teóricas que devemos preservar entre polícia e exército; um tema, como se sabe, de profundas repercussões práticas, especialmente no Brasil onde as polícias militares são forças de reservas do Exército.

O trabalho policial necessita de uma legitimidade pública e de um elevado patamar de consenso social. Vale dizer: mesmo pessoas abordadas pelas polícias, revistadas, investigadas ou detidas, precisam compartilhar determinadas expectativas a respeito da necessidade do trabalho policial e sobre seus padrões de qualidade (expressos, por exemplo, no respeito pelos cidadãos ou na eficácia das diligências). Quanto mais fortes forem estas expectativas, mais legitimadas serão as atividades policiais e mais eficazes elas tendem a ser. Um exército, pelo contrário, não demanda esta relação com os concernidos por suas ações. Uma força militar é preparada para a guerra; em outras palavras: é vocacionada à destruição do inimigo e não terá com ele qualquer tipo de relação. Aliás, quanto menos interação houver entre os militares e aqueles que são definidos como inimigos, mais facilmente estes profissionais serão capazes de matar.

Independentemente desse ou de outros questionamentos necessários para o desenvolvimento de uma teoria policial, não é pouco que o debate sobre o uso da força pelas polícias nas sociedades contemporâneas apareça em relação cada vez mais estreita à noção de base legal e de consentimento. Com tais expressões, refiro-me a dois fenômenos distintos que determinam a atuação policial: o império da lei e a natureza das relações entre polícia e sociedade.

4. Violência, poder e autoridade

As dificuldades para a compreensão do papel da força na atividade policial são várias. A começar, sabe-se que, muitas vezes, a expressão força aparece como sinônimo de coerção e mesmo de violência. Não apenas no linguajar comum, esta confusão de conceitos que deveriam, claramente, expressar situações distintas pode ser encontrada também em autores cujas concepções seguem sendo paradigmáticas.

Na tradição sociológica, por exemplo, a violência aparece para Marx como um instrumento a serviço da dominação de classe. Não há em Marx e em seus seguidores uma reflexão detida sobre o tema. A ideia de que a violência é a “parteira da história”, o pressuposto de que a revolução social é um ato violento e de que a “ditadura do proletariado” deve exercer a violência em nome dos interesses da maioria6 6 Observe-se, por exemplo, as seguintes passagens do Manifesto Comunista: “Finalmente, nos períodos em que a luta de classes de aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo, que uma pequena fração da classe dominante se desliga desta (...)” ou: “Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil, mais ou menos oculta, que lavra na sociedade atual, até a hora em que esta guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada violenta da burguesia” (MARX; ENGELS, 1989: 29-30). terminaram impedindo que, na tradição marxista, o tema da violência fosse contrastado por uma posição ética. Em Weber, temos a ideia central de que a violência é um meio através do qual o Estado exerce seu poder legítimo, ou supostamente legítimo. Também na tradição weberiana não é possível encontrar uma reflexão específica sobre o tema e, em que pesem todas as diferenças entre ambas as linhas teóricas, parece correto reconhecer que, tanto para Marx quando para Weber, a violência está vinculada à eficácia instrumental.

Para tentar compreender o uso da força como parte do mandato policial será, por isso mesmo, mais interessante lidar com outras referências. Uma das contribuições mais significativas neste particular é aquela inaugurada por Hannah Arendt, para quem pareceu surpreendente que a violência - a despeito de sua inegável importância nos negócios humanos - tenha sido raramente escolhida como “objeto de consideração especial” (ARENDT, 1994ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.: 16). Em sua obra, a violência passa a ocupar um espaço independente de reflexão, o que permitiu a separação analítica dos conceitos de violência, poder, coerção e força e a sugestão de que a violência fosse compreendida como o oposto do poder. A impossibilidade de “agir em conjunto” e, portanto, de exercer efetivamente o poder, é que estaria na origem da opção pela violência:

Quanto maior é a burocratização da vida pública, maior será a atração pela violência. (...) A burocracia é a forma de governo na qual todas as pessoas estão privadas de liberdade política, do poder de agir; pois o domínio de Ninguém não é um não-domínio, e onde todos são igualmente impotentes temos uma tirania sem tirano. (...) Mais uma vez, não sabemos aonde estes desenvolvimentos podem nos conduzir, mas sabemos, ou deveríamos saber, que cada diminuição no poder é um convite à violência (...). (ARENDT, 1994ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.: 58-59, 63).

A hipótese abre espaços para que se vislumbre nas práticas violentas os sintomas de uma ausência anterior, construída pela impossibilidade da ação conjunta, sem que isso signifique glorificação ou justificativa pelos meios selecionados. É essa abordagem, aliás, que permitirá à filósofa afirmar que “a fúria não é apenas impotente por definição, é a maneira pela qual a impotência torna-se ativa” (ARENDT, 1988ARENDT, Hannah. Da Revolução. São Paulo: Ática, 1988.: 88). Para Arendt (1994ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.), uma estratégia violenta pode liquidar o poder, mas jamais será capaz de construir o poder, cuja origem está na ação coletiva; por isso, "a forma extrema de poder é o Todos contra Um, a forma extrema da violência é o Um contra Todos".

Há nesse caminho outras distinções significativas para se pensar a atividade policial como, por exemplo, a noção que Hannah Arendt oferece sobre autoridade. Para ela, o que confere autoridade a alguém não é o posto ou a função ocupada, mas o reconhecimento inquestionável por aqueles a quem se pede que obedeçam. Assim, para ela, a presença da autoridade dispensaria tanto a coerção quanto a persuasão. Um exemplo de autoridade, como Arendt pensa o conceito, pode ser encontrado em Gandhi, uma liderança desarmada que foi capaz de vencer os britânicos e todos os seus implementos de força e de violência pelo extraordinário respeito que obteve entre o povo indiano. No caso, o respeito foi a condição ou o meio pelo qual Gandhi obteve poder.

No modelo tradicional de policiamento reativo, a ideia de que o policial possui uma autoridade é confundida com a mera designação de responsabilidades funcionais. Os policiais imaginam, então, que sua autoridade derive do mandato policial e não da relação que irão estabelecer com as comunidades policiadas. Internamente às corporações, encontramos o mesmo problema. Autoridade, nesse caso, corresponde à condição produzida pela posição hierárquica: o superior hierárquico encarna, assim, a própria noção de autoridade, independentemente de sua história pessoal, das suas ações cotidianas e da natureza dos sentimentos e juízos que provoca em seus subordinados. A ideia de autoridade, nesta tradição, já nasce emancipada do respeito que acompanha a admiração e, nesse sentido, atualiza a tradição autoritária do Estado brasileiro. A carência de legitimação, entretanto, desconstitui toda a pretensão de autoridade. Quando os superiores hierárquicos em uma corporação policial submetem seus subordinados a tratamentos desrespeitosos ou mesmo cruéis, imaginam que estão no exercício de sua autoridade, quando, em verdade, a estão tornando impossível. O fato de, na hipótese mencionada, alcançarem a obediência não reduz o processo de deslegitimação da autoridade; pelo contrário, o aprofunda.

O mesmo se passa no cotidiano do trabalho dos policiais em seus contatos com a população. Sempre que atuam de forma agressiva e desrespeitosa com as pessoas - inclusive aquelas suspeitas da prática de atos ilícitos - os policiais estão criando as condições mais propícias à erosão da autoridade que deveriam construir. Poderão disseminar o medo e, assim, em várias circunstâncias, assegurar a obediência. O que jamais alcançarão é o respeito que poderia fazer toda a diferença em seu trabalho e com o qual eles próprios estariam mais protegidos.

Na verdade, a exigência de respeito aos direitos dos suspeitos - extensiva aos condenados pela justiça penal - não torna as polícias menos eficientes. Pelo contrário, polícias que são coniventes com a violência ou que estimulam práticas abusivas no trato com os suspeitos irão reproduzir um perfil antiprofissional e, seguramente, se envolverão - de modo incontrolável e ameaçador - com a corrupção, como o demonstrou Luiz Eduardo Soares:

(...) quando uma autoridade da segurança pública ou um superior hierárquico dá ao policial da ponta licença para matar - julgar, sentenciar e executar o suspeito - dá-lhe também licença para negociar a vida e vender a liberdade. É simples compreender a lógica: se nada custa ao policial a morte do suspeito, que motivo haveria para preservar sua vida? Quem pode mais, pode menos: ou seja, quem pode tirar a vida sem razão, pode preservá-la e, portanto, situando-se no âmbito da sua liberdade mantê-la ou tomá-la, pode decidir segundo o seu arbítrio, o que inclui a hipótese de cobrar para fazê-lo em benefício da vítima potencial. O que vale para a vida vale, com mais razão, para a liberdade. Por que prender se soltar o suspeito pode render uma propina? Deduz-se o desdobramento. Vê-se qual a trilha que leva da violência policial autorizada - ironicamente em nome da ampliação da eficiência policial e do rigor no combate ao crime, e na luta contra a impunidade - à corrupção que gera promiscuidade, cumplicidade e, por fim, degradação institucional, cujo sinônimo é impotência no combate à criminalidade (SOARES, 2006SOARES, Luiz Eduardo. Legalidade Libertária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.: 200).

5. Guerreiros e guardiões: violência e efetividade policial

Alguns estudos etnográficos sobre as polícias apresentaram a cultura policial como um conjunto de valores mais ou menos homogêneos, favoráveis ao uso da força, legitimadores de práticas violentas e impregnados pela mentalidade “nós versus eles”. Mais recentemente, outros estudos passaram a identificar importantes diferenças entre os policiais. A partir de características psicológicas específicas, McLean et al (2019) identificaram duas mentalidades contrastantes entre os policiais, na linha cogitada pela “moldura guerreiros-guardiões” até então utilizada apenas como um recurso metodológico.

Sabe-se que policiais “guerreiros” se percebem como “combatentes do crime”, identificando na “luta contra o inimigo” e no encarceramento suas atividades fundamentais. Essa mesma mentalidade costuma ser reforçada nos cursos de formação de policiais e nos manuais operacionais (STOUGHTON, 2016aSTOUGHTON, Seth. Law enforcement’s warrior problem. Harvard Law Review Forum, 128, p. 2016a, 225-34.). Policiais guerreiros sentem-se imbuídos de uma missão redentora. Eles se atribuem o objetivo de “livrar a sociedade do mal”. Por isso, acreditam que o trabalho verdadeiro de polícia se confunde com uma “guerra contra o crime”, se concebendo como aqueles capazes de traçar uma linha entre “o bem e o mal” (MCLEAN et al, 2019MCLEAN, K.; WOLFE, Scott E.; ROJEK, Jeff.; ALPERT, Geoffrey P.; SMITH, Michael R. Police Officers as Warriors or Guardians: Empirical Reality or Intriguing Rhetoric? Justice Quarterly, 2019, p. 1-23.). Em um quadro de referências maniqueístas, muitos policiais imaginam que críticas ao trabalho da polícia favorecem os “bandidos”. Essa mentalidade também vê os policiais como um segmento situado em posição superior à cidadania que “nada sabe” sobre polícia e que, por isso, não deve “se meter” em assuntos de polícia.

Ao invés de ver a polícia de acordo com o Princípio Peelian7 7 Referência aos princípios de Sir Robert Peel, fundador da polícia inglesa, para o policiamento com base no consentimento. Uma tradução para o português pode ser encontrada em: <https://policialdofuturobsb.wordpress.com/2011/01/08/os-nove-principios-do-policiamento-por-sir-robert-peel/>. Acesso em: 14 dez. 2020. “que a polícia é o público e que o público é a polícia” (Home Office, 2012), o policial guerreiro se vê como tendo alcançado um status exclusivo que apenas seus colegas podem alcançar. Isso é, mais uma vez, consistente com os primeiros estudos da cultura policial, que argumentavam que os policiais percebem o público como "ignorantes" que "não são policiais e, portanto ... não podem saber do que trata a polícia (VAN MAANEN, 1978VAN MAANEN, John. “The asshole”. In: MANNING, Peter K.; VAN MAANEN, Jonh. (eds.). Policing: A view from the street. Los Angeles, CA: Goodyear Press, 1978, pp. 221-238.: 223 apudMCLEAN et al, 2019MCLEAN, K.; WOLFE, Scott E.; ROJEK, Jeff.; ALPERT, Geoffrey P.; SMITH, Michael R. Police Officers as Warriors or Guardians: Empirical Reality or Intriguing Rhetoric? Justice Quarterly, 2019, p. 1-23.)8 8 No original: Rather than viewing police according to the Peelian Principle “that the police are the public and that the public are the police” (Home Office, 2012), the warrior officer sees herself as having attained na exclusive status that only fellow officers can achieve. This is, again, consistent with early police culture studies that argued officers perceive the public as “know-nothings” that “are not police and therefore … cannot know what the police are about”. .

Policiais com a “mentalidade do guardião”, por outro lado, pensam e agem de forma diversa e se definem como “protetores da sociedade”, procurando construir relações de colaboração com as comunidades, através de contatos positivos que não envolvem o emprego da força (STOUGHTON, 2016aSTOUGHTON, Seth. Law enforcement’s warrior problem. Harvard Law Review Forum, 128, p. 2016a, 225-34.). Os policiais guardiões tendem a situar a própria atividade de polícia como um serviço público, não como um empreendimento de guerra.

Policiais guardiões possuem capacidades comunicativas mais desenvolvidas do que os policiais guerreiros e apostam no desenvolvimento das suas relações com as comunidades para que a confiança nas polícias seja estimulada (MCLEAN et al, 2019MCLEAN, K.; WOLFE, Scott E.; ROJEK, Jeff.; ALPERT, Geoffrey P.; SMITH, Michael R. Police Officers as Warriors or Guardians: Empirical Reality or Intriguing Rhetoric? Justice Quarterly, 2019, p. 1-23.). A confiança do público na polícia, como muitos estudos já demonstraram, é decisiva para a eficiência policial (PERKINS, 2013PERKINS, Michael George. Public Confidence Modelling: A Locally Based Approach to Police Performance Management. University of New York, 2013. Disponível em: <https://etheses.whiterose.ac.uk/4597/1/Corrected%20Thesis%20for%20deposit.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2020.
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; GOLDSMITH, 2005GOLDSMITH, Andrew. Police Reform and the Problem of Trust. Theoretical Criminology, Vol. 9 (4): 2005, pp. 443-470; 1362-4806.; REN et al, 2005REN, Ling; LOVRICH, Nicholas; GAFFNEY, Michael J. Linking confidence in the police with the performance of the police: Community policing can make a difference. Journal of Criminal Justice, Vol. 33, 1, 2005, pp. 55-56.) pela simples razão de que as polícias precisam de informação e a população só informa os policiais se confiar neles. Mais recentemente, a partir dos estudos de justiça procedimental (TYLER, 2006TYLER, Tom R. Why people obey the law. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006.; TYLER; HUO, 2002; TYLER & FAGAN, 2008; BRADFORD, 2014BRADFORD, Ben. Policing and social identity: procedural justice, inclusion and cooperation between police and public. Policing & Society, Vol. 24, Nº 1, 2014, pp. 22-43.) sabe-se, também, que quando o trabalho dos policiais é percebido pelas pessoas como “justo”, quando, por exemplo, os residentes acreditam que os policiais tratam todas as pessoas da mesma forma, independente do fato de lidarem com ricos ou pobres, brancos ou negros, etc., isso promove a confiança e a colaboração do público. Policiais guardiões possuem maior probabilidade de construir laços de confiança com as comunidades, porque definem sua maior prioridade como sendo a de “proteger os civis da indignidade desnecessária e do dano” (STOUGHTON, 2016bSTOUGHTON, Seth Principled policing: Warrior cops and guardian officers. Wake Forest Law Review, 51, 2016b, pp. 611-76.: 614, apud MCLEAN et al, 2019).

O tema da mentalidade dos policiais adquire uma importância crucial caso se confirme que policiais guerreiros empregam mais a força em suas abordagens e que estão, por decorrência, mais envolvidos em práticas abusivas e desrespeitosas. Stoughton (2016bSTOUGHTON, Seth Principled policing: Warrior cops and guardian officers. Wake Forest Law Review, 51, 2016b, pp. 611-76.) sustenta que a “mentalidade guerreira” faz com que seja mais provável o envolvimento de um policial em práticas questionáveis de uso da força e que essa mesma mentalidade está associada ao uso da força pelos policiais como forma de punição e à racionalização do abuso de autoridade e das práticas repressivas ilegais.

O uso abusivo da força está no centro dos debates mundiais sobre o policiamento e é preciso conhecer detalhadamente os processos que conduzem às atitudes de desrespeito e brutalidade, infelizmente tão comuns.

Estudos acurados, capazes de revelar em que consiste a força realmente aplicada pelos policiais e suas circunstâncias, têm evidenciado seu emprego de forma discriminatória. Trabalho de Smith (1986SMITH, Douglas A. “The Neighborhood Context of Police Behavior”. In: REISS, A. J.; TONRY, M. (eds.). Communities and Crime. Chicago: University of Chicago Press, 1986, pp. 313-41.), que examinou as ocorrências policiais em 60 bairros em três cidades americanas considerando variáveis socioeconômicas e étnicas, encontrou forte correlação entre a decisão do emprego da força e as características étnicas do abordados. Os policiais eram muito mais propensos a empregar a força contra suspeitos encontrados em bairros negros ou de composição étnica mista. Smith (1986) denomina este fenômeno de “contaminação ecológica”. Os policiais destacados para uma ocorrência em uma região que se presume violenta e que enfrente problemas sociais determinados tenderiam a tratar cada um dos moradores como representações daquilo que eles, os policiais, definem como ameaçador ou indesejável. Tal perspectiva faria com que os encontros entre policiais e residentes destas áreas fossem tendencialmente desrespeitosos e que as decisões favoráveis ao emprego da força fossem muito mais frequentes.

Estas conclusões têm sido reforçadas por muitos outros estudos. Lawton (2007LAWTON, Brian A. Levels of Nonlethal Force: An Examination of Individual, Situational, and Contextual Factors. Journal of Research in Crime and Delinquency, Vol. 44, nº 2, 2007, pp. 163-18.), por exemplo, analisou todas as ocorrências atendidas pelos policiais no ano de 2002 na Filadélfia, identificando que os policiais que empregaram algum recurso de força são, normalmente, brancos, mas os suspeitos sobre os quais se aplicou a força são, tipicamente, não-brancos. O estudo encontrou que policiais que relataram o emprego da força no ano anterior possuem mais chances, caso se envolvam em outra ocorrência do tipo, de empregarem novamente a força em escala superior à utilizada previamente. Níveis mais elevados de emprego da força não-letal foram utilizados quando os suspeitos foram percebidos como usuários de drogas ou como doentes mentais9 9 Estar envolvido em um crime sério ou resistir à abordagem também foram - como se poderia esperar- variáveis associadas ao emprego de níveis mais altos de força. . Policiais atuando solitariamente tendem a aplicar níveis mais altos de força nas abordagens do que quando atuam na companhia de outros policiais. É possível que, nestes casos, os policiais selecionem logo os meios mais elevados de força para evitar uma reação percebida como mais provável, ou que os próprios abordados sintam-se mais encorajados à resistência. Lawton (2007) sugere, ainda, que as abordagens solitárias podem ser mais agressivas pelo simples fato de não existirem testemunhas da ação policial. O achado mais interessante do trabalho de Lawton (2007) diz respeito ao fato de que mais da metade dos policiais que empregaram diferentes níveis de violência em 2002 haviam já se envolvido em ocorrências com o emprego da violência no ano anterior. Assinale-se que o estudo analisou as 747 ocorrências com emprego de força por policiais, registradas no ano de 2002, em um departamento com mais de seis mil policiais que atende uma população de mais de um milhão de habitantes. Os dados obtidos sugerem que alguns policiais possuem uma tendência maior do que os demais para o emprego da força, o que reforça a tese de Toch (1996TOCH, Hans. “The Violence Prone Police Officer”. In: GELLER, W.; TOCH, H. (eds.). Police Violence. New Haven, CT: Yale University Press, 1996, pp. 94-112.) da propensão individual para a violência. Gabaldón (2009GABALDÓN, Luis Gerardo. “Variables y justificaciones asociadas al uso de la fuerza por la policía: una visión comparada”. In: Uso progressivo da força: dilemas e desafios. Brasília: Ministério da Justiça, Primeira Conferência de Segurança Pública, 2009.), por seu turno, cita estudo realizado na Venezuela com entrevistas com 50 policiais supervisores onde se encontrou que a percepção dos policiais sobre as habilidades ou condições do cidadão de produzir reclamação efetiva sobre eventual abuso no emprego da força é um fator muito significativo para a tomada de decisão do emprego da força. Assim, quanto mais os policiais imaginam que o cidadão poderá ter êxito em uma denúncia, menos empregarão a força.

No caso brasileiro, casos de brutalidade policial e altas taxas de letalidade produzidas por ação policial são comuns e superam em muito os indicadores de violência policial nos EUA onde, em 2019, houve 1.006 mortes de civis pelas polícias10 10 Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/graphics/investigations/police-shootings-database/>. Acesso em: 16 dez. 2020. e registro de 59 policiais mortos. Os riscos de um jovem negro ser morto pela polícia nos EUA é 2,5 vezes maior quando comparados aos riscos de um jovem branco (EDWARDS; LEE; ESPOSITO, 2019EDWARDS, Frank; LEE, Hedwig; ESPOSITO, Michael. Risk of being killed by police use of force in the United States by age, race-ethnicity, and sex. Proc Natl Acad Sci USA, 20; 116 (34), 2019, pp. 16793-16798.). No primeiro semestre de 2020, as polícias brasileiras mataram 3.148 pessoas. Um crescimento de 7% na letalidade comparado ao mesmo período de 2019, o que significa mais de seis vezes o número de civis mortos pelas polícias americanas. Nesse mesmo período, o Brasil viu crescer em 24% o número de policiais mortos (103 agentes), sendo que 70% dos policiais vitimados estavam no horário de folga quando foram atingidos (PACHECO; BUENO, 2000). Segundo dados do Atlas da Violência (CERQUEIRA; BUENO, 2020), 75,7% das pessoas mortas pelas polícias no Brasil, em 2018, eram negras. Estudo recente coordenado por Sinhoretto (2020SINHORETTO, Jacqueline (coord.). Policiamento e relações raciais: estudo comparado sobre formas contemporâneas de controle do crime. São Carlos: Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos, 2020. Disponível em: <http://www.gevac.ufscar.br/wp-content/uploads/2020/09/policiamento-ostensivo-rel-raciais-2020.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2020.
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) mostrou que as pessoas negras são alvo mais frequente de uso letal da força. A chance de uma pessoa negra ser morta no Brasil pela polícia é de três a sete vezes maior do que aquela encontrada para os brancos.

Muitos são, por certo, os fatores que explicam a reprodução de práticas policiais abusivas e violentas. Traços culturais em cada região podem estimular ou constranger a violência institucional; o tipo de formação que os policiais recebem, os valores reproduzidos como “currículo oculto”11 11 Muitos trabalhos têm observado que, para além dos currículos explícitos dos cursos de formação de policiais, existem “currículos ocultos”. Eles se realizam nas instruções violentas cujos conteúdos não são anunciados e abarcam, também, os valores reproduzidos pelos próprios policiais. Assim, por exemplo, enquanto os currículos oficiais são neutros quando ao gênero, a cultura operante entre os policiais segue sendo profundamente excludente com relação às mulheres, tratadas como incapazes de fazer o “verdadeiro trabalho de polícia” e objetos de depreciações de toda a ordem. Ver, a propósito, Foster (2003). nas próprias instituições policiais, a fragilidade dos mecanismos de controle (interno e externo) da atividade policial, a tradição de impunidade com relação à violência, a intensidade da demanda punitiva disseminada socialmente e a própria legitimação da violência pela população são algumas das variáveis independentes a serem consideradas para a explicação do fenômeno.

O que a moldura guerreiro/guardião permite destacar é a natureza mais provável das interações dos policiais com as pessoas e seus resultados. Neste nível micro, a confiança dos residentes nas polícias pode se consolidar ou ser destruída. Esse desfecho, por seu turno, impactará os resultados mais amplos da própria instituição (MCLEAN et al, 2019MCLEAN, K.; WOLFE, Scott E.; ROJEK, Jeff.; ALPERT, Geoffrey P.; SMITH, Michael R. Police Officers as Warriors or Guardians: Empirical Reality or Intriguing Rhetoric? Justice Quarterly, 2019, p. 1-23.).

6. Conclusões

Independentemente das concepções que se tenha a respeito das polícias, parece evidente que determinadas situações exigem a aplicação da lei no sentido de uma imposição, mais ou menos coercitiva, por parte de uma autoridade estatal. Agentes encarregados de fazer cumprir a lei seriam dispensáveis em uma sociedade sem conflitos e sem práticas violentas, um cenário que só pode ser imaginado, entretanto, quando se assume o pressuposto equívoco de que conflitos e práticas violentas sejam fenômenos redutíveis a sua dimensão social.

Quando policiais são obrigados a usar recursos de força para a solução de conflitos ou para a garantia da paz pública, exercem parte importante de suas prerrogativas, desde que nos limites do mandado conferido pelo Estado Democrático de Direito. Dessa condição não se deduz, necessariamente, que o trabalho policial deva ser definido pela possibilidade do uso da força, nos termos propostos por Egon Bittner.

O mandato policial nas democracias contemporâneas, de outra parte, é suficientemente amplo para cobrir uma série de demandas da população para além dos temas propriamente criminais, o que envolve desde o controle do trânsito até o atendimento a ocorrências com pessoas que ameaçam se matar. Trabalho de Banta-Green et al (2013), por exemplo, mostrou que 64% dos policiais atenderam a pessoas com overdose de opioides no espaço de um ano no estado de Washington. Os autores mencionam a chamada “zona cinza” do policiamento, onde se pratica um “serviço social secreto”, além das funções de manutenção da paz12 12 Os trabalhos mencionados são: BANTON, M. The policeman in the community. New York: Basic Books; 1964; BITTNER, E. Police discretion in emergency apprehension of mentally ill persons. Social Problems. 1967a, 14(3), pp. 278-292; BITTNER, E. The police on skid row: A study of peace keeping. American Sociological Review. 1967b, 32(5), pp. 699-715; BITTNER, E. The functions of police in modern society. Chevy Chase, MD: National Institute of Mental Health, 1970; REINER R. Revisiting the classics: Three seminal founders of the study of policing: Michael Banton, Jerome Skolnick and Egon Bittner. Policing and Society. 25(3), 2015, pp. 308-327. que ocorrem sempre que policiais lidam com problemas sem o emprego da força, a partir de compromissos de civilidade.

Tradicionalmente, as críticas à violência policial têm destacado, com razão, a necessidade do treinamento. Nesse sentido, Storani (2009STORANI, Paulo. Uso comedido da força letal: construindo um protocolo de engajamento. Brasília: Ministério da Justiça, Primeira Conferência de Segurança Pública, 2009.) destaca como policiais podem ser condicionados a disparar, seguindo um tipo de condicionamento imposto às Forças Armadas. Neste tipo de formação (ou deformação), termina por se produzir uma “regra de tiro” diante de qualquer situação de confronto. Os efeitos são conhecidos, embora não produzam, ainda, no Brasil, qualquer escândalo. De outra parte, parece claro o quanto outras variáveis como a ausência de controle efetivo, de transparência e de accountability; ou o racismo e a impunidade dos policiais envolvidos em crimes os mais variados, além dos próprios riscos a que costumam ser expostos os policiais, tornam a discussão sobre a violência policial uma matéria complexa.

As evidências disponíveis sobre a moldura guerreiro/guardião entre os policiais, não obstante, sugerem que se ofereça mais atenção aos critérios de recrutamento e seleção de policiais. Para além da competente formação profissional, é decisivo que os critérios de seleção sejam definidos para dificultar o ingresso nas polícias de pessoas mais predispostas à violência; vale dizer: pessoas cujos valores morais e/ou características psicológicas sejam claramente funcionais às práticas abusivas. Nesse sentido, uma polícia de um Estado Democrático de Direito deve recrutar guardiões ao invés de guerreiros.

Ao mesmo tempo, a possibilidade de podermos definir uma política pública para que as polícias selecionem profissionais preferencialmente com a mentalidade dos guardiões parece fortalecer a ideia sustentada nesse artigo da necessidade de um novo conceito sobre policiamento que o vincule à proteção das pessoas e à promoção dos direitos.

7. Referências bibliográficas

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  • 1
    O estudo também encontrou que alguns policiais podem compartilhar ambas as orientações.
  • 2
    No original: (...) the guardian and warrior mindsets were related to quite different outcomes. On the one hand, the guardian mindset was associated with greater communication priorities during interactions with citizens and less support of attitudes towards force misconduct. On the other hand, the warrior mindset was associated with weaker communication priorities and stronger control priorities during interactions with citizens, as well as more positive attitudes towards force misconduct.
  • 3
    Bittner (2003) argumenta, por exemplo, que a possibilidade do emprego da força termina gerando duas requisições incompatíveis por parte da sociedade: a primeira, a de que os policiais sejam profissionais e sigam estritamente as leis; a segunda, que os policiais violem as leis e sejam violentos “sempre que necessário”.
  • 4
    O conceito procura estabelecer uma diferença com o Estado Liberal, onde se presume apenas o ordenamento legal para o controle do arbítrio. Para Habermas e Häberle (2003: 68), por exemplo, o Estado Democrático de Direito ocorre onde há outra legitimação: É que o Direito não somente exige aceitação; não apenas solicita reconhecimento de fato, mas também pleiteia merecer reconhecimento. Para a legitimação de um ordenamento estatal, constituído na forma da lei, requerem-se, por isso, todas as fundamentações e construções públicas que resgatarão esse pleito como digno de ser reconhecido.
  • 5
    No original: The very fact that physical force is, empirically, a minor means of resolving the general run of circustamces with witch the policie deal, suggests that explanation of a large share of police work is relatively little advanced by reference to the forceful authority officers ultimately enjoy.
  • 6
    Observe-se, por exemplo, as seguintes passagens do Manifesto Comunista: “Finalmente, nos períodos em que a luta de classes de aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo, que uma pequena fração da classe dominante se desliga desta (...)” ou: “Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil, mais ou menos oculta, que lavra na sociedade atual, até a hora em que esta guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada violenta da burguesia” (MARX; ENGELS, 1989: 29-30).
  • 7
    Referência aos princípios de Sir Robert Peel, fundador da polícia inglesa, para o policiamento com base no consentimento. Uma tradução para o português pode ser encontrada em: <https://policialdofuturobsb.wordpress.com/2011/01/08/os-nove-principios-do-policiamento-por-sir-robert-peel/>. Acesso em: 14 dez. 2020.
  • 8
    No original: Rather than viewing police according to the Peelian Principle “that the police are the public and that the public are the police” (Home Office, 2012), the warrior officer sees herself as having attained na exclusive status that only fellow officers can achieve. This is, again, consistent with early police culture studies that argued officers perceive the public as “know-nothings” that “are not police and therefore … cannot know what the police are about”.
  • 9
    Estar envolvido em um crime sério ou resistir à abordagem também foram - como se poderia esperar- variáveis associadas ao emprego de níveis mais altos de força.
  • 10
    Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/graphics/investigations/police-shootings-database/>. Acesso em: 16 dez. 2020.
  • 11
    Muitos trabalhos têm observado que, para além dos currículos explícitos dos cursos de formação de policiais, existem “currículos ocultos”. Eles se realizam nas instruções violentas cujos conteúdos não são anunciados e abarcam, também, os valores reproduzidos pelos próprios policiais. Assim, por exemplo, enquanto os currículos oficiais são neutros quando ao gênero, a cultura operante entre os policiais segue sendo profundamente excludente com relação às mulheres, tratadas como incapazes de fazer o “verdadeiro trabalho de polícia” e objetos de depreciações de toda a ordem. Ver, a propósito, Foster (2003).
  • 12
    Os trabalhos mencionados são: BANTON, M. The policeman in the community. New York: Basic Books; 1964; BITTNER, E. Police discretion in emergency apprehension of mentally ill persons. Social Problems. 1967a, 14(3), pp. 278-292; BITTNER, E. The police on skid row: A study of peace keeping. American Sociological Review. 1967b, 32(5), pp. 699-715; BITTNER, E. The functions of police in modern society. Chevy Chase, MD: National Institute of Mental Health, 1970; REINER R. Revisiting the classics: Three seminal founders of the study of policing: Michael Banton, Jerome Skolnick and Egon Bittner. Policing and Society. 25(3), 2015, pp. 308-327.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2021
  • Aceito
    30 Set 2021
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