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Fatores políticos e institucionais nas teorias contemporâneas sobre a expansão dos gastos públicos

Political and institutional factors in the contemporary theories on the growth of government expenditures

Resumo

This paper discusses the role of the political and institutional factors in the contemporary theories on the growth of government expenditures. Based on a comparative analysis of studies produced in the two last decades on the field of political economy, the analysis attempts to deal with the main assumptions, the types of explanation, and the causal status of political and institutional variables provided by these theories. The theories are classified according to the type of explanation and the causal primacy of different political and institutional variables in each model.

public expenditures; public policy; comparative analysis; explanation; causality


public expenditures; public policy; comparative analysis; explanation; causality

ARTIGOS

Fatores políticos e institucionais nas teorias contemporâneas sobre a expansão dos gastos públicos

Political and institutional factors in the contemporary theories on the growth of government expenditures

Flávio da Cunha Rezende

Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco. Ph.D em Políticas Públicas e Planejamento pela Cornell University, EUA. E-mail: fcrzen@elogica.com.br

ABSTRACT

This paper discusses the role of the political and institutional factors in the contemporary theories on the growth of government expenditures. Based on a comparative analysis of studies produced in the two last decades on the field of political economy, the analysis attempts to deal with the main assumptions, the types of explanation, and the causal status of political and institutional variables provided by these theories. The theories are classified according to the type of explanation and the causal primacy of different political and institutional variables in each model.

Keywords: public expenditures, public policy, comparative analysis, explanation, causality.

JEL Classification: P16; D7; E62

1. INTRODUÇÃO

O exame da evolução das teorias que tentam explicar o fenômeno da expansão dos gastos públicos produzidas a partir dos anos 70 do século XX revela que a progressiva introdução e ampliação do status causal de fatores políticos e institucionais representa um importante movimento para superar os limites da explicação mono-causal oferecida pela Lei de Wagner no século XIX bem como as tradicionais teorias da oferta e demanda por políticas públicas produzidas pela economia política até a década de 80.1 1 A problematização sobre os ciclos políticos-eleitorais formulada originalmente por Tufte em 1978 e expandida pelos modelos contemporâneos é um caso clássico deste tipo de relacionamento entre políticas e gastos públicos. A ampliação da relevância e do espaço destas variáveis nos modelos teóricos contemporâneos está apoiada na premissa implícita de que fatores políticos e institucionais possuem papel relevante na expansão do Estado e de seus gastos públicos conjuntamente com fatores sociais e econômicos.

A partir da revisão seletiva de um grupo de estudos2 2 Os estudos selecionados para a análise das teorias foram escolhidos com base no seguinte critério: eles devem tratar de uma combinação de revisão da produção teórica e de suas principais questões e problematizações para o tema da expansão dos gastos, desenvolvimento de modelo teórico inovador e teste empírico em amostra comparativa ou mesmo estudo de caso. A definição desta amostra obedeceu também a um limite temporal compreendendo estudos no período 1990-2002, momento em que foi realizada a pesquisa das fontes primárias para a pesquisa dos artigos em bases de dados. Este estudo foi originalmente produzido como sub-produto de projeto de pesquisa financiado pelo CNPQ como professor e pesquisador visitante no CNPQ "Revisitando a Hipótese dos Leviatãs estão fora do Lugar" por mim desenvolvido desde 2000. A versão preliminar submetida à REP foi apresentada no II Encontro Anual da ABCP em Niterói em 2002. Por motivo de economia e espaço, outros artigos importantes produzidos foram deliberadamente não-incluídos e considerados em trabalhos e estudos posteriores já em curso. "paradigmáticos" produzidos na economia política contemporânea nas duas últimas décadas, esse artigo busca apreender a diversidade de teorias propostas para explicar a expansão dos gastos públicos, e compreender a rivalidade das teorias existentes. A análise se volta, portanto, para desvendar as premissas, as conexões causais, a natureza e tipo de explicação oferecida, bem como o status das causas de natureza política e institucional existente nestas matrizes teóricas. As matrizes teóricas analisadas e discutidas permitirão ver com maior nitidez como os modelos contemporâneos incorporam as explicações políticas e institucionais no contexto específico do fenômeno da expansão do Estado.

O grupo de estudos selecionados privilegia as causas políticas e as instituições como fatores decisivos para explicar o comportamento da variável de interesse.3 3 Outro grupo de estudos não incluído neste estudo é aquele que atribui primazia causal a fatores exógenos — globalização, reestruturação produtiva, e outras mudanças sociais de corte estrutural — para explicar as transformações nos gastos públicos. Desenho institucional, veto players, fracionalização, tamanho do legislativo, e outros fatores assumem centralidade na explicação oferecida por este corpo teórico.

A principal questão que o artigo busca explorar é a de "como a política e as instituições4 4 O Novo Institucionalismo se constitui paradigma de central importância nas ciências sociais contemporâneas. Na economia, desde o seminal trabalho de Douglass North — Institutions, Institutional Change and Economic Performance, nos anos 90, os economistas têm dado muita atenção aos elementos institucionais para explicar a ação e o comportamento econômico. Rodrik and Subramanian (2003) aponta para a "primazia das instituições" na explicação do desenvolvimento econômico. Na ciência política, Hall e Taylor (1996) , em artigo já clássico na ciência política contemporânea, discutem as premissas e possibilidades teóricas para a pesquisa em ciência política. Putnam (1993) é outro trabalho seminal na tradição institucional que se move na direção do pressuposto de que as "instituições importam" para explicar o diferenciado desempenho institucional na descentralização em regiões italianas. " importam para explicar o caso específico do fenômeno da expansão dos gastos públicos. Em outras palavras, quais o status da explicação política e institucional oferecida pelas diversas teorias contemporâneas. Este é considerado a partir de diversas formas que os modelos tratam as variáveis institucionais e de que premissas eles partem para construir teorias sobre a expansão dos gastos públicos.

O trabalho discute inicialmente a importância das causas políticas e institucionais nas teorias contemporâneas. Em seguida, são apresentadas as análises das teorias e modelos contemporâneos em seis grupos distintos. O primeiro deles trata da questão do desenho institucional das regras fiscais, Competição Política e o problema da Ilusão Fiscal. O segundo grupo se volta para compreender mais de perto como os modelos consideram o fator tamanho do legislativo (na conhecida lei do 1/n) e o papel dos partidos políticos como variáveis centrais na expansão dos gastos. O papel da accountability e da descentralização são tratados na seção seguinte. Em seguida, a atenção se volta para a compreensão de fatores como regimes políticos e sistemas eleitorais. A inovadora análise dos veto players e da estrutura orçamentária, a explicação dos trade-offs nos processos decisórios sobre o orçamento público e a importância da variável fracionalização na expansão da intervenção pública são os temas das três seções.

2. AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS E AS VARIÁVEIS POLÍTICAS E INSTITUCIONAIS

Grande parte das teorias contemporâneas na economia política confere status causal às variáveis políticas e institucionais para explicar a expansão dos gastos públicos. A premissa central destes modelos é a de que a política e as instituições desempenham importante papel na explicação teórica. Uma quantidade considerável de estudos produzidos nas duas últimas décadas vem consolidando uma compreensão mais apurada sobre a importante conexão entre ação política, instituições, e expansão dos gastos públicos. A política e as instituições políticas desempenham papel decisivo para compreender o diversificado conjunto de mecanismos que produzem a expansão da interferência governamental via políticas públicas. Nos modelos contemporâneos, fatores tais como regimes políticos, sistemas eleitorais, federalismo, accountability, tamanho do legislativo, desenho institucional das regras fiscais e orçamentárias, estrutura do legislativo, poder de veto do executivo, tipos de sufrágio, configuração dos distritos eleitorais, e poder de iniciar legislação passaram a adquirir considerável status na explicação das teorias da economia política contemporânea.

A partir da análise de estudos paradigmáticos na produção contemporânea sobre a expansão dos gastos públicos, tentaremos dar conta da análise dos principais conjuntos de teorias que tentam incorporar os elementos políticos e institucionais. O grupo de estudos selecionados envolve onze artigos e divididos em seis diferentes campos de problematizações: a Ilusão Fiscal, Tamanho do Legislativo e Papel dos Partidos Políticos, Sistemas Eleitorais, Regimes Políticos, Ação dos Veto Players, Trade-Offs entre Políticas, e Fracionalização Social. O estudo seminal desenvolvido por Becker e Mulligan (1998) tenta dar conta da conexão entre desenho institucional das regras fiscais e expansão dos gastos públicos. Gilligan e Matusaka (2000) e Blais, Blake e Dion (1993) delineiam os contornos dos debates em torno das teorias sobre o tamanho do legislativo e do poder dos partidos. A questão da descentralização e accountability é tratada na seção seguinte a partir dos estudos produzidos por Lassen (2001), Edhiel (1998) e Stein (1998). Argumentações em torno das conexões entre sistemas eleitorais, regimes políticos e gastos é tratada com base nas revisões teóricas e contribuições seminais dadas pelos modelos propostos por Milesi-Ferreti e Perrotti (2001) e Persson e Tabellinni (2001). O papel dos veto players na estrutura dos gastos é compreendido a partir do modelo formulado por Tsebelis e Chang (2001) para os países avançados. A teoria que trata da questão dos trade-offs orçamentários é ilustrada por Wood, Crotty e Theobald (2000) e o problema da fracionalização é compreendido a partir do estudo realizado por Annet (2000).

2.1. Sistemas Tributários, Competição Política e Ilusão Fiscal

Partindo de um modelo de competição política entre grupos de interesses na produção de políticas públicas proposto por Becker (1983)5 5 O modelo proposto por Becker é tratar da competição dos grupos de pressão por redistribuição. A premissa central é a de que impostos, subsídios, regulações, e outros instrumentos de política pública produzidos pelo governo são utilizados para elevar o nível de bem-estar dos grupos de pressão mais bem organizados e com maior influência política. As duas proposições mais conhecidas da teoria são: a competição política entre grupos de pressão produz sistemas tributários eficientes; grupos beneficiados pela redistribuição tendem a ser pequenos relativamente ao tamanho dos grupos que são taxados (cf. Mueller, 1989. p. 334-35). , Becker e Mulligan (1998) lançam um argumento de grande influência nos debates sobre os determinantes do gasto público: os deadweight costs do governo. As regras fiscais impõem custos sobre os cidadãos. A expansão dos gastos públicos usualmente produz elevação do bem-estar dos cidadãos, mas impõem pesados custos sobre determinados grupos que arcam com a carga tributária e com os custos políticos de produzir legislação favorável. Em sociedades com grande demanda por redistribuição, grupos que financiam a redistribuição tendem a pressionar o governo pela redução dos tributos e isto se dá através de ação política com elevados custos. Por outro lado, os grupos que são beneficiários tentam dar apoio político ao governo e seus programas de transferência de renda. Esse equilíbrio político se processa a partir da interação dentro de regras institucionais. Nas democracias em que a competição política e a demanda por redistribuição atingem níveis elevados, tais processos atingem elevados custos. A questão do desenho institucional das regras fiscais passa a ser um importantíssimo componente para "regular" a ação política. Política e instituições desempenham um papel. A competição política sobre as regras fiscais é decisiva para explicar a expansão dos gastos. Tendo o poder e a autoridade constitucional para impor o desenho institucional, o governo se comporta de modo racional buscando expandir a carga tributária e ao mesmo tempo produzindo redistribuição, muitas vezes elevando a ineficiência agregada.

A principal recomendação sugerida pelos autores é que a eficiência das instituições fiscais guarda relação positiva com a expansão dos tributos e do gasto público. A explicação oferecida é tipicamente institucional e mostra que o desenho destes sistemas produz de forma diferente a "visibilidade dos sistemas tributários" para os cidadãos-contribuintes que optam por financiar as transferências para grupos sociais e os custos derivados da ineficiência do sistema. Diante da pressão de grupos para materializar as demandas de grupos por bem-estar na competição política, este modelo mostra que os governos lançam mão de mecanismos para reduzir a visibilidade dos impostos e de sua estrutura. O conhecido processo de Ilusão Fiscal é um equilíbrio resultante desta interação.

A hipótese da Ilusão Fiscal para explicar a expansão dos gastos públicos está centrada na premissa de que os cidadãos avaliam o tamanho do governo e de sua burocracia pela quantidade de impostos que incide sobre ele. O ponto central da teoria é que os cidadãos enfrentam um importante dilema entre elevar seus níveis de bem-estar via provisão de políticas públicas e a expansão da carga tributária. O mecanismo proposto pela teoria para explicar a expansão dos gastos é que o governo busca agir no sentido de desenhar sistemas tributários com reduzida visibilidade dos impostos para os cidadãos.

O desenho institucional assume centralidade neste tipo de explicação, pois, a depender dele, os cidadãos podem ter a ilusão de que estariam "financiando" um governo reduzido. Numa importante revisão da literatura sobre Ilusão Fiscal, Oates (1998) desdobrou a hipótese da Ilusão Fiscal em algumas hipóteses relevantes. Primeiro, a relação positiva entre a complexidade do sistema tributário e a Ilusão Fiscal. Estruturas tributárias dotadas de grande elasticidade tendem a produzir a expansão do governo. Impostos que se voltam para financiar dívidas futuras são mais difíceis de serem identificados pelos cidadãos do que aquelas taxas que são cobradas de forma corrente. Os cidadãos não se comportam de forma idêntica quando se trata de pagar impostos para subsidiar programas governamentais do que quando eles estão agindo para obter subsídios diretos do governo via políticas públicas.

Apesar da coexistência de diversas explicações sobre este problema, a revisão da literatura fornecida por Oates (1998) mostra que a hipótese da ilusão fiscal não encontra suporte empírico e necessita ainda de refinamentos teóricos e metodológicos. Um estudo inovador no tratamento e mensuração da ilusão fiscal é o produzido por Gemmell et alli (1998) para o caso do Reino Unido. Numa análise de séries temporais para o período de 1955-1994, ele mostra que o caso inglês é consistente com as principais teorias contemporâneas. As evidências sugerem que a invisibilidade dos impostos e os mecanismos de financiamento do déficit público estão associados ao crescimento do Estado. Governos que optam por políticas fiscais centradas em taxação indireta tendem a manter elevados níveis de gastos públicos, confirmando a hipótese central do argumento da Ilusão Fiscal. As agências do governo preferem expandir os gastos públicos financiados por taxação de reduzida visibilidade no sentido de evitar a impopularidade política destas iniciativas. O estudo sugere haver mecanismos específicos no desenho institucional que produzem ilusão fiscal: a visibilidade dos impostos, o financiamento do déficit público, a complexidade do sistema de arrecadação, e a elasticidade dos impostos.

2.2. O Tamanho do Legislativo e o Papel dos Partidos

A Lei de 1/n atribui relevância ao tamanho do Legislativo para explicar o comportamento da expansão dos gastos públicos. Esta teoria foi originalmente formulada por Weingast, Shepsle e Johnsen (1981) para explicar, com base em premissas neoclássicas, o comportamento político diante do problema da distribuição. A explicação oferecida considera que se existem n distritos eleitorais e a tributação é distribuída igualmente sobre eles, os representantes de um dado distrito eleitoral i irão arcar com apenas 1/n dos custos associados a um dado nível de gastos. A posição de equilíbrio oferecida pelo modelo consiste na situação em que os legisladores irão elevar os gastos até o ponto em que os benefícios se igualem aos custos políticos. Uma das mais importantes problematizações para a economia política contemporânea é a literatura que discute os dilemas da ação racional e das instituições políticas como conseqüência do problema da distribuição de recursos entre os distritos a partir de uma base fiscal comum (fiscal common-pool problems) e produz o conhecido problema da tragédia dos commons (Ostrom, 1993) na produção de bens públicos pelos atores políticos movidos pela ação racional.

Uma importante hipótese derivada desta teoria é a de que se os políticos optam por expandir os mecanismos de apoio mútuo em torno dos projetos para suas bases eleitorais de forma concentrada, então os gastos públicos se elevariam a uma taxa n (ou, em outras palavras, se reduziriam a uma taxa 1/n). Este mecanismo fornece a hipótese de que a quantidade de cadeiras no legislativo está positivamente associada à expansão dos gastos.

O principal resultado gerado no teste empírico realizado por Gilligan e Matusaka (2000) para o caso dos governos locais nos EUA corrobora a hipótese proposta pela lei de 1/n. Legislativos com maior número de representantes estão relacionados positivamente à expansão dos gastos públicos. Eles consideram que o papel da câmara superior (upper house) na House of Representatives foi decisivo para explicar o crescimento dos gastos e da tributação pelo menos para a primeira metade do século. Importante resultado mostra que os políticos atuam de modo diferente diante de políticas que produzem benefícios concentrados para as suas bases eleitorais, como amplamente discutido na literatura sobre pork-barrel na ciência política contemporânea. Legislativos estaduais de maior porte afetam o gasto público produzindo benefícios concentrados, especialmente nas áreas de educação e transportes. No que diz respeito à questão da influência dos partidos políticos nos gastos, os dados não permitem considerar relações mais robustas.

Blais, Blake e Dion (1993), em uma ampla revisão da literatura e análise comparada em quinze democracias liberais, focalizam os diversos resultados dos testes empíricos comparativos sobre as teorias que explicam a relação entre o "controle político" e o crescimento dos gastos públicos. Os modelos pretendem compreender em que medida democracias, quando governadas por diferentes ideologias, produzem diferentes resultados no que se refere à magnitude dos gastos públicos. Os resultados produzidos são inovadores e revela o importante argumento de que a ideologia e a composição partidária do governo não produzem significativa diferença sobre os gastos públicos. A variável "partidos políticos" e composição partidária nas quinze democracias liberais analisadas não se mostrou significante. Esta conclusão ainda se mostra consistente para grande parte dos estudos e as teorias que tentam explicar o papel dos partidos. A principal conclusão dos estudos contemporâneos é a de que as teorias que sustentam tal hipótese careceriam de maior fundamentação empírica e mesmo teórica.

2.3. Accountability, Descentralização e Gastos Públicos

Lassen (2001) chama a atenção para a o fator accountability como importante causa para a expansão dos gastos públicos em sistemas democráticos. Para ele, aspectos como democracia, participação e descentralização são relevantes variáveis para explicar padrões e intensidades de expansão dos governos, especialmente dos governos locais. Este estudo comparativo de corte-seccional para 62 regimes democráticos em 1995 aponta para importantes evidências. Países com elevados graus de accountability política possuem elevadas cargas tributárias. A expansão dos mecanismos de descentralização e de responsabilização política é associada ao aumento dos gastos nos governos locais. A teoria implícita é basicamente a seguinte: "Se, por um lado, esta tende a gerar competição política e fiscal entre os governos locais, e, conseqüentemente, menores gastos públicos, dado os problemas de race to the bottom, por outro, esta tende a expandir as demandas por participação e inclusão nas políticas públicas, fator que tem impacto positivo sobre a expansão da carga tributária e do nível e composição dos gastos públicos, pelos custos que tais estruturas de accountability estão associados".

Edhiel (1998) parte para testar o efeito da descentralização dos poderes de gastar e tributar sobre a variável tamanho do setor público numa amostra de trinta países para o período compreendido entre 1977 e 1987. O argumento proposto pelo estudo é baseado no modelo do Leviatã (leviathan model) e supõe que a descentralização dos poderes fiscais dos governos é fundamentalmente um problema de decisão política sobre regras que tratam de decisões interdependentes: taxação e gastos.

A descentralização dos poderes fiscais com maior autonomia para os governos sub-nacionais para decidirem "de forma independente" sobre suas políticas fiscais produziriam restrições para a expansão dos gastos e da tributação. A teoria pressupõe que com a descentralização os contribuintes teriam opções sobre jurisdições separadas em termos de padrões distintos de políticas fiscais, consolidando a tradicional hipótese da mobilidade em sistemas federativos e eficiência fiscal (voting-with-the-feet). A competição política e fiscal entre políticas fiscais tenderiam a gerar mecanismos que limitam a voracidade tributária dos governos.

Consistente com a hipótese do Leviatã, o teste empírico produzido por Edhiel (1998) revelou que a descentralização fiscal está negativamente relacionada à expansão dos gastos públicos, e sugere haver um efeito positivo entre a descentralização dos poderes fiscais e redução da interferência e controle do governo central sobre gastos públicos financiados por transferências de impostos.

Stein (1998) analisa a relação entre descentralização fiscal e expansão do déficit público para vinte países na América Latina. Ele parte das premissas supostas pelo Modelo do Leviatã e do Problema da Coordenação Fiscal ele considera que para o caso latino americano o segundo modelo é mais apropriado. Argumenta que a descentralização tende a acentuar os problemas de coordenação fiscal nos governos.

Ele considera quatro dimensões importantes para explicar a relação entre descentralização e expansão dos gastos públicos: o grau de descentralização dos gastos, o grau de verticalidade fiscal (vertical imbalance); discricionaridade dos sistemas de transferências governamentais; e, o grau de autonomia para tomada de empréstimos dos governos locais.

O argumento desenvolvido por Stein é o de que a conexão entre a descentralização dos gastos, a verticalidade, e a natureza branda das restrições fiscais (soft budget constraints) tem grande relevância para explicar a relação entre descentralização e gastos. Isto depende fundamentalmente do desenho institucional e da natureza dos incentivos produzidos sobre os atores políticos e sobre os governos locais.

Stein considera que duas variáveis compostas adquirem centralidade. A primeira é a que articula verticalidade fiscal e o grau de descentralização dos gastos. Esta variável configura o grau em que os gastos públicos financiados nacionalmente são concentrados de forma geografica entre os governos locais. A segunda variável articula verticalidade fiscal e autonomia para tomada de empréstimo (borrowing autonomy) dos governos locais. No primeiro caso, o autor parte da suposição que a verticalidade fiscal pode produzir a expansão dos gastos em situações em que a descentralização dos gastos é elevada. No segundo caso, o autor sugere que esta tenha uma relação positiva com a expansão dos gastos; todavia, isto depende do grau de descentralização dos gastos.

Os resultados encontrados para o caso latino-americano confirmam o efeito positivo da descentralização dos gastos sobre a expansão dos gastos. Descentralização dos gastos sob regras institucionais dotadas de maior verticalidade também tendem a expandir os gastos públicos. O teste para a variável tripla — descentralização dos gastos, verticalidade e autonomia para empréstimos — foi altamente significante para o caso. A principal implicação desta relação é que a compreensão das relações entre descentralização e expansão dos gastos públicos está articulada ao modo particular que os diferentes desenhos institucionais que estruturam as relações intergovernamentais produzem incentivos para a responsabilidade fiscal dos governos. Em outras palavras, as instituições fiscais importam.

2.4. Sistemas Eleitorais, Regimes Políticos e Expansão dos Gastos

Outra forma de apreender como as características políticas e institucionais se relacionam é a composição e magnitude dos gastos públicos diante de diferentes sistemas eleitorais. Os sistemas eleitorais produzem diferentes incentivos para os eleitores, os políticos e os governos para produzir bens públicos concentrados geograficamente ou concentrados sobre grupos distintos (desempregados, grupos de menor renda, etc).

Milesi-Ferreti e Perroti (2001) propõem um modelo teórico e realizam um teste empírico para vinte países da OECD e vinte latino-americanos para o período de 1960 a 1997 para compreender o impacto dos sistemas eleitorais sobre dois tipos diferentes de gastos públicos: os benefícios geograficamente distribuídos e as transferências que são direcionadas para grupos sociais não distribuídos geograficamente.

A premissa central do modelo é a de que os sistemas eleitorais produzem diferentes incentivos para que eleitores definam suas estratégias de ação. O modelo tenta capturar a noção largamente difundida que "os sistemas proporcionais permitem representação de uma maior e mais ampla variedade de interesses" enquanto que os sistemas majoritários operam com bases nos interesses locais. O modelo se baseia numa extensão da conhecida lógica da delegação estratégica. A delegação estratégica ocorre numa estrutura de ação em que governos alocam dois tipos de gastos sob diferentes sistemas eleitorais — majoritários e proporcionais — que se diferenciam em termos das quantidades de representantes por distrito eleitoral.

A quantidade de representantes por distrito eleitoral produzida em cada sistema eleitoral impacta de modo diferenciado sobre a preferência dos eleitores por tipos diferentes de políticas públicas. Nos sistemas majoritários, dado que cada distrito elege apenas um representante, os eleitores terão fortes incentivos para escolher uma representação fortemente motivada para a produção de bens públicos não geograficamente concentrados, como estratégia política que permita ampliar a quantidade de gastos públicos para o seu distrito. Esta estratégia se torna dominante na medida em que os eleitores não optariam por políticas que tendam a priorizar outras regiões com benefícios geograficamente concentrados. A produção dos bens públicos passa a ser um mecanismo de fundamental importância para proteger o bem-estar de um dado distrito. Nos sistemas proporcionais, dado que cada distrito eleitoral pode eleger mais de um representante, eleitores têm incentivos para eleger políticos com agendas voltadas para expandir o gasto público via transferências não geograficamente distribuídas. A principal predição confirmada pelo modelo é a de que a expansão dos gastos com transferências é maior em sistemas proporcionais, enquanto que a expansão pela via do gasto em bens públicos é maior em sistemas majoritários.

O modelo atribui centralidade às instituições, sendo as variáveis tratadas pelo modelo diretamente associadas à natureza das regras. As regras que compõem os instrumentos fiscais, e as regras de agregação destas preferências, as regras que organizam a formação do governo, das coalizões, e a habilidade dos governos para firmar pré-compromissos em torno de agendas de políticas públicas explicam o modo pelo qual os sistemas eleitorais afetam o gasto diante de uma dada distribuição de preferência dos eleitores. Diferente dos modelos correntes na literatura sobre sistemas eleitorais e políticas fiscais, o modelo proposto não considera um tipo universal de gastos, mas, sim, dois tipos diferentes de bens produzidos com diferentes formas de alocação. Isto permite compreender mais de perto a dicotomia entre a "conexão com grupos sociais" ou com "bases eleitorais geograficamente distribuidas", bem como a suposta "maior variabilidade de interesses" nos sistemas proporcionais e a maior "importância dos interesses locais" em sistemas majoritários. O modelo lida diretamente com a interação entre as instituições eleitorais e a formação do governo.

Persson and Tabelinni (2000) oferecem um importante teste empírico do efeito das regras eleitorais e dos regimes políticos sobre o comportamento fiscal dos governos em 61 democracias no período pós-1960. A principal evidência produzida pelo estudo é a de que em regimes presidenciais o governo é menor e menos sensível a flutuações cíclicas da economia. Sobre sistemas eleitorais majoritários, as transferências sociais são mais reduzidas. Importante evidência também diz respeito ao modo pelo qual as instituições modelam os ciclos políticos eleitorais. Em regimes presidenciais os ajustes fiscais são adiados para períodos posteriores às eleições, como é largamente discutido na literatura dos ciclos político-eleitorais.

A principal teoria subjacente ao modelo é de que as instituições políticas modelam as escolhas dos atores políticos. O conflito distributivo produz diversos problemas de agência entre diferentes grupos de eleitores, eleitores e políticos, e entre grupos políticos. Estes conflitos são mediados pelas instituições políticas. As teorias recentes pressupõem que as instituições políticas sejam tratadas como contratos incompletos (incomplete contracts) que fornecem informações específicas do modo pelo qual os controles sobre as políticas públicas podem ser adquiridos via processo eleitoral, e como eles podem ser exercidos na ação política. As escolhas sobre políticas públicas são realizadas pelos políticos eleitos mas influenciadas pelas regras que regulam sobre a produção das regras, que depende em grande medida do tipo de regime político.

No que se refere à importante questão das regras eleitorais e seus impactos sobre o gasto público, o modelo pressupõe que maiores distritos produzem competição eleitoral induzindo os partidos políticos a montar coalizões difusas com diversidade de interesses por políticas públicas. O modelo pressupõe que eleições proporcionais e regra da pluralidade devem gerar programas sociais de larga dimensão, grandes sistemas de proteção social, e sistemas eleitorais de grande fragilidade.

Outro ponto importante tratado pelo estudo é o impacto das regras eleitorais sobre a estrutura partidária. Os sistemas eleitorais proporcionais reduzem a barreira à entrada de novos partidos, trazendo novas demandas por políticas públicas geradas pela organização de grupos socais diversos. Por outro lado, os sistemas majoritários em regimes parlamentares tendem a produzir sistemas organizados politicamente em torno de um partido político.

Os regimes presidencialistas tendem a produzir menor expansão dos gastos públicos enquanto que eleições majoritárias estão associadas a menores gastos com sistemas de proteção social. Outro ponto de interesse produzido pelo estudo e a reposta cíclica de resposta do gasto agregado e dos déficits orçamentários que varia de acordo com o tipo de regime: em regimes presidenciais e eleições majoritárias este efeito é bem mais reduzido. Quanto à questão da ação dos governos diante do equilíbrio orçamentário, os dados produzidos pelo estudo mostram que os governos em regimes presidencialistas tendem a expandir os gastos em anos eleitorais. As transferências sociais tendem a se expandir nos anos eleitorais apenas em sistemas proporcionais em regimes parlamentaristas.

2.5. Veto Players e Estrutura Orçamentária

A apreensão da ação política e institucional sobre a magnitude e composição dos gastos públicos aparece com um tratamento inovador a partir da teoria dos dos veto players criada por George Tsebelis utilizada para explicar fenômenos diversos na ciência política contemporânea tais como o funcionamento das instituições, mudança institucional, comportamento legislativo, produção de políticas macroeconômicas e mesmo a estabilidade dos governos.6 6 A teoria e aplicação da teoria dos veto players é sistematizada e apresentada com detalhes no livro Tsebelis, George (2002). Veto Players: How Political Institutions Work. New York. Cambridge University Press.

O modelo analisado neste trabalho é o estudo comparativo elaborado por Tsebelis and Chang (2001), aplicando a teoria dos veto players para o caso da estrutura orçamentária dos países avançados. Partindo da idéia de que as instituições políticas produzem pontos de veto e restrições para o design dos processos de alocação de recursos, eles produzem uma teorizam sobre como a existência de veto players está relacionada com a mudança deliberada7 7 Embora o modelo proposto pelos autores seja diretamente voltado para explicar as mudanças consideradas deliberadas na magnitude e composição dos gastos públicos, este também funciona para explicar mudanças consideradas automáticas, as quais dependem de legislação existente e não das escolhas dos veto players. A componente automática dos orçamentos tem a ver com políticas públicas (gastos públicos) que são elevados por lei quando ocorrem mudanças estruturais na economia tais como crises e aumento do desemprego, envelhecimento populacional, guerras e outros fenômenos associados. na estrutura orçamentária para o estudo comparado entre dezenove países da OCDE.

A teoria proposta assume que mudanças na composição e magnitude do gastos públicos são afetadas pela composição dos governos e pela distância ideológica das agendas de política do governo atual e do governo anterior ("alternância"). A posição ideológica dos veto players é decisiva para explicar as mudanças deliberadas na estrutura orçamentária. Quanto mais diversas forem as posições ideológicas da coalizão governamental, i.e, maiores são as distâncias ideológicas entre os partidos políticos e menores são as chances de mudanças nas estruturas e composições dos gastos. Por outro lado, quando mais intensa for a alternância nas agendas, mais significantes são as mudanças deliberadas.

A inovação nas proposições levantadas pela teoria tem dois aspectos importantes. O primeiro está relacionado ao fato de que não é apenas o tamanho da coalizão no poder que torna complexa a decisão dos governos acerca da mudança dos gastos. A distância dos partidos mais conservadores aparece como elemento decisivo para explicar mudanças no status quo. O outro aspecto sinaliza a variável "posição do status quo" como importante para explicar a mudança. Quanto mais distante estiver o status quo das preferências dos veto players (em dado contexto institucional), mais propenso à inércia e manutenção de um certo padrão ou composição do orçamento. A variável "posição média dos veto players no governo anterior" aparece no modelo como decisiva para explicar a política da mudança nos padrões de alocação de recursos.

2.6. Política e Trade-Offs entre Políticas Públicas

Outra importante tipologia de explicação política e institucional sobre a mudança na composição da estrutura dos gastos públicos é a desenvolvida por Wood, Crotty, and Theobald (2000). Revisando as teorias e explicações produzidas pela ciência política americana desde a década de 1970 para o fenômeno dos trade-offs entre políticas — o problema de como mudanças agregadas no nível de gastos em uma função governamental afeta o gasto em outra dimensão (e.g, saúde x estradas) —, os autores propõem um modelo inovador cuja ênfase recai sobre o poder explicativo da política e das instituições.

Os autores partem da suposição de variáveis de corte político e institucional importam. A ideologia política, o sistema político e as regras orçamentárias deveriam desempenhar importante papel na explicação dos trade-offs entre tipos de gastos. As articulações causais propostas pelas teorias existentes apresentam limites consideráveis. Um dos principais limites deriva da premissa implícita de que os trade-offs ocorrem em grande medida por decorrência das restrições orçamentárias.

As teorias anteriores não ofereciam explicações levando em conta a importante dimensão da natureza diferenciada das políticas, e seu impacto sobre as decisões de alterar padrões existentes de alocação de recursos entre diferentes funções governamentais. Diferentes tipos de políticas, ao conter um modo distintivo de distribuir recursos criam incentivos para os políticos operarem ou não no sentido de mobilizar recursos, de algumas áreas para outras, configurando trade-offs. A política assume importante papel para explicar como a capacidade diferencial que os atores estratégicos têm no processo decisório pode alterar a quantidade de recursos entre categorias programáticas.

O modelo proposto oferece uma nova teoria sobre o fenômeno. A premissa básica é a de que os atores estratégicos tentam oferecer uma combinação de políticas públicas que buscam otimizar o gasto por beneficiário em cada ciclo orçamentário. Esta combinação, diferente a cada momento e entre cada governos, depende de vários fatores associados. O primeiro deles está ligados a fatores ideológicos (liberalismo x conservadorismo), cultura política, e características dos sistemas de governo (federalismo, e.g). Por outro lado, os trade-offs dependem de modo decisivo do tipo de política e do potencial de manobra que elas disponibilizam para a transferência de recursos entre políticas. Políticas públicas que mobilizam recursos do tipo earmarked ("carimbados" no léxico das políticas brasileiras) devem gerar reduzida margem de manobra para a ação estratégica dos políticos, enquanto que as políticas com características do tipo entitlement representam a situação oposta. A ação e o comportamento político depende do tipo de políticas. Em terceiro lugar, as restrições orçamentárias impostas pelos governos anteriores têm peso para explicar as decisões sobre mobilidade orçamentária.

2.7. Fracionalização, Riscos Políticos e Intervenção do Estado

A última forma de explicação analisada neste trabalho explora a conexão causal entre fracionalização e a expansão dos gastos públicos. Sociedades e economias com grande fracionalização exibem clivagens sociais que afetam o desenho institucional e a decisão coletiva por determinados tipos de gastos públicos. Importantes estudos teóricos produzidos pela economia política contemporânea tentam modelar como processos de fracionalização social e política produzem impactos sobre a expansão dos gastos públicos.

A suposição central das teorias contemporâneas é a de que maiores graus de fracionalização conduziriam a conflitos que ameaçam a estabilidade e governabilidade dos regimes políticos. Para evitar os riscos políticos da perda de poder, os governos recorrem a políticas que se voltam para oferecer expansão dos gastos públicos direcionadas para grupos sociais que produzem o conflito distributivo.

A discussão das teorias sobre a fracionalização é realizada a partir do estudo seminal produzido por Annet (2000), que revisa a produção teórica e que oferece modelo para tal fenômeno. A teoria proposta por Annett parte da forte argumentação de que existe um problema nas formas de modelar o fenômeno da fracionalização a partir das premissas dos modelos de partilha fiscal (common pool models). Nestes modelos se configura uma situação típica em que o governo é fraco e está permanentemente lidando com a ação de poderosos grupos organizados que tentam estrategicamente extrair recursos do governo. O problema do conflito distributivo se torna mais agudo em contextos em que a sociedade é organizada por múltiplos grupos auto-interessados que agem de forma não-cooperativa. Nesta situação, são reduzidos os incentivos que os diversos grupos têm de reduzir suas demandas por gastos públicos.

O modelo proposto vai de encontro a esta concepção, e sugere uma conexão causal distinta entre fracionalização e expansão dos gastos públicos. O modelo parte da premissa de que um governo forte age estrategicamente distribuindo recursos para minimizar os riscos relativos a perda de poder. Em sociedades fracionadas em clivagens étnicas e religiosas (como as que ele desenvolve o modelo) existem potenciais enormes para a instabilidade.

A premissa central do modelo é a de que o governo se comporta de modo a maximizar as transferências de rendas na direção dos grupos no poder. Enquanto a economia é vista hipoteticamente como organizada em grupos que competem no mercado, o governo é supostamente organizado em torno de um grupo (ou coalizões) cujo objetivo principal é auferir aumento de renda para si ou para os grupos que os apóiam. A extração da renda via impostos é a fonte básica da renda governamental.

Diante de riscos gerados por esta forma de interagir com a sociedade, o governo teme o conflito e a instabilidade social. Diante da incerteza quanto a possibilidade de ser destronado pelos potenciais adversários, o governo reduz a incerteza expandindo os gastos governamentais, especialmente aqueles que se voltam para atender demandas de grupos em conflito. Quanto mais intenso o grau de conflito e a incerteza dos governos maiores seriam as demandas por gastos públicos.

5. CONCLUSÕES

As diversas teorias analisadas neste trabalho permitem compreender a latitude das explicações políticas e institucionais para o caso específico do fenômeno da expansão do gasto público na economia política nas duas últimas décadas. A evolução das teorias examinadas revela, entre outros aspectos, que a política e as instituições são modeladas de forma diversificada, sob premissas distintas, oferecendo contornos diferenciados ç natureza da explicação. A política importa de diferentes formas. As diferentes teorias contemporâneas analisadas nos dois grupos de teorias apontam para a conexão entre política, instituições, e gastos públicos por diferentes vias. A política está diretamente associada à natureza das instituições, às preferências dos atores e aos resultados das escolhas coletivas. Múltiplos mecanismos e conexões causais são formulados pelas teorias recentes mostrando as diversas dimensões em que a política e as instituições atuam como causas centrais para explicar a expansão do gasto público.

A explicação contemporânea é composta por múltiplas teorias rivais, o que confere um excelente poder de problematização para a pesquisa empírica em diferentes contextos e condições iniciais. A principal sugestão que emerge da análise das teorias contemporâneas é que de forma completamente diferente das explicações tradicionais, variáveis como democracia, sistemas eleitorais, regimes políticos, federalismo, e até outros itens mais específicos como a posição ideológica dos atores, receberam status causal superando as explicações tradicionais. A explicação política adquiriu visibilidade e poder nos modelos contemporâneos da economia política.

A rivalidade de teorias é outro aspecto importante. A política impacta de forma diferenciada sobre o crescimento dos gastos públicos. Por se tratar de um fenômeno altamente complexo e que tem uma relação muito diferenciada com a política, as explicações não encontram um padrão muito consistente, e são convergentes as posições nos estudos considerados de que os resultados gerados não são dotados de grande robustez em comparação com as teorias clássicas tal como a Lei de Wagner, que ainda se mostra consistente em grande parte dos modelos contemporâneos. Há uma dificuldade de incorporar empiricamente a política e as instituições nos testes dos modelos em estudos comparados. Várias razões são apontadas pelos estudos. A multiplicidades de formas com que os modelos contemporâneos incorporam a variável dependente, problemas de mensuração e disponibilidade de dados tornam os testes empíricos ainda limitados. Apesar do grande apelo para incorporar a política e as instituições, e de uma grande teorização sobre a explicação política, ainda há um considerável espaço para avançar neste tipo de investigação. Talvez em outros fenômenos de menor complexidade seja mais fácil tratar empiricamente estes fatores. A explicação política e institucional pode ser mais acurada em outros casos que não a expansão dos gastos públicos.

Embora os resultados não sejam o foco central deste artigo, o que vale ressaltar é a heterogeneidade de naturezas e o modo como os modelos contemporâneos oferecem espaço e poder causal para as variáveis políticas e institucionais. Há uma distinção clara entre aquelas teorias mais voltadas para a dimensão das macro-transformações que tendem a reduzir a política a regimes ou a sistemas eleitorais, e outro grupo diferenciado que busca os micro-fundamentos da ação política e institucional. Neste último caso, os modelos se voltam para fornecer uma matriz mais rica de explicações para os diferentes tipos de fenômenos que importam para explicar o crescimento dos gastos. Fatores como o desenho institucional, o tamanho do legislativo, as preferências dos veto players, os trade-offs entre políticas públicas, e a questão da fracionalização conferem uma nova gama de problematizações sobre a política, as instituições, e o crescimento dos gastos públicos. Apesar dos avanços na sofisticação da produção, grande parte das argumentações teóricas que consideram a política e as instituições como fatores endógenos aos modelos, ainda estão construídas em cima de tradicionais modelos da economia política teórica tais como a produção de bens públicos em regimes de partilha fiscal, modelos que tratam posição do median voter e os conhecidos problemas de agência e de delegação estratégica nas teorias dos jogos e na economia institucional. Do ponto de vista teórico, a grande novidade oferecida em termos das formas de análise é a abordagem proposta pela teoria dos veto players para explicar a inércia ou a variação nas decisões estratégicas sobre o gasto público. A ideologia política, mensurada pela distância de plataforma política dos veto players, considera as distâncias ideológicas entre os atores políticos numa dada situação e entre agendas de governo como decisivas para explicar variações nas estruturas orçamentárias. Por outro lado, ao combinar elementos de agencia e de instituições em sua explicação, tal abordagem merece grande destaque metodológico para explicar a política. A questão do conflito e da fracionalização embora fundamental para traduzir o conflito e as clivagens políticas, ainda merecem um melhor tratamento para a questão do gasto público, trazendo à tona um outro grupo de clivagens que ultrapassem as dimensões religiosas e étnicas. Por fim, a conclusão mais geral da análise é que a política importa para explicar o comportamento fiscal dos governos, e importa sobre uma diversidade de formas.

Submetido: Novembro 2003; aceito: Maio 2005.

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  • 1
    A problematização sobre os ciclos políticos-eleitorais formulada originalmente por Tufte em 1978 e expandida pelos modelos contemporâneos é um caso clássico deste tipo de relacionamento entre políticas e gastos públicos.
  • 2
    Os estudos selecionados para a análise das teorias foram escolhidos com base no seguinte critério: eles devem tratar de uma combinação de revisão da produção teórica e de suas principais questões e problematizações para o tema da expansão dos gastos, desenvolvimento de modelo teórico inovador e teste empírico em amostra comparativa ou mesmo estudo de caso. A definição desta amostra obedeceu também a um limite temporal compreendendo estudos no período 1990-2002, momento em que foi realizada a pesquisa das fontes primárias para a pesquisa dos artigos em bases de dados. Este estudo foi originalmente produzido como sub-produto de projeto de pesquisa financiado pelo CNPQ como professor e pesquisador visitante no CNPQ "Revisitando a Hipótese dos Leviatãs estão fora do Lugar" por mim desenvolvido desde 2000. A versão preliminar submetida à REP foi apresentada no II Encontro Anual da ABCP em Niterói em 2002. Por motivo de economia e espaço, outros artigos importantes produzidos foram deliberadamente não-incluídos e considerados em trabalhos e estudos posteriores já em curso.
  • 3
    Outro grupo de estudos não incluído neste estudo é aquele que atribui primazia causal a fatores exógenos — globalização, reestruturação produtiva, e outras mudanças sociais de corte estrutural — para explicar as transformações nos gastos públicos.
  • 4
    O Novo Institucionalismo se constitui paradigma de central importância nas ciências sociais contemporâneas. Na economia, desde o seminal trabalho de Douglass North — Institutions, Institutional Change and Economic Performance, nos anos 90, os economistas têm dado muita atenção aos elementos institucionais para explicar a ação e o comportamento econômico. Rodrik and Subramanian (2003) aponta para a "primazia das instituições" na explicação do desenvolvimento econômico. Na ciência política, Hall e Taylor (1996) , em artigo já clássico na ciência política contemporânea, discutem as premissas e possibilidades teóricas para a pesquisa em ciência política. Putnam (1993) é outro trabalho seminal na tradição institucional que se move na direção do pressuposto de que as "instituições importam" para explicar o diferenciado desempenho institucional na descentralização em regiões italianas.
  • 5
    O modelo proposto por Becker é tratar da competição dos grupos de pressão por redistribuição. A premissa central é a de que impostos, subsídios, regulações, e outros instrumentos de política pública produzidos pelo governo são utilizados para elevar o nível de bem-estar dos grupos de pressão mais bem organizados e com maior influência política. As duas proposições mais conhecidas da teoria são: a competição política entre grupos de pressão produz sistemas tributários eficientes; grupos beneficiados pela redistribuição tendem a ser pequenos relativamente ao tamanho dos grupos que são taxados (cf. Mueller, 1989. p. 334-35).
  • 6
    A teoria e aplicação da teoria dos veto players é sistematizada e apresentada com detalhes no livro Tsebelis, George (2002).
    Veto Players: How Political Institutions Work. New York. Cambridge University Press.
  • 7
    Embora o modelo proposto pelos autores seja diretamente voltado para explicar as mudanças consideradas deliberadas na magnitude e composição dos gastos públicos, este também funciona para explicar mudanças consideradas automáticas, as quais dependem de legislação existente e não das escolhas dos
    veto players. A componente automática dos orçamentos tem a ver com políticas públicas (gastos públicos) que são elevados por lei quando ocorrem mudanças estruturais na economia tais como crises e aumento do desemprego, envelhecimento populacional, guerras e outros fenômenos associados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2005
    • Recebido
      Nov 2003
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