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Evolução etária do ângulo de carregamento do cotovelo: estudo clínico-radiográfico

Resumos

OBJETIVO: Avaliar clínica e radiograficamente o ângulo de carregamento do cotovelo (ACC) determinando uma curva de normalidade de acordo com faixas etárias (da infância à maturidade esquelética) e comparar as medidas clínicas e radiográficas. MÉTODOS: Avaliamos 510 indivíduos (1020 cotovelos), com idades entre 1 e 18 anos, distribuídos em grupos de 30 conforme faixas etárias, com intervalo de 1 ano. Excluímos os portadores de: fraturas do cotovelo, sequelas, malformações, doenças genéticas, afecções inflamatórias e frouxidão ligamentar. Mensuramos clinicamente o ACC bilateralmente com goniômetro, onde obtivemos duas medidas por dois examinadores onde média destas foi considerada. Realizamos radiografias ântero-posteriores dos cotovelos e aferimos os ângulos formados pelos eixos do úmero e da ulna. Todos os dados foram analisados estatisticamente pelo teste t student. RESULTADOS: Determinamos uma curva de normalidade onde observamos aumento deste parâmetro conforme a progressão da idade. Não observamos diferença significante entre as medidas clínicas e radiográficas. CONCLUSÃO: A média do ângulo de carregamento para o sexo feminino foi 12,78º ± 5,35 e para o masculino 11,20º ± 4,45. Este valor aumenta progressivamente da infância até os 16 anos quando observamos estabilização. Não houve diferença estatística significante das medidas clínicas e radiográficas.

Articulação do cotovelo; Criança; Adolescente; Radiografia; Antropometria; Estudos transversais; Fatores etários


OBJECTIVE: This paper has the purpose of evaluate the elbow carrying angle by clinic and radiographic examination in normal children and determine the range of normality according to age from childhood to skeletal maturity and also check if there is a statistically significant difference between the clinical and radiographic measurements. METHODS: We evaluated 510 persons with ages varying from 1 to 18 years distributed in groups with 30 subjects according to the age group with 1-year interval. We performed radiographic examination of the elbow and measured the angle formed by the long axis of the humerus and ulna. The data were statistically analyzed using the student t-test. RESULTS: We determined a normal curve of the study population where there was an increase of this parameter with the progression of age. No statistically significant difference between the clinical and radiographic measures. CONCLUSION: The average of the elbow carrying angle was 12,78 ± 5,35 degrees for females and 11,20 ± 4,45 degrees for males. This values increase progressively from childhood until 16 years when we notice stabilization. There was no statistical difference between the clinical and radiographic measurements.

Elbow joint; Child; Adolescent; Radiography; Anthropometry; Cross-sectional studies; Age factors


ARTIGO ORIGINAL

Evolução etária do ângulo de carregamento do cotovelo: estudo clínico-radiográfico

Bernardo Barcellos Terra; Bruno Costa Mello Silva; Henrique Bella Freire de Carvalho; Eiffel Tsuyoshi Dobashi; José Antônio Pinto; Akira Ishida

Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP

Correspondência Correspondência: Rua Borges Lagoa,783 - 5 º andar, Vila Clementino São Paulo, SP, Brasil. CEP 04038-032 E-mail: bernardomed@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar clínica e radiograficamente o ângulo de carregamento do cotovelo (ACC) determinando uma curva de normalidade de acordo com faixas etárias (da infância à maturidade esquelética) e comparar as medidas clínicas e radiográficas.

MÉTODOS: Avaliamos 510 indivíduos (1020 cotovelos), com idades entre 1 e 18 anos, distribuídos em grupos de 30 conforme faixas etárias, com intervalo de 1 ano. Excluímos os portadores de: fraturas do cotovelo, sequelas, malformações, doenças genéticas, afecções inflamatórias e frouxidão ligamentar. Mensuramos clinicamente o ACC bilateralmente com goniômetro, onde obtivemos duas medidas por dois examinadores onde média destas foi considerada. Realizamos radiografias ântero-posteriores dos cotovelos e aferimos os ângulos formados pelos eixos do úmero e da ulna. Todos os dados foram analisados estatisticamente pelo teste t student.

RESULTADOS: Determinamos uma curva de normalidade onde observamos aumento deste parâmetro conforme a progressão da idade. Não observamos diferença significante entre as medidas clínicas e radiográficas.

CONCLUSÃO: A média do ângulo de carregamento para o sexo feminino foi 12,78º ± 5,35 e para o masculino 11,20º ± 4,45. Este valor aumenta progressivamente da infância até os 16 anos quando observamos estabilização. Não houve diferença estatística significante das medidas clínicas e radiográficas.

Descritores: Articulação do cotovelo. Criança. Adolescente. Radiografia. Antropometria. Estudos transversais. Fatores etários.

INTRODUÇÃO

A avaliação do valgismo ou do ângulo de carregamento do cotovelo (ACC) e o conhecimento de suas variações são fundamentais, especialmente para o manejo e acompanhamento das lesões traumáticas que afetam o cotovelo pediátrico.1

Em condições fisiológicas este parâmetro varia de acordo com a idade,2 sexo,1,3 hiperextensão do cotovelo,4 membro superior dominante,5 características antropométricas como a altura6 e a distância intertrocantérica7 e pode ser mensurado por técnicas, clínicas e radiográficas, simples.1

Examinando as diversas bases de dados da literatura ortopédica, identificamos poucos artigos que estudam o ACC e não foi reconhecida nenhuma referência nacional determinando a evolução da normalidade em nossa população que apresenta traço distinto da miscigenação entre diferentes grupos étnicos.

Portanto, elaboramos um trabalho que tem como objetivo avaliar clínica e radiograficamente o ACC em indivíduos sem afecções do sistema músculo-esquelético para determinar uma curva de normalidade de acordo com faixas etárias, da infância até a maturidade esquelética, e verificar também se há diferença estatística significante entre as medidas clínicas e radiográficas.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido na Disciplina de Ortopedia Pediátrica do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo).

Inicialmente o projeto deste trabalho foi apreciado pelo Comitê de Ética Médica em Pesquisa e aprovado para execução sob o protocolo 0356/09. Elaboramos o termo de Consentimento livre e Esclarecido que foi apresentado e assinado pelos responsáveis dos pacientes envolvidos.

Foram avaliados 510 indivíduos (1020 cotovelos) sendo 255 (50%) do sexo masculino e 255 (50%) do sexo feminino cujas idades variaram de 1 a 18 anos. Estes foram distribuídos de acordo com faixas etárias anuais, sendo que cada grupo consistiu de 30 elementos sendo rigorosamente 15 (50%) para cada sexo.

Os pacientes incluídos no trabalho foram atendidos no Pronto Socorro de Ortopedia e Traumatologia do Hospital São Paulo com história de trauma nos membros superiores. Adotamos como critérios de exclusão em nossa pesquisa a positividade para as seguintes situações: fraturas, sequela de lesões traumáticas, presença de deformidade congênita do membro superior, positividade para doenças reumáticas, inflamatórias, genéticas e frouxidão ligamentar.

A frouxidão ligamentar foi avaliada por meio do exame clínico, utilizando medidas da amplitude de movimento articular em conformidade com a preconização de Carter e Wilkinson e modificação proposta por Beighton e Horan8. De acordo com este método, a mobilidade articular é determinada pelo somatório de números inteiros, que variam de 0 a 9 pontos. É dado um ponto para a capacidade de efetuar movimentos específicos, considerando-se o lado dominante e não-dominante, e a mobilidade do tronco, de acordo com os seguintes critérios:

Extensão passiva dos quirodáctilos mínimos além de 90º.

Aposição passiva do polegar à face flexora de seu respectivo antebraço.

Hiperextensão passiva dos cotovelos, além de 10º.

Hiperextensão dos joelhos, além de 10º.

Flexão do tronco, partindo da posição ereta, com os joelhos totalmente estendidos, de modo que as palmas das mãos repousem no solo.

A positividade para a frouxidão ligamentar é considerada quando os indivíduos totalizam cinco ou mais pontos.

A aferição clínica, bilateral, do valgismo do cotovelo foi realizada com auxílio de um goniômetro. Mensuramos o ACC aplicando um dos braços do goniômetro sobre o eixo do braço e outro sobre o eixo do antebraço com o cotovelo mantido em extensão completa e supinação. (Figura 1)


Quando o indivíduo foi atendido o exame radiográfico do cotovelo afetado foi requerido. Realizamos também o exame radiográfico contralateral do membro superior para comparação, pois as fises e núcleos de ossificação poderiam ser confundidos com fraturas ou lesões fisárias, prática esta sustentada pela literatura ortopédica. Os cotovelos foram posicionados em extensão, com supinação do antebraço, na incidência ântero-posterior, em filme com chassi de 30cmx40cm. A aferição radiográfica foi realizada traçando retas nos radiogramas sobre o negatoscópio pelo longo eixo da diáfise do úmero e da ulna para obtenção do ângulo úmero-ulnar mensurado com transferidor no momento da consulta. (Figura 2)


Todas as medidas clínicas e radiográficas foram obtidas por dois examinadores distintos e os valores adquiridos foram compilados numa planilha. A média dos valores foi então considerada para a realização das análises necessárias.

Para a análise estatística dos resultados um profissional especializado da área de estatística médica considerou a natureza das distribuições e as variáveis estudadas aplicando o teste t Student. Em todos os testes fixou-se em 0,05 ou 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade, assinalando com asterisco (*) os valores significantes.

RESULTADOS

Inicialmente os valores angulares dos cotovelos direito e esquerdo foram avaliados não sendo encontrada diferença estatisticamente significante. Portanto seus valores foram compilados num grupo único.

O valor médio do ângulo de carregamento para os indivíduos do sexo feminino foi de 12,78º ± 5,35 e para o masculino de 11,20º ± 4,45 na população estudada.

As tabelas 1 e 2 apresentam os resultados dos valores mínimo, máximo e média do ACC de acordo com as faixas etárias com intervalo de 1 ano, entre 1 ano e 18 anos de acordo com o sexo. A evolução do ACC de acordo com a progressão da idade, pode ser observada na Figura 3 considerando curvas específicas para os indivíduos do sexo masculino e feminino. Não observamos diferença estatística significante após os 16 anos assim como entre as medidas clínica e radiográfica.


DISCUSSÃO

O conhecimento da medida do ACC e de suas variações é importante quando avaliamos as lesões traumáticas do cotovelo na infância e na adolescência1 e outros transtornos do cotovelo que requerem a reconstrução9 ou artroplastias (superfície e semiconstritas).10

Um dos motivos que determinaram a realização deste trabalho foi o fato de não termos os valores referência estabelecidos para a população brasileira, já que a literatura encontrada é baseada em estudos internacionais. A diferença destes valores nos diferentes estudos pode decorrer por apresentarmos uma característica peculiar, que é a miscigenação.

Observamos valores médios para o ACC de 12.88 graus +/-5.92 sendo de 10.97 graus +/-4.27 nos indivíduos do sexo masculino e 15.07 graus +/-4.95 para o feminino.7,3 Outro estudo, semelhante ao executado por nós, o valor médio desta variável foi 12.42 +/- 4.06 quando utilizado um goniômetro convencional.10

É referida na literatura que esta variável sofre de progressivo aumento quando, na puberdade, alcança seu valor máximo;1,4,5 segundo alguns autores este fato estaria relacionado ao sexo, sendo maior nos indivíduos femininos.1,4,5 Entretanto existem outros que não encontraram esta relação.2,6 Observando a Figura 3, na idade de 9 anos houve uma diferença significativa do valor do ACC entre os sexos, diferença esta de aproximadamente 1,5o, a qual se manteve até sua estabilização no final da adolescência.

O maior valor deste ângulo no sexo feminino seria justificado pela presença da frouxidão ligamentar.2 Para evitar este viés, em nossa pesquisa, excluímos os indivíduos portadores desta característica clínica, pois esta variável poderia determinar alterações nas medidas obtidas. Tivemos ainda o cuidado de utilizar os valores determinados pela mensuração clínica e radiográfica duas vezes aplicando as médias destes valores.

Existem os que consideram que os valores do ACC seriam maiores do lado dominante,5,7 entretanto não encontramos tal correlação em nosso trabalho. Estatisticamente, a comparação entre os lados direito e esquerdo não demonstrou diferença.

Observamos que a influência dos parâmetros antropométricos foi analisada pelos diversos autores da literatura cujos resultados não aparentam ser definitivos, pois são encontrados em pequeno número.

Uma relação estudada correlaciona este ângulo com a distância intertrocantérica,7 cujos valores seriam inversamente proporcionais do ângulo do cotovelo, porém não avaliamos esta correlação.

O ACC parece não se relacionar diretamente com a altura, peso ou comprimento da ulna ou úmero.1 Entretanto encontramos autores que relacionam esta variável com a estatura dos indivíduos apontando que o ACC é maior nas pessoas mais baixas.6 Acreditamos que a extensão máxima do cotovelo deve contribuir para o aumento do ACC concordando com o trabalho de Golden et al.4 influenciada pela frouxidão ligamentar.

Em nosso estudo procuramos excluir qualquer indivíduo que não preenchesse os pré-requisitos determinados no planejamento inicial antes da execução desta pesquisa. Concordamos que a realização de um estudo populacional requer uma análise de uma grande amostra o que dificulta a confecção de pesquisas de maior relevância onde a opção para dirimir esta problemática seria executar um estudo multicêntrico.

Outra aplicação deste parâmetro seria o de avaliar a possível gênese das fraturas específicas da região do cotovelo de acordo com alguns autores6 onde este parâmetro angular sofreria influência da pronação do antebraço e do comprimento do braço e antebraço determinando momentos de força diferentes. O menor comprimento dos ossos do antebraço determinaria valores inversamente proporcionais ao ACC.

Encontramos estudos biomecânicos11 que avaliaram o ACC durante a flexo-extensão do cotovelo com intuito de aplicar os achados deste estudo na reabilitação onde os resultados demonstraram que a acurácia deste método seria maior que 94%. O conhecimento adquirido com os estudos em laboratórios de biomecânica, infelizmente não é aplicável em nosso meio por serem altamente dispendiosos e dependerem de logística específica.

Acreditamos que a reprodução da medida do ACC é simples e facilmente aplicável na prática diária do ortopedista.1 Apesar do questionamento de outros que consideram sua aplicabilidade de pouca importância prática.10

Obtivemos em nossa análise que este parâmetro analisado clinicamente não apontou para diferenças estatísticas significantes quando comparado com a radiografia. Logo poderíamos inferir que, ao considerarmos esta medida na prática regular do ortopedista, uma aferição clínica sistemática deve nos fornecer informações suficientes para avaliar o status do cotovelo de um indivíduo em crescimento progressivo. Com isto, sob o ponto de vista sócio-econômico, dispensaríamos o uso da radiografia para este fim que, apesar de simples, determina um custo desnecessário. Para o planejamento de correções de deformidades deste segmento cremos não haver dúvidas quanto a realização deste exame.

CONCLUSÃO

Este parâmetro apresenta um progressivo aumento da infância até os 16 anos quando alcançamos a maturidade esquelética observando a estabilização do mesmo.

Não houve diferença estatística significante entre as medidas clínicas e radiográficas.

Artigo recebido 15/9/09, aprovado em 26/10/09.

Trabalho realizado pelo Departamento de Ortopedia e Traumatologia - UNIFESP

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Set 2009
    • Aceito
      26 Out 2009
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