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ANÁLISE DOS TERRITÓRIOS TURÍSTICOS DO LITORAL PIAUIENSE POR MEIO DE ANALYTIC HIERARCHY PROCESS

ANÁLISIS DE LOS TERRITORIOS TURÍSTICOS DE LA COSTA PIAUIENSE A TRAVÉS DEL PROCESO DE JERARQUÍA ANALÍTICA

Resumo

O artigo tem como objetivo aplicar a Analytic Hierarchy Process (AHP) para avaliar o desenvolvimento do turismo no litoral do Piauí. A avaliação dos territórios turísticos identificados no litoral piauiense foi possível com a realização de uma análise quantitativa da atividade turística nessa região. Por meio da quantificação da importância das variáveis “meios de hospedagem”, “serviços de alimentação”, “atrativos turísticos” e “vias de acesso” relacionados com os critérios de “custo”, “disponibilidade” e “qualidade” foi possível avaliar cada território. Ficaram evidentes os impactos negativos provocados pelos problemas relacionados à infraestrutura, especialmente a dificuldade de acesso. A AHP demonstrou ser uma metodologia com potencial para ser incorporada no processo de planejamento e gestão para o turismo, pois se mostrou eficaz para a caracterização e a avaliação de territórios usados pelo turismo. Espera-se que este estudo possa subsidiar a tomada de decisão dos poderes públicos municipais e estadual em relação aos impactos sociais e ambientais da atividade turística que ocorre no litoral piauiense majoritariamente em territórios fragmentados.

Palavras-chave:
Analytic Hierarchy Process; Turismo; Piauí; Litoral

Resumen

Realizando el Proceso de Jerarquía Analítica (AHP) de los nueve territorios turísticos identificados en la costa de Piauí, que son Ilha Grande, Pedra do Sal, Parnaíba, Luís Correia, Coqueiro, Macapá y Maramar, Barra Grande, Barrinha y Cajueiro da Praia , fue posible hacer un análisis de la actividad turística en los territorios a través de la cuantificación de la importancia de las variables "alojamiento", "servicios de alimentación", "atractivos turísticos" y "vías de acceso" a través del criterio de "costo", "disponibilidad" y "calidad". Los impactos negativos ocasionados por problemas relacionados con la infraestructura fueron evidentes, especialmente la dificultad de acceso. Se espera que este estudio pueda apoyar la toma de decisiones de las autoridades públicas municipales y estatales en relación a los impactos sociales y ambientales de la actividad turística que se desarrolla en la costa de Piauí, mayoritariamente en territorios fragmentados a lo largo de la costa. El AHP puede y debe incorporarse al proceso de planificación y gestión del turismo, ya que ha demostrado su eficacia en la caracterización y evaluación de los territorios utilizados por el turismo.

Palabras-clave:
Analytic Hierarchy Process; Turismo; Piauí; Costa

Abstract

The article applies the Analytic Hierarchy Process (AHP) to evaluate tourism development on the coast of Piauí, Brazil. The assessment of the tourism territories identified on the coast of Piauí was viable due to a quantitative analysis of the region's tourism activity. By quantifying the importance of the variables "means of accommodation," "food services," "tourist attractions," and "access routes" related to the criteria of "cost," "availability," and "quality," it was possible to evaluate each territory. The negative impacts caused by problems related to infrastructure were evident, especially the difficulty of access. AHP proves to be a methodology with the potential to be incorporated into the planning and management process for tourism, as it is effective in characterizing and evaluating territories used by tourism. This study is expected to support the decision-making of municipal and state public authorities concerning the social and environmental impacts of tourism activity on the coast of Piauí, mainly in fragmented territories.

Keywords:
Analytic Hierarchy Process; Tourism; Piauí; Coast

INTRODUÇÃO

O turismo é uma das principais atividades econômicas em escala global e nacional, com um setor que representou 10,4% do produto interno bruto (PIB) mundial, 8,1% do PIB brasileiro em 2018 (OMT, 2019ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE TURISMO (OMT). International Tourism Highlights 2019 Edition. Disponível em: Acessado em: 11/03/2021.) e a 3,5% do total de empregos da população economicamente ativa do Brasil (MARTORELL, 2020MARTORELL, F. J. B. Políticas públicas de turismo Sostenible: perspectiva hispano brasilena. Veredas do Direito: Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, v.17, n.39, n.p. (2020).). Esta força econômica da atividade gera diversas, intensas e, por vezes, bruscas transformações em diferentes formas nos núcleos receptivos, como impactos culturais, sociais, ambientais e econômicos. Na região Nordeste brasileira o turismo desponta como uma das principais atividades econômicas em vários dos nove estados.

No estado do Piauí, a atividade ainda se mostra insipiente e ocupa uma posição periférica na visitação e promoção turística quando considerado o contexto do turismo na região Nordeste do Brasil. O estado “é o segundo estado da região Nordeste com menor número de turistas, na frente apenas de Sergipe” (PUTRICK, 2019, p.87PUTRICK, S. C. O turismo na rota das emoções e no desenvolvimento socioeconômico de municípios do estado do Piauí. Tese de doutorado em Geografia. Universidade Federal do Paraná. (2019).). Quando esse comparativo é realizado em escala nacional, o estado participa com irrisórios 0,7% das viagens realizadas no Brasil, ocupando a posição de sétimo menor emissor nacional de turistas, pois se considerada apenas a geração de receitas turísticas, a participação do Piauí é de 0,8% do total do país (PUTRICK, 2019PUTRICK, S. C. O turismo na rota das emoções e no desenvolvimento socioeconômico de municípios do estado do Piauí. Tese de doutorado em Geografia. Universidade Federal do Paraná. (2019).). As ações de planejamento ainda se mostram tímidas, descontínuas e ineficazes (BRAGA & GUZZI, 2021BRAGA, S. S. Caracterização e avaliação dos territórios e atrativos turísticos do litoral piauiense. Tese de doutorado em desenvolvimento e meio ambiente. Universidade Federal do Piauí. (2021).). Este quadro fica evidente quando comparado aos estados vizinhos do Ceará e Maranhão, em que atividades de planejamento, gestão e divulgação voltadas para o turismo ocorrem há décadas (ARAÚJO & DANTAS, 2015ARAÚJO, L. L. B., & DANTAS, E. W. C. Políticas públicas de turismo: um olhar para a região meio-norte do nordeste brasileiro. Geosaberes: revista de estudos geoeducacionais, v.6, n.2, p.222-236. (2015).).

O turismo foi abordado como uma atividade econômica presente na região litorânea do Piauí capaz de causar impactos tanto positivos quanto negativos, em diversas escalas e esferas. Considerado como promotor de desenvolvimento nas regiões receptoras o turismo pode contribuir, entre outros benefícios, com novas fontes de divisas, com o incremento das atividades econômicas e produtivas em um conjunto de empreendimentos, diversificação da economia local, geração de empregos, aumento da renda média das famílias e com o aumento das receitas nas escalas municipal e estadual (EUSEBIO & CARNEIRO, 2012). Ressalta-se, ainda, a importância desta atividade primordialmente em regiões com pouca industrialização e menor índice de desenvolvimento. A visão sobre áreas com poucas atividades econômicas é complementada por Putrick (2016)PUTRICK, S. C., SILVEIRA, M. A. T., & CURY, M. J. F. Redes de Articulação de Turismo e Pesca da Rota das Emoções no Estado do Piauí–Brasil. Perspectiva Geográfica, v. 15, n.15, p.198-206. (2016). e Malta et al. (2019)MALTA, G. A. P., BRAGA, S. D. S., & BARBOSA, M. F. P. Concepções de desenvolvimento econômico e a compreensão do papel do turismo na redução da pobreza. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, v.13, p.16-31. (2019). ao afirmarem que apesar de reconhecer o potencial da atividade turística para a geração de empregos assim como a sua contribuição para o crescimento econômico, o turismo não é uma solução automática para a redução da pobreza.

Entende-se a possibilidade desta metodologia e da avaliação gerada fornecer subsídios para futuras ações do poder público e dos empresários locais para diminuir os impactos negativos gerados pelo turismo, bem como potencializar os aspectos positivos nas esferas social, ambiental, cultural e econômica. Ao compreender as especificidades e considerar a existência de nove territórios distintos na faixa de 66 km de litoral do estado, a Analytic Hierarchy Process (AHP), em português traduzida como Análise Hierárquica Multicritério1 1 Nesta pesquisa optou-se pelo uso do termo e sigla em inglês, uma vez que esta é a forma mais encontrada nas referências bibliográficas consultadas. , permite a descrição, a avaliação e a quantificação de fenômenos complexos de forma confiável baseada em modelos matemáticos aplicados para cada local (SAATY, 2001SAATY, T. L. Decision making with the analytic hierarchy process. International journal of services sciences, v.1, n.1, p.83-98. (2008).). A AHP também embasa a classificação e a hierarquização da atratividade e do conjunto de serviços turísticos, composto por hotelaria, equipamentos de alimentos e bebidas (A&B), vias de acesso e fluxo de turistas.

PLANEJAMENTO DA ATIVIDADE TURÍSTICA

As primeiras pesquisas relacionadas aos modelos de avaliação de destinos turísticos começaram a ser conduzidas a partir de 1960, como os estudos de “Butler, 1980; Christaller, 1963; Cohen, 1972; Getz, 1986; Leiper, 1979; Plog, 1973; Stansfield, 1978” (ALVARES et al., 2019, p. 2ALVARES, D. F., DALONSO, Y. D. S., & LOURENÇO, J. M. Modelos de Avaliação de Destinos Turísticos: concepção e aplicabilidade. Revista Turismo em Análise – RTA, v. 30, n. 1, p.1-23, jan./abr. (2019).). No Brasil, apesar de termos ciência desses modelos, os exemplos de avaliação e as ações de planejamento de ações de médio e longo prazo no turismo ainda são pouco aplicados. Além disso, os conhecimentos produzidos pelos pesquisadores brasileiros não se materializam em políticas públicas de turismo (SILVEIRA et al., 2017SILVEIRA, S., PUTRICK, S., & CARVALHO, R. A assimetria entre o conhecimento emancipatório e a política pública de submissão no turismo brasileiro. Revista Turismo & Desenvolvimento, v.1, n 27/28, p.1747-1756. (2017).).

A partir da percepção apresentada acima observa-se que um dos maiores entraves para o desenvolvimento do turismo no Brasil é a falta de planejamento, a gestão ineficiente (na qual entram as ações de avaliação) e a descontinuidade nas condutas voltadas para a estruturação e monitoramento da atividade turística. As ações seguem os ciclos de quatros anos das eleições municipais, estaduais e ou nacional e pouco ou nada é feito para médio ou longo prazo. A ausência de um ministério dedicado exclusivamente ao turismo (em escala nacional o Ministério do Turismo absorveu outras pastas e se encontrou quase inoperante no governo anterior)2 2 Sobre a gestão passada do turismo brasileiro (2019 - 2022), a professora e pesquisadora Rita de Cássia Ariza da Cruz descreve em entrevista para o jornal Le Monde (14/10/2020) um panorama do cenário em 2020: https://diplomatique.org.br/para-que-e-a-quem-serve-o-ministerio-do-turismo/ e secretarias específicas para o turismo (nas escalas estaduais e municipais) são somadas ao fato dessas pastas, quando existem, geralmente terem os menores orçamentos. Esta pesquisa parte de uma visão complexa sobre a atividade turística (GONTIJO, 2003GONTIJO, Bernardo Machado. A ilusão do ecoturismo na Serra do Cipó/MG: o caso de Lapinha. Brasília: Unpublished Ph. D thesis. Universidade de Brasília, Brasília, 2003.; BENI & MOESCH, 2017BENI, M. C., & MOESCH, M. A teoria da complexidade e o ecossistema do turismo. Turismo-Visão e Ação, v. 19, n. 3, p.430-457. (2017).), porém há a predominância da visão geográfica sobre os fixos e fluxos (SANTOS, 2002) existentes nos territórios turísticos para a caracterização e avaliação da atividade turística. Ao elencar as variáveis os “meios de hospedagem”, os “equipamentos de A&B”, os “acessos”, os “atrativos” e o “fluxo de turistas” consideraram-se, assim como Pearce (2003)PEARCE, D. G. Geografia do turismo: fluxos e regiões no mercado de viagens. Aleph, São Paulo, SP. (2003)., Castro (2006)CASTRO, N. A. R. D. O lugar do turismo na ciência geográfica: contribuições teórico-metodológicas à ação educativa. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo. (2006). e Alvares et al. (2019)ALVARES, D. F., DALONSO, Y. D. S., & LOURENÇO, J. M. Modelos de Avaliação de Destinos Turísticos: concepção e aplicabilidade. Revista Turismo em Análise – RTA, v. 30, n. 1, p.1-23, jan./abr. (2019)., os “dois componentes principais” para análise e avaliação do desenvolvimento do turismo em determinadas áreas que são a oferta turística (atrativos, hospedagem, transporte, infraestruturas) e os mercados existentes e potenciais (fluxo de turistas).

METODOLOGIA

A partir do inventário da oferta turística no litoral do Piauí levantado entre os anos de 2019 e 2020 aplicou-se a metodologia de Analytic Hierarchy Process (AHP). A AHP reúne métodos quantitativos para a análise da ação espacial do turismo na rede/região estudada como, por exemplo, a análise da densidade e distribuição dos atrativos, pousadas, restaurantes e vias de acesso, delimitando e identificando o potencial dos atrativos e os impactos gerados pela atividade turística. Para a compreensão do estudo realizado apresenta-se a seguir a área de estudo, o método AHP, as variáveis selecionadas para compor a matriz de análise e os resultados para cada um dos territórios usados pelo turismo na costa piauiense. A revisão bibliográfica acompanha a descrição dos procedimentos metodológicos utilizados.

ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo corresponde à faixa do litoral piauiense com contornos naturais à norte, delimitado pelo Oceano Atlântico; à oeste, pelo Rio Parnaíba (divisa dos estados do Piauí e Maranhão); e à leste pela foz do Rio Camurupim (divisa dos estados do Piauí e Ceará). A região é composta por quatro municípios e se estende por aproximadamente sessenta e seis quilômetros de costa, abarcando Ilha Grande de Santa Isabel, Parnaíba, Luís Correia e Cajueiro da Praia, localizados na porção norte do Piauí. O critério para delimitar a região foi baseado nos próprios limites estaduais do Piauí e na representatividade do litoral no cenário turístico piauiense.

O recorte espacial baseado na localização e/ou concentração dos serviços turísticos já foi aplicado de forma similar nos estudos de Lima (2015), Cordeiro (2008), Matellán et al. (2013) e Araújo & Ros (2014). O mapeamento foi realizado a partir do Inventário da Oferta Turística (IOT) e, posteriormente, as coordenadas geográficas e informações sobre as infraestruturas coletadas foram organizados em planilhas no editor Excel e convertidos posteriormente para o formato shapefile. O software de Sistema de Informações Geográfica ArcGis 10.1 foi utilizado para a geração dos mapas. As bases cartográficas dos mapas produzidos estavam na projeção Universal Transversa de Mercator (UTM) e no datum SIRGAS 2000 UTM Zone 23s. Posteriormente, foi realizada a interpolação dos pontos e a delimitação dos territórios turísticos, conforme pode-se observar no mapa abaixo (FIGURA 1).

Figura 1
Territórios turísticos do litoral piauiense com base na concentração dos meios de hospedagem.

Para o mapa acima o IOT foi realizado em escala municipal e o litoral está em destaque porque essa é a área na qual os meios de hospedagem e a maioria dos equipamentos de A&B estão localizados. Não existem hotéis e pousadas fora desta faixa territorial, há apenas alguns motéis ao longo das principais vias de acesso (BRAGA, 2021BRAGA, S. S. Caracterização e avaliação dos territórios e atrativos turísticos do litoral piauiense. Tese de doutorado em desenvolvimento e meio ambiente. Universidade Federal do Piauí. (2021).). Existem restaurantes, lanchonetes e padarias nas demais áreas dos municípios, mas não em número e concentração suficientes para a formação de territórios como foi observado no litoral. É compreendido que o turismo não deve se limitar à faixa litorânea, entretanto é ainda nesta restrita porção dos municípios nas quais as atividades ocorrem e se materializam por meio de infraestrutura básica e turística. Os atrativos turísticos estão dispersos em faixas maiores dos municípios e não são concentrados e adensados no mesmo padrão da infraestrutura turística.

Nos quatro municípios estudados foram delimitados, com base na concentração de meios de hospedagem e equipamentos de A&B (bares, restaurantes, lanchonetes etc.), nove territórios turísticos identificados e descritos por Braga & Guzzi (2021)BRAGA, S. S. Caracterização e avaliação dos territórios e atrativos turísticos do litoral piauiense. Tese de doutorado em desenvolvimento e meio ambiente. Universidade Federal do Piauí. (2021)., sendo eles: A sede do municípios de Ilha Grande (IG); a praia da Pedra do Sal (PeS); a sede municipal de Parnaíba (PHB); a sede de Luís Correia (LC); o Bairro e Praia do Coqueiro (Coq); o território de Macapá e Maramar (MaM); a praia e o distrito de Barra Grande (BG); o povoado de Barrinha (Bar) e a sede do município de Cajueiro da Praia (CaP).

ANALYTIC HIERARCHY PROCESS (AHP)

Uma vez levantadas as infraestruturas básica e turística dos territórios turísticos o método AHP se mostra um dos mais adequados, pois possibilita analisar as diversas variáveis que compõem a oferta turística. O processo permite a operacionalização de análises qualitativas e subjetivas por meio de características numéricas (BEN, 2006BEN, F. Utilização do método AHP em decisões de investimento ambiental. Encontro Nacional de Engenharia de Produção, v. 26, p.1-8. (2006).), além de possibilitar “a hierarquização das opiniões subjetivas sobre categorias de direcionadores de valor, permitindo um tratamento quantitativo que conduza a uma estimativa numérica da importância relativa de cada um dos direcionadores” (BEN, 2006, p. 2BEN, F. Utilização do método AHP em decisões de investimento ambiental. Encontro Nacional de Engenharia de Produção, v. 26, p.1-8. (2006).). Os direcionadores ou variáveis escolhidas para esta pesquisa foram os “meios de hospedagem”, os “equipamentos de A&B”, os “acessos”, os “atrativos” e o “fluxo de turistas” (FIGURA 2).

Figura 2
Estrutura hierárquica de variáveis para o processo de decisão.

Esta escolha foi baseada nos trabalhos de campo realizados entre os anos de 2020 e 2021, nos dados do IOT e nas características dos territórios. Os dados do IOT e os coletados durante os trabalhos de campo embasaram a definição das categorias para a “avaliação e caracterização dos territórios turísticos do litoral piauiense” e o estabelecimento de pesos, levando em consideração a qualidade, custo e disponibilidade via AHP.

A AHP também se mostra em clara concordância com a definição de territórios usados e territórios negligenciados proposta por Cruz (2005) e nos conceitos de Santos e Silveira (1994), bem como a abordagem complexa proposta por Morin (2001) aplicada em estudos sobre a atividade turística. A metodologia proposta é alicerçada em teóricos que aplicaram a AHP para analisar questões relacionadas ao turismo como em Peral et al. (2009)PERAL, F. J. B., CASAS, F. M. G., & OYOLA, M. L. La localización espacial en la planificación del turismo rural en Andalucía: un enfoque multicriterio. Revista de estudios regionales, v. 84, p.83-113. (2009)., Moutinho & Curry (1994)MOUTINHO, L., & CURRY, B. Modelling site location decisions in tourism. Journal of Travel & Tourism Marketing, v. 3, n. 2, p.35-57. (1994). e Malpartida & Lavanderos (2000)MALPARTIDA, R.A. & LAVANDEROS, L. Plan Maestro para el desarrollo de la actividad turística de la región de Atacama (Chile). Ambiente Ecológico Edición 76. (2000).. As etapas do método foram descritas e aplicadas diretamente no tratamento das informações obtidas por meio de levantamento de dados entre os anos de 2019 e 2020.

Apesar da AHP destacar-se das demais técnicas de análise multicritério e ser um dos métodos mais utilizados no mundo é necessário o reconhecimento do caráter subjetivo desta metodologia (SANTOS et al., 2017SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017).). Porém, este caráter permite ao método os mecanismos para agregar o conjunto de características consideradas mais relevantes, incluindo também as variáveis não quantitativas, com o intuito de fornecer maior clareza nos procedimentos e nas etapas de tomada de decisões (SANTOS et al., 2017SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017).). Outro aspecto positivo apontado sobre a AHP é a possibilidade de validar a coerência dos critérios de avaliação, a diminuição de possíveis inconsistências da lógica de pesos atribuídos para as variáveis e dos cálculos realizados. A necessidade da realização das operações matemáticas de autovalor máximo (λmáx), do índice de consistência (IC) e da razão de consistência (RC) são fundamentais para validar a matriz (SANTOS et al., 2017SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017).). O cálculo do autovalor máximo (λmáx) é que demonstra se os dados da matriz estão logicamente ligados. Para Santos et al. (2017)SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017). chegar no λmáx é um dos objetivos primários da AHP e ele pode ser calculado em três etapas. Primeiramente multiplica-se a matriz AHP pelo vetor de prioridades do objetivo central e posteriormente o produto da multiplicação é dividido pelo vetor de prioridades do objeto analisado (SANTOS et al., 2017SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017).; WANGAN, 2016WANG, X., LI, X. R., ZHEN, F., & ZHANG, J. How smart is your tourist attraction? Measuring tourist preferences of smart tourism attractions via a FCEM-AHP and IPA approach. Tourism management, v. 54, p. 309-320. (2016).). Na etapa seguinte, o λmáx é encontrado pela média aritmética das prioridades auxiliares, correspondendo ao valor da média aritmética da divisão realizada anteriormente (SANTOS et al., 2017SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017).; COSTA, 2002COSTA, H. A. Mosaico da sustentabilidade em destinos turísticos: cooperação e conflito de micro e pequenas empresas no roteiro integrado Jericoacoara–Delta do Parnaíba–Lençóis Maranhenses. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável. Universidade de Brasília, Brasília. (2002).). Na terceira etapa a matriz só poderá ser considerada consistente se o λmáx for igual ao número de linhas e colunas da matriz: λmáx = média do vetor Aw /w (SAATY, 1990SAATY, T. L. Decision-making with the AHP: Why is the principal eigenvector necessary. European journal of operational research, v. 145, n.1, p. 85-91. DOI:10.1016/s0377-2217(02)00227-8. (2003).
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).

Para calcular o índice de consistência (IC) Saaty (1991)SAATY, T.L. Método de Análise Hierárquica. São Paulo, Editora Makron. (1991). determina que uma matriz para ser considerada consistente o seu autovalor máximo deverá ser igual a “n” (dimensão da matriz). Neste caso, é necessário obter o valor n -1 nas comparações paritárias. Sobre esta etapa, Santos et al. (2010) descreve que ela “deve ser realizada se a matriz for considerada consistente, por meio da seguinte equação IC = (λmáx-n) / (n-1), onde n é o número de linhas e colunas da matriz” (SANTOS et al., 2010, p. 7).

Já o cálculo da razão de consistência (RC) demonstra se houve coerência na atribuição dos valores presentes na matriz e nas comparações par a par. Utilizamos a fórmula proposta por Pamplona (1999) e aplicada por Saaty (2001)SAATY, T. L. Decision making with the analytic hierarchy process. International journal of services sciences, v.1, n.1, p.83-98. (2008). na qual o índice pode ser calculado por meio da fórmula RC=IC/CA. Neste caso, a sigla CA é o índice de consistência aleatória (PAMPLONA, 1999). Os autores Santos et al. (2017)SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017)., complementando as informações sobre o RC, afirmam que esses valores devem ser os menores possíveis: “esta requer um valor menor do que 0,1, se o resultado atende o padrão, o cálculo é aceito, caso contrário é necessário melhorar a consistência, por meio da reavaliação das comparações pareadas” (SANTOS et al., 2017, p. 7SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017).). Como exemplo são apresentados os respectivos valores relacionando o número de variáveis e a Razão de Consistência: 1 ≤ 0; 2 ≤ 0; 3 ≤ 0,58; 4 ≤ 0,90; 5 ≤ 1,12; 6 ≤ 1,24; 7 ≤ 1,32; 8≤ 1,41; 9 ≤ 1,45, 10 ≤ 1,49 (SAATY, 1991SAATY, T.L. Método de Análise Hierárquica. São Paulo, Editora Makron. (1991).).

Em complementação à discussão sobre o RC, Marins et al. (2009)MARINS, C. S., SOUZA, D. D. O., & BARROS, M. D. S. O uso do método de análise hierárquica (AHP) na tomada de decisões gerenciais–um estudo de caso. Xli Sbpo, v.1, n. 49, n.p. (2009). consideram que em uma AHP é necessário que a RC de qualquer matriz de comparação seja menor ou igual a 0,10. Para os autores o número maior de variáveis não deve necessariamente ser associado a um valor do RC maior. Das nove matrizes construídas para o presente estudo os RC oscilaram dentro deste parâmetro. Como a matriz proposta é composta por cinco variáveis (“meios de hospedagem”, “equipamentos de A&B”, “acessos”, “atrativos” e “fluxo de turistas”), o IC deve apresentar, no máximo, o valor de 1,12. Entretanto, em todos as matrizes o valor foi muito inferior ao limite, demostrando o fato de as avaliações atenderem aos critérios lógicos propostos para este método.

Tabela 1
Exemplo de matriz de comparação par a par (a tabela consta no banco de dados e é referente ao terrritório de Ilha Grande, primeira do banco de dados).

Na aplicação da metodologia AHP em outros estudos foi observado o mesmo padrão de organização em etapas. A primeira etapa contempla a definição e decomposição do problema, a segunda a construção do um conjunto de matrizes de comparação par a par, a terceira a aplicação da modelagem matemática do método AHP e, a quarta, a avaliação dos resultados (SANTOS et al., 2017SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017).; KOU et al., 2013KOU, G., ERGU, D., PENG, Y., & SHI, Y. A new consistency test index for the data in the AHP/ANP. In: Data Processing for the AHP/ANP (pp. 11-27). Springer, Berlin, Heidelberg. (2013).).

Estabelecida a estrutura hierárquica, a segunda etapa foi a de avaliação com a comparação paritária (par a par) entre os componentes dos territórios turísticos analisados, sendo eles os “meios de hospedagem”, os “equipamentos de A&B”, os “acessos” e o “fluxo de turistas”. Nesta etapa a comparação par a par seguiu a escala composta por valores inferiores a um (1) para variáveis definidas menos importantes: 1/9 (extremamente), 1/7 (bastante), 1/5 (muito) e 1/3 (pouco). As variáveis com pesos maiores têm como valores de referência: 3 (pouco), 5 (muito), 7 (bastante) e 9 (extremamente) (FIGURA 3) (SAATY, 2008SAATY, T. L. Decision making with the analytic hierarchy process. International journal of services sciences, v.1, n.1, p.83-98. (2008).). Apesar de largamente citado em estudos mais atuais como o de Marins et al. (2009)MARINS, C. S., SOUZA, D. D. O., & BARROS, M. D. S. O uso do método de análise hierárquica (AHP) na tomada de decisões gerenciais–um estudo de caso. Xli Sbpo, v.1, n. 49, n.p. (2009). e Islam et al. (2020)ISLAM, M., KASHEM, S., & MORSHED, S. Integrating spatial information technologies and fuzzy analytic hierarchy process (F-AHP) approach for landfill siting. City and Environment Interactions, v.7, n.p, 100045. (2020)., este modelo ainda é o mesmo utilizado por Saaty (1990SAATY, T. L. Decision-making with the AHP: Why is the principal eigenvector necessary. European journal of operational research, v. 145, n.1, p. 85-91. DOI:10.1016/s0377-2217(02)00227-8. (2003).
https://doi.org/10.1016/s0377-2217(02)00...
e 2008SAATY, T. L. Decision making with the analytic hierarchy process. International journal of services sciences, v.1, n.1, p.83-98. (2008).).

Figura 3
Valores aplicados na Matriz de comparação par a par.

A classificação dentro da escala entre “menos importante” e “mais importante” foi realizada englobando como critérios a qualidade (estado de conservação, limpeza e qualidade de atendimento), o custo (se os valores cobrados são relativamente maiores ou menores em relação aos demais empreendimentos do mesmo setor. Classificações disponíveis em plataformas como o Google e o TripAdvisor foram consultadas como fontes de informação complementar, pois agrupam os equipamentos seguindo a mesma lógica adotada: serviços identificados com $ e $$ apresentam baixo custo; $$$ possuem valor intermediário; e $$$$ e $$$$$ têm alto custo) e a disponibilidade (a quantidade, o período de funcionamento e/ou se existe ou não o serviço no território avaliado) de cada variável. Ou seja, para cada território, por exemplo, os meios de hospedagem foram classificados levando-se em consideração a qualidade, os preços cobrados e a disponibilidade desse serviço. Desta forma, podem ser encontrados cenários nos quais existissem poucos hotéis, o serviço tem alto custo e baixa qualidade. Neste caso esta variável é menos relevante que as demais na comparação par a par com valores entre 1/9 e 1/7 (FIGURA 4) em relação às outras variáveis.

Figura 4
Valores aplicados na Matriz de comparação par a par.

Posteriormente, foi efetivada a normalização dos valores relativos atribuídos para cada critério. A análise foi conduzida para cada um dos nove territórios turísticos identificados nos municípios de Ilha Grande, Parnaíba, Luís Correia e Cajueiro da Praia. Nas tabelas apresentadas para a análise dos territórios o sombreado na cor cinza destaca todas as vezes em que o critério é comparado com ele mesmo e o resultado é “1”. Outro aspecto destacado é o espelho das avaliações entre as variáveis, pois os valores relativos quando se compara, por exemplo, “A para B” são também espelhados para o valor de “B para A”. Os resultados para os territórios são, respectivamente, representados nas tabelas do tópico “Avaliação e caracterização dos territórios turísticos do litoral piauiense”.

A atribuição de pesos para cada critério é realizada dividindo-se os elementos de cada coluna pela soma daquela mesma coluna (normalização) e, posteriormente, somando-se os elementos em cada linha resultante e dividindo-se esta soma pelo número de elementos na linha (SAATY, 1991SAATY, T.L. Método de Análise Hierárquica. São Paulo, Editora Makron. (1991).). O valor obtido é o utilizado como referência.

ELEMENTOS PARA A ANALYTIC HIERARCHY PROCESS (AHP) NOS TERRITÓRIOS TURÍSTICOS

Cabe esclarecer que a intenção não é propor um modelo universal para a avaliação de territórios turísticos, pois as variáveis podem (e devem) mudar e a Matriz de comparação pode incluir ou excluir diferentes componentes dependendo da realidade analisada. A seguir, as variáveis são descritas para posterior construção da matriz AHP para cada território, a interpretação dos resultados e a síntese.

MEIOS DE HOSPEDAGEM E EQUIPAMENTOS DE A&B

Ao realizar a “Modelagem do potencial geoturístico dos distritos do município de Ouro Preto -MG” Lima (2015) utilizou como elementos para caracterizar a infraestrutura turística os meios de hospedagem (albergues, hotéis, pousadas, serviços de cama e café, campings, pensões) e segmentos de alimentação (restaurantes, lanchonetes, padarias, mercearias, sorveterias). A autora também destacou aspectos da influência da existência de meios de hospedagem sobre os territórios onde se localizam. Ao descrever o contexto social e territorial de Lavras Novas, distrito de Ouro Preto, em Minas Gerais, local no qual o turismo é a principal fonte de renda, a autora destaca que “os detentores dos meios de hospedagem representam forte poder de influência nas decisões do distrito, além de terem conseguido mais atenção por parte dos governantes com a finalidade de ampliar o desenvolvimento turístico” (LIMA, 2015, p. 07). O método também se assemelha ao utilizado por Matellán et al. (2013) na “Caracterización y análisis de la oferta de los Servicios Complementarios en la red extra hotelera en destinos turísticos” e por Araújo & Ros (2014) no estudo “Possibilidades para o turismo de aventura no litoral do Piauí”.

Os estabelecimentos de A&B e os meios de hospedagem foram, em sua maioria, visitados entre os anos de 2019 e 2020 e tiveram suas informações coletadas por meio de formulário padrão de Inventário Turístico (INVTUR) proposto pelo Ministério do Turismo no Brasil para levantamento do Inventário da Oferta Turística (IOT). As visitas de campo e dados coletados permitiram a avaliação e a atribuição de notas, por território, para essas duas variáveis da matriz AHP.

Os autores Santana et al. (2020)SANTANA, J. C., MARACAJÁ, K. F. B., & MACHADO, P. A. Avaliação de serviços no turismo: um mapa conceitual da teoria à prática. Revista Turismo em Análise, v.31, n.3, p. 499-517. (2020). argumentam sobre a existência de poucas pesquisas a respeito da qualidade de serviços turísticos e que a maioria dos estudos estão relacionados às percepções de clientes. Ainda de acordo com os autores, considerou-se também que a “avaliação da qualidade em serviços turísticos é multifacetada, variável, específica e permite que sejam analisadas muitas variáveis, desde que estejam ligadas ao tipo de serviço em questão” (SANTANA et al., 2020, p. 508SANTANA, J. C., MARACAJÁ, K. F. B., & MACHADO, P. A. Avaliação de serviços no turismo: um mapa conceitual da teoria à prática. Revista Turismo em Análise, v.31, n.3, p. 499-517. (2020).). A atribuição dos pesos para os serviços de A&B e dos meios de hospedagem seguiu, em parte, o modelo descrito por Butnaru et al. (2018)BUTNARU, G. I., MILLER, A., NITA, V., & STEFANICA, M. A new approach on the quality evaluation of tourist services. Economic research-Ekonomska istraživanja, v.31, n.1, p.1418-1436. (2018). e teve como base para avaliar estes serviços turísticos a pesquisa documental, a pesquisa de campo e a análise quantitativa das variáveis de qualidade e preço (SANTANA et al., 2020, p. 508SANTANA, J. C., MARACAJÁ, K. F. B., & MACHADO, P. A. Avaliação de serviços no turismo: um mapa conceitual da teoria à prática. Revista Turismo em Análise, v.31, n.3, p. 499-517. (2020).). Dessa forma, durante os trabalhos de campo realizados foi possível avaliar a qualidade do serviço em escala territorial e comparar com as demais variáveis, sendo elas: os acessos, os equipamentos de A&B, os atrativos turísticos e o fluxo de turistas caracterizados a seguir.

ACESSOS

O sistema de transporte e deslocamentos, aqui denominados “acessos”, é uma variável de grande peso na avaliação do potencial turístico (PIRSELIMOĞLU BATMAN & DEMIREL, 2015PIRSELIMOĞLU BATMAN, Z., & DEMIREL, Ö. Ecology-based tourism potential with regard to alternative tourism activities in Altındere Valley (Trabzon–Maçka). International Journal of Sustainable Development & World Ecology, v. 22, n.1, p.39-49. (2015).) e, por isso, é um dos elementos da matriz de análise dos territórios turísticos. No Piauí o principal corredor turístico (BOULLÓN, 2002; BRASIL, 2009; RAMOS & LOPES, 2013) é a BR 343, via de ligação entre a capital Teresina e o município de Parnaíba. Conforme descreve Ramos & Lopes (2013) é através da BR 343 que ocorrem a maioria dos deslocamentos de turistas no estado realizado principalmente por teresinenses em direção ao litoral.

Até o ano de 2017 esse era também o principal corredor percorrido por turistas nacionais e internacionais que desembarcavam no Aeroporto Senador Petrônio Portella em Teresina e se direcionavam para o Delta do Parnaíba e praias piauienses. Com um voo semanal no aeroporto de Parnaíba (um voo aos sábados oriundo de Campinas, no estado de São Paulo) e dezenas no de Cruz (que atende Jericoacoara e recebe dez voos semanais vindos de: Belo Horizonte – cinco voos, São Paulo – quatro voos, e Recife – um voo) muitos turistas brasileiros e estrangeiros têm chegado até a região sem passar pela capital estadual3 3 Escala de voos no ano de 2020 e 2023. (INFRAERO, 2019). Em março de 2023 foram anunciados pelo governo estadual mais dois voos regulares para Parnaíba nas quintas-feiras e aos domingos oriundos de Belo Horizonte.

A região do litoral piauiense ficou e ainda se encontra “isolada” (SILVA, 2013SILVA, M. M. M. O turismo nas ondas do litoral e das políticas públicas do Piauí. Tese de doutorado em geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais. (2013).; SANTOS et al., 2001). Esta é uma questão histórica, pois a “região foi sempre marginal, distante que estava dos centros econômicos e políticos de suas respectivas províncias” (SILVA, 2013, p. 79SILVA, M. M. M. O turismo nas ondas do litoral e das políticas públicas do Piauí. Tese de doutorado em geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais. (2013).). Sob o mesmo enfoque regional, Martins Filho (2014) reforça a questão do isolamento com entrave ao desenvolvimento do turismo no Polo Costa do Delta ao afirmar que “a precariedade dos investimentos na infraestrutura de transportes, nos serviços básicos e a carência de uma rede de estabelecimentos turísticos têm privado a região de maior desenvolvimento” (MARTINS FILHO, 2014, p. 180). Parnaíba foi definida como um destino com “severas limitações de acesso” em estudo de Santos et al. (2017)SANTOS, M., OLIVEIRA RODRIGUEZ, T., QUINTAL, R. S., COSTA DIAS, F., & REIS, M. F. Emprego de métodos multicritério para apoio à decisão: estudo de caso do site do “Hostel Ocean inn Rio”. CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v.11, n.3, p.87-107. (2017). apontando também a dificuldade de o município ser um “irradiador” de turistas para os municípios vizinhos.

A respeito dos deslocamentos dos turistas para o litoral, Borges (2018)BORGES, V. D. P. C. Política Pública e Planejamento Estratégico do Turismo no Território Polo Costa do Delta: Um Modelo de Desenvolvimento Turístico. Tese de doutorado, Universidade de Coimbra, Portugal. (2018). também reconhece as dificuldades de acesso como um fator limitador, especialmente no caso de Parnaíba, um destino indutor para o turismo regional. Para o autor, dentre os entraves para o desenvolvimento do turismo “destaca-se o difícil acesso, pois somente no ano de 2016 voltaram ao aeroporto da cidade voos nacionais, onde, até então, a viagem rodoviária era principal forma de deslocamento de longa distância” (BORGES, 2018, p. 192BORGES, V. D. P. C. Política Pública e Planejamento Estratégico do Turismo no Território Polo Costa do Delta: Um Modelo de Desenvolvimento Turístico. Tese de doutorado, Universidade de Coimbra, Portugal. (2018).). Com as dificuldades de acesso terrestre descritas existe ainda a expectativa das prefeituras locais na concretização de projetos como o reestabelecimento da linha férrea entre Luís Correia, Parnaíba e Piracuruca para o transporte de moradores e turistas. Em 2020, ano de eleições municipais, foi anunciado o início das obras da ferrovia e a compra de um trem de passageiros. Mas, passadas as eleições, pouco se sabe dos custos e do cronograma da obra. O Aeroporto Internacional de Parnaíba Prefeito Dr. João Silva Filho sofre com a subutilização pela empresa Azul Linhas Aéreas Brasileiras com um único voo aos sábados. Para o ano de 2020 existia a previsão de ampliação para cinco voos semanais, mas o que ocorreu foi o aumento de um para dois voos semanais.

Além dos dados secundários sobre as vias e as formas de acesso do turista ao litoral piauiense foram realizados trabalhos de campo em todos os principais modais, sendo eles o aeroporto e as rodoviárias. Os trechos entre os municípios foram percorridos diversas vezes entre os anos de 2019 e 2020, bem como traslados pelos aeroportos de Cruz (Ceará) e Parnaíba (Piauí). Os deslocamentos para Barreirinhas (Maranhão) e Jericoacoara (Ceará) também fizeram parte dos trabalhos de campo para avaliar a conectividade entre os municípios piauienses e os demais destinos da Rota das Emoções4 4 A Rota das Emoções é considerada um dos cinco roteiros turísticos pioneiros no planejamento de Roteirização Turística do Brasil, coordenado pelo Ministério do Turismo. Fazem parte da Rota das Emoções quatorze municípios, sendo cinco no estado do Ceará (Barroquinha, Camocim, Chaval, Cruz e Jijoca de Jericoacoara), cinco do Maranhão (Barreirinhas, Paulino Neves, Araioses, Tutóia e Santo Amaro) e quatro do Piauí (Parnaíba, Luís Correia, Cajueiro da Praia e Ilha Grande) (PUTRICK, 2019). . A comparação par a par foi realizada conforme disposto no diagrama comparativo entre o grau de relevância da variável acessos para cada território em relação aos meios de hospedagem, equipamentos de A&B, atrativos turísticos e fluxo de turistas.

ATRATIVOS TURÍSTICOS

A avaliação dos atrativos turísticos aplicada na AHP seguiu os parâmetros do Ministério do Turismo (BRASIL, 2007) adaptado da Organização Mundial de Turismo (OMT) e do Centro Interamericano de Capacitação Turística (CICATUR). O procedimento foi o mesmo aplicado durante a realização do Plano Integrado do desenvolvimento Integrado do turismo sustentável Polo Costa do Delta, em 2010 (PDITS Costa do Delta, 2010) e por Dantas & Melo (2011). Foram utilizados, em visitas técnicas durante os anos de 2019 e 2020, os mesmos critérios na avaliação dos atrativos naturais e culturais, sendo eles: o Potencial de atratividade; o Grau de uso atual; a Representatividade; o Apoio local e comunitário; o Estado de Conservação da paisagem do entorno; a Infraestrutura e o Acesso. A avaliação detalhada foi apresentada por Braga et al, (2022)BRAGA, S. S., GUZZI, A., PERINOTTO, A. R. C., & MALTA, G. A. P. Análise da atratividade turística do litoral piauiense: atualização da avaliação dos atrativos turísticos, entre 2010 e 2020. Revista Turismo em Análise, v. 33, n.1, p.29-49. (2022). no estudo “Análise da Atratividade Turística do Litoral Piauiense: atualização da avaliação dos atrativos turísticos entre 2010 e 2020” e esses são os dados que subsidiaram a comparação par a par apresentada.

FLUXO DE TURISTAS

O turismo foi abordado como uma atividade econômica provocadora e/ou materializada por meio de uma série de transformações espaciais (FRATUCCI e MORAES, 2020FRATUCCI, A. C., & MORAES, C. C. A. Inventário da oferta turística: Reflexões teóricas para o planejamento e ordenamento do espaço turístico. Caderno Virtual de Turismo, v. 20, n.1, n.p. (2020).). Nesse aspecto, Borges (2014) entende o turismo como um fator “dinamizador” da economia em muitas comunidades. Mas, também produz processos de desterritorialização e a reterritorialização, gerando novas configurações do espaço que, por vezes, ser tornam permanentes, assim como o surgimento de territorialidades (BORGES, 2014; HAESBAERT, 2010).

Ao adotarmos como conceito básico o espaço geográfico, considerou-se sua composição por elementos fixos e fluxos (SANTOS, 2002) e o fato de as relações humanas acontecerem e produzirem os territórios turísticos neste mesmo espaço. Santos (2002) propõe que estruturas fixas e fluxos compõem um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e ações responsáveis pelas formas e dinâmicas formadoras do espaço geográfico (BRAGA & GONTIJO, 2011). O espaço não é um objeto ou uma mercadoria, nem sequer um instrumento (PUTRICK, 2019PUTRICK, S. C. O turismo na rota das emoções e no desenvolvimento socioeconômico de municípios do estado do Piauí. Tese de doutorado em Geografia. Universidade Federal do Paraná. (2019).). O espaço não é apenas o local da produção de coisas, mas é também área da reprodução das relações sociais. Nesta reprodução das relações sociais estão incluídos o espaço urbano, os espaços dos lazeres, os espaços educativos, os espaços da cotidianidade e de turismo (LEFÉBVRE, 2006).

Dessa forma, as características e a intensidade do fluxo turístico constituem elementos fundamentais para a caracterização dos territórios turísticos. No relatório sobre a avaliação ambiental estratégica do Programa Regional de Desenvolvimento do Turismo (PRODETUR) no estado do Piauí – Polo Costa do Delta, a questão de massificação do turismo já era citada: “o perfil do turista consumidor do produto turístico do Polo é, na sua maioria, composto pelo visitante de massa que busca o turismo de sol e praia como atividade de lazer” (BRASIL, 2010, p. 107). Além deste modelo refletir o público encontrado na região estudada ele evita que a pesquisa se perca na infinidade de segmentações e subdivisões possíveis. Outro aspecto é entender o turismo de massa e sazonal como atividade insustentável e em descompasso com o ambiente local. O Piauí, mais especificamente o seu litoral, necessita que o turismo seja desenvolvido respeitando suas características culturais, sociais e fragilidades ambientais. Os valores utilizados para avaliar o fluxo de visitantes estão descritos em Braga (2020) e foram validados por trabalhos de campo na região.

AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS TURÍSTICOS DO LITORAL PIAUIENSE

Com base na metodologia descrita, cada território foi analisado por meio da AHP. A partir desta abordagem foi possível observar que, na maioria dos territórios, os resultados são coerentes com outros estudos realizados nas mesmas áreas nos quais a atividade turística foi abordada.

Na tabela síntese (TABELA 2) foram destacadas, por território, as variáveis com maior e menor representatividade. Com os dados agrupados é factível uma ideia do conjunto regional. Quando comparados, entre os territórios, os valores atribuídos para “Meios de hospedagem”, “A&B”, “Acessos”, “Atrativos” e “Fluxo turístico”, existe elementos para subsidiar a identificação dos pontos positivos (melhor avaliados, em verde) e os negativos (menores notas, em vermelho) em escala regional. As notas mais altas, em verde, mostram as variáveis com melhor desempenho e as em vermelho demostram os setores com maiores fragilidades em cada território. Este é um fator que explica a adoção da AHP para análise territorial e tomada de decisão, pois os gestores podem definir ações para sanar os problemas dos setores com pior desempenho e/ou para potencializar as áreas melhor avaliadas.

Tabela 2
Síntese AHP dos territórios turísticos.

Mesmo em uma primeira análise é possível notar como o fluxo turístico e as formas de acesso tiveram, na maioria dos territórios, as menores notas. Os aspectos relacionados com a oferta turística “Meios de hospedagem”, “A&B” e “Atrativos” receberam as maiores notas em todos os nove territórios. Por exemplo, as pontuações para “A&B” foram as mais altas nas sedes de Parnaíba (PHB), Luís Correia (LC) e Cajueiro da Praia (CaP). Ao compararmos as descrições e matrizes AHP realizadas individualmente a análise conjunta dos territórios se mostra coerente. Alguns exemplos são territórios vizinhos como Ilha Grande (IG) x Pedra do Sal (PeS) e Barra Grande (BG) x Barrinha (Bar), nos quais a variável “Atrativos turísticos” obteve a maior avaliação relativa entre os territórios. No primeiro caso, Ilha Grande x Pedra do Sal, além da proximidade de atrativos como o acesso ao Delta do Parnaíba e praia da Pedra do Sal, é necessário enfatizar como a infraestrutura turística é precária nesses dois territórios. Assim, foi natural que os atrativos turísticos se sobressaíssem pelo grau de importância e os serviços tivessem uma pontuação relativamente mais baixa. Os serviços nos dois territórios são considerados de baixo custo quando comparados com demais territórios. Já em Barra Grande e Barrinha os atrativos tiveram destaque, mas com notas não muito distantes das atribuídas aos serviços de hospedagem e de A&B, que possuem custo entre médio e alto.

Quando comparados em conjunto os valores atribuídos aos meios de hospedagem em Ilha Grande e Pedra do Sal foram os menores em relação aos nove territórios. Os equipamentos de hospedagem nos dois territórios são poucos, de baixo custo e de baixa qualidade quando comparados com os demais territórios do litoral. Neste mesmo item Macapá e Maramar (MaM), Coqueiro (Coq) e Barrinha (Bar) tiveram os maiores valores. Nos três territórios os serviços possuem maior qualidade e os preços cobrados também são maiores na comparação entre os demais territórios. As descrições dos territórios e os quantitativos dessas estruturas em cada um deles se mostram extremamente coerentes.

A proximidade geográfica poderia explicar, em parte, as avaliações sobre os meios de hospedagem e o fluxo turístico de Ilha Grande e da Pedra do Sal serem os menos importantes. Nos dois territórios o fluxo de visitantes que passam pela área não se reverte em desenvolvimento econômico. O trânsito de excursionistas realizando atividades massificadas em Ilha Grande e na Pedra do Sal, quando comparado com os outros territórios, se mostrou bem menos vantajoso para o destino turístico e muito mais impactante social e economicamente quando comparamos as realidades dos outros territórios. Os territórios de Ilha Grande e da Pedra do Sal recebem os impactos negativos do turismo como o lixo e a pressão na infraestrutura básica (água, esgoto, coleta de lixo, segurança pública, serviços de saúde), mas não recebem os impactos positivos como a geração de empregos na rede hoteleira, no setor de A&B e de animação turística, conforme apontam em estudos realizados na mesma região por Silva (2013)SILVA, M. M. M. O turismo nas ondas do litoral e das políticas públicas do Piauí. Tese de doutorado em geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais. (2013)., Borges (2018)BORGES, V. D. P. C. Política Pública e Planejamento Estratégico do Turismo no Território Polo Costa do Delta: Um Modelo de Desenvolvimento Turístico. Tese de doutorado, Universidade de Coimbra, Portugal. (2018)., Rocha (2017), Putrick (2019)PUTRICK, S. C. O turismo na rota das emoções e no desenvolvimento socioeconômico de municípios do estado do Piauí. Tese de doutorado em Geografia. Universidade Federal do Paraná. (2019). e Braga (2021)BRAGA, S. S. Caracterização e avaliação dos territórios e atrativos turísticos do litoral piauiense. Tese de doutorado em desenvolvimento e meio ambiente. Universidade Federal do Piauí. (2021)..Já no Coqueiro e no território vizinho formado pelas praias de Macapá e Maramar o fluxo turístico também foi o menos relevante, mas por outros motivos. Nesses dois territórios, apesar da existência de diversos empreendimentos turísticos, a maior parte do fluxo de pessoas é de visitantes com segunda residência no local e, desta forma, o fluxo permanece constante e possui características diferentes do turista convencional. A exemplo disso, durante a pandemia de CODIV-19 iniciada em 2020, o fluxo de pessoas aumentou nos dois territórios, pois vários dos proprietários (grupo formado majoritariamente por teresinenses) decidiram passar o período de quarentena em Luís Correia.

Conforme descrito por Peral et al. (2009)PERAL, F. J. B., CASAS, F. M. G., & OYOLA, M. L. La localización espacial en la planificación del turismo rural en Andalucía: un enfoque multicriterio. Revista de estudios regionales, v. 84, p.83-113. (2009). para realizar ações e planejamento os “serviços turísticos básicos” (meios de hospedagem e A&B) são considerados os elementos mais importantes. Os mesmos autores definiram como oferta turística secundária, ou complementar, os atrativos turísticos e as atividades de lazer. As matrizes produzidas, na maioria das vezes, estiveram de acordo com Peral et al. (2009)PERAL, F. J. B., CASAS, F. M. G., & OYOLA, M. L. La localización espacial en la planificación del turismo rural en Andalucía: un enfoque multicriterio. Revista de estudios regionales, v. 84, p.83-113. (2009). e em apenas “Pedra do Sal” os meios de hospedagem e A&B não figuraram entre os dois critérios mais relevantes, pois a atividade turística ainda é pouco desenvolvida. Nesse território existe uma visitação de excursionistas realizada em grande parte por moradores de Parnaíba, porém os serviços de A&B ainda são precários e os meios de hospedagem incipientes. É possível considerar que a quantidade e a qualidade dos meios de hospedagem e A&B presentes no território seja um impacto positivo do turismo, pois essa presença também pode se refletir na geração de empregos para os moradores locais.

CONCLUSÃO

O método AHP se mostrou eficiente para a avaliação do desenvolvimento da atividade turística nos territórios do litoral piauiense. Apesar de pouco utilizado no Brasil, o método se mostra coerente para abranger a complexidade encontrada nos territórios usados pelo turismo nos quatro municípios costeiros de Ilha Grande, Parnaíba, Luís Correia e Cajueiro da Praia. Esta é uma das poucas pesquisas que aplicaram a AHP para análise territorial da atividade turística. Assim, esperamos introduzir métodos de pesquisa sobre o impacto do turismo com a utilização de metodologias menos subjetivas.

A AHP, quando conciliada com a análise cartográfica, dados de inventário da oferta turística e avaliação dos atrativos, proporciona elementos consistentes para o diagnóstico da atividade turística em escala local e regional.Por meio da descrição dos territórios foram observadas a relações dialógicas entre as características de cada fragmento e o “todo” regional que forma o litoral piauiense. As características territoriais de cada porção da costa, ao não receber ações de planejamento, de gestão e de estruturação catalisam o processo de fragmentação, pois as desigualdades locais preexistentes se refletem na organização espacial de cada um dos territórios turísticos.

Já nos territórios mais pobres e com o acesso mais difícil se mostram como áreas nas quais o turismo se configura como uma atividade massificada e de baixo desempenho econômico, como na Pedra do Sal e em Ilha Grande. Esse cenário contrasta com os territórios utilizados por moradores e turistas de classe média como em Barrinha, Barra Grande, Coqueiro, Macapá e Maramar, uma vez que apresentam um ordenamento espacial e estético característico de espaços turísticos melhor estruturados e mais desenvolvidos economicamente. Logo, se faz necessário adotar medidas para a melhoria da infraestrutura básica e turística dos territórios usados pelo turismo, mas, sobretudo, com baixo desempenho.

O estudo evidencia os problemas com a infraestrutura básica como vias de acesso, segurança e saneamento básico nos territórios. Em contraponto, também fica claro que existem atrativos turísticos e serviços com potencial para tornar o litoral piauiense um destino turístico competitivo. Por meio da AHP é possível constatar que um dos motivos do potencial turístico dos atrativos naturais e culturais do Piauí ainda não serem utilizados como mecanismo para dinamizar a economia local e se converter em desenvolvimento abrange os problemas relacionados com a falta ou precariedade da infraestrutura básica. Os aspectos negativos mais evidentes foram as dificuldades relacionadas com o sistema de transporte e vias de acesso, fazendo com que seja difícil e dispendioso se deslocar para e ao longo das praias e atrativos naturais da costa piauiense.

Essa informação chama a atenção para que as futuras políticas públicas de turismo nos municípios sejam realizadas de forma mais individualizada para cada território. Ações genéricas para a região como o “Polo Costa do Delta” acabam considerando o litoral do Piauí como um espaço homogêneo e, logo, sem os latentes conflitos e desigualdades existentes entre os territórios usados pelo turismo. É necessário, pelo menos enquanto o turismo for considerado como a atividade econômica “salvadora” e provedora do desenvolvimento, conforme concepção política que orienta a atividade em âmbito local e regional, que os territórios negligenciados pelo turismo sejam incorporados nas políticas públicas de turismo. Como os atrativos turísticos e territórios com maior potencial se encontram, na sua maioria, negligenciados é possível que um maior investimento nestas áreas traga novas perspectivas para o turismo no litoral piauiense.

Apesar dos problemas apresentados, o turismo não pode ser considerado como algo negativo para a região estudada. O que se destacou após o tratamento dos dados da análise realizada foi o grande potencial dos atrativos naturais, culturais e as inúmeras possibilidades de uso para o turismo que eles proporcionam. Este potencial justifica o sentimento de “atraso” que existe na região em relação ao turismo, pois fica evidente a latência das potencialidades para o desenvolvimento do turismo “esperando” para serem utilizadas.

NOTAS

  • 1
    Nesta pesquisa optou-se pelo uso do termo e sigla em inglês, uma vez que esta é a forma mais encontrada nas referências bibliográficas consultadas.
  • 2
    Sobre a gestão passada do turismo brasileiro (2019 - 2022), a professora e pesquisadora Rita de Cássia Ariza da Cruz descreve em entrevista para o jornal Le Monde (14/10/2020) um panorama do cenário em 2020: https://diplomatique.org.br/para-que-e-a-quem-serve-o-ministerio-do-turismo/
  • 3
    Escala de voos no ano de 2020 e 2023.
  • 4
    A Rota das Emoções é considerada um dos cinco roteiros turísticos pioneiros no planejamento de Roteirização Turística do Brasil, coordenado pelo Ministério do Turismo. Fazem parte da Rota das Emoções quatorze municípios, sendo cinco no estado do Ceará (Barroquinha, Camocim, Chaval, Cruz e Jijoca de Jericoacoara), cinco do Maranhão (Barreirinhas, Paulino Neves, Araioses, Tutóia e Santo Amaro) e quatro do Piauí (Parnaíba, Luís Correia, Cajueiro da Praia e Ilha Grande) (PUTRICK, 2019PUTRICK, S. C. O turismo na rota das emoções e no desenvolvimento socioeconômico de municípios do estado do Piauí. Tese de doutorado em Geografia. Universidade Federal do Paraná. (2019).).

REFERÊNCIAS

  • ALVARES, D. F., DALONSO, Y. D. S., & LOURENÇO, J. M. Modelos de Avaliação de Destinos Turísticos: concepção e aplicabilidade. Revista Turismo em Análise – RTA, v. 30, n. 1, p.1-23, jan./abr. (2019).
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Editado por

Editores Responsáveis
Alexandra Maria Oliveira
Alexandre Queiroz Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2022
  • Aceito
    09 Mar 2023
  • Publicado
    30 Mar 2023
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