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O preço e o valor do tratamento da osteoporose

CARTAS AO EDITOR

O preço e o valor do tratamento da osteoporose

Sergio Ragi Eis

CEDOES - Diagnóstico e Pesquisa da Osteoporose

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Sergio Ragi Eis Rua João da Silva Abreu 78 Praia do Canto 29055-450 - Vitória, ES

A PREOCUPAÇÃO COM OS CUSTOS dos tratamentos de enfermidades crônicas tem ocupado um capítulo importante da política de saúde brasileira. Desde o governo anterior e, ainda mais no presente, o uso de medicamentos genéricos tem sido defendido e estimulado.

Entende-se por medicamentos genéricos aqueles que são disponibilizados no mercado, após o período de expiração das patentes internacionais dos produtos originais, e que apresentem estudos de bioequivalência e biodisponibilidade que atestem eficácia e segurança comparáveis às do produto original.

Contudo, a plena compreensão desses detalhes acima é, freqüentemente, ofuscada pela nossa realidade econômica que abre espaços para medicamentos denominados "similares" que, para fazer jus a este título ostentam, unicamente, alguns papéis e carimbos versando sobre sua regularidade fiscal e tributária, além de certificados de origem duvidosa dos sais utilizados. Não dispõem, lamentavelmente, de ensaios de farmacodinâmica e, muito menos, de estudos clínicos que confirmem sua eficácia e segurança.

Estudos (1-6) têm avaliado e comparado a eficácia e a segurança de medicamentos denominados "similares", deixando claro que, em muitos casos, a equivalência esperada não é a regra e que, sobretudo, riscos adicionais são esperados com o emprego desses.

Dentre o grupo de doenças crônicas onde medicamentos ditos similares têm sido disponibilizados, a osteoporose se destaca pela sua prevalência e notórias repercussões clínicas. Novos agentes antireabsortivos demonstraram, em estudos clínicos de longo prazo, desenhados e realizados segundo elevados níveis da hierarquia científica, serem capazes de produzir ganhos de densidade mineral óssea e, ainda mais importante, reduzir a ocorrência cumulativa de fraturas quando comparados a grupos controle (7-9).

Dentre esses medicamentos, o alendronato de sódio (marca original: Fosamax®, do laboratório Merck Sharp & Dohme), substância do grupo dos bisfosfonatos, se destaca pelo tempo de experiência clínica já acumulada e, até por isso, pelo número de "similares" já introduzidos no mercado brasileiro e latino-americano.

Os bisfosfonatos são, por natureza, pobremente absorvidos quando administrados por via oral. Ensaios clínicos realizados demonstraram que, mesmo após jejum de 2 horas, seu perfil de absorção oral era significativamente prejudicado, sendo necessário jejum de, no mínimo, 8 horas ou mais além de sua manutenção por, pelo menos, 30 minutos para que sua absorção e efeitos sejam os esperados (10).

A biodisponibilidade e absorção dos bisfosfonatos podem depender da sua fabricação, formulação e demais características do comprimido, em diferentes níveis. A presença de comida ou outras substâncias (além da água) reduz a biodisponibilidade dos bisfosfonatos.

Também aprendemos, com os estudos clínicos, que os bisfosfonatos orais podem aumentar o risco de eventos adversos ao nível do esôfago, o que faz das condições de administração, desintegração, dissolução e absorção características extremamente importantes para que sua eficácia seja garantida e, ainda mais, para que os pacientes não sejam expostos a riscos desnecessários.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (5), " para formas genéricas orais, estudos de bioequivalência contra o produto original são requeridos, exceto quando comparações de dissolução in vitro forem comprovadamente suficientes".

Recentemente, tivemos a oportunidade de participar de um estudo (11) que comparou o tempo de desintegração de 13 "similares" disponíveis em vários países latino-americanos, dentre os quais dois em comercialização no Brasil.

Define-se desintegração como o processo físico através do qual um comprimido de fragmenta em finas partículas. Neste estudo, o tempo de desintegração foi medido, in vitro, através de um procedimento padrão da "Farmacopéia Norte-americana", aprovado pelo FDA (Food and Drugs Administration), realizado em solução aquosa padrão à 37ºC, utilizando-se várias amostras de diferentes lotes de cada cópia avaliada.

O tempo médio de desintegração do medicamento original, medido em 4 dias diferentes e em lotes distintos do medicamento foi de 86 (±11,8) segundos.

Para uma das cópias brasileiras (Cópia 1) observou-se tempo de desintegração médio 2,5 vezes menor e, para a outra (Cópia 2), o tempo médio de desintegração foi até 22 vezes maior.

Considerando-se as características abordadas de absorção, eficácia e segurança clínica do alendronato de sódio, essas diferenças observadas (Tabela 1) podem determinar, em princípio:

1. Para a Cópia 1, que teve seu processo de desintegração ao redor de 32 (± 4,7) segundos, pode-se imaginar que sua defragmentação pode ocorrer ainda durante o trajeto do comprimido ao nível do esôfago. Evidentemente que os riscos de irritação da mucosa esofágica, erosão e, até mesmo, úlceras será superior, além de poder prejudicar o perfil de absorção do medicamento;

2. Para a Cópia 2, com perfil de desintegração médio de 21 (± 0,9) minutos; chegando até a 46,5 minutos; uma vez que a absorção dos bisfosfonatos se dá ao nível da porção proximal do intestino delgado, pode-se inferir que sua absorção estará, em muito, prejudicada, uma vez que o princípio ativo não estará em condições de ser absorvido durante sua passagem na porção do intestino onde isso ocorre. Além disto os 30 minutos de jejum recomendados, após a ingestão do comprimido, seguramente não seriam suficientes.

Muitas são as outras características dos medicamentos que podem interferir nas suas equivalências em relação aos produtos originais. A forma, revestimento e desenho dos comprimidos e cápsulas, o excipiente e outras substâncias empregadas na formulação, a pureza (origem) do sal ativo, quantidade do princípio ativo no comprimido, dentre outros.

Tendo isso em mente e baseando-se nos resultados apresentados e, ainda mais, em atenção às recomendações da Organização Mundial da Saúde para medicamentos genéricos (5), torna-se imperativo o estabelecimento de exigências específicas e rígidas para que medicamentos possam ser considerados "equivalentes" aos originais.

Ao médico cabe reconhecer que uma prescrição é, em verdade, um aval ao medicamento prescrito quanto à sua eficácia e, não menos importante, sua segurança. O evento adverso ou a não eficácia de um medicamento, sob esse ponto de vista, deverão ser considerados iatrogenias. Assim, a exigência de estudos de bioequivalência e, até mesmo, de evidências clínicas de eficácia e segurança, deve começar por quem assume a responsabilidade por suas prescrições – nós médicos.

Aos pacientes, cabe o reconhecimento de que o valor do tratamento se mede pelo custo do medicamento, aliado a sua eficácia e segurança. A observação, simplista, de que medicamentos são mais baratos sem o cuidado de se observar seu nível de eficácia (e segurança) clínica pode conduzir a tratamentos muito mais caros, mesmo com medicamentos de preços mais baratos. A velha teoria de que muitas vezes o barato sai caro se aplica.

Aos profissionais de farmácia cabe um maior compromisso com tais questões técnicas e evitarem o procedimento, ainda freqüente no Brasil, de estimular o uso de medicamentos apenas pelo preço, não dando a devida atenção às evidências científicas, muitas vezes em detrimento do medicamento originalmente prescrito.

Reconhecer a necessidade de se baixar custos dos medicamentos para permitir acesso aos tratamentos é tarefa de todos, mas a atenção aos princípios científicos que norteiam a prática não pode ser ofuscada. O custo do tratamento de uma fratura osteoporótica pode ser, de longe, muito maior do que o do tratamento da osteoporose. Se faltarem recursos para o custeio de tratamentos comprovadamente eficazes, estes também não serão disponíveis para o tratamento das fraturas não prevenidas e, ainda mais, das iatrogenias produzidas por medicamentos de segurança e eficácia duvidosas.

REFERÊNCIAS

1. Bailey RT Jr, Bonavina L, McChesney L, Spires KJ, Muilenberg MI, McGill JE, et al. Factors influencing the transit of a gelatin capsule in the esophagus. Drug Intell Clin Pharm 1987;21:282-5

2. Channer KS, Virjee JP. The effect of formulation on oesophageal transit. J Pharm Pharmacol 1985;37:126-9.

3. Perkins AC, Wilson CG, Blackshaw PE, Vincent RM, Dansereau RJ, Juhlin KD, et al. Impaired esophageal transit of capsule versus tablet formulations in the elderly. Gut 1994;35:1363-7.

4. Marvola M, Vahervuo K, Sothmann A, Marttila E, Rajaniemi M. Development of a method for study of the tendency of drug products to adhere to the esophagus. J Pharm Sci 1982;71:975-7.

5. Videau J-Y. Making medicines safe. Bull World Health 2001;79:87.

6. Rägo L. Ensuring access to drug products that are of acceptable quality. WHO Pilot Procurement Quality and Sourcing prequalification') project. WHO Web Site:

http://www.who.int/medicines/organization/par/briefing/

9prequalification.ppt

7. Liberman UA, Weiss SR, Broll J, Minne HW, Quan H, Bell NH, et al. Effect of oral alendronate on bone mineral density and the incidence of fractures in postmenopausal osteoporosis. The Alendronate Phase III Osteoporosis Treatment Study Group. N Engl J Med 1995;333:1437-43.

8. Devogelaer JP, Broll H, Correa-Rotter R, Cumming DC, De Deuxchaisnes CN, Geusens P, et al. Oral alendronate induces progressive increases in bone mass of the spine, hip, and total body over 3 years in postmenopausal women with osteoporosis. Bone 1996;18:141-50.

9. Tonino RP, Meunier PJ, Emkey R, Rodriguez-Portales JA, Menkes CJ, Wasnich RD, et al. Skeletal benefits of alendronate: 7 year treatment of postmenopausal osteoporotic women. J Clin Endocrinol Metab 2000;85:3109-15.

10. Fosamax Prescribing Information. Physicians' desk reference, 55th ed. Montvale, NJ: Medical Economics Co; 2001:1930-6.

11. Epstein S, Cryer B, Ragi S, Zanchetta JR, Walliser J, Chow J, et al. Disintegration/ dissolution profiles of copies of Fosamax (alendronate). Curr Med Res Opin 2003;19(8):781-89.

  • Endereço para correspondência
    Sergio Ragi Eis
    Rua João da Silva Abreu 78
    Praia do Canto
    29055-450 - Vitória, ES
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004
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