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Dra. Françoise Minkowska

In memoriam

Dra. Françoise Minkowska

De origem polonêsa, nasceu em Moscou em 22 de janeiro de 1882, tendo feito estudos secundários no Liceu de Varsóvia, estudos médicos em Zurich, em cuja Universidade se doutorou em 1907. Em 1909, foi diplomada pelo Estado de Kazan. Em 1915, mudou-se para a França e seguiu seu marido, que se alistara como voluntário no exército francês durante a primeira guerra mundial. Desde então, sua vida e suas atividades cientificas passaram-se na França. Era membro da Société Médico-Psychologique, da Société de Psychologie e da Société d'Esthétique; membro fundador e antigo presidente do Groupe de l'Évolution Psychiatrique.

Sua atividade psiquiátrica iniciou-se na Suíça, no asilo de Zurich, sob a direção de Bleuler, tendo, por primeiro objetivo, pesquisas sôbre a hereditariedade das doenças mentais. Com o correr dos anos, Mme. Minkowska conseguiu, remontando até à metade do século XVIII, reconstituir as árvores genealógicas de duas famílias de lavradores suíços, uma saída de um epiléptico e outra de um esquizofrênico, e obter informações precisas sôbre todos os membros dessas famílias, por meio de visitas diretas aos seus membros vivos. Essas pesquisas genealógicas permitiram pôr em relêvo dados de primeira grandeza e, particularmente, o papel do fator de regenerecência, capaz de contrabalançar o da degenerecência e de combater eficazmente o mal, pelas vias de que dispõe a natureza. Estas observações levaram Mme. Minkowska a tomar uma posição definida contra a lei da esterilização, de inspiração nazista, particularmente no Congresso Internacional de Higiene Mental (Paris, 1937), ocasião em que esta lei foi defendida pelo representante da psiquiatria alemã, Rüdin. Ao mesmo tempo, Mme. Minkowska, enriquecendo o capítulo da tipologia constitucional, descreveu uma nova constituição: a constituição epileptóide ou gliscróide, que veio tomar lugar ao lado da esquizóide e da ciclóide, já descritas por Kretschmer.

A descrição desta nova constituição, assim como os estudos sôbre os caracteres psicopatológicos das perturbações mentais de natureza epiléptica determinaram, na segunda etapa dos seus trabalhos científicos, uma patografia, surgida em 1932, na Evolução Psiquiátrica ("Van Gogh, sua vida, sua moléstia, sua obra"), estudo que marcou época. Ao contrário das patografias psicanalíticas baseadas, em primeiro lugar, nos complexos e conteúdos, ao contrário também das patografias puramente médicas que estudavam unicamente as moléstias de que podiam ser atingidos os grandes homens, na obra de Mme. Minkowska os fatôres de ordem formal (o mundo das formas) foram colocados em primeiro plano. Êsses fatôres se encontram na estrutura, tanto das constituições particulares e das síndromes mentais em ligação com as constituições, como em certas obras de arte, sem que êles tenham comprometido o valor pictural destas, nem a própria criação, na sua essência. Trata-se somente desta "visão do mundo" particular que se encontra tanto na vida como na doença e na obra dos autores patografados.

Para o estudo mais aprofundado dêste mundo de formas era necessário um método. Foi então que Mme. Minkowska - o que constitui a terceira etapa de suas pesquisas - recorreu ao teste de Rorschach, para o qual, ainda uma vez, contribuiu com uma nota muito pessoal e original, pois ela adaptava êsse teste, proposto por Rorschach em 1920, às necessidades da clínica e da tipologia cons- titucional contemporâneas, dando grande importância às expressões de base, isto é, à linguagem, sobretudo no seu significado metafórico; dessa forma, Mme. Minkowska se mantinha em estreito acôrdo com as tendências modernas, que utilizam a linguagem para o estudo da estrutura da vida, tanto nas suas manifestações normais quanto nas patológicas.

Os últimos anos da vida de Mme. Minkowska foram consagrados aos desenhos infantis, nova expressão gráfica do mesmo mundo das formas, isto é, das diversas modalidades de visão do mundo das formas em função dos dados da tipologia constitucional. Prolongando a oposição da constituição esquizóide e da constituição epileptóide em direção da normalidade, ela chegou a precisar os caracteres essenciais do tipo racional (esquizóide) de uma parte e do tipo sensorial (epileptóide) de outra. Êsses mesmos caracteres se encontram no teste de Rorschach. E' significativo verificar a afinidade que pode existir, sob êsse ponto de vista e pôsto de lado o aspecto pictural, entre os desenhos pouco hábeis das crianças e as telas dos grandes pintores do mesmo tipo constitucional. Estas pesquisas acabaram por encontrar sua expressão mais viva em uma exposição organizada no Museu Pedagógico (abril de 1949), acompanhada de um guia-catálogo ilustrado ("De Van Gogh e Seurat aos desenhos infantis"), verdadeira obra. Nova exposição foi organizada em Paris, em setembro de 1950, por ocasião do I Congresso Internacional de Psiquiatria, tendo, como a precedente, grande sucesso.

Em 15 de novembro de 1950, quase repentinamente, Mme. Minkowska foi roubada à afeição dos seus familiares e de todos que a conheceram e amaram. A morte punha fim àquela pesquisa executada sempre com tanto entusiasmo, ardor, fé e dedicação aos valores humanos, interrompendo grande quantidade de projetos para pesquisas ulteriores e sem número de trabalhos deixados inacabados, alguns dos quais ainda poderão ser completados por alunos dedicados. A obra e a imagem de Mme. Minkowska ficarão na lembrança dos psiquiatras que a conheceram pessoalmente, ou por intermédio dos seus trabalhos, como um símbolo de esfôrço e de tenacidade para o progresso da Psiquiatria e da Psicologia.

Mario Yahn

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1952
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