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Performances de gênero na umbanda: a pombagira como interpretação afro-brasileira de "mulher"?

Gender performances in umbanda: the pombagira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"?

RESUMO

Este artigo investiga a pombagira, entidade feminina do panteão umbandista que contesta estereótipos de gênero e oferece à comunidade afro-brasileira possibilidades de elaborar a maneira como compreendem o "feminino" e a "mulher". Com base em pesquisa etnográfica desenvolvida em seis terreiros de umbanda do estado de São Paulo, entrevistas com mulheres médiuns e com as suas próprias pombagiras, argumenta-se que quando damos ouvidos ao campo sem nos prendermos a preconcepções de masculino e de feminino, o que se encontra é uma reconfiguração das qualidades associadas ao "ser mulher". Os dados foram analisados mediante atenção aos significantes que se repetiram nas entrevistas e na interação em campo discutidos a partir dos estudos de gênero.

PALAVRAS-CHAVE:
Gênero; umbanda; performance; pombagira; etnopsicanálise

ABSTRACT

The pombagira, a female entity in the umbanda pantheon, contest gender stereotypes and offers to the african-brazilian community opportunities to develop the way they understand the "feminine" and the "woman". Based on an ethnographic study developed at six terreiros in São Paulo State and interviews with female mediums and their own pombagiras, it is argued that, when we hear the field without hanging on to male and female prejudices, what we find is a reconfiguration of the qualities associated with "being a woman". Data were analyzed through attention to the signifiers repeated in the interviews and in the field interaction and interpreted based on contemporary developments in gender studies.

KEYWORDS:
Gender; umbanda; performance; pombagira; ethnopsychoanalisis

INTRODUÇÃO1 1 O argumento deste artigo baseia-se em resultados do trabalho de pós-doutorado e da tese de doutorado da primeira autora da qual o segundo autor foi o orientador. Apoio: Fapesp e Capes.

A umbanda se configura como um campo particularmente interessante na área de pesquisa psicossocial na medida em que o mundo dos deuses costuma refletir com maestria os humanos que se lhes devotam. Congregando contribuições heterogêneas, o culto se apresenta plural, dinâmico e abarca uma diversidade de guias espirituais que "são preciosas referências sobre nossa sociedade - em especial, permitem-nos perceber claramente a forma como ordenamos o universo ao nosso redor"2 2 SOUZA, Mônica Dias de. Escrava Anastácia e pretos-velhos: a rebelião silenciosa da memória popular. Em SILVA, Vagner (org.). Memória Afro-brasileira: imaginário, cotidiano e poder, p. 15-42. São Paulo: Ed. Selo Negro, 2007, p. 29. .

Tais espíritos moldam-se conforme uma miríade de "tipos sociais" geralmente marginalizados, que figuram no imaginário social3 3 CONCONE, Maria Helena Villas Boas. Umbanda, uma religião brasileira.. São Paulo: CER-USP/Edusp, 1987; NEGRÃO, Lísias. Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo.. São Paulo: Edusp, 1996. , abarcando "símbolos fundantes da brasilidade", como os caboclos (espíritos de indígenas) e os pretos-velhos (espíritos de escravos), mas também outros "tipos sociais" amplamente diversificados como os ciganos, os baianos, os marinheiros, os boiadeiros, os bandidos, as prostitutas ou mesmo as crianças4 4 CONCONE, Maria Helena Villas Boas. Caboclos e pretos-velhos da umbanda. Em: PRANDI, R. (org.). Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2004, p. 281-303. .

O acolhimento a tudo e a todos que resulta na dinamicidade como a única regra permanente da umbanda pode ser tanto o que há de mais interessante na religião, como um "obstáculo teórico"5 5 BIRMAN, Patrícia. Fazer estilo criando gênero - possessão e diferenças de gênero em terreiros de umbanda e candomblé no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Ed UERJ/Relume Dumará, 1995. , uma complexidade maior à pesquisa, devido à impossibilidade de elaborar modelos categoriais ou estruturalistas a seu respeito. Trata-se mais profundamente de uma sensibilidade adaptativa ao contexto que se apresenta por meio de uma atenção e escuta às dinâmicas sociais e aos desejos humanos. Esta capacidade, vale dizer, se deve à própria ética umbandista, uma "ética de inclusão" que se constrói no presente e no cotidiano, propugnando-se como inclusão psíquica6 6 BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Subterrâneos da submissão: sentidos do mal no imaginário umbandista, Memorandum, v. 2, p. 55-67, 2002. .

Exus e pombagiras são bons exemplos de como essa religião é capaz de incluir toda e qualquer característica do humano no sagrado. A respeito dos primeiros, Liana Trindade afirma que esta entidade "culturalmente configura os caracteres psicológicos censuráveis e como herói "trickster" representa a possibilidade de obter as aspirações desejadas"7 7 TRINDADE, Liana. Exu: símbolo e função.. CER-USP/Edusp, 1985, p. 204. . O exu pode ser um aliado audaz ou inimigo perigoso e cada posição depende também de como se coloca o sujeito que com ele se relaciona8 8 BRUMANA, Francisco e MARTINEZ, Elda. Marginália sagrada.. Campinas: Editora da Unicamp, 1991. . Companheiro, protetor e guardião são ainda qualidades que o definem, fazendo com que os sujeitos que o incorporam mantenham com ele relação de grande respeito e gratidão. Para Vagner Silva, o exu é também um ícone da própria sociedade brasileira, padroeiro do carnaval, surgiu fortemente na obra de Jorge Amado e também na figura de Macunaíma, o "herói sem nenhum caráter"; exu é o "anti-herói", um contestador da ordem e senhor das ruas9 9 SILVA, Vagner Gonçalves da. Exu do Brasil: tropos de uma identidade afro-brasileira nos trópicos, Revista de Antropologia 55, p. 1085-1114, 2012. .

Ao lado deles, nem atrás nem na frente, encontramos as pombagiras. Igualmente transgressoras, essas mulheres também povoam o imaginário brasileiro com todo seu vermelho lascivo que exala sinal de perigo. Para a maioria dos umbandistas, as pombagiras são exus femininos, tão contraditórias, complexas e ambivalentes quanto seus correspondentes masculinos. Para Meyer, correspondem ao mesmo mundo de representações do Exu10 10 MEYER, Marlyse. Maria Padilha e toda a sua quadrilha: de amante de um rei de Castela a pombagira de umbanda, São Paulo: Duas Cidades, 1993. . Sedutoras, feiticeiras, eróticas e sábias, tais personagens abarcam ascendências diversas que se combinam em imagens de femininos subversivos11 11 BARROS, Mariana Leal de. "Os deuses não ficarão escandalizados" ascendências e reminiscências de femininos subversivos no sagrado, Revista Estudos Feministas, v. 21, p. 509-534, 2013. . Meyer, autora de uma análise da pombagira Maria Padilha que remonta às feiticeiras dos séculos XVI e XVII12 12 MEYER, Marlyse, op. cit. , ressalta, assim como Augras13 13 AUGRAS, Monique. De Yiá Mi a pombagira: Transformações e símbolos da libido. Em MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (Org.), Meu sinal está no teu corpo, São Paulo: Edicon/Edusp, 1989, p. 14-33. , a importância de estudos multidisciplinares e específicos sobre a pombagira. Elas "estão aí, no nosso cotidiano, rede invisível que apanha um número muitíssimo maior do que se imagina e não se reduz às classes mais desfavorecidas"14 14 MEYER, op. cit., p. 122-123. .

A importância de lhes darmos ouvidos cresce à medida que as difamações a seu respeito se propagam por leituras distorcidas que culminam no ataque indireto à população negra e à religiosidade afro-brasileira via pombagira. Na contramão do que ainda se insiste em dizer, trabalhos acadêmicos têm abordado as pombagiras como grandes protetoras das mulheres, sendo evocadas, principalmente, como representantes de um feminino associado à força, à coragem e à liberdade15 15 HAYES, Kelly. Holy harlots: femininity, sexuality and black magic in Brazil, Berkeley, California: University of Carlifornia Press, 2011; LAGES, Sônia Regina Corrêa, Possessão e inversão da subalternidade: com a palavra, Pombagira das Rosas, Psicologia & Sociedade, v. 24 n. 3, p. 527-535, 2012; SANCHEZ, Sônia Bartol. El conflito de roles femininos em la mitologia afrobrasileña e su aplicación em el ritual (la protectora Yemanjá e la prohibida Pombagira, em BARRIO, Ángel B. Espina e FUENTE, Barrio Iñigo González (eds.), publicação do XV Congreso Internacional de Antropología de Iberoamérica. Estudios Socioculturales en Brasil, España, México y Portugal, p. 501-513. Recife: Ed. Massangana, 2010. . A sua transgressão às imagens de feminino mais tradicionais é tão eloquente que, por vezes, ela foi compreendida como entidade que teria os dois gêneros bem representados16 16 CRUZ, Andréa Mendonça Lage da. De rainha do terreiro a encosto do mal: um estudo sobre gênero e ritual.. Tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. . Para compreender as elaborações de gênero por meio das pombagiras de maneira apropriada, no entanto, é preciso que tenhamos uma escuta também subversiva. Em nosso trabalho, apresentamos como, ao ouvi-las em "primeira pessoa" (e em articulação com teorias de gênero, para não nos atermos a uma concepção de feminino como categoria estável), as pombagiras puderam se revelar para além do mal-dito/maldito.

POMBAGIRAS COMO INTERLOCUTORAS

O trabalho de campo17 17 O mesmo se deu ao longo de dez anos de pesquisa, compreendendo o período de doutorado e pós-doutorado do primeiro autor. contou com observação participante de rituais umbandistas em terreiros do estado de São Paulo, mais especificamente nas cidades de Ribeirão Preto, Campinas, Jardinópolis, Peruíbe e na própria capital. Realizaram-se entrevistas com pais e mães de santo dos terreiros investigados, com mulheres médiuns de umbanda, assim como com suas pombagiras. Ao todo, foram entrevistadas quatorze mulheres médiuns de umbanda, cinco mães de santo e um pai de santo. Apesar de os homens não se excluírem do universo de culto dessas entidades, podendo inclusive incorporá-las, este estudo elegeu compreender a pombagira na interação com mulheres.

O procedimento consistiu em abrir espaço para que médiuns e entidades espirituais se enunciassem independentemente de pontos de vista prévios e de terceiros, por meio de entrevistas livres e abertas, que começavam simplesmente com "queria que me contasse sua história". Buscou-se ouvir as suas colaboradoras etéreas, de maneira a respeitar sua intrínseca alteridade, ou seja, levou-se em conta a própria voz das pombagiras, procedimento que tem sido utilizado com proveito em diversos estudos sobre cultos de possessão18 18 Por exemplo, LAMBEK, Michael. Human spirits: a cultural account of trance in Mayotte, London/New York/New Rochelle/Melbourne/Sidney: Cambridge University Press, 1981. , inclusive na umbanda19 19 Ver, por exemplo, BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Sublimidade do mal e sublimação da crueldade: criança, sagrado e rua, Psicol. Reflex. Crit., v. 17, n.1, p. 61-73, 2004; PAGLIUSO, Ligia e BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques, Luz no caminho: Corpo, gesto e ato na umbanda. Afro-Ásia, 42, p. 195-225, 2010; MACEDO, Alice Costa e BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Estrela que vem do Norte: os baianos na umbanda de São Paulo, Paideia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 49, p. 207-216, 2011. e, mais especificamente, também em relação às pombagiras, tal como podemos conferimos nos trabalhos de Hayes20 20 HAYES, Kelly. Fogos cruzados: a traição e os limites da possessão pela Pombagira. Religião e Sociedade, v. 25, n. 2, p. 82-101, 2005; _____. Wicked women and femmes fatales: gender, power, and pomba gira in Brazil. History of Religions, v. 48, p. 1-21. Chicago - E.U..: Univ. of Chicago, 2008. e Lages21 21 Op. cit. .

A pombagira é uma categoria espiritual, em geral, bastante falante e não seria prudente ignorar o que dizem, pois seus dizeres, por meio de ato ou fala, podem nos informar em "primeira mão". Caso contrário, desautoriza-se a maneira como o fenômeno da possessão se propõe nos seus próprios termos.

Os espíritos se apresentam como interlocutores com os quais é possível conversar. Assim, faz-se necessário dar ouvidos a duas vozes, a da médium e a da pombagira, e por mais que essas vozes se misturem, a rigor, não há como excluir um patamar de alteridade espiritual ritualmente confirmada22 22 CRAPANZANO, Vincent. Introduction. In: CRAPANZANO, V. e GARRISON, V. (eds.). Case studies in spirit possession, New York: Wiley, 1977, p. 1-40. .

Outra questão muito diferente é a possibilidade do entendimento desse mundo contrariar eventuais convicções metafísicas do pesquisador ou do seu meio social, mas isso não deveria ser obstáculo a uma reconstrução fiel da representação de mundo e da etnopsicologia do outro.

Nessa perspectiva, abre-se a possibilidade de pensar o transe como porta-voz de um discurso que não é da ordem do patológico, de vozes sem sentido; e as pombagiras podem se configurar, ao lado de médiuns e pais/mães de santo, como interlocutoras e colaboradoras da pesquisa.

Ao lhes dar ouvidos, a ênfase pode se deslocar do que foi dito delas - muitas vezes difamações ou acusações estereotipadas que a apresentam como entidade diabólica, estereótipo de prostituta e destruidora de lares- para o que é dito por elas. Essa escuta, em outros trabalhos nomeada por uma "escuta feminina"23 23 BARROS, Mariana Leal de. 'Une rose, une femme': l'esthétique rituelle au-delà du maudit. In: LAPLANTINE, François (Org.). Mémoires et imaginaires dans les sociétés d'Amerique Latine: harmonie, contrepoints, dissonances, Rennes-França: Presses Universitaires de Rennes, 2012, p. 117-130. capaz de suportar a dimensão do não dito revelado em verbo, ato e estética, permite que o feminino que revela a pombagira seja compreendido enquanto tal. Ou seja, para perceber o que é da ordem do feminino e não confundi-lo com masculino por ser subversivo ao tradicional passivo e doméstico, não "demonizá-lo" quando o que se revela é transgressor ou não prostituí-lo quando o que se expressa é erótico, é necessário assumir outra posição de escuta. É permitir que elaborações de feminino se mostrem de outra maneira, que o sujeito se performe24 24 Neste trabalho faremos uso do termo "performance" reiteradamente. É importante situar, no entanto, que nos calcamos na perspectiva de Judith Butler, que frisa a importância de diferenciar o termo da compreensão de performance teatral. antes de dizermos o que é que ele faz. O mal-dito que torna o observado meramente maldito e demoníaco, frequentemente, revela mais o interlocutor do que as pombagiras contempladas no dizer do sujeito.

Neste trabalho, ao lhes oferecermos escuta, as pombagiras se revelaram "mulher", apresentando-se e sendo apresentadas como companheiras de suas médiuns, protetoras e mentoras que participam das mais variadas experiências do cotidiano dessas mulheres.

Caso não se dê ouvidos aos sentidos construídos pelo outro afro-brasileiro e a eles se sobreponham significados prévios, é possível que ofusquemos as elaborações de feminino nos estudos a respeito da pombagira, como, dentre outros trabalhos, se pode observar na tese defendida por Cruz25 25 CRUZ, Andréa Mendonça Lage da., op. cit. :

No mundo de representações tecido sobre a pombagira, essa sedutora mulher surgirá com um temperamento autoritário, independente, valente, agressivo, audaz, conquistador, polígamo, infiel e ativo, atributos que no contexto brasileiro, tornam-se representativos da noção de "virilidade".

A autora complementa26 26 Idem, p. 181. :

Observamos que tal atributo acaba por inseri-la numa situação ambígua com relação ao eixo classificatório construído em torno das noções de homem e mulher, fato que torna a sua figura repleta de ambivalências e, por conseguinte, dotada de poder.

O subtexto implícito a esta tese apresenta a ideia de que os homens são mais agressivos, mais racionais, mais audazes, mais ativos, mais independentes e as mulheres são mais sensíveis, mais frágeis, mais emotivas, mais doces, mais passivas, mais dependentes. A ambivalência da pombagira, assim, é o que lhe dotaria de poder.

"ÀS POMBAGIRAS, AO FEMININO" 27 27 Trecho de entrevista de Patrícia, mãe de santo que incorpora a pombagira Língua de Fogo: "[...] a gente tem que ter muito respeito a elas, às pombagiras, ao feminino".

Por mais que se repita no senso comum, é polêmica e contestável a necessidade de se recorrer ao masculino quando o que se expressa é independência e atividade. Desde os anos de 1950, a categoria "gênero" possibilitou justamente explicitar que os significados simbólicos associados a "mulher" e "homem" ou "feminino" e "masculino", assim como as relações estabelecidas entre estas categorias, ou mesmo a própria existência destas "binaridades", não devem ser compreendidas na ordem do "natural", do universal ou da predeterminação28 28 BUTLER, Judith. Bodies that matter: on the discursive limits of "Sex", Nova York: Routledge, 1993; MOORE, Henrietta. Understanding sex and gender, em INGOLD, T. (org.) Companion Encyclopedia of Anthropology, p. 813-830 London: Routledge, 1997. .

Butler foi além e argumentou que apenas a desconstrução do conteúdo das categorias não satisfaz, pois, se trabalhamos numa posição de "desessencialização", seria um equívoco continuarmos nos valendo de binaridades e categorias preestabelecidas em nossas análises como se fossem dados "em si"29 29 BUTLER, Judith. Problemas de gênero.. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. . A autora utiliza como estratégia "uma teoria performativa de atos de gênero que rompem as categorias de corpo, sexo, gênero e sexualidade, ocasionando sua ressignificação subversiva e sua proliferação além da estrutura binária"30 30 Idem, p. 11. . Com isso, critica análises que terminam por reificar as categorias mesmo quando propõem a sua ressignificação.

Ou seja, alguns teóricos chegam a contestar os significados atribuídos a feminino e masculino, mas não as próprias categorias. Levantamos esta questão, pois nos parece precipitado classificar as pombagiras de ambíguas por apresentarem características "masculinas" como audácia, força, independência e sua ligação à rua, e feminina por características como sensualidade e vaidade. Desta maneira, termina-se por naturalizar os sentidos associados às próprias categorias.

O primeiro ritual de pombagiras presenciado para efeito desta pesquisa ocorreu em 2003 e, desde aquela época, reiteradamente, as pombagiras apresentaram-se tão e somente como "mulher". Por exemplo, ao ser indagada sobre "Como é Maria Padilha?", a pombagira responde:

MP: Mulher, é a mulher..., a mulher mais linda, a mulher mais trambucada [experiente], é a mulher, vamos dizer assim, mais vivida na terra de vocês, é uma mulher que passou de geração em geração, porque tenho muito parentesco espalhado por aí na terra de vocês.

(Entrevista com Maria Padilha, pombagira de Meire, Jardinópolis-SP).

Progressivamente, à medida que se sucediam as entrevistas e observações, a equivalência entre os termos "mulher" e pombagira ficou evidente Veja-se, por exemplo, a fala da mãe de santo Patrícia: "Ela é uma mulher...[pausa]. Uma mulher decidida, é uma mulher segura, ela é uma mulher que sabe falar na hora certa, com as palavras certas, sem agredir, sem ofender".

Em seu discurso aparece, inclusive, uma longa pausa até que o significante "mulher" se repita associado às suas qualidades. Patrícia sublinha os adjetivos de sua pombagira, mas o significante "mulher" precede a todos.

A mesma repetição, ao longo das entrevistas com outras entrevistadas, sejam médiuns, sejam pombagiras, chamou a atenção e fez com que se modificasse o tema de pesquisa que antes abordava a associação entre a pombagira e mulheres prostitutas, para um entendimento das elaborações de gênero que se processam na vivência com pombagiras. Era notável que a prostituição se atinha às imagens e "histórias de vida" de pombagiras muito mais pelo caráter subversivo e concernente à sexualidade que comporta a prostituta do que à ideia da "profissional do sexo". Acima de tudo, o que se via em campo eram "mulheres", e ao pensar n'A mulher da umbanda, a pombagira surge em primeiro lugar.

Ao serem investigadas também outras entidades espirituais da umbanda, tais como caboclas, baianas e ciganas, foi notável perceber que as pombagiras não deixavam de ser referidas e ganhavam espaço notável quando as interlocutoras compreendiam que a pesquisa se dedicava às mulheres. Para Cláudia, mãe de santo em terreiro investigado em Peruíbe-SP em 2013, as pombagiras "são a força motriz das mulheres, elas são primordiais, toda mulher tinha que trabalhar a pombagira dela muito, muito", e complementa: "A pombagira dá segurança, ela dá vontade de ir à luta, de trabalhar fora, ganhar o seu, não depender de ninguém, pombagira dá estabilidade pra mulher".

Força e autonomia também se repetiram quando as entrevistadas se referiam às pombagiras, mas, como podemos ver a seguir, para Maria Padilha esses significantes também surgem relacionados ao que é da ordem do feminino:

Ao contrário do que as pessoas acham, não é só problema amoroso (que as pombagiras tratam), são todos os tipos de problemas como qualquer outro exu. É uma força que é feminina, mas é exatamente como um exu, não tem diferença (Maria Padilha, pombagira de Meire).

No mesmo sentido, Patrícia, que incorpora a pombagira Língua de Fogo em terreiro localizado em São Paulo, acrescentou:

[...] então eu acho que elas (pombagiras) vêm trabalhar isso, o individual de cada um. E muito a força feminina, lógico; que é vista como uma força fraca na nossa sociedade.[...] o que elas buscam é mostrar o contrário, [...] a mulher aguenta dores que os homens não aguentam, elas conseguem conquistar as coisas fora da força que geralmente os homens conseguem...

Como a médium enfatiza, trata-se de uma força diferente da que opera o exu, mas "tão forte quanto" e "feminina", sinalizando uma compreensão de feminino distante da fragilidade e da passividade.

Estar num ritual de pombagira é contemplar um cenário pouco evidente. A iluminação garantida apenas pela luz das velas esboça contornos de revela-esconde em que impera o mistério. Ao mesmo tempo em que alguns fiéis riem e bebem champanhe com as entidades espirituais, esboçando uma conversa com uma "velha amiga querida", o tom de respeito é a tônica dominante. Revela-se ao frequentador inabitual um clima quente de alegria e festa com direito a conversas sobre amor e sexo, mas a comunidade assídua expressa que essas mulheres não vêm ao mundo para brincadeira.

É comum observarmos que os homens que se dirigem a elas nos espaços destinados às consultas abaixam a cabeça e se curvam. As pombagiras, por sua vez, permanecem altivas, de cabeça erguida, tronco ereto, e andar determinado.

Figuras 1 e 2
Consulta individual com pombagira. Na primeira imagem a pombagira conversa com uma mulher consulente, na segunda, com um homem.

Figura 3
Pombagira (mulher vestida de vermelho) atende consulente.

Figuras 4, 5, 6 e7
Imagens de pombagiras em transe de possessão31 31 As imagens são oriundas do acervo de registros de campo da primeira autora.

Não apenas as entrevistas, mas a estética ritual, o gestual das pombagiras, o calor do espaço, os sons de gargalhadas que se repetem e a conversa ao pé do ouvido, enunciam quem são e ao que vêm. Os olhares dos consulentes se dirigem fascinados a elas, que, por sua vez, estão sempre a seduzir. Seduzem tanto fazendo uso de sua beleza e porte real, como pode ser o caso de uma Maria Padilha, quanto pela sabedoria do simples e escrachado, como no caso de uma Maria Molambo, sempre "direta e reta" (palavras de uma das pombagiras Maria Molambo entrevistadas nesta pesquisa).

Dizendo-se por meio do revela-esconde sedutor da penumbra das velas, não dizem tudo, assim como as mulheres não podem ser ditas "todas". Ao mistério é reservado um lugar primordial, de modo que as performances enunciam algo da pombagira, mas não esgotam, apresentam apenas sua condição polissêmica em que cada sujeito se assinala como lhe é possível (ou necessário). Encontramos mulheres de um outro tempo com porte de belas meretrizes, mas é possível nos depararmos com aquelas que se vestem com túnicas pretas e emitem grunhidos, amedrontando-nos tal como a morte. Há as que se apresentam "meninas" sedutoras, ou ainda as que se dizem "malandras", prendendo os cabelos em rabo de cavalo e amarrando a saia com um nó porque dizem preferir calça. São plurais, mas todas se dizem "mulheres", são vistas como tal e parecem estar muito "certas de si".

Não por acaso, as médiuns se repetem ao referir como as pombagiras lhes conferem segurança e "autoconhecimento". Ao buscar um novo emprego, "chamam" suas pombagiras para as ajudarem a conquistar o novo posto, ao serem convidadas para falar em público, também lhes pedem ajuda para que consigam se expressar sem medo. Quando se sentem ameaçadas ou desconfiam de alguém, também invocam suas pombagiras para que as intuam a agir da melhor forma. Segundo uma das mães de santo colaboradoras, as pombagiras são "advogadas das mulheres", protegendo-as e defendendo-as, seja de maridos que não as valorizam, seja de um emprego que as prejudica, ou até mesmo defendendo a médium de si mesma, quando esta boicota a própria vida. Na mesma linha, a médium da pombagira Areia Preta, entrevistada num terreiro paulistano, afirmou que essas entidades vêm para trabalhar pontos "que giram em torno da questão da autoestima, da beleza, de resgatar a mulher, a mulher em si mesma".

Em vez do registro caricato da prostituta, destaca-se a alegria, a sedução, a força, a coragem, a ousadia e a independência. Para Cláudia, mãe de santo do terreiro Tenda de Umbanda Caboclo Pena Verde e Pai João de Aruanda (Peruíbe-SP):

[...] elas têm aquela coisa de enfrentar o mundo [...], a pombagira incute amor-próprio na mulher. Acho que elas são a força motriz das mulheres, acho que elas são primordiais, acho que toda mulher tinha que trabalhar a pombagira dela muito, muito. A pombagira dá segurança, ela dá vontade de ir pra luta, ela dá vontade de ir pra luta, de trabalhar fora, ganhar o seu, não depender de ninguém, pombagira dá estabilidade pra mulher. O exu é a parte masculina da mulher, o exu é aquela coisa que a mulher se torna mais centrada, mas a pombagira tem que ter.

No mesmo sentido em que se faz compreender pombagira/mulher/feminino como equivalentes, o seu par, seu correspondente "homem", é o exu, o "masculino". Quando a mãe de santo anuncia: "Hoje vamos trabalhar as mulheres!", haverá ritual de pombagira. Com os exus, é o contrário: "Você está precisando trazer o teu homem", ou seja, "você está precisando incorporar o seu exu", ao que algumas médiuns compreendem, ainda, que precisam "trabalhar" o seu "lado masculino".

Os significantes pelos quais os exus se apresentam são geralmente objetos fálicos (tridentes, punhais), quando não explicitamente esculturas em formatos de pênis (mais presentes em casas de candomblé). Até mesmo os chifres que os exus ganham em algumas versões umbandistas, que poderiam remeter ao diabólico, admitem outras significações, se lembramos que na natureza estão associados à virilidade do macho32 32 A este respeito, vale conferir o seguinte link: <http://goo.gl/MF28Re> , assim como a referência do site de zoologia da Universidade de Michigan: <http://goo.gl/kEx87V>. . No mesmo sentido, as pombagiras também se associam a referências sexuais, mas da ordem do feminino, como as rosas vermelhas, que, para Barbara Walker33 33 WALKER, Barbara. The woman's dictionary of Symbols And Sacred Objects, San Francisco - USA: Harper San Francisco, 1988. , assim como a flor de lótus, são os principais símbolos do feminino.

É interessante frisar, no entanto, que não se encontrou nos terreiros estudados qualquer hierarquia ou subordinação entre o feminino e o masculino. Pelo contrário, há uma declarada insistência em dizer que se trata de forças diferentes, "mas uma não é mais do que a outra", como diz a mãe de santo Cláudia, e para o bem-estar do terreiro e dos sujeitos, devem ser trabalhadas em equilíbrio.

Se vivenciamos novas experiências de cotidianidade na relação entre homens e mulheres, e se modificamos a maneira como pensamos as categorias masculino e feminino em nossos corpos, os "espíritos" da umbanda expressam essa mudança; mais do que isso, permitem com que os sujeitos elaborem34 34 Elaborar, aqui, é utilizado não apenas no sentido de construir, mas também na acepção psicanalítica de organizar, integrar e remanejar os afetos. estas categorias. Ora, as próprias pombagiras dizem, em ato ou palavra, que a sua força é feminina, refletindo que, naquele contexto, o feminino pode ser pensado no registro da "força" e da atividade.

A partir das contribuições de Butler35 35 BUTLER, Judith, op. cit., 2003. , poderíamos questionar, no entanto, se nosso trabalho não estaria apenas "alargando" a categoria de "feminino" na compreensão das pombagiras ao mesmo tempo em que persistiríamos em uma "binaridade" pré-instituída. A pombagira não nos revelaria uma coisa outra?

Com efeito, alguns autores argumentam que esta perspectiva típica de uma "filosofia pós-moderna" teve um custo, significando a morte do sujeito e a ressurreição de um conhecimento fragmentário, isolado e fechado em si mesmo. Para Laura Lee Dows36 36 DOWS, Laura Lee. Si "femme" n'est qu'une catégorie sans contenu, pourquoi ai-jeu peur de rentrer seule le soir?, em THÉRY, Irène e BONNEMÈRE, Pascale. (orgs.), Ce que le genre fait aux personnes, Paris: Ed. EHESS, p. 45-74. 2008. tomba-se paradoxalmente no que antes se desejava destruir: o sujeito fechado. Ao elaborarmos outras categorias para englobarmos os que divergem da "norma" (tendência dos "seguidores" das "teorias queer", as quais ela parece combater) acaba-se por essencializar e reificar novas categorias como se concebêssemos os sujeitos por espécies. Seria por este motivo que as categorias estariam sempre em crise, pois ainda não se admite a permutabilidade, a diferença, e qualquer um que se encontre escapando às fronteiras de "seu" sexo/gênero, é colocado em uma nova categoria.

Na mesma obra, Douaire-Marsaudon37 37 DOUAIRE-MARSAUDON, Françoise. La crise des catégorisations relatives à l'identité sexuée. L'exemple du "troisième sexe", em THÉRY, Irène e; BONNEMÈRE, Pascale. (orgs.), Ce que le genre fait aux personnes, Paris: Ed. EHESS, 2008, p. 295. [tradução nossa.] acrescenta:

Note que se há transgressão da fronteira entre os sexos, é que esta, mais ou menos, existe. O conjunto dessas variações de identidade sexo/gênero, qualquer que seja a cultura na qual elas se desenvolvem, termina sempre em dois polos sexuados que são os homens e as mulheres. Não há sociedade em que a polarização dos sexos, masculino e feminino, seja inexistente.

A obsessão por encaixar as pessoas em categorias, diz a autora, é o que suplanta a possibilidade de perceber os sujeitos em sua riqueza de experiências heterogêneas. Para tanto, a autora dedica-se a pensar o conceito de "terceiro sexo" - que surgiu ainda no século XIX para abarcar a todos que não se incluem nem se reconhecem nas categorias homem/mulher, masculino/feminino.

Com efeito, poderia ser tentador buscar um terceiro lugar para as pombagiras, talvez um lugar que comportasse uma suposta ambiguidade, mas certamente cairíamos na mesma falácia. Ora, os corpos dos sujeitos, sejam de "carne e osso" ou etéreos, têm mais do que uma vida sexuada a ser englobada em categorias; se é jovem, se é velho, se está grávida, se está doente, e tudo isso faz parte da vida sexuada do sujeito. Como englobá-los em novas categorias a cada momento de sua vida? Não seria mais fácil aceitar e reconhecer as diferenciações e a permutabilidade dentro das categorias nas quais os sujeitos se concebem?

No entanto, a análise de Douaire-Marsaudon38 38 Idem, ibidem. talvez se contraponha menos à análise de Butler, e mais ao que as "teorias queer" parecem ter provocado: uma multiplicação de categorias. Ao contestar a binaridade, Butler não contesta a compreensão de que os sujeitos podem performar gêneros por meio de masculino e feminino. Não se busca anular ou multiplicar as categorias, busca-se ouvir o que os sujeitos são a partir de como se mostram e se dizem, por binaridades ou não.

Percebemos que na análise das pombagiras o problema também surge quando se parte do princípio de que exista uma tradição patriarcal brasileira - será que ainda podemos dizê-lo de forma tão tranquila e impune? A nosso ver, é necessário historicizar para que o interlocutor não seja vítima do olhar etnonormativo do pesquisador que compreende o gênero de forma estável.

O que Butler faz é não apenas expandir o campo de possibilidade da vida corpórea, mas também responsabilizar o olhar do pesquisador. Não se trata de negar os termos opostos ou as binaridades, mas compreender como as categorias operam para que possamos problematizá-las de modo a não mais utilizá-las de forma naturalizada em nossos discursos. Por esse viés, não apenas o posicionamento teórico passa a ser mais adequado, como também diminuem as chances de nivelar as experiências dos sujeitos. As performances, diz Butler39 39 BUTLER, Judith, op. cit., 2003. , são capazes de inverter as distinções e binaridades - entre elas, a de "interno/externo", "pessoal/social" ou "natural/cultural" - e obrigam a repensar nossas premissas psicológicas para compreender o humano em sua sexualidade ou "identidade" ao mesmo tempo em que revelam o caráter performativo do gênero ao considerar a instabilidade de masculino e feminino. Ao compreendermos que as identidades não são fixas e estáveis, permitimos, ainda, com que os sujeitos sejam reconhecidos em sua agência, admitindo sua capacidade de subverter e desafiar as estruturas de poder que lhes regem.

Vale acrescentar, ainda, que essa "inadequação" das categorias não é fruto de um tempo "pós-moderno", como se costuma dizer; pode até ser que o seja também, mas, mais do que isso, é o tempo que vivemos hoje que permite que reavaliemos a necessidade de construir universalidades como por tanto tempo a ciência ocidental o fez; não porque o mundo fosse dividido em categorias estáveis, mas porque os olhos do pensador o eram.

Com efeito, o que se destaca é que seja em contraposição aos exus, seja na fala das próprias, seja por meio do discurso das mulheres que as incorporam, que as pombagiras são "mulher", mas que mulher?

Língua de Fogo: Conquistei a todos. Nem todos podiam ser meus, mas eu conquistei.

Pesquisadora: Por que não podiam ser seus?

Língua: Porque eram de outras.

Pesquisadora: É isso que te faz uma pombagira?

Língua: Não! (sem titubear, responde de forma assertiva)

Pesquisadora: O que é?

Língua. O que me faz? Eu conhecer muito bem uma mulher. Fui mulher em todas elas (deduzo que se refere às vidas passadas), usei da maneira que eu quis... a minha energia. Não agradei muitos, mas agradei muitos também.

Pesquisadora: Como é uma mulher?

Língua: Você não me vê? É o que eu sou. [grifo dos autores]

A pombagira chama atenção para o que deveria ser óbvio: "Você não me vê?". É preciso enxergá-las, escutá-las como autoras de suas falas e "ouvi-las" para além do verbal, em seus corpos, ritos e gestos. A partir daí, a pombagira se configura como uma possibilidade de elaboração de feminino que difere das "tradicionais". A pergunta de Língua de Fogo alfineta nossa possível compreensão cômoda sobre as pombagiras e, mais ainda, sobre como percebemos as elaborações de gênero no contexto afro-brasileiro40 40 É possível, ainda, que nosso olhar ocidentalizado, como aborda Segato (SEGATO, Rita Laura. Género, política e hibridismo en la transnacionalización de la cultura Yoruba. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 333-363, 2003), não alcance a dimensão do que ali é vivido: "los descendientes africanos en Brasil poseen un modo codificado, críptico, de criticar y de romper la fundación patriarcal de las instituciones brasileñas que los cercan. Pero que ese modo no es el de la dialéctica de las identidades políticas como el Occidente globalizado esperaría, sino un modo mucho más complejo y pleno de imprecisiones y ambivalencias. [...]su modo de ser es marginal, su identidad es una identidad en las márgenes, su fuerza es la fuerza del margen" (p. 359). .

Vemos que não por acaso as pombagiras nascem na umbanda, religião constantemente aberta a assimilar conformações de mundo que correspondem ao vivido por seus fiéis. As religiões afro-brasileiras há muito tempo são cenário frutífero para investigações de gênero justamente por serem capazes de subverter compreensões de gênero arraigadas socialmente. Criatividade e liberdade se combinam numa dinâmica atenta àquilo que efetivamente é experienciado pelos sujeitos, apresentando-nos como masculino e feminino não apenas transcendem os limites de suas próprias categorias, mas podem se apresentar em equilíbrio e em pé de igualdade.

Polissêmicas e dinâmicas tanto quanto são as mulheres que as incorporam, não nos seria possível esgotar o que são as pombagiras. O que se deve sublinhar é que não respondem a uma imagem de mulher qualquer. Tanto as pombagiras entrevistadas quanto as enunciações das médiuns que as incorporavam apresentavam mulheres ousadas, fortes, corajosas, eróticas, mas também acolhedoras e sábias. Essa transformação se deve provavelmente a uma elaboração social da mulher independente e ativa; àquilo que nos parece ser fruto de melhor integração de sentidos vivenciados nas experiências de cotidianidade e sexualidade, um deslocamento expressivo de novas configurações de "mulher", cindidas anteriormente entre ser mãe ou ser amante/mulher de rua (que trabalha fora), ser "santa" ou ser puta/ "satanizada".

No início desta pesquisa, quando estávamos imbuídos de uma imagem que associava a pombagira sumariamente à prostituta, buscou-se uma correlação entre a pombagira e histórias de vida de prostitutas. No entanto, a intenção logo se mostrou imprudente. As pombagiras fizeram questão de se diferenciar do estereótipo da "profissional de sexo". Encerravam o assunto quando se referia à palavra prostituta, dizendo, inclusive, que não havíamos entendido nada. Em contrapartida, associaram ininterruptamente a si mesmas o significante "mulher".

Dessa forma, o culto sinaliza que, ao reduzir a pombagira a uma específica aptidão para mercantilizar o sexo, em vez de se conhecer algo a seu respeito, o que em verdade se produz é uma "prostituificação" do feminino enquanto tal, em função de uma provável e inadvertida restrição do olhar a uma perspectiva inconscientemente machista, para não dizer misógina.

Trabalhos recentes41 41 Vale conferir os trabalhos publicados por Sanchez (op. cit.) e Lages (op. cit.), por exemplo. têm revelado aspectos do culto às pombagiras que as mostram diferentes das encontradas por Patrícia Birman42 42 BIRMAN, op. cit,.1995, na década de 1980, com dificuldade de lidar com um feminino que rompia com o tradicional passivo e doméstico ou de casos como o tratado por Márcia Contins43 43 CONTINS, Márcia & GOLDMAN, Márcio. O caso da Pombagira. Religião e violência: uma análise do jogo discursivo entre umbanda e sociedade. Religião e Sociedade, v. 11 n° 1, p. 103-132, 1984. . Sanchez chega a pensar uma "pombagira pós-moderna", que responde às necessidades das mulheres atuais:

Ahora su imagen (clásica ya) de reina de las prostitutas y del cementerio, se ha suavizado; su carácter violento y descarado en los rituales, al mesocratizarse, también ha aplacado sus atributos. Y por ello se deduce que la Pombagira que analizaron autores como Prandi, Carvalho y Augras, ya no es la misma Pombagira estudiada en este trabajo ya que evoluciona con la sociedade44 44 Idem, p. 510. .

Tais enunciados não desfazem o que foi dito sobre pombagiras, mas abrem espaço para percebermos a capacidade dessas entidades espirituais de se renovarem cotidianamente. Até mesmo aquilo que costuma ser referido como oposto do rol "pombagiresco" apareceu nos nossos dados: a maternidade.

Foi curioso o caso de uma das médiuns entrevistadas se referir à sua pombagira como sua "mãezona" e, quando conversamos com sua pombagira, a própria diz ter sido mãe desta médium em outra vida. Já nesta vida diz ter vindo como pombagira para continuar cuidando dela.

No entanto, não são poucos os casos de pombagiras que tratam de problemas de fertilidade45 45 Lages (op. cit.) narra como a Pombagira das Rosas também auxilia mulheres a engravidar: "Das Rosas esquece seu abandono, suas lembranças ruins do ser criança, abrindo mão inclusive dessas lembranças amargas e se dispondo a ajudar as mulheres que querem ter filhos: Naquela vida que eu vivia eu não gostava de ser mulher, era uma vida muito sofrida. E não gosto de crianças não, mas se você falar que quer ter" (p. 533). Neste caso, evidencia-se que ao acolher todo e qualquer desejo, a pombagira atende até mesmo aos pedidos associados à fertilidade. , e são consideradas especialistas no assunto por muitas entrevistadas. De acordo com a médium da pombagira Areia Preta, as pombagiras também podem cuidar da própria saúde das mulheres, e, mais especificamente, de problemas de infertilidade, câncer de seio, de útero, enfim, "problemas da feminilidade da mulher", diz. A mãe de santo Cláudia acrescenta: "uma coisa que a pombagira tá muito ligada e pouca gente sabe é a maternidade". Ora, para "ter bebê, tem que ter concepção, tem que ter sexo![...] Ela faz rolar, é o sopro de vida." E complementa: "ué, é uma coisa lógica, se você for analisar. [...] mas o pessoal confunde, [...] pombagira é puta, pombagira é... sabe, é uma visão simplista, define muito e restringe muito".

Companheira, curandeira, "mãezona", cada uma à sua maneira se apresenta distante do grotesco e prostituído, para assumir posições que permitam com que consulentes ou médiuns elaborem diferentes imagens de feminino por meio da relação com pombagira.

Isso não quer dizer, no entanto, que estejamos migrando do "vermelho sangue" para o "cor-de-rosa", sublinhamos que estas elaborações parecem integrar sentidos de feminino antes dicotomizados. Os dados analisados permitem perceber que, agentes de seus corpos, as mulheres passam a reinventar a maneira como experienciam a sexualidade, a própria feminilidade e o que entendem por "ser mulher", de modo que o sagrado também atualize femininos mais originais e menos caricatos. Quando são belas, não são pura estética, são fascínio, sedução erótica. No entanto, o "sujo", o feitiço, o perigo e a morte permanecem. Ao mesmo tempo em que algumas pombagiras surgem como belas mulheres de cabelos longos em vestidos vermelhos brilhantes, outras são incorporadas curvadas, vestidas com túnicas pretas que cobrem todo o corpo, deixando os rostos às escuras. Àqueles que presenciam seu culto, estas mulheres enunciam que suportam lidar com o melhor e o pior, aceitando o que é humano em toda a sua dimensão, alegria, dor, luz e treva46 46 BARROS, Mariana Leal de. Magia é veneno e remédio: A esquerda umbandista em articulação com a segunda teoria pulsional freudiana. Boletim Formação em Psicanálise, v. 20, p. 27-56, 2012. .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que, porventura, mesmo em certos círculos do seu culto, sejam associadas ao prostituído, espaço este que lhes é destinado principalmente pela sua vinculação ao erotismo e à sexualidade, a umbanda é tão subersiva quanto as próprias pombagiras, pois, em vez de expurgadas, estas mulheres são cultuadas e reconhecidas como grandes detentoras de poder e conhecimento, que não se resume especialmente aos territórios do sexo e do amor. Em linhas gerais, as pombagiras "trabalham" o que é da ordem do desejo, seja ele qual for e sem estabelecer juízo moral a respeito do que desejam seus consulentes. Quando o masculino aparece, é referente ao exu. As pombagiras, por sua vez, foram unanimemente referidas ao feminino e identificadas ao significante "mulher". Poderíamos, assim, deduzir que a pombagira é a interpretação umbandista de mulher?

É importante pensar que são os vários atos de gênero que criam a própria ideia de gênero, de maneira que, sem esses atos, não se poderia nem mesmo falar de gênero, pois este não é um dado de realidade, não possui uma "essência", uma origem pré-discursiva. Em outras palavras, a pombagira é "mulher" e apresenta-se como elaboração de feminino porque assim se perfaz, aquém e independentemente de "ser" das ruas, ocupar os espaços públicos, ser valente, dona da própria sexualidade, exigente e se mostrar combativa.

Vale reconhecer que elas têm voz, dizem - e muito! - por atos, palavras e em estética. São algo mais do que propulsoras de intercâmbios nas relações de poder entre as esposas e seus maridos, subversivas no que concerne ao gênero e muito mais do que "encostos".

A cada dia, a cada incorporação, reatualizam constructos de feminino capazes de oferecer continente às mais plurais possibilidades de vivências do feminino. Revelam-se corpos femininos, abrangem a "mulher", dizem ser "a 'mulher", e proteger a "mulher", reivindicando destaque e respeito a si e a elas. As pombagiras poderiam ser alguma coisa outra, e, inclusive, masculinas, se assim o dissessem - por ato ou verbo -, mas apresentam-se como "mulher", e atestam em voz própria e por meio dos discursos de suas médiuns que "é importante deixar claro que a gente tem que ter muito respeito a elas, às pombagiras, ao feminino" (Patrícia, mãe de santo e médium de Língua de Fogo).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WALKER, Barbara. The woman's dictionary of symbols and sacred objects. San Francisco - USA: Harper San Francisco, 1988.
  • 1
    O argumento deste artigo baseia-se em resultados do trabalho de pós-doutorado e da tese de doutorado da primeira autora da qual o segundo autor foi o orientador. Apoio: Fapesp e Capes.
  • 2
    SOUZA, Mônica Dias de. Escrava Anastácia e pretos-velhos: a rebelião silenciosa da memória popular. Em SILVA, Vagner (org.). Memória Afro-brasileira: imaginário, cotidiano e poder, p. 15-42. São Paulo: Ed. Selo Negro, 2007, p. 29.
  • 3
    CONCONE, Maria Helena Villas Boas. Umbanda, uma religião brasileira.. São Paulo: CER-USP/Edusp, 1987; NEGRÃO, Lísias. Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo.. São Paulo: Edusp, 1996.
  • 4
    CONCONE, Maria Helena Villas Boas. Caboclos e pretos-velhos da umbanda. Em: PRANDI, R. (org.). Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2004, p. 281-303.
  • 5
    BIRMAN, Patrícia. Fazer estilo criando gênero - possessão e diferenças de gênero em terreiros de umbanda e candomblé no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Ed UERJ/Relume Dumará, 1995.
  • 6
    BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Subterrâneos da submissão: sentidos do mal no imaginário umbandista, Memorandum, v. 2, p. 55-67, 2002.
  • 7
    TRINDADE, Liana. Exu: símbolo e função.. CER-USP/Edusp, 1985, p. 204.
  • 8
    BRUMANA, Francisco e MARTINEZ, Elda. Marginália sagrada.. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.
  • 9
    SILVA, Vagner Gonçalves da. Exu do Brasil: tropos de uma identidade afro-brasileira nos trópicos, Revista de Antropologia 55, p. 1085-1114, 2012.
  • 10
    MEYER, Marlyse. Maria Padilha e toda a sua quadrilha: de amante de um rei de Castela a pombagira de umbanda, São Paulo: Duas Cidades, 1993.
  • 11
    BARROS, Mariana Leal de. "Os deuses não ficarão escandalizados" ascendências e reminiscências de femininos subversivos no sagrado, Revista Estudos Feministas, v. 21, p. 509-534, 2013.
  • 12
    MEYER, Marlyse, op. cit.
  • 13
    AUGRAS, Monique. De Yiá Mi a pombagira: Transformações e símbolos da libido. Em MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (Org.), Meu sinal está no teu corpo, São Paulo: Edicon/Edusp, 1989, p. 14-33.
  • 14
    MEYER, op. cit., p. 122-123.
  • 15
    HAYES, Kelly. Holy harlots: femininity, sexuality and black magic in Brazil, Berkeley, California: University of Carlifornia Press, 2011; LAGES, Sônia Regina Corrêa, Possessão e inversão da subalternidade: com a palavra, Pombagira das Rosas, Psicologia & Sociedade, v. 24 n. 3, p. 527-535, 2012; SANCHEZ, Sônia Bartol. El conflito de roles femininos em la mitologia afrobrasileña e su aplicación em el ritual (la protectora Yemanjá e la prohibida Pombagira, em BARRIO, Ángel B. Espina e FUENTE, Barrio Iñigo González (eds.), publicação do XV Congreso Internacional de Antropología de Iberoamérica. Estudios Socioculturales en Brasil, España, México y Portugal, p. 501-513. Recife: Ed. Massangana, 2010.
  • 16
    CRUZ, Andréa Mendonça Lage da. De rainha do terreiro a encosto do mal: um estudo sobre gênero e ritual.. Tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.
  • 17
    O mesmo se deu ao longo de dez anos de pesquisa, compreendendo o período de doutorado e pós-doutorado do primeiro autor.
  • 18
    Por exemplo, LAMBEK, Michael. Human spirits: a cultural account of trance in Mayotte, London/New York/New Rochelle/Melbourne/Sidney: Cambridge University Press, 1981.
  • 19
    Ver, por exemplo, BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Sublimidade do mal e sublimação da crueldade: criança, sagrado e rua, Psicol. Reflex. Crit., v. 17, n.1, p. 61-73, 2004; PAGLIUSO, Ligia e BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques, Luz no caminho: Corpo, gesto e ato na umbanda. Afro-Ásia, 42, p. 195-225, 2010; MACEDO, Alice Costa e BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Estrela que vem do Norte: os baianos na umbanda de São Paulo, Paideia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 49, p. 207-216, 2011.
  • 20
    HAYES, Kelly. Fogos cruzados: a traição e os limites da possessão pela Pombagira. Religião e Sociedade, v. 25, n. 2, p. 82-101, 2005; _____. Wicked women and femmes fatales: gender, power, and pomba gira in Brazil. History of Religions, v. 48, p. 1-21. Chicago - E.U..: Univ. of Chicago, 2008.
  • 21
    Op. cit.
  • 22
    CRAPANZANO, Vincent. Introduction. In: CRAPANZANO, V. e GARRISON, V. (eds.). Case studies in spirit possession, New York: Wiley, 1977, p. 1-40.
  • 23
    BARROS, Mariana Leal de. 'Une rose, une femme': l'esthétique rituelle au-delà du maudit. In: LAPLANTINE, François (Org.). Mémoires et imaginaires dans les sociétés d'Amerique Latine: harmonie, contrepoints, dissonances, Rennes-França: Presses Universitaires de Rennes, 2012, p. 117-130.
  • 24
    Neste trabalho faremos uso do termo "performance" reiteradamente. É importante situar, no entanto, que nos calcamos na perspectiva de Judith Butler, que frisa a importância de diferenciar o termo da compreensão de performance teatral.
  • 25
    CRUZ, Andréa Mendonça Lage da., op. cit.
  • 26
    Idem, p. 181.
  • 27
    Trecho de entrevista de Patrícia, mãe de santo que incorpora a pombagira Língua de Fogo: "[...] a gente tem que ter muito respeito a elas, às pombagiras, ao feminino".
  • 28
    BUTLER, Judith. Bodies that matter: on the discursive limits of "Sex", Nova York: Routledge, 1993; MOORE, Henrietta. Understanding sex and gender, em INGOLD, T. (org.) Companion Encyclopedia of Anthropology, p. 813-830 London: Routledge, 1997.
  • 29
    BUTLER, Judith. Problemas de gênero.. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
  • 30
    Idem, p. 11.
  • 31
    As imagens são oriundas do acervo de registros de campo da primeira autora.
  • 32
    A este respeito, vale conferir o seguinte link: <http://goo.gl/MF28Re> , assim como a referência do site de zoologia da Universidade de Michigan: <http://goo.gl/kEx87V>.
  • 33
    WALKER, Barbara. The woman's dictionary of Symbols And Sacred Objects, San Francisco - USA: Harper San Francisco, 1988.
  • 34
    Elaborar, aqui, é utilizado não apenas no sentido de construir, mas também na acepção psicanalítica de organizar, integrar e remanejar os afetos.
  • 35
    BUTLER, Judith, op. cit., 2003.
  • 36
    DOWS, Laura Lee. Si "femme" n'est qu'une catégorie sans contenu, pourquoi ai-jeu peur de rentrer seule le soir?, em THÉRY, Irène e BONNEMÈRE, Pascale. (orgs.), Ce que le genre fait aux personnes, Paris: Ed. EHESS, p. 45-74. 2008.
  • 37
    DOUAIRE-MARSAUDON, Françoise. La crise des catégorisations relatives à l'identité sexuée. L'exemple du "troisième sexe", em THÉRY, Irène e; BONNEMÈRE, Pascale. (orgs.), Ce que le genre fait aux personnes, Paris: Ed. EHESS, 2008, p. 295. [tradução nossa.]
  • 38
    Idem, ibidem.
  • 39
    BUTLER, Judith, op. cit., 2003.
  • 40
    É possível, ainda, que nosso olhar ocidentalizado, como aborda Segato (SEGATO, Rita Laura. Género, política e hibridismo en la transnacionalización de la cultura Yoruba. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 333-363, 2003), não alcance a dimensão do que ali é vivido: "los descendientes africanos en Brasil poseen un modo codificado, críptico, de criticar y de romper la fundación patriarcal de las instituciones brasileñas que los cercan. Pero que ese modo no es el de la dialéctica de las identidades políticas como el Occidente globalizado esperaría, sino un modo mucho más complejo y pleno de imprecisiones y ambivalencias. [...]su modo de ser es marginal, su identidad es una identidad en las márgenes, su fuerza es la fuerza del margen" (p. 359).
  • 41
    Vale conferir os trabalhos publicados por Sanchez (op. cit.) e Lages (op. cit.), por exemplo.
  • 42
    BIRMAN, op. cit,.1995,
  • 43
    CONTINS, Márcia & GOLDMAN, Márcio. O caso da Pombagira. Religião e violência: uma análise do jogo discursivo entre umbanda e sociedade. Religião e Sociedade, v. 11 n° 1, p. 103-132, 1984.
  • 44
    Idem, p. 510.
  • 45
    Lages (op. cit.) narra como a Pombagira das Rosas também auxilia mulheres a engravidar: "Das Rosas esquece seu abandono, suas lembranças ruins do ser criança, abrindo mão inclusive dessas lembranças amargas e se dispondo a ajudar as mulheres que querem ter filhos: Naquela vida que eu vivia eu não gostava de ser mulher, era uma vida muito sofrida. E não gosto de crianças não, mas se você falar que quer ter" (p. 533). Neste caso, evidencia-se que ao acolher todo e qualquer desejo, a pombagira atende até mesmo aos pedidos associados à fertilidade.
  • 46
    BARROS, Mariana Leal de. Magia é veneno e remédio: A esquerda umbandista em articulação com a segunda teoria pulsional freudiana. Boletim Formação em Psicanálise, v. 20, p. 27-56, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2015
  • Aceito
    20 Ago 2015
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