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O texto e o pacto: estratégias discursivas em Casa-grande & senzala para pactuar a democracia racial

The text and the pact: discursive strategies in “Casa-grande & senzala” to support racial democracy

RESUMO

Com base na complexa e multidimensional definição de democracia racial estabelecida por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (mito, ideal e pacto), examinamos como Casa-grande & senzala participa da construção do pacto racial-democrático ensaiado no final dos anos 1930 no Brasil. Para isso analisamos como Gilberto Freyre estabelece discurso performativo sobre a democracia racial, em que supostamente se constatariam as interações não racistas dos brasileiros, ao mesmo tempo que também articula um discurso da democracia racial como pedagogia, em que ele desmente os estigmas raciais relacionados à presença do negro no Brasil, e busca celebrar as contribuições materiais e imateriais dos negros à cultura brasileira. Pretendemos mostrar como as ações linguísticas geradas no texto formam um campo de força discursivo essencial para a elaboração da democracia racial como pacto.

PALAVRAS-CHAVE:
Gilberto Freyre; história intelectual; democracia racial

ABSTRACT

Drawing on the complex and multidimensional definition of racial democracy established by Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (myth, ideal and pact), we examine how “Casa-grande & senzala” takes part on the building of a racial-democratic consensus rehearsed in the 1930s in Brazil. In order to accomplish this goal, we analyze how Freyre puts forward a performative discourse on racial democracy, in which he supposedly verifies the non-racists interactions of Brazilians and, at the same time, brings forth a discourse on racial democracy as pedagogy, in which he dismantles racial stigmas associated with the African presence in Brazil, and celebrates the great contributions of African people to Brazilian culture. We intend to show how these linguistic actions generated in the text create a discursive force field that is paramount to the pact of racial democracy.

KEYWORDS:
Gilberto Freyre; intellectual history; racial democracy

Talvez não haja, nos estudos brasileiros, tema mais discutido, investigado, combatido e defendido do que o da democracia racial. Termo geralmente associado ao nome de Gilberto Freyre, a chamada “democracia racial” ajudou a pautar a agenda das ciências sociais tanto no âmbito nacional como internacional. Foi estudado pelos principais cientistas sociais brasileiros (Gilberto Freyre e Florestan Fernandes), ajudando a constituir um antagonismo estruturante nas ciências sociais brasileiras. Virou uma obsessão tanto para brasilianistas que viam nas relações raciais brasileiras certo modelo inspirador (WAGLEY, 1952WAGLEY, Charles (org.). Race and class in rural Brazil. New York: Columbia University Press, 1952.; PIERSON, 1971PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia (estudo de contacto racial). 1. edição 1942. São Paulo: Editora Nacional, 1971.), quanto para outros brasilianistas, anos mais tarde, engajados na desconstrução do mito da democracia racial (HANCHARD, 1994HANCHARD, M. Orpheus and power: the Movimento Negro of Rio de Janeiro and São Paulo, Brazil, 1945-1988. Princeton: Princeton University Press, 1994.; MARX, 1997MARX, Anthony. Making race and nation: a comparison of South Africa, the United States and Brazil. Cambridge University Press, 1997.). Muito já foi escrito sobre seu suposto impacto político alienante, enfraquecendo o combate ao racismo em nome da ilusória representação de um país harmonicamente mestiço (FRY, 1982FRY, Peter. Feijoada e “soul food”: notas sobre a manipulação de símbolos étnicos e nacionais. In: FRY, Peter. Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 47-53.; COSTA, 1998COSTA, Emília Viotti. O mito da democracia racial no Brasil. In: COSTA, Emília Viotti. Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo: Unesp, 1998, p. 365-384.). Assim como também bastante tinta já foi gasta mostrando o quanto a democracia racial acabou por se tornar uma narrativa estruturante, capaz de dar um sentido ao modo dos brasileiros viverem sua nacionalidade (DAMATTA, 1997DAMATTA, R. Notas sobre o racismo à brasileira. In: SOUZA, J. (org.). Multiculturalismo e racismo: uma comparação Brasil-Estados Unidos. Brasília: Paralelo, 1997, p. 22-35.; SOUZA, 2000SOUZA, Jessé. Democracia racial e multiculturalismo: a ambivalente singularidade cultural brasileira. Estudos afro-asiáicos, n. 38, 2000, p. 135-155.; RISÉRIO, 2007RISÉRIO, Antonio . A utopia brasileira e os movimentos negros. São Paulo: Editora 34, 2007.).

Foi o sociólogo Antonio Sérgio Alfredo Guimarães que, em artigo de 2001GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Democracia racial: o ideal, o pacto e o mito. Novos Estudos Cebrap, n. 61, 2001, p. 147-162., organizou o debate em torno da ideia de democracia racial, evidenciando o seu caráter multidimensional, uma vez que a democracia racial poderia ser: a) um mito que encobre a realidade racista do país, sobretudo no Brasil pós-1964, quando qualquer laivo de antirracismo possivelmente existente na ideia de democracia racial se transformou em antirracialismo, isto é, negação da discriminação racial ou mesmo da existência de um problema racial; b) um ideal que norteia a imaginação política do nacional-populismo (1930-1964); c) o pacto que encena um consenso político do nacional-populismo em prol da integração social e simbólica dos negros e de sua cultura.

Para os fins deste artigo, concentramos nossa análise no pacto social feito em torno do ideal de democracia racial, tal como definido por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães:

Essa mudança no modo de entender “democracia racial” nos permite estudá-la não apenas como mito, ou seja, como construção cultural, mas também como “cooperação”, “consentimento” ou “compromisso” político. Mais que uma ideologia, ela foi um modo tacitamente pactuado de integração dos negros à sociedade de classes do Brasil pós-guerra, para utilizar o famoso título de Florestan, tanto em termos de simbologia nacional, como em termos da sua política econômica e social. (GUIMARÃES, 2006GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Depois da democracia racial. Tempo Social, v. 18, n. 2, 2006, p. 267-289., p. 270).

A grande vantagem de pensar a democracia racial como pacto é a de permitir o estudo desse conceito a partir de um recorte histórico bastante específico, uma vez que Guimarães vai encontrar a expressão “democracia racial” sendo usada disseminadamente entre intelectuais brasileiros no período que vai de 1937 a 1945, “diante do enorme desafio de inserir o Brasil no mundo livre e democrático, por oposição ao racismo e ao totalitarismo nazifascistas, que acabaram vencidos na Segunda Grande Guerra” (GUIMARÃES, 2006GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Depois da democracia racial. Tempo Social, v. 18, n. 2, 2006, p. 267-289., p. 270). Outra vantagem de compreender o pacto que a ideia de democracia racial engendra é poder analisar a relação entre a obra de Gilberto Freyre e a democracia racial sem passar pelo vínculo filológico que supostamente deveria unir o ensaio ao conceito. Isso quer dizer que, embora Freyre nunca tenha usado o termo “democracia racial” em Casa-grande & senzala, a sua obra participou ativamente na construção do “consenso racial-democrático”, como discutiremos a seguir.

O objetivo deste artigo é o de resgatar historicamente as estratégias discursivas utilizadas em Casa-grande & senzala para articular esse consenso racial-democrático. Alinhados com a complexidade conceitual proposta por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, pretendemos mostrar que o pacto da democracia racial levado adiante pela obra principal de Gilberto Freyre pressupõe o acionamento de vários dispositivos retóricos que são empregados para destacar tanto a existência empiricamente verificável da democracia racial na vida social brasileira (a dimensão performativa do discurso da democracia racial), quanto a necessidade de, a um só tempo, remover os estigmas associados à presença africana na formação nacional e celebrar as inúmeras contribuições positivas à cultura brasileira ( a dimensão pedagógica da democracia racial).

Para entender como o discurso da democracia é operacionalizado em diferentes instâncias, é igualmente importante fixar o contexto intelectual maior em que tais estratégias discursivas são utilizadas, o que nos levará a analisar o funcionamento do ensaio de interpretação da formação nacional, com suas dimensões performativas e pedagógicas.

Antes de iniciar a análise propriamente dita, pretendemos especificar o tipo de abordagem que vamos realizar, limpando o terreno para não cair naquilo que chamo de armadilha representacional. Essa armadilha consistiria em avaliar um texto do pensamento social baseado nas representações supostamente verdadeiras ou falsas que produzem, em vez de estudar o que os textos de fato fazem no contexto em que são produzidos. Também queremos esclarecer alguns dos pressupostos teóricos que orientam o nosso estudo. Partimos da concepção de que textos do pensamento social performam algumas ações, sendo assim primordial entender o que esses textos fazem quando são escritos. Esses pressupostos sustentam a hipótese central deste trabalho, isto é, a de que Casa-grande & senzala coordena um conjunto de ações linguísticas que ajudam a articular o consenso racial-democrático no Brasil.

Armadilha representacional

Na história das ciências sociais brasileiras, o gênero ensaístico é entendido como pertencente à era da pré-sociologia. Trata-se de um gênero a ser evitado pelos modernos cientistas sociais, já que, ao lidar com uma mistura de impressões pessoais e ciência mal digerida, o ensaio gera um conhecimento considerado de segunda ordem, inseguro e pouco confiável. Num artigo publicado em 1959 como verbete sobre a sociologia brasileira na Enciclopédia Delta-Larousse, Antonio Candido, então assistente da cadeira de sociologia na USP, chega a fazer uma distinção que consideramos preciosa: o ensaio pertence a uma época em que a sociologia era usada para corroborar pontos de vista. Muito diferente da ciência sociológica moderna, realizada na Universidade de São Paulo, mais precisa metodologicamente e, por isso, mais objetiva nas suas análises (CANDIDO, 2006CANDIDO, Antonio. A sociologia no Brasil. Tempo Social, v. 18, n. 1, 2006, p. 271-301.).

A sociologia institucionalizada ganhou essa batalha nos anos 1960 e 1970, uma vez que os grandes ensaios de interpretação nacional já não são mais escritos. É possível concluir que a narrativa sobre o ensaísmo brasileiro está sempre condicionada e comprometida pela mirada daqueles que conseguiram superar o ensaio como forma de escrever e discutir as principais questões da sociedade brasileira. O ensaísmo estaria para as ciências sociais assim como a alquimia para a química, isto é, ao mesmo que antecede a ciência, torna-se antagonista central da ciência emergente. Esse antagonismo pode gerar algumas armadilhas que turvam a compreensão sobre o alcance e o real funcionamento do ensaio como gênero discursivo.

A principal armadilha seria aquela que denominamos de representacional. Como foi exposto acima, o ensaísmo era criticado por seu tom impressionista e impreciso, repleto de generalizações infundadas, exemplos anedóticos e pontos de vistas apriorísticos. Boa parte do trabalho das ciências sociais modernas foi o de denunciar tais debilidades. Seguindo a lógica da investigação científica, essas denúncias eram fundamentadas a partir de uma operação de falseamento das teses “ensaísticas”, isto é, pretendiam mostrar que muitas das ideias defendidas pelos ensaístas brasileiros não correspondiam a uma representação acurada da realidade, ou que tais ideias eram produzidas arbitrariamente, sem qualquer tipo de rigor conceitual e correção metodológica.

O que chamamos de armadilha representacional consiste exatamente em descartar o valor do ensaio pelo fato das interpretações ensaísticas do Brasil conceberem representações consideradas equivocadas, falsas ou distorcidas da realidade brasileira. O que certamente foi um passo importante para consolidar a autonomia disciplinar das ciências sociais (o falseamento faz parte da lógica de qualquer pesquisa científica), apontando o erro das visões parciais e impressionistas, acabou se tornando um elemento de incompreensão do real alcance e função do ensaio. E aí entra como exemplo o tema do nosso estudo: o fato das teses centrais sobre a democracia racial terem sido sistematicamente refutadas e falseadas pelas ciências sociais brasileiras ao longo da segunda metade do século XX em muito pouco diminuiu a importância de tal discurso, seu impacto na imaginação nacional e no modo dos brasileiros - tanto no aparato estatal como na sociedade civil - ainda se autorrepresentarem recorrendo a partes significativas desse discurso. O que está aparentemente superado nos corredores das universidades não está necessariamente datado no discurso público. Em outras palavras, a armadilha representacional muitas vezes nos impede de investigar como esses ensaios de fato funcionam, interpelando o público e impactando a imaginação social sem ter que necessariamente obedecer aos protocolos das ciências sociais.

O que podemos observar ao longo da história cultural brasileira é que esses textos almejavam não apenas construir representações da sociedade e cultura brasileiras, devendo ser também compreendidos como atos de fala que performam disputas em torno do que o Brasil deveria ser, de sua relação com as instituições ocidentais, de que ideias pareciam se adequar ou não às tradições nacionais, além de muitos outros debates e polêmicas. Não pretendemos fazer qualquer avaliação sobre o potencial teórico (LYNCH, 2013LYNCH, Christian. Por que pensamento e não teoria? A imaginação político-social brasileira e o fantasma da condição periférica (1880-1970). Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 56, n. 4, 2013, p. 727-767.) ou sobre a eficiência explicativa de tais textos (TAVAROLO, 2014TAVAROLO, Sergio. A tese da singularidade revisitada: desafios teóricos contemporâneos. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 57, n. 3, 2014, p. 633-673.). Isso tem sido feito (e bem-feito) no campo das ciências sociais. Em vez de seguir por esses rumos, lemos os ensaios de formação sobretudo como elementos constitutivos de um campo discursivo que, ao debater sobre os destinos da nação, tenta forjar o seu imaginário político e cultural.

Ensaio de formação, entre a performance e a pedagogia

Como bem destacaram Paulo Eduardo Arantes e Otília Beatriz Foiri Arantes (1997ARANTES, Paulo Eduardo; ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Sentido da formação: três estudos sobre Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997., p. 5), o conceito de formação é a um só tempo descritivo e normativo. Em certo sentido, o conceito cobre tanto aquilo que já foi formado na sociedade brasileira (aquilo que, mal ou bem, segundo o ponto de vista do ensaísta, o Brasil já é) quanto o que os brasileiros desejam que o Brasil de fato se tornasse (de acordo com os padrões civilizatórios da imaginação do ensaísta do momento). As duas dimensões do conceito são interligadas, pois o conceito que descreve a nação, com suas potencialidades e mazelas, também prescreve os remédios para os males do país. É o engajamento nacionalista - o ensaio de interpretação é uma forma empenhada por excelência - que liga os dois polos dessa equação: a descrição e a norma, o diagnóstico e a prescrição, a incompletude e o desejo de preencher o suposto vazio com o conteúdo ideológico da preferência do ensaísta.

Levando em consideração os aspectos descritivos e normativos embutidos na ideia de formação, pretendemos operacionalizar nossa análise dos discursos em torno da formação a partir de duas dimensões: a performativa e a construtivo-pedagógica, que guardam uma relação de homologia com o descritivo e o normativo. Mobilizamos a dimensão performativa e pedagógica inspirada no uso que Dipesh Chakrabarty (2002CHAKRABARTY, Dipesh. Museums in late democracies. Humanities Research, v. 9, n. 1, 2002, p. 5-12.) faz em artigo sobre a “política como performance” e “a política como pedagogia”. O discurso da política como perfomance pressupõe que todos os seres humanos, independente de quão iletrados ou supostamente despreparados eles sejam, agem politicamente. O discurso da política como pedagogia, por sua vez, enfoca na necessidade que as pessoas têm de se politizar, uma vez que elas não são inerentemente políticas. As pessoas se tornam políticas quando se educam, isto é, se politizam2 2 Essa distinção entre política como pedagogia e política como perfomance é fundamental para entender as diferenças entre as abordagens marxistas e pós-coloniais. Enquanto o foco da historiografia marxista incidia sobre um certo déficit de racionalidade na ação política de insurgentes e rebeldes, por estarem ainda na esfera do pré-político (HOBSBAWM, 1969) e não internalizarem uma gramática política moderna, que orientasse suas ações de modo mais consequente, a historiografia subalterna indiana preferia resgatar a dimensão performativa da política operada pelos insurgentes do campesinato indiano, dentro de sua própria lógica de ação. .

Todo discurso sobre a formação apresenta algum tipo de interação entre essas duas facetas, com predominância de uma em detrimento de outra. Para esclarecer o que seria o discurso sobre formação como performance e o discurso sobre formação como pedagogia, vamos usar como exemplo os posicionamentos de um autor central da literatura brasileira moderna, também ele bastante obcecado pela ideia de formação: Mário de Andrade. Para exemplificar o que seria a dimensão performativa desse discurso, vale a pena destacar um trecho de “O poeta come amendoim”, poema de 1924.

Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.
(ANDRADE, 2013ANDRADE, Mário. Poesias completas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013., p. 162).

Nesse poema, Mário de Andrade associa a nacionalidade às atividades do dia a dia e aos ritmos do corpo, afastando-se assim de qualquer celebração abstrata da pátria. Certo jeito de estar no mundo do brasileiro já pode ser constatado nas mais ínfimas interações do cotidiano, internalizado na disposição corporal e mental do brasileiro. O discurso da formação como perfomance centra-se, portanto, na verificação de algo que, dentro da perspectiva do ensaísta, já está formado e atuante na sociedade brasileira, e que é, seguindo a lógica desse discurso de formação, visto - na maior parte dos casos - como característica positiva, digna de louvor e definidora da nacionalidade.

Por outro lado, o mesmo Mário de Andrade era também obcecado com a dimensão pedagógica da formação, como podemos perceber nesse trecho de uma carta enviada a Carlos Drummond de Andrade: “Nós temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandioso, é sublime. E nos dá felicidade” (ANDRADE, 1982ANDRADE, Mário. Lição do amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1982., p. 25).

Para Mário de Andrade, o Brasil ainda não tinha uma alma, e é por isso que nós devemos criar essa alma para o Brasil. Os jeitos pachorrentos de viver, de ganhar dinheiro, de comer e de viver, aludidos no poema acima, não parecem ser suficientes para dar uma alma ao Brasil. A vida de Mário de Andrade está marcada pelo seu intenso engajamento na construção de uma cultura brasileira que fizesse a ponte entre a arte erudita e a cultura popular, dando organicidade à vida cultural brasileira. O discurso da formação enquanto pedagogia destaca as inúmeras lacunas que precisam ser preenchidas para que a nação seja efetivamente formada, e faz o ensaísta assumir um tom professoral, de alguém que ensina à nação os caminhos que ela deve seguir. Diante das incompletudes da nação, torna-se necessário organizar todo um esforço reformista (ou revolucionário) e pedagógico que retifique os erros originários e coloque o país nos trilhos de seu suposto destino histórico.

O que devemos observar é que não existe discurso em torno à formação do Brasil sem passar por algum tipo de combinação entre as facetas performativas e pedagógicas. Digamos que todo discurso sobre a nossa formação se torna possível no hiato que separa aquilo que consideramos ser o que nos define essencial e positivamente como nação e o que gostaríamos de ser enquanto país moderno, alinhado com as outras grandes potências ocidentais.

O performativo e o pedagógico na obra de Gilberto Freyre

Gilberto Freyre é um autor central do pensamento social brasileiro por ser artífice da autoimagem mais bem-sucedida da cultura brasileira. Freyre argumenta que os portugueses e seus descendentes da casa-grande, juntamente com os africanos e seus descendentes da senzala, fundaram “a maior civilização moderna nos trópicos” (FREYRE, 2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. 214). Anos de colonização nos legaram um jeito próprio de estar no mundo, forjado pelas várias influências de nossas matrizes culturais. Esse traço do pensamento freyriano não passou desapercebido de muitos intelectuais africanos, como os caboverdianos Baltasar Lopes e Gabriel Mariano, que viam no Brasil um exemplo de autonomia cultural a ser seguido3 3 Para uma análise da relação entre a obra de Gilberto Freyre e os intelectuais cabo-verdianos do grupo Claridade, cf. Melo, 2014. . Não havia dúvida para eles que a cultura brasileira havia se distinguido de Portugal, o que também era um objetivo primordial para o projeto do nacionalismo cultural cabo-verdiano.

Seria enganoso, no entanto, ver em Casa-grande & senzala uma simples tentativa de retratar aquilo que o brasileiro já era (isto é, a dimensão performativa da nacionalidade). Há na obra principal de Freyre um esforço em convencer os brasileiros de sua época do vigor de uma cultura brasileira que deveria ser intensamente vivida como tal, mas que ainda não existia. É sabido que Freyre enxerga o núcleo vital da cultura brasileira na dualidade confraternizante entre senhor e escravo, bacharel e analfabeto, cultura europeia e cultura africana etc. O melhor do Brasil viria dessa zona de confraternização e intercomunicação entre opostos sociais em permanente equilíbrio (FREYRE, 2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. 76). Quem lê os artigos de Freyre publicados nos anos 1920 no Diário de Pernambuco se apercebe da sua crítica constante ao arrivismo colonizado dos brasileiros da Primeira República, totalmente desconectados das tradições luso-brasileiras, alheios à cultura popular e ignorantes da ecologia tropical. Gente que morava em “chalés suíços e palacetes normandos, indo a Paris se divertir com francesas de aluguel” (FREYRE, 2002, p. 52). Isso quer dizer que havia uma quantidade não desprezível de brasileiros - quase todos potenciais leitores de Casa-grande & senzala - que estavam fora dessa zona de confraternização, celebrada por Freyre como o motor da cultura brasileira. Muito além de um retrato do que o Brasil era, o ensaio principal de Freyre cumpria uma função importante e muito própria do modernismo4 4 Entendemos aqui o modernismo como movimento amplo de renovação das letras e das ideias no Brasil, convergindo assim com o juízo de Antonio Candido (1980, p. 124) de que “[a] obra de Gilberto Freyre assinala a expressão [...] das mesmas tendências do Modernismo, a que deu por assim dizer coroamento sistemático, ao estudar com livre fantasia o papel do negro, do índio e do colonizador na formação de uma sociedade ajustada às condições do meio tropical e da economia latifundiária”. : ensinar os brasileiros a se abrasileirarem, a partir de certa imagem de Brasil, fomentando certa pedagogia de nacionalidade.

A atuação intelectual de Gilberto Freyre na década de 1920 é bastante reveladora dessa estratégia de tentar “abrasileirar” o Brasil, isto é, tornar o país menos europeizado e entusiasta das novidades modernas e mais voltado para as suas próprias tradições locais. As colunas que escrevia no Diário de Pernambuco nos anos de 1920 oferecem um farto material para mostrar a sua inquietude diante do Brasil daquela época, visto pelo futuro autor de Casa-grande & senzala como artificial, postiço e mimético. Em artigo de outubro de 1923, Freyre argumenta que o Brasil seria o vencedor de qualquer competição internacional de destruição do passado. Perto dos brasileiros, os dadaístas seriam “meros teóricos” (FREYRE, 1978FREYRE, Gilberto. Tempo de aprendiz: artigos publicados em jornais na adolescência e na primeira mocidade do autor (1918-1926). São Paulo, Ibrasa/MEC, 1978., p. 320). Reclama que não havia no Recife nenhum “café” adaptado às condições locais, onde se pudesse tomar um caldo de cana, uma água de coco ou mate. Chega a imaginar como seria esse café brasileiro:

Imagino bem como seria semelhante café: uns papagaios em gaiolas de latas, coco verde à vontade pelo chão - não se serve coco verde nos cafés do Recife! - uma fartura de vinho de jenipapo, folhas de canela aromatizando o ar com seu pungente cheiro tropical. À noite, menestréis - cantadores! - cantando ao violão trovas de desafio; num canto uma dessas pretalhonas vastas e boas, assando castanhas ou fazendo pamonha. Ao seu lado, quitutes e doces, ingenuamente enfeitados com flores de papel recortado, anunciando uma culinária e uma confeitaria que constituem talvez a única arte que verdadeiramente nos honra. Isso, sim, seria uma delícia de café. (FREYRE, 1978FREYRE, Gilberto. Tempo de aprendiz: artigos publicados em jornais na adolescência e na primeira mocidade do autor (1918-1926). São Paulo, Ibrasa/MEC, 1978., p. 322).

Note-se que, diante do diagnóstico de que o brasileiro era um europeizado, desligado do seu ambiente tropical e ignorante de sua história regional, Freyre resolve prescrever aquilo que seria um café legitimamente brasileiro (brasileiro do Nordeste). Mostra-se, mais uma vez, o aspecto pedagógico do seu discurso: é preciso ensinar os brasileiros a se tornarem ou se imaginarem brasileiros. Mostrar a eles o caminho de uma nacionalidade consequente com a ecologia dos trópicos e com a tradição da região. Também em artigo de 1923, sugere uma campanha nacional de valorização do passado, “que nos eduque no gosto da antiguidade. No gosto do nosso passado. Da nossa tradição” (FREYRE, 1978FREYRE, Gilberto. Tempo de aprendiz: artigos publicados em jornais na adolescência e na primeira mocidade do autor (1918-1926). São Paulo, Ibrasa/MEC, 1978., p. 342 - grifo meu). A ênfase na educação dos brasileiros para os temas do passado e da tradição corrobora esse desejo de agir naquela sociedade para mudar a percepção das pessoas sobre a região e o país em que elas viviam. Tudo isso vai desaguar no Manifesto regionalista, supostamente lido no Congresso Regionalista de 1926 e efetivamente publicado em 1952. O manifesto é um chamado para os brasileiros do Nordeste se reconectarem com suas tradições. Freyre (1996, p. 53) clama pela “reabilitação de valores regionais e tradicionais desta parte do Brasil”. Na década seguinte, a de 1930, essa demanda regional vira discurso com ambição nacional, mas com o mesmo viés pedagógico-construtivo.

O importante a destacar nessa militância de Freyre é que ele lutou, junto com toda uma geração de intelectuais modernistas, para consagrar a representação hegemônica do Brasil, ainda hoje tão cara aos brasileiros na hora de se autoimaginarem. Em outras palavras, lutou, militou e venceu essa batalha simbólica. Apesar disso, é imperativo reconhecer que, ao vencer, apagou os rastros de suas intervenções e interpelações, naturalizando a imagem do Brasil mestiço e tropical, como se ele estivesse criando uma representação do país “tal como ele era”. O esforço pedagógico se disfarça em constatação fática da performance. Esse será um gesto repetido por Freyre em outras searas, como no discurso sobre a democracia racial, como veremos logo a seguir.

Discurso da democracia racial

O nome de Gilberto Freyre aparece inexoravelmente associado ao discurso sobre a democracia racial, apesar de nunca ter usado esse termo em seu livro principal, Casa-grande & senzala. Como já vimos, o sociólogo Antonio Sérgio Alfredo Guimarães chama atenção para o caráter multidimensional do conceito de democracia racial. Afinal, a democracia racial pode ser interpretada como um mito que mascara o racismo brasileiro; um ideal a nortear as relações raciais ou um pacto político a gerir o contrato social do país. É para essa terceira dimensão - a do pacto político - que Guimarães devota maior atenção. A ideia de que o Brasil seria um país particularmente caracterizado pela ausência de preconceitos raciais já havia sido difundida no século XIX por viajantes estrangeiros, publicistas e abolicionistas brasileiros, a ponto de se criar uma imagem do país como um “paraíso racial”. Guimarães argumenta que a democracia racial não seria uma simples reedição do mito do paraíso racial, pois há uma ênfase na noção de democracia. Segundo Guimarães,

[...] a expressão surge disseminadamente entre os intelectuais brasileiros na conjuntura de 1937-1944, ou seja, durante o Estado Novo, diante do enorme desafio de inserir o Brasil no mundo livre e democrático, por oposição ao racismo e ao totalitarismo nazifascistas, que acabaram vencidos na Segunda Grande Guerra. (GUIMARÃES, 2006GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Depois da democracia racial. Tempo Social, v. 18, n. 2, 2006, p. 267-289., p. 270).

Ainda segundo Guimarães (2006GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Depois da democracia racial. Tempo Social, v. 18, n. 2, 2006, p. 267-289., p. 271), a democracia racial seria “um modo tacitamente pactuado de integração dos negros à sociedade de classes do Brasil pós-guerra [...] tanto em termos de simbologia nacional, como em termos da sua política econômica e social”. Embora seja correto afirmar que Gilberto Freyre nunca tenha empregado o termo “democracia racial” nas suas principais obras da década de 1930, também seria certo aduzir que a sua obra participa com muita intensidade do pacto da democracia racial, servindo como um verdadeiro lastro intelectual para o funcionamento (precário) desse pacto.

É importante enfatizar que também a democracia racial deve ser estudada pelas lentes do discurso da formação do país e suas dimensões performativas e pedagógico-construtivas. Isto é, de um lado, a democracia racial pode ser vista como algo que é constatado e celebrado por Freyre, como se fosse parte inerente ao jeito de ser brasileiro, enquanto, por outro lado, a democracia racial também pode ser compreendida como um objetivo a ser alcançado, cujos pressupostos precisam ser transmitidos pedagogicamente para a população por Freyre em sua obra principal.

A noção de democracia racial como performance partiria do pressuposto de que a tolerância racial pode ser verificada nas interações sociais cotidianas do povo brasileiro. A conduta não racista do brasileiro poderia ser constatada - e celebrada - na realidade brasileira em seu dia a dia. Já a ideia de democracia racial como pedagogia tomaria tanto a valorização da diversidade cultural que constitui o Brasil quanto o combate ao racismo como princípios basilares que deveriam ser transmitidos e ensinados constantemente às novas gerações de brasileiros.

A democracia racial como performance seria um discurso que constata algo supostamente já existente (o congraçamento entre raças no Brasil), enquanto a democracia racial como pedagogia funcionaria como uma intervenção educativa num cenário que demanda por tais ensinamentos. Grande parte da complexidade de Casa-grande & senzala pode ser atribuída ao fato de a obra oscilar entre essas duas noções. A oscilação fica mais clara quando identificamos o arsenal que Gilberto Freyre mobiliza em Casa-grande & senzala para tratar do tema da participação do negro na formação social brasileira.

A mobilização desse repertório discursivo é um aspecto fundamental para entender como Casa-grande & senzala ajuda a pactuar a democracia racial. Vejamos o que Freyre faz em seu livro: 1) celebra os momentos de confraternização entre senhores e escravos, brancos e negros e passa a compreender tais zonas de confraternização como espaços criadores da cultura brasileira; 2) refuta sistematicamente mitos e estereótipos que atribuem malignidade ao negro (e, sobretudo, à mulher negra) na formação do país; 3) valoriza o legado cultural africano a ponto de considerá-lo de magnitude semelhante, quando não superior, à dos portugueses. Em todas essas três ações Gilberto Freyre contesta a sabedoria convencional de seu tempo, dominado pelo etnopessimismo de Paulo Prado, Oliveira Vianna e Nina Rodrigues.

O primeiro item - a retórica da confraternização - está claramente alinhado à noção de democracia racial como performance. Quando Gilberto Freyre (2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. 358) afirma que “a doçura nas relações de senhores com escravos domésticos” talvez fosse “maior no Brasil do que em qualquer parte da América”, ou que a miscigenação serviu para corrigir “a distância social [...] entre a casa-grande e a senzala” (FREYRE, 2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. 9) e democratizar socialmente o Brasil, ele está reiterando uma visão de que as relações raciais no Brasil são harmoniosas, e que o Brasil seria um laboratório exitoso e vibrante de misturas raciais e culturais.

Os dois outros itens - a crítica às estigmatizações criadas em torno da presença africana no Brasil e a valorização do legado cultural africano - se aproximam mais da noção da democracia racial como pedagogia, destacando a relevância cultural e social do negro brasileiro. Gilberto Freyre não apenas combate estereótipos que reforçavam a inferiorização do negro (encontrada em autores como Oliveira Vianna e Nina Rodrigues), como elogia a atuação do negro na formação do Brasil. O movimento é duplo e complementar: Freyre rejeita os aspectos tidos como negativos da influência africana ao mesmo tempo que destaca as dimensões positivas da cultura negro-brasileira. No quarto capítulo de Casa-grande & senzala, o autor argumenta que, muito mais que força muscular, os negros foram mestres no conhecimento da metalurgia, nas técnicas exploratórias das minas brasileiras, no desenvolvimento da criação de gado (FREYRE, 2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. 321), na culinária, no desabrochar da imaginação brasileira pela fala das contadoras de histórias etc. Gilberto narra todas essas contribuições, com apego aos detalhes, evidenciando a penetração dos vários saberes africanos tanto na cultura material como no patrimônio imaterial formados no Brasil. Numa época em que esses saberes africanos eram vistos como irrelevantes e que a grande contribuição imputada ao negro havia sido a proliferação da sífilis, o retrato construído por Freyre tem uma dimensão pedagógica evidente para um público leitor criado e socializado com as representações fortemente racistas do negro brasileiro5 5 Lembrando que Caio Prado Junior escreverá seu Formação do Brasil contemporâneo nove anos depois, em 1941, e terá uma visão mais simplista e empobrecida da cultura africana. Chega a dizer que a contribuição dos africanos para formação brasileira “é além daquela energia motriz quase nula” (PRADO JR., 2000, p. 280). .

Talvez seja necessário esclarecer por que considero queCasa-grande & senzalateve um impacto antirracista. O emprego de categorias raciais na obra seminal de Gilberto Freyre é bastante conhecido pelos seus estudiosos (LIMA,1989LIMA, Luiz Costa. A versão solar do patriarcalismo: Casa-grande & senzala. In: LIMA, Luiz Costa. A aguarrás do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1989, p. 187-236.; LEITE, 1976LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. São Paulo: Difel, 1976.), colocando em xeque a afirmação, frequentemente reiterada por ele, de que Casa-grande & senzala habita um território discursivo em que a demarcação entre raça e cultura já está bem-feita. Freyre realiza muitas de suas análises com o auxílio de uma sintaxe racista, comparando culturas a partir de relações de superioridade ou inferioridade e, embora se afaste do racismo biológico, continua pensando a cultura numa moldura claramente hierárquica. Isso pode ser identificado na avaliação que faz dos sudaneses muçulmanos que vieram ao Brasil, considerados por Freyre superiores aos bantus, aos índios e aos portugueses exatamente por terem uma cultura supostamente mais elaborada (FREYRE, 2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. 314). Ou quando afirma que os negros trazidos ao Brasil detinham um melhor estoque cultural do que aqueles levados para outras partes da América, em razão de uma seleção eugênica mais rigorosa acontecida no Brasil (FREYRE, 2002, p. 319). Essa visão hierárquica de estoques culturais, no entanto, é relativizada por uma interpretação neolamarckiana das complexas interações entre raça e ambiente, conforme já demonstrou Ricardo Benzaquen de Araújo (1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.) em seu estudo incontornável. Em outras palavras: no pensamento freyriano, a suposta superioridade ou inferioridade de uma cultura nunca é tomada como algo fixo e acabado. Culturas mudam e se adaptam aos rigores e exigências do ambiente. EmCasa-grande & senzala, Gilberto Freyre usa o livroAre we civilized?, do antropólogo austríaco-americano Robert Harry Lowie, para dar o exemplo da maleabilidade das culturas. Lowie se pergunta qual seria a explicação para ingleses e alemães - tão semelhantes fenotipicamente - terem desenvolvido culturas musicais tão diferentes. A resposta se encontra nos estímulos do ambiente: “A sociedade alemã vem desde algum tempo estimulando sistematicamente a cultura musical, ao contrário da sociedade inglesa que a tem negligenciado” (LOWIE, 1929 apud FREYRE, 2002, p. 313). O domínio da Alemanha na cena musical internacional também é explicado historicamente: “A proeminência alemã [na música] é recentíssima. Até poucos séculos atrás a Alemanha se achava em situação inferior à Holanda, à Itália e à própria Inglaterra” (LOWIE, 1929 apud FREYRE, 2002, p. 313). A hierarquia cultural no pensamento freyriano é constantemente relativizada pelo pressuposto neolamarckiano de que culturas são maleáveis pelos estímulos do ambiente e pelas contingências históricas. Outro ponto que é importante reiterar: ao contrário do racismo cultural de outros intérpretes do Brasil, o de Freyre não é exclusivamente eurocêntrico. Boa parte da superioridade atribuída por ele a sudaneses e haúcas é justificada pela presença da cultura muçulmana nesses povos. Estamos longe daquele tipo de hierarquia que valoriza tudo que se aproxima da Europa e desqualifica aquilo que se distancia dos parâmetros ocidentais.

O impacto do discurso

Voltando ao argumento inicial, apesar do uso episódico de categorias raciais e do racismo cultural não exclusivamente eurocêntrico que norteia muitas avaliações deCasa-grande & senzala, não seria exagero afirmar que a obra de Freyre teve um impacto antirracista. Não se trata, portanto, de emitir um juízo ontológico sobre a obra (se ela é ou não é racista/antirracista), mas de compreender o efeito que provocou na história cultural brasileira no contexto do pacto.

Se entendermos que o racismo é um sistema socioeconômico-cultural de opressão que inferioriza, desqualifica e invalida um grupo social a partir de supostos critérios raciais juntamente com todo o mundo simbólico que esse grupo produz e suporta (práticas sociais, cosmovisões, religiões, ritos, modos de organização social etc.), não se pode negar que Casa-grande & senzala contribuiu, dentro dos limites da década de 1930, para atenuar os efeitos do racismo no meio letrado brasileiro. Afinal, em sua obra principal, Gilberto Freyre não apenas combate estereótipos que reforçavam a inferiorização do negro, como elogia a atuação do negro na formação do Brasil.

Fica clara a ambivalência entre a dimensão performativa e pedagógica no discurso freyriano da democracia racial. Se brancos e negros se confraternizam e não podem ser considerados metades inimigas (FREYRE, 2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. 344) - diferentemente, portanto, dos negros e brancos estadunidenses -, por que Freyre precisa educar um imaginário que acaba por se revelar tão impregnado de preconceitos, estereótipos e racismo? Num discurso feito na Câmara dos Deputados, em desagravo ao caso de racismo cometido contra a artista negra norte-americana Katherine Durham em São Paulo, no ano de 1951, Gilberto Freyre, então deputado federal, se sente envergonhado com “o ultraje à artista admirável cuja presença honra o Brasil” (FREYRE, 1966, p. 190). Ademais, afirma que “o silêncio cômodo seria uma traição aos nossos deveres de representantes de uma nação que faz do ideal, se não sempre da prática, da democracia racial, inclusive a étnica, um dos seus motivos de vida, uma das suas condições de desenvolvimento” (FREYRE, 1966, p. 190). O próprio autor é obrigado a reconhecer, diante da situação de Katherine Durham, que a democracia racial seria um ideal a ser perseguido, nem sempre respeitado na prática. O grande nó ideológico da obra de Freyre é o de embaralhar as noções pedagógicas e performativas de democracia racial, fazendo uma passar pela outra. Se a democracia racial é algo a ser constantemente ensinado, isso certamente evidencia que sua dimensão fática e performativa se assenta em bases muito frágeis.

De qualquer modo, seria difícil negar o impacto antirracista produzido por Casa-grande & senzala no meio letrado. Podemos verificar esse impacto, a título de exemplo, em dois intelectuais progressistas, certamente reconhecidos no campo da esquerda, mas que viveram os anos 1930 em posições muito diferentes: Graciliano Ramos, já um consagrado escritor à época, e Antonio Candido, que relata suas memórias de adolescente em Minas Gerais.

Graciliano escreve um fragmento no final dos anos 1930 sobre a situação do negro no Brasil com o intuito de investigar qual seria a causa “dessa valorização excessiva do preto no Brasil” (RAMOS, 2012RAMOS, Graciliano. Garranchos: textos inéditos de Graciliano Ramos. Org. Thiago Mio Salla. São Paulo: Record, 2012., p. 166). Relata a experiência do carnaval naquele ano, em que “a cidade parecia ter sido conquistada por alguma tribo africana” com direito a “[m]úsica de batuque, danças em que os corpos se agitavam furiosamente, rebolando os quadris, e as notas ásperas do canto bárbaro, amoroso ou guerreiro, dominando todos os rumores” (RAMOS, 2012, p. 166). O autor de Vidas secas se surpreende com esse fato novo: “a raça negra aparece-nos pela primeira vez como uma afirmação” (RAMOS, 2012, p. 166). Depois de relatar os inúmeros episódios em que os negros foram estigmatizados socialmente, além de perseguidos por sua religião e cultura, Graciliano aponta duas causas para, naqueles dias, os negros “haverem aprumado o espinhaço e não se envergonharem do que são”: uma de ordem econômica, que tinha a ver com a ascensão social dos negros em decorrência da sua incansável ética do trabalho, e outra de ordem cultural, resultado da “propaganda feita nestes últimos anos por sociólogos e romancistas em favor deles [os negros]” (RAMOS, 2012, p. 167). Graciliano considera a atuação de Artur Ramos e Gilberto Freyre como a de verdadeiros “traidores da raça”, tamanho foi o engajamento de tais cientistas sociais na promoção da cultura negro-brasileira:

Talvez não seja inoportuno aludir à ação de certos indivíduos, evidentemente traidores, que defenderam os interesses duma raça ou classe inimiga da deles: nobres e padres apoiando o Terceiro Estado na Revolução Francesa, burgueses abraçando a causa dos trabalhadores na Revolução Russa, brancos defendendo pretos nos Estados Unidos. Gilberto Freyre e Arthur Ramos deviam ser negros. Não são. (RAMOS, 2012RAMOS, Graciliano. Garranchos: textos inéditos de Graciliano Ramos. Org. Thiago Mio Salla. São Paulo: Record, 2012., p. 167).

Essas palavras são evidências de como a mudança na valorização da cultura negro-brasileira era atribuída à sociologia de Gilberto Freyre por gente do calibre de Graciliano Ramos. Mostram que o impacto de sua obra foi algo plenamente reconhecido nos anos 1930. Também podemos verificar algo semelhante no testemunho dado por Antonio Candido a Heloísa Pontes:

Para responder talvez valha a pena contar como fiquei conhecendo o livro, em 1934. Eu tinha dois amigos, os irmãos Antonio Carlos e José Bonifácio de Andrada e Silva, que eram de esquerda, sendo um da minha idade e outro um ano mais velho [...]. Esses rapazes influíram muito na minha inclinação progressiva para o socialismo [...]. Eles leramCasa-grande & senzalae me contaram como era o livro, do qual líamos trechos juntos. A primeira reação que lembro foi do Antonio Carlos, que começou a se olhar no espelho, a puxar os lábios para engrossá-los, dizendo: “Acho que sou mulato”!

Conto isso para indicar que nós, adolescentes, começamos por aí a tomar consciência da mestiçagem como algo próximo de nós, não como fato externo, mas como algo de que certamente participávamos, nós que éramos de famílias antigas, formadas num tempo em que eram intensas as relações sexuais entre senhores e escravas. Começamos a sentir que nalgum lugar da nossa ascendência, mais longe ou mais perto, poderia estar um antepassado negro. Se não me engana a memória, creio que foram desse tipo as nossas primeiras reações. (CANDIDO, 2001CANDIDO, Antonio. Entrevista com Antonio Candido, por Heloisa Pontes. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n. 46, 2001, p. 5-30., p. 7).

É possível identificar no testemunho de Antonio Candido uma narrativa de conversão e inflexão. Algo muda radicalmente após a leitura de Casa-grande & senzala. Uma nova percepção do Brasil é criada, que passava pela mestiçagem como uma força palpável que operava na sociedade, no cotidiano das pessoas e na história das famílias.

Se há algo que marca tanto o texto de Graciliano como o testemunho de Candido é essa sensação de que a obra de Freyre demarca um antes e um depois, performando assim uma virada no pensamento brasileiro. Devemos lembrar que esse giro foi concebido na própria estrutura do livro, que abre seu prefácio com uma cena que aponta para a inflexão no modo de pensar o povo brasileiro por parte do ensaísta. A cena é a do encontro do jovem Gilberto Freyre com os marinheiros brasileiros brincando na neve de Nova York:

Vi uma vez, depois de mais de três anos maciços de ausência do Brasil, um bando de marinheiros nacionais - mulatos e cafuzos - descendo não me lembro se do São Paulo ou do Minas pela neve mole do Brooklyn. Deram-me a impressão de caricaturas de homens. E veio-me à lembrança a frase de um livro de viajante americano que acabar de ler sobre o Brasil: “the fearfully mongrel aspect of most of population”. A miscigenação resultava naquilo. Faltou-me quem me dissesse então, como em 1929 Roquette-Pinto aos arianistas do Congresso Brasileiro de Eugenia, que não eram simplesmente mulatos ou cafuzos os indivíduos que eu julgava representarem o Brasil, mas mulatos e cafuzos doentes. (FREYRE, 2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. xxlv)6 6 Esse trecho condensa algumas características importantes do ensaísmo e do pensamento de Freyre. Fernando Nicolazzi (2015, p. 332) aponta para esse aspecto do estilo freyriano: uma escrita que recorre muito à memória pessoal, ao “ter estado lá”, fundindo perspectiva pessoal com experiência social. Também é um trecho importante para entender o pensamento de Freyre pois evidencia o modo como ele enxergava a questão racial na época em que estava nos Estados Unidos. Freyre foi leitor entusiasta de livros racistas da estirpe de The rise of the color tide, de Lothrop Stoddard, e The passing of the great race, de Madison Grant. O melhor estudo sobre a transição pela qual passa Freyre na década de 1920, do racismo para o antirracismo (e autointitulado discípulo de Franz Boas), é o livro de Maria Lúcia Pallares-Burke, Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos (2005). .

A homenagem a Roquette-Pinto, então diretor do Museu Nacional, é bastante significativa, pois, apesar de ser teoricamente um antropólogo evolucionista, fortemente influenciado pela biologia de matriz mendeliana, em termos práticos e pragmáticos, Roquette-Pinto sempre defendeu a melhora do ambiente e da educação e como modo de “melhorar a raça”, conforme podemos verificar na sua comunicação no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, na qual afirmava que

[...] o numero de individuos somaticamente deficientes, em algumas regioes do paiz, é realmente consideravel. Isso, porém, não corre por conta de qualquer factor de ordem racial; deriva de causas pathologicas cuja remoção na maioria dos casos independe da anthropologia. É questão de politica sanitaria e educativa. (ROQUETTE-PINTO, 1929ROQUETTE-PINTO, Edgard. Notas sobre os typos anthropologicos do Brasil. In: Actas e Trabalhos do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, Rio de Janeiro, 1929, p. 119-147., p. 146 - ênfase minha acrescentada)7 7 Nesse trecho foi mantida a grafia original. .

Essa seria a fala de Roquette-Pinto no Congresso Brasileiro de Eugenia, que Freyre precisava ter escutado para mudar seu o julgamento em relação aos marinheiros brasileiros brincando na neve do Brooklyn.

Voltando ao prefácio de Casa-grande & senzala, podemos notar que o ponto de virada acontece já no final do parágrafo, quando Freyre (2002FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Paris: Coleção Archivos/Alca XX, 2002., p. xxlv) afirma que “[f]altou-me quem me dissesse, como em 1929 Roquette-Pinto aos arianistas [...] que não eram simplesmente mulatos ou cafuzos [...] mas mulatos e cafusos doentes”, pois ele passa a entender seu próprio juízo racista diante dos marinheiros mulatos e cafuzos como resultado de uma lacuna em sua formação - uma vez que nunca havia se deparado com um discurso pedagógico antirracista parecido com o de Roquette-Pinto: “faltou-me quem me dissesse”. O trecho é bastante significativo por sintetizar a proposta que Casa-grande & senzala pretende levar adiante: amplificar esse discurso pedagógico para outros brasileiros letrados que continuavam a ver mulatos e cafuzos com os mesmos estereótipos e preconceitos que o jovem Gilberto Freyre em Nova York. O ensaio de Freyre é todo ele um “agora há quem nos diga”.

Na avaliação que o próprio Gilberto faz da cena no Brooklyn, ele estava errado não porque a impressão de fealdade que os brasileiros mestiços brincando na neve lhe transmitiam fosse equivocada, mas porque o aspecto grotesco daquelas pessoas seria resultado de doenças de infância, da desnutrição e da falta de saneamento. Essa visão eugênica, notadamente neolamarckiana, retirava dos problemas nacionais qualquer dose de fatalismo determinista. Nossos defeitos e mazelas seriam curáveis, tais como as patologias do corpo enfermo do brasileiro. E assim podíamos ver como a catarse étnico-histórica (termo cunhado por Merquior, 1981MERQUIOR, José Guilherme. As ideias e as formas. Rio de Janeiro: Nova Editora, 1981.) operada por Casa-grande & senzala ajudou no consenso racial-democrático: a intercomunicação entre brancos e negros era digna de celebração; os estigmas associados à malignidade do negro na formação social do Brasil eram falsos; as contribuições dos negros à vida cultural, econômica e social do brasileiro eram indeléveis e de grande valor. Somado a tudo isso, nossas mazelas passavam a ser vistas como transitórias e podiam ser remediadas. Tudo isso dava lastro para uma validação da cultura negro-brasileira e para uma maior integração do negro à sociedade de classes. Integração que se revelou precária e vacilante, tal como o pacto que se engendrava em torno da democracia racial.

Se a originalidade civilizatória do Brasil, isto é, a marca maior da sua formação, está numa suposta democracia racial, pudemos mostrar que ela é um elemento que pode ser identificado em alguns momentos do discurso freyriano como se tivesse a força de uma evidência empírica facilmente encontrável na sociedade brasileira, ao mesmo tempo que a democracia racial também pode ser vista como um conjunto de dispositivos pedagógicos lançados na esfera pública pela obra de Freyre, tendo como sua principal finalidade o combate aos estigmas raciais e a valorização das grandes contribuições do negro à cultura e à sociedade brasileiras. A interação entre essas dimensões performativas e pedagógico-construtivas mostra que a simples constatação de uma sociedade mais fluida em termos de categoria racial não seria suficiente para defini-la como uma “democracia racial”. É preciso algo mais para que ela se efetive e ganhe existência.

O que pretendemos destacar ao longo do artigo é a complexidade discursiva e política da democracia racial, que não é simples fabricação de uma falsa consciência a serviço de uma classe dominante, nem tampouco se trata apenas de uma mera representação equivocada das relações sociais e raciais brasileiras. Há várias ações linguísticas em jogo na construção desse consenso, que devem ser muito mais nuançadas na análise das idas e vindas dos atores envolvidos nesse pacto. Falsear uma representação do Brasil (i.e., tomá-la como falsa ou equivocada) em nada invalida as ações linguísticas geradas por um texto como Casa-grande & senzala.

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  • 2
    Essa distinção entre política como pedagogia e política como perfomance é fundamental para entender as diferenças entre as abordagens marxistas e pós-coloniais. Enquanto o foco da historiografia marxista incidia sobre um certo déficit de racionalidade na ação política de insurgentes e rebeldes, por estarem ainda na esfera do pré-político (HOBSBAWM, 1969) e não internalizarem uma gramática política moderna, que orientasse suas ações de modo mais consequente, a historiografia subalterna indiana preferia resgatar a dimensão performativa da política operada pelos insurgentes do campesinato indiano, dentro de sua própria lógica de ação.
  • 3
    Para uma análise da relação entre a obra de Gilberto Freyre e os intelectuais cabo-verdianos do grupo Claridade, cf. Melo, 2014.
  • 4
    Entendemos aqui o modernismo como movimento amplo de renovação das letras e das ideias no Brasil, convergindo assim com o juízo de Antonio Candido (1980, p. 124) de que “[a] obra de Gilberto Freyre assinala a expressão [...] das mesmas tendências do Modernismo, a que deu por assim dizer coroamento sistemático, ao estudar com livre fantasia o papel do negro, do índio e do colonizador na formação de uma sociedade ajustada às condições do meio tropical e da economia latifundiária”.
  • 5
    Lembrando que Caio Prado Junior escreverá seu Formação do Brasil contemporâneo nove anos depois, em 1941, e terá uma visão mais simplista e empobrecida da cultura africana. Chega a dizer que a contribuição dos africanos para formação brasileira “é além daquela energia motriz quase nula” (PRADO JR., 2000, p. 280).
  • 6
    Esse trecho condensa algumas características importantes do ensaísmo e do pensamento de Freyre. Fernando Nicolazzi (2015, p. 332) aponta para esse aspecto do estilo freyriano: uma escrita que recorre muito à memória pessoal, ao “ter estado lá”, fundindo perspectiva pessoal com experiência social. Também é um trecho importante para entender o pensamento de Freyre pois evidencia o modo como ele enxergava a questão racial na época em que estava nos Estados Unidos. Freyre foi leitor entusiasta de livros racistas da estirpe de The rise of the color tide, de Lothrop Stoddard, e The passing of the great race, de Madison Grant. O melhor estudo sobre a transição pela qual passa Freyre na década de 1920, do racismo para o antirracismo (e autointitulado discípulo de Franz Boas), é o livro de Maria Lúcia Pallares-Burke, Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos (2005).
  • 7
    Nesse trecho foi mantida a grafia original.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2019
  • Aceito
    30 Out 2020
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