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Do local ao global: cidades escritas em Luiz Bacellar e Astrid Cabral

From local to global: written cities in Luiz Bacellar and Astrid Cabral

RESUMO

O presente ensaio discute a presença da cidade nas poesias de Luiz Bacellar e Astrid Cabral. Procede-se à leitura cerrada de poemas retirados respectivamente de Frauta de barro (1963) e Ponto de cruz (1979) a fim de extrair afinidades e divergências entre os autores. O processo de análise é dividido em duas partes: primeiramente, situa-se o topos com alguns exemplos da história da poesia; em seguida, focalizam-se as imagens fundamentais de cada poema. Ao fim, uma abordagem comparada objetiva desfazer certos exotismos comuns quando se pensa em cidades poéticas de autores considerados amazônicos, ao passo que esses nomes revelam outras formas da relação entre poesia e experiência urbana.

PALAVRAS-CHAVE
Poesia brasileira do século XX; poesia e experiência urbana; relações entre local e global

ABSTRACT

The present essay discusses the presence of cities in the poetry of Luiz Bacellar and Astrid Cabral. An attentive analysis is attempted of poems from Frauta de barro (1963) and Ponto de cruz (1979), in order to extract affinities and distinctions between the works of the two authors. The process of analysis is divided into two parts: at first, the topos is established within some examples of the history of poetry; subsequently, the focus of attention turns to the fundamental images of each poem. At the end, a comparative approach aims to dismantle some stereotypical exoticism associated with the common imaginary surrounding other cities from - what is commonly accepted as - Amazonian authors. Thus, these two authors, Bacellar and Cabral, shine a light on other forms of relationship between poetry and urban experience.

KEYWORDS
20th century Brazilian poetry; poetry and urban experience; local and global relationship

Pensar nas relações entre poesia e experiência urbana no Brasil não se dissocia por completo do modo como a cidade é vista na história da poesia pelo menos desde a modernização de países desenvolvidos. Poetas resistiram ou aderiram às forças da urbanização de modo paradoxal no mundo europeu e fora dele. Os efeitos desse processo foram sentidos e traduzidos em reações aos ideais de modernidade nele imbricados. A seu modo, então, autores fizeram da poesia o registro de um caminhar por um espaço em transformação, cujos símbolos cifraram forças e dinâmicas de épocas.

Em texto fundamental, Alfonso Berardinelli (2007)BERARDINELLI, Alfonso. Cidades visíveis na poesia moderna. In: BERARDINELLI, Alfonso. Da poesia à prosa. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 143-173. indica perfis poéticos como Baudelaire, Whitman, Apollinaire, Palazzeschi, Eliot, García Lorca, Borges. Dentre eles, os dois primeiros são compreendidos como sistemas poéticos (BERARDINELLI, 2007BERARDINELLI, Alfonso. Cidades visíveis na poesia moderna. In: BERARDINELLI, Alfonso. Da poesia à prosa. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 143-173., p. 144), enfeixados respectivamente pela Paris de Les fleurs du mal (BAUDELAIRE, 1857)2 2 Para Berardinelli (2007, p. 145), no sistema Baudelaire, “subsiste o promeneur”, caminhante, cuja “solidão necessita banhar-se na multidão para perceber a si mesma e, assim, em lugar da mãe Natureza, temos a mãe Cidade, uma mãe prostituta, cuja beleza é sinistra e fria, a beleza de uma viúva desconhecida, cujo Eros carregado de promessas narcóticas só pode reluzir numa rua apinhada e barulhenta”, o que faz da cidade literária de Baudelaire “o lugar da melancolia, da perda contínua, da passagem”, pois a simultaneidade de seus traços carrega, de um lado, seu caráter realista e, de outro, seu caráter espectral. No primeiro caso, encontra-se o privilégio da visão panorâmica, a descrição detalhada do real; no segundo, o encontro, o choque com o real, responsável pela “inapreensão” do efêmero. e pela Nova York de Leaves of grass (WHITMAN, 1855)3 3 No sistema Whitman, “a modernidade e seu órgão social e técnico, a cidade, são um desenvolvimento da Natureza e a coroação de sua obra. A filantropia de Whitman é ilimitada. O bardo da Democracia adora a multidão, multiplica o seu eu por mil, acolhe cada um em si mesmo. O banho na multidão faz dele um titã imenso, uma subjetividade polimórfica” (BERARDINELLI, 2007, p. 147). Por tais motivos, Berardinelli acredita que Whitman dissolve a realidade da cidade em realidade planetária e cósmica, louva o inumerável como substância unitária comum e incorpora a cidade no eu. . O temário que nasce com esse símbolo poético implica a produção de uma tensão entre eu e mundo, dinâmica essa também revelada em outro nível com o gesto de problematização da linguagem. Ao escrever a cidade, poetas não cedem a caracterizações veristas, mas reconhecem certas forças do mundo urbano, interpretam-nas e transvestem-nas para o campo da palavra poética. Por exemplo, se cada poema de Tableaux parisiens apresenta uma espécie de encontro com aspectos da experiência urbana, a calibragem do olhar para o conjunto permite ver pelo distanciamento a Paris do século XIX como um compósito de impactos que assomam o poeta. A cidade nasce do encontro da subjetividade com o espaço, com elementos que tal espaço abarca, sejam físicos sejam humanos.

Ao se desdobrarem as considerações do crítico italiano, do último autor indicado por ele poderá se depreender outro sistema poético moderno. Borges reorienta o olhar do leitor para outro foco e, com isso, inocula uma nova proposta no âmbito dessa tradição de poetas que cantam a cidade. De partida, “Las calles” declara:

Las calles de Buenos Aires

ya son mi entraña.

No las ávidas calles,

incómodas de turba y de ajetreo

sino las calles desganadas del barrio,

casi invisibles de habituales

enternecidas de penumbra y de ocaso

(BORGES, 1996BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Tomo I. Buenos Aires: Emecé Editores, 1996., p. 17)4 4 “As ruas de Buenos Aires/ já são minhas entranhas./ Não as ávidas ruas,/ incômodas de turba e de agitação,/ mas as ruas entediadas do bairro,/ quase invisíveis de tão habituais,/ enternecidas de penumbra e de ocaso” (BORGES, 1999, p. 8). .

O sujeito poético não se identifica com o furor das grandes avenidas, signos marcantes da modernização acelerada. São os arrabaldes que lhe interessam, o subúrbio e toda a memória a ele atrelada. Ao deslocar sua atenção para a periferia e revesti-la com melancolia e olhar nostálgico5 5 Berardinelli (2007, p. 173) é econômico ao apresentar o caso borgiano, limitando-se a dizer que “já então se percebe (pela melancolia e nostalgia meta-histórica do poeta) que um mundo havia terminado”, o que o leva a concluir: “As periferias de que fala Borges são eternas como ideias platônicas”. Com efeito, revela que tais ruas são conservadas como ideia, portanto, como cifras do inacessível. É possível abstrair dessa leitura a memória como via pela qual o poeta acessa o mundo que não existe mais. Da disjunção entre o que as periferias borgianas são e o que elas foram, nasce a Buenos Aires escrita. , Fervor de Buenos Aires ([1923] 1999) expressa a circunstância também deslocada da cidade latino-americana, o valor de sua história e a face negativa da modernização que recai sobre ela. Tal é indissociável da aniquilação da memória de seus habitantes. Por esse motivo, os versos de Borges estão endereçados a essa parcela de vida e ao que delas precisa conservar.

No Brasil, tal investida sobre o espaço da cidade possui nomes consagrados no século XX e figurações muito específicas, as quais se afastam progressivamente das imagens das grandes cidades europeias, a fim de dar vazão a outros caminhos e experiências diante do urbano. A julgar que a formação de um país ocorre em sua temporalidade própria, a qual busca muitas vezes entrar em sintonia ou em desacordo com outras temporalidades que lhes são externas, poetas brasileiros parecem fazer acenos variados quando interessados em tratar o tema da cidade. Ora grandiosas, ora diminutas, as cidades brasileiras expressas poeticamente oferecem menos homogeneidade à história do topos. Mário de Andrade escreve uma São Paulo “arlequinal” em Pauliceia desvairada ([1922] 1987). Feitas de trapos, de recortes de outras vestimentas, as roupas da personagem da cultura italiana produzem a imagem de uma cidade composta de matérias heteróclitas advindas de países europeus e de terras brasileiras. Esse conjunto fragmentado ou, ainda, desvairado, como deseja Mário, expõe uma cidade dinâmica, em processo de absorção de traços culturais que acarretam seu próprio crescimento. Em Libertinagem ([1930] 1967), Manuel Bandeira decompõe camadas históricas, econômicas, políticas e literárias para fincar seu desejo no Recife afetivo da infância6 6 “Recife/ Não a Veneza americana/ Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais/ Não o Recife dos Mascates/ Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois -/ Recife das revoluções libertárias/ Mas o Recife sem história nem literatura/ Recife sem mais nada/ Recife da minha infância” (BANDEIRA, 1967, p. 253). . As cantigas de roda, os pregões e as brincadeiras infantis cristalizam uma cidade onde tudo “parecia impregnado de eternidade” (BANDEIRA, 1967BANDEIRA, Manuel. Obra completa. 2. ed. São Paulo: José Aguilar, 1967., p. 255). Os versos de “Evocação do Recife” apresentam uma reserva nostálgica, que conserva um feixe de costumes comuns a uma cidade não marcada pela força da indústria e da tecnologia e observada pelo prisma da memória. Outra forma poética, agora em processo de dissolução, é encontrada na Ouro Preto de Claro enigma ([1951] 2002). “Sobre a cidade concentro/ o olhar experimentado” (ANDRADE, 2002ANDRADE, Carlos Drummond de. Obras completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002., p. 258), diz o poeta. E é esse olhar caminhante que observa no presente não só as marcas do tempo do “ouro”, do “reino”, mas também “a chuva monorrítmica”, cuja ação está “dissolvendo a cidade” (ANDRADE, 2002ANDRADE, Carlos Drummond de. Obras completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002., p, 257; p. 258) e, com ela, a monumentalização da história. Sem toques de nostalgia, “É tempo/ de fatigar-se a matéria” e “de o barro dissolver-se” (ANDRADE, 2002ANDRADE, Carlos Drummond de. Obras completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002., p. 257). A alegoria densifica o ruir de diversas camadas históricas ao passo que arrasta a cidade e os tempos que ela simboliza. Com isso, declara a finitude da cultura que a erigiu. Ao contrário de seus antecessores, Drummond não alude ao desenvolvimento da massa urbana nem retém afetivamente uma cidade ideal. A declaração da finitude de Ouro Preto corresponde a outra forma de ver a cidade, a qual equivale ao encerramento de uma era.

Ao lançar mão de dois grupos de poetas, divididos entre estrangeiros e brasileiros, deseja-se demonstrar diferentes reações à experiência urbana. Cada uma delas responde a circunstâncias geográficas e históricas, as quais não estão livres do princípio criativo de cada autor. Em tentativa de pequeno balanço, pode-se inferir que o grau de correspondência entre tais cidades poéticas não ocorre por filiações restritas, marcas intertextuais nem por empréstimos de fórmulas literárias. Seguindo outra linha de pensamento, alimentada por repertórios epocais recuperados e desdobrados, tais poetas introduzem novas variantes para o crescimento de um topos na própria história da poesia. No caso brasileiro, o canto da cidade, isto é, da cidade vista pelo poeta (às vezes, onde cresceu), também se transforma na medida em que é aclimatado a novas condições criativas e contextuais. O que permanece dessa investida se explicita em poesia como uma fórmula: não há uma relação pacífica entre transformação e conservação das matérias de cada cidade, pois não há relação amena quando se trata da modificação radical do lugar de origem, entendida em sentido amplo. Por mais que alguns estejam inclinados a aderir ao ideal do novo, isso está longe de ser uma atitude uníssona. Ao que parece, os autores aqui selecionados poderiam ser divididos entre aqueles que se posicionam em prol da modernização e seus antípodas, sem que isso reduza a complexidade das expressões de cada projeto estético. Como consequência, isso também permite reconhecer o desenvolvimento da referida tópica do canto da cidade em obras não canônicas, essas também dedicadas a expressar seus afetos pelo local onde viveram os poetas.

Luiz Bacellar e Astrid Cabral são amazonenses que escreveram sobre a cidade de Manaus. Embora ambos pareçam ter um referente comum em seus horizontes, a leitura de seus poemas indica que não cantam a mesma Manaus em seus livros. O ritmo e a densidade de cada percurso estão atrelados às dinâmicas dos mundos forjados. Rastreando-os, identificam-se dois modos de atuação, os quais deságuam em cidades distintas. Há um campo específico em Frauta de barro (BACELLAR, 1963) voltado aos hábitos cotidianos e populares.

Luiz Bacellar filtra essas matérias culturais, de modo que seus poemas encenem uma memória do lugar7 7 Em “Balada do Bairro do Céu”, por exemplo, o observador-participante mostra no causo um produto cômico, soma da criação vocabular e do enredo. Allison Leão e Luana Aguiar Moreira (2020, p. 215) indicam que o poeta é “um perspicaz observador da cultura e seus fenômenos, demonstra ter uma visão cômico-popular de mundo, de onde [vem] o traço irônico condutor da narrativa que paira sobre a cultura de um povoado”. Daí advém a inversão irônica imputada sobre o ato de violência no bairro cujo nome alude ao mundo celeste judaico-cristão. O poeta introduz na discursividade do espaço celestial aquilo que a corrompe; as figuras que lhes seriam sagradas são igualmente deturpadas quando ganham um corpo passível de ser machucado. . Sua caracterização se faz inovadora, pois inclui ruas, becos, igrejas e casas de outro tempo, expondo uma cidade poética pequena, cheia de causos e pouco desenvolvida; consequentemente, afasta-se das típicas representações telúricas amazônicas, em que a floresta apagaria a presença humana.

Atenta a intensas transformações urbanísticas, Astrid Cabral tem um olhar mais abrangente. Escolhe a tecnologia e a memória cultural para exprimir seu posicionamento perante certa história, vista com acidez em Ponto de cruz (1979). Nesse sentido, as Manaus desses poetas podem ser situadas no contexto das cidades escritas latino-americanas, as quais se organizam de modo paralelo e diferente das cidades reais, conforme a perspectiva de Beatriz Sarlo (2014, p. 142)SARLO, Beatriz. A cidade vista: mercadorias e cultura urbana. Tradução Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2014.:

A cidade escrita organiza seus inventários com sinais textuais e léxicos que podem ter sentido literário e carecer de sentido arquitetônico ou urbano equivalente; ou incluir unidades espaciais prévias (ruas, praças, mercados, igrejas). Nomear uma cidade implica garantir um locus. Nas cidades escritas, a função literária e ficcional é tão forte quanto a referencial.

As produções de discursos sobre as cidades escritas formam-lhes estratificações. Os inventários com que são confeccionadas estruturam segmentos preenchidos de sentidos (linguístico, paisagístico, tecnológico, arquitetônico, artístico etc.). Juntas, essas coleções elaboram a autonomia dessa representação. Em outras palavras, elas não precisam ser idênticas às cidades reais. Suas existências remetem a elas, porém, não as submetem ao regime do real. Todos os topônimos tradicionais - nomes de bairros, ruas e praças - não são ponto de chegada, mas de partida para criações literárias.

Por serem produções discursivas correlacionadas a simbolizações, no caso desses poetas, a função literária torna-se até mais forte que a real, a ponto de expandir a cidade. Observadas comparativamente, identificam-se posições diferentes em relação à proximidade com o real nas cidades escritas dos poetas amazonenses. Luiz Bacellar demonstra ter se distanciado dele e criado uma cidade imaginária, com paisagens ora sombrias ora luminosas. Portanto, sua cidade não é necessariamente aquela Manaus conhecida pelo autor. Embora Astrid Cabral recubra espaços conhecidos pela comunidade local dos anos 40 e 50 do século XX, não o faz conferindo-lhes um aspecto saudosista8 8 Em entrevista, Astrid Cabral localiza historicamente sua cidade nesse período (SELJAN, 2015). . O olhar dela revela uma severa avaliação sobre o que mostra do cotidiano urbano, resvalando em uma “fria denúncia hiper-realista” sobre o comum, como foi apontado por Lélia Coelho Frota (1979, p. 11)FROTA, Lélia Coelho. Prefácio. In: CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979, p. 9-12.. No presente caso, cada poeta produz ideias de cidade (SARLO, 2014SARLO, Beatriz. A cidade vista: mercadorias e cultura urbana. Tradução Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2014., p. 139), que, quando postas lado a lado, revelam contrastes.

Frauta de barro possui a seção intitulada “Romanceiro suburbano”, a qual, como o nome sugere, é uma coleção de causos locais. Destacam-se poemas narrativos em que se contam histórias variadas, de ruas, becos, árvores e outros seres viventes. “Chiquinho das Alvarengas” traz a personagem ridicularizada pelo tamanho de seu corpo, que demandava mais tecido que o normal para a confecção de suas roupas; “O caso da Neca” mostra-a sendo levada por um jacaré à beira do igarapé de Educandos: “com a Neca nas mandíbulas/ três vezes ele boiou// pra que todo mundo visse/ a falsa que perjurou” (BACELLAR, 2011BACELLAR, Luiz. Frauta de barro. 9. ed. Manaus: Editora Valer, 2011., p. 65). “Paróquias de Manaus” é um pequeno poema cujas estrofes apresentam as igrejas da Matriz, de São Jorge, dos Remédios, de São Sebastião, de Aparecida, de Educandos e do Pobre Diabo. No interior desse conjunto, destaca-se o poema “Beco do ‘Pau-Não-Cessa’”, dedicado à história particular do beco:

No beco do “Pau-Não-Cessa”

há muito que o pau cessou,

porque se o pau não cessasse

o beco do “Pau-Não-Cessa”

não teria morador.

O beco do “Pau-Não-Cessa”

há muito que já deixou

de ser beco da arrelia,

hoje é um bem-comportado

beco da Paz e Harmonia.

No beco do “Pau-Não-Cessa”

há muito que o pau cessou,

já nem se lembra a polícia

do tempo que o visitou.

(BACELLAR, 2011BACELLAR, Luiz. Frauta de barro. 9. ed. Manaus: Editora Valer, 2011., p. 57).

O topos da passagem do tempo atravessa todo o livro e acentua-se no conjunto de poemas urbanos. Quando a cidade se modifica, todos que nela habitam passam a sentir os efeitos da mudança. Se “Balada das 13 casas”9 9 Trata-se de poema imediatamente anterior ao que se encontra acima. já trazia a reforma das habitações como alteração crucial do passado, essa agora recai sobre o tempo do beco. A mudança de contexto vai da antiga época violenta ao período de paz no presente do poema.

A anáfora e seu complemento nos versos 2, 6 e 8 apontam para duas direções: ao passo que declaram a distância dos episódios, permitem que eles retornem na condição de lembrança longínqua. As estrofes poderiam ser pensadas como uma espécie de palimpsesto, oferecendo camadas de histórias que construíram circunstâncias pretéritas do referido beco. Desse modo, recupera-se a memória da cidade enquanto o sujeito poético demarca o que o lugar “já deixou/ de ser”.

A forma poética com que isso se realiza é o que chama a atenção. O uso da redondilha maior confere regularidade métrica, a qual é diametralmente oposta às rimas. A cadência operada indica-lhe o caráter popular em tom prosaico e próximo à fala oral. Luiz Bacellar coordena causo e forma, de modo que o assunto banal seja coerente com o mundo urbano comum. Não há a intenção de elevar o cotidiano nesse momento do livro, como o autor fará quando escolher a forma do soneto. Internamente, “Romanceiro suburbano” conserva a medida velha, aproximando-se do uso corrente em narrativas populares, dedicadas a apresentar histórias de um povo. No presente poema, é o povo que compõe a sua cidade, ocupa seus espaços e os deixa habitáveis ou não.

Situação similar acontecerá no poema “Romance do esquartejado”. Para além de uma nota incluída pelo próprio autor, indicando a mudança de nome do beco onde ocorre o enredo, a primeira estrofe segue a lógica temática e formal de “Beco do Pau-Não-Cessa”:

Beco do “Chora-Vintém”!

Noutro tempo se chamou

beco do “Saco-do-Alferes”

em memória do espantoso

crime que lá se passou.

(BACELLAR, 2011BACELLAR, Luiz. Frauta de barro. 9. ed. Manaus: Editora Valer, 2011., p. 59).

A renomeação é o processo que indicia como o espaço é constantemente preenchido por outras memórias, é o que torna cidade tão viva quanto seus habitantes. Primeiramente, de “beco da Gameleira” para “Saco-do-Alferes”, em alusão ao episódio de esquartejamento do corpo do antigo alferes, depositado em um saco. Quando da chegada de retirantes nordestinos a Manaus, um deles “reclamava que só bode/ na chuva” do preço da “farinha d’água,/ jabá, fósforo, sabão” (BACELLAR, 2011BACELLAR, Luiz. Frauta de barro. 9. ed. Manaus: Editora Valer, 2011., p. 63). A partir disso, o lugar passa a se chamar “Chora-Vintém”. Progressivamente, Luiz Bacellar vai construindo sua cidade escrita pela nomeação que nasce com a comunidade que a forma. Entrelaçando-as, uma atua sobre a outra, promovendo, assim, a transformação do urbano.

Há expressões da vida provinciana em dois poemas nos quais se acentuam pequenos episódios de tons líricos. “Porta para o quintal” e “Ensaiando partidas”, respectivamente de Frauta de barro (BACELLAR, 2011BACELLAR, Luiz. Frauta de barro. 9. ed. Manaus: Editora Valer, 2011.) e Ponto de cruz (CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979.), figuram a cadeira de balanço como símbolo do ritmo da comunidade a que aludem. Já pelos seus títulos, o leitor é orientado para uma ideia de transposição de certo limite. Seja na saída para extensão do território físico da casa, seja na condição metafórica de quem se vai, interessa a ideia de atravessamento daquele limite.

Porta para o quintal

Bem haja o sol e a brisa neste canto!

Cá fico maginando a tarde inteira

deixando relaxar nesta cadeira

de embalo o corpo bambo de quebranto.

Brincam nas folhas da sapotilheira

brilhos metalescentes, cor de amianto;

saltitam sanhaçus de curto canto,

aranhas tecem prata na trapeira.

As telhas debruçadas dos beirais

vão com as calhas de lata, lá entre elas,

coisas de chuva e vento conversando

quais velhinhas comadres; nos varais

a roupa brinca de navio de velas

minha perdida infância reinventando…

(BACELLAR, 2011BACELLAR, Luiz. Frauta de barro. 9. ed. Manaus: Editora Valer, 2011., p. 77).

O primeiro poema de “Romanceiro suburbano” traz a transformação dos lugares até chegar a “Sonetos provincianos”, seção aberta pelo poema acima. Essa trajetória contém episódios diferentes captados pelo sujeito poético. A similaridade entre eles está situada na conservação de hábitos da comunidade e a transformação progressiva da cidade. A exemplo de “Ciranda à roda de um tronco” e de “Lavadeira”, o poema contempla partes de uma memória extraoficial, isto é, daquela que não está registrada nos documentos de instituições. São costumes e condutas que dizem respeito à cultura do povo.

Por um lado, exploram-se marcas de linguagem coloquial (versos 1, 2, 4 e 14) afinadas à voz poética daquele que vê os fundos da casa enquanto embala o próprio corpo. Por outro, tomando uma conduta clássica, o escritor opta pelo soneto para abordar um assunto corriqueiro. Embora soe duro aos ouvidos de alguns, o verso decassílabo, próprio ao rigor da tradição europeia disseminada no Brasil, é utilizado para apresentar o mundo comum e instalar um ritmo mais lento, harmonizado à postura contemplativa do sujeito poético. O autor dobra a tradição literária para introduzir sua proposta de que tudo nesse soneto acontece com vagar, solenizando o que seria naturalmente banal. A consequência no plano semântico é, em um primeiro nível, a produção do ramerrão provinciano na relação entre sujeito poético e objeto. Estar sentado na cadeira de balanço posta ao quintal exprime um traço cultural impossível ao mundo urbano de grandes cidades brasileiras. Seguindo uma tônica similar ao drummondiano “Cidadezinha qualquer” (DRUMMOND, [1930] 2015), Luiz Bacellar conserva, então, um movimento vagaroso. O regime da lentidão conserva em si uma característica positiva, apoiada na dinâmica da vida da sociedade que apresenta. Além disso, prepara o sujeito poético para um dinamismo mental, que só é possível quando o poeta se dispõe ao ócio. Não há, portanto, dissociação entre a cadeira de balanço e seu ranger e a dinâmica de reinvenção da infância. Pelo contrário, o movimento repetitivo do utensílio, sugerido pela cadência do verso e pela harmonia das rimas, conduz ao transe da imaginação (aberta e sem limites).

A embarcação é o tradicional símbolo da viagem na literatura portuguesa. O poema assimila esse fato e o transforma ao esfumaçar progressivamente o campo da realidade e destacar embarcação e mar imaginários. Ela se insinua como transporte para a infância; ao mesmo tempo, para o lugar da infância. O poema desdobra uma nova realidade experimentada, e o leitor é levado do mundo comum para o mundo reinventado. Nesse sentido, a identidade sonora das rimas ainda engendra a dinâmica pela qual a infância se refaz, e aquele mundo passa a ser vivo outra vez. As linhas gerais do poema percorrem o caminho do espaço físico à imaginação, finalizando seu trajeto e o aportando na memória. O lirismo acentua-se nos versos finais, na medida em que o lugar se confunde com a própria saudade. Por fim, afetos, lugar e sujeito correspondem a nós de um mesmo laço semântico significativo.

O coloquialismo, os hábitos e a presença do corpo constroem afetivamente partes da cidade escrita em Frauta de barro. Esses três elementos afastam-na da ideia meramente física de espaço, no sentido daquilo que “ocupa a perspectiva do anonimato, do desconhecimento”, estreitando laços com a noção de lugar, “considerado como a referência do reconhecimento, das relações sociais, do cotidiano, guardando a perspectiva da afetividade” (AGUIAR, 2002AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60. Manaus: Editora Valer, 2002., p. 30). Se os poemas anteriores traziam espaços públicos, “Porta para o quintal” insere no contexto da cidade de Frauta de barro um local privado. O que poderia soar contraditório evidencia maior complexidade dessa poesia, que entrelaça ambos os ambientes ao compor “Sonetos provincianos”. Valeria lembrar, com isso, que os dois poemas subsequentes voltam a falar de convívio coletivo. A rua, o igarapé e o quintal, todos são lugares nos quais ocorrem encontros e produções de afetos. Por esse motivo estão relacionados às memórias da infância, aos gostos e aos desgostos arrolados em cada poema.

Ao escrever sobre essa noção, Ana Fani Alessandri Carlos (2007, p. 16)CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007. a detalha:

O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar. A cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele do local. As relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condições mais banais, no secundário, no acidental. É o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido através do corpo.

A tríade conceitual explica a relação entre sujeito e lugar. O primeiro se identifica e se reconhece nesse âmbito ao passo que encontra traços com os quais constrói o sentido de pertencimento. Logo, desfaz-se a esfera do desconhecido na medida em que novos significados são depositados no alicerce daquela identificação.

O quintal é a base dessa identificação no poema da seção “Sonetos provincianos”, assim como o bairro também o é nas baladas da seção “Romanceiro suburbano”. No livro, cultura popular e voz poética foram atadas pelo trabalho com a criação vocabular. A própria relação combinatória entre o “canto” (espaço alcançado pelo sol e pela brisa ou, ainda, o “canto” como fazer poético) e a identidade sonora com “quebranto” traz a apropriação do campo da linguagem literária em diferentes tempos do poema, de modo que ambos se fundem. Não gratuitamente, outro indício cultural que atualiza a memória do homem envelhecido e o imaginário da cidade é o “corpo bambo de quebranto”. Em algumas localidades brasileiras, o quebranto “implica sempre a influência exterior maléfica do feitiço, do mau-olhado, as forças contrárias” (CASCUDO, 2005CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. São Paulo: Ediouro Publicações, 2005., p. 748). Essa crença própria a culturas pré-modernas e alheias ao desenvolvimento industrial corrobora a criação de um mundo particular, onde as relações se dão por proximidade e convivência. Esses são exemplos de referências populares reinventadas poeticamente e correspondem a um tempo que não existe mais. Na impossibilidade de retorno factual, caberá ao poeta o exercício da imaginação (conforme os versos 2 e 14). Assim, a cada poema serão recriados novos pontos de identificação entre habitante e lugar.

Os aspectos dessa cidade literária possuem pontos de contato com a descrição histórico-social de José Vicente de Souza Aguiar. Para traçar as características de Manaus nos anos de 1950 e 1960, o autor faz um recuo no tempo, a fim de apontar as diferenças entre contextos históricos de formação e desenvolvimento da cidade. Nessa argumentação, oferece algumas bases para compreender o fenômeno literário.

A cidade de Manaus mantinha [...] a característica da coletividade, do reconhecimento de que os espaços frequentados pelas pessoas eram construídos de sentimentos, prazer, afetividade, guardados na intimidade de parte dos habitantes de outrora. Ontem, talvez, tenha sido lugar de um certo tipo de sociabilidade, do reconhecimento entre os grupos, ao contrário do anonimato, da transformação ou diluição dos grupos em multidão, ofuscando o reconhecimento entre os habitantes da cidade, do cidadão. (AGUIAR, 2002AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60. Manaus: Editora Valer, 2002., p. 39).

Em Frauta de barro, há atenção especial a lugares da cidade escrita, os quais são transformados pela experiência afetiva do poeta. “Balada das 13 casas” e “Noturno do Bairro dos Tócos” são exemplos desses lugares de encontros, onde a memória é retomada não para fazer um retrato fiel dos espaços, mas para desenhar uma cartografia afetiva, pautada nas experiências que adensam os poemas. Seja pela alegria, seja pela melancolia profunda, o revestimento lírico com que o sujeito poético enleia a cidade garante-lhe a atmosfera sentimental. “Balada do Bairro do Céu” rompe totalmente o pacto com o real, criando um lugar imaginário no qual ocorre a convivência coletiva.

Expostas as camadas que constroem a cidade literária de Luiz Bacellar, chega-se à seguinte questão: as exposições do mundo urbano em Frauta de barro exprimem relações localizadas - onde “o lugar ainda não foi transformado pelas relações tempo-espaço distanciadas” próprias ao mundo moderno (GIDDENS, 1991GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 1991., p. 93). Essas características edificam uma sociedade pré-moderna ou “provinciana” - como o autor prefere escrever. O tempo que a cidade vive não segue a batuta da indústria nem a sincronia da nação, mas configura uma temporalidade própria, coerente com a realidade brasileira, que não possui desenvolvimento homogêneo10 10 O afinamento com as modernidades estéticas brasileira e estrangeira é perceptível em outros poemas, os quais evidenciam os autores-referência distribuídos pela obra. Por meio deles, o autor demonstra diálogos com o que está fora da cidade Manaus, no entanto, esse gesto corresponde a uma viagem estético-literária. . Essa cidade literária conduz ao desdobramento da questão. O que inicia em um âmbito pontual atrela-se ao que atravessa a observação localizada. Logo, é necessário seguir uma trajetória de dentro para fora a fim de elucidar as inter-relações apresentadas em cada poética. Focaliza-se a comunidade em Luiz Bacellar; em Astrid Cabral, captam-se duas inclinações dessa matriz social escrita: assim como existe o Avô estendendo seu “olhar/ de patriarca pelo feudo do quintal”, cujo poder abarca “imensos aposentos povoados/ de filhos netos afilhados criados” - em expressão de dinâmicas sociais e hierarquias da instituição familiar em “A casa” (CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 84) -, também há influências e processos de transformação urbana. A cidade adquire outros sentidos para a segunda escritora, sem apagar totalmente referências locais, demarcadas pela presença de instituições, esculturas e edificações.

Em Ponto de cruz, Astrid Cabral alterna a perspectiva com a qual observa o cotidiano. Na seção “Pequeno mundo”, mostra episódios domésticos, por meio dos quais extrapola o ambiente fechado com sinais do mundo, caso do poema “Manhã”: “E o jornal pousado na cadeira/ é o sinal cifrado do mundo/ imenso e denso lá fora” (CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 63). Voltada para os hábitos locais comuns, expõe o “ranço de missas/ e sinos roucos” em “Domingo” (CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 64). Em “TV vendo”, o aparelho eletrônico é o modo de acesso a informações sobre a Grécia, a Guatemala, a Salvador e a favela da Rocinha no Rio de Janeiro. Diante do que vê, o sujeito poético remói sua impotência: “entre paredes blindadas de covarde/ fortaleza, rumino amarga impotência/ e penso nos confortáveis bons tempos/ em que reinavam os deuses” (CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 71). Tudo isso prova que o ramerrão de Astrid Cabral é sondado de modo severamente crítico. Conforme apontado por Lélia Coelho Frota (1979, p. 10)FROTA, Lélia Coelho. Prefácio. In: CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979, p. 9-12., “ela minera também sobre o material mesmo da vida com uma práxis de feroz esquadrinhamento”. Seu olhar suscita a desnaturalização das camadas que compõem o espaço da vida (a linguagem, os hábitos, os lugares etc.). Explorando-o, extrai ponderações com que o reavalia.

Acompanhando a tônica de análise de Lélia Coelho Frota, compreende-se que a seção “Visgo da terra” está intimamente ligada à postura de análise corrosiva prefigurada nas partes anteriores de Ponto de cruz. Quando se depara com esse momento em questão, o leitor percebe que “toda uma vivência regional se retrata sem qualquer pose exótica nestas reminiscências de infância e de adolescência, associando-se as outras coleções de poemas do livro pela intenção de crispar a memória num presente revificado e reificado pela palavra” (FROTA, 1979FROTA, Lélia Coelho. Prefácio. In: CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979, p. 9-12., p. 11). Logo, para analisar sua cidade literária, é preciso ter em mente que a poeta vem construindo mais que o cotidiano a cada poema, mas a própria lente aguda com que o observa. Sob seu olhar, o banal é tomado como absoluto, isto é, o mínimo do qual é extraída uma potência destruidora, capaz de dar-lhes choques de consciência.

Ensaiando partidas

Cadeiras de balanço mastigavam os soalhos

ensaiando partidas, embalando fundas ânsias

contra bojos de navios trancados a âncoras.

Caolhos os rádios acendiam as mágicas pupilas

de gato e vozes espetrais sem apoio de bocas

e rostos chegavam, de que mundo, de que mapa?

Ventiladores giravam as corolas metálicas

no chão invertido dos tetos criando brisas

que não se aventuravam soprar a fuga de velas.

Na praça São Sebastião galeras de bronze

destinavam-se a longínquos continentes mas

imóveis não singravam ondas de lusas pedras

deixando-se estarem molhadas tão só de chuvas

proas frustradas de horizontes e azuis.

Que estranha calmaria as conjurara, quilhas

vacinadas contra a vertigem dos ventos?

Ou estariam desde sempre fundeadas nas

invisíveis correntes d’água dos séculos?

Dobravam os sinos abafando os frenéticos

pianos a planger nos salões dos sobrados

mas o que sempre se ouvia, pouco importa

se baixo e rouco, era o gargarejar do rio

a vocação de foz e mar drenando fragmentos

de terra, arrastando de roldão os corações.

(CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 94).

Astrid Cabral parece reler e dar outra face à matéria do mundo explorada por Luiz Bacellar. As cadeiras de balanço são núcleos de significação que no fundo carregam a ideia de perda. Para ele, é o receptáculo do corpo envelhecido, fragilizado pelo quebranto, e o utensílio cujo balanço conduz à imaginação da infância perdida; para ela, a mastigação ratifica o lento desgaste dos corpos comidos pelo tempo, o que personifica a própria velhice como limite da vida. O contrapeso desses símbolos está na força do desejo, o qual produz a viagem imaginária apoiada na mesma alegoria poética da embarcação. Seus resultados serão diferentes, uma vez que o primeiro se entrega à nostalgia enquanto a segunda a renega. Voltar-se para o quintal redimensiona o leitor para uma parte da infância vivida em âmbito privado. Situação oposta acontecerá em “Ensaiando partidas”, pois Astrid Cabral projeta seu leitor para fora do espaço particular.

As “fundas ânsias” e as “âncoras” trazem duas linhas de força, cujas direções arquitetam a dialética dentro-fora, desejo-partida, formadora da cidade. Astrid Cabral demonstra como sua cidade literária não pode ser vista como fato insulado do mundo, mas ritmado a ele, mesmo que descontinuamente. Ora, é preciso frisar que uma ideia geral de descontinuidade é pautada sempre em uma referência previamente selecionada, mas nem sempre expressa. A ausência de indicação do referente pauta-se em uma neutralidade equivocadamente presumida, a qual pode encarar o descompasso como sinônimo de atraso. A julgar pelo grupo de produtos tecnológicos no poema, a referência é o paradigma de sociedades modernas do século XX, com cujas dinâmicas eles se coadunam. Inclinados à primeira linha de força do poema, os aparelhos de rádio são símbolos do que é contingente, posto que suscitam os desejos pelo conhecimento do mundo externo à cidade11 11 A respeito dos aparelhos de rádio nesse poema de Astrid Cabral, Carlos Guedelha (2014, p. 46) apontou que “ocorre uma metonimização da realidade, sugerindo-se um mundo maior partido em pedaços, fragmentado, invadindo o ambiente da sala, onde o constante circular de parentes era indício de uma família numerosa”. O traço reforça a ideia de composição dos hábitos desse mundo poético, assim como suas inter-relações com o que é exterior. . Os espectros sem rosto compõem um outro, que, apesar da distância, pode interferir no espaço local. Isso significa que os rádios guardam o potencial transformador de sua época, próprio à natureza do meio tecnológico. Segundo a perspectiva de Beatriz Sarlo (2005, p. 278)SARLO, Beatriz. A magia moderna: comunicação à distância. In: SARLO, Beatriz. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. Tradução Rubia Prates Goldoni e Sérgio Molina. São Paulo: Edusp, 2005, p. 271-287., o potencial do rádio foi capaz de realizar as “fantasias da ficção científica” da primeira metade do século XX, as quais “mostraram ser, não utopias tecnológicas, mas possibilidades que, em poucas décadas, se incorporaram ao espaço cotidiano”. Isso esteve intrincado à

[...] própria natureza do meio técnico: literalmente, no seu caráter fantástico, que materializa hipóteses até então consideradas ficcionais e “maravilhosas”. Fala-se constantemente do “milagre” do rádio, e a metáfora mais do que um exagero entusiasmado responde à realização prática de um mito: comunicar-se com aquilo que não se vê, superar os limites da materialidade corporal dos sentidos, algo que, na imaginação coletiva, estava vinculado ao paranormal e não ao estritamente técnico-científico. O rádio, imaginariamente, representa um poder ligado ao imaterial: suas ondas são invisíveis tanto para quem as emite quando para quem as recebe; a tradução desses impulsos elétricos em impulsos sonoros, e vice-versa, não precisa ser conhecida em suas regras para que se possa desfrutar de seu resultado [...]. (SARLO, 2005SARLO, Beatriz. A magia moderna: comunicação à distância. In: SARLO, Beatriz. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. Tradução Rubia Prates Goldoni e Sérgio Molina. São Paulo: Edusp, 2005, p. 271-287., p. 278).

A argumentação de Beatriz Sarlo coloca em evidência uma interpretação do rádio sob o ponto de vista de sua história na América Latina. Essa tecnologia solapa a mentalidade arraigada a valores sobrenaturais para destacar o valor técnico-científico de uma nova época. Isso acompanha a concretização tecnológica da comunicação. A despeito da perícia e do funcionamento profundo sobre a máquina, os usuários podiam tomar conhecimento de fatos históricos, além de criar interesses incipientes por outras nações e pelo mundo. Além disso, as ondas de rádio venciam o isolamento de geografias e as necessidades limitadoras do corpo. Criando paradoxalmente uma espécie de zona fantasmal, eram capazes de estabelecer laços inovadores para as sociedades de então. Tudo isso situava novas dinâmicas sociais, as quais não mais dependiam de presenças de pessoas no mesmo espaço.

Esse conjunto de interesses é retratado por meio do estilo indagativo com que Astrid Cabral investiga a origem daquelas “vozes espetrais”, embora sem informar uma resposta. A poeta concentra todo esse quadro na relação entre os aparelhos de rádio e as “pupilas mágicas”. Essa metonímia insere uma camada de significação que põe, de um lado, o sujeito poético e, de outro, uma espécie de construção fantasmagórica. Pela expressividade daqueles olhos, nota-se a força dessas ausências sobre os presentes. Os mediadores caolhos de identidades desconhecidas, traduzidas pela falta de “apoios de bocas/ e rostos”, atualizam a dimensão da distância12 12 José Vicente de Souza Aguiar (2002, p. 133 e 146) registra que o governo federal instalou o sistema de radiodifusão na cidade Manaus em 1970, de modo que, até aquele momento, as emissoras locais apenas captavam sinais de rádios estrangeiras (BBC de Londres, Voz da América, Rádio de Havana, Rádio Central de Moscou, Rádio Pequim, por exemplo). . Eles instituem um modo de conhecimento do mundo que não está pautado no olhar nos olhos ou com cuja corporificação seriam construídas relações de confiança. Firmam-se, então, sistemas abstratos, ou seja, “meios de estabilizar relações através de extensões indefinidas de espaço-tempo” (GIDDENS, 1991GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 1991., p. 92). Eles enredam laços invisíveis, imaterializáveis no plano concreto, mas perfeitamente críveis e atuantes no contexto do mundo moderno.

Ao mencionar as “galeras de bronze” na Praça São Sebastião, Astrid Cabral alude ao Monumento à Abertura dos Portos do Amazonas às Nações Amigas, escultura concebida por Domenico De Angelis e modelada no atelier de Enrico Quattrini entre 1899 e 1900, ambos artistas italianos que estiveram envolvidos na construção do Teatro Amazonas (VALLADARES, 1974VALLADARES, Clarival Prado. Restauração e recuperação do Teatro Amazonas. Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 1974., p. 100-102). Nele, encontram-se quatro embarcações, atrás das quais estão os nomes de quatro continentes do mundo (Ásia, América, África e Europa). No poema “Ensaiando partidas”, o monumento evoca a mesma lógica de paisagem fantasmagórica, porém, voltada a um novo objetivo: a partir do presente, criticar a história que as embarcações mercantes representam. Embora fossem destinadas “a longínquos continentes”, orientando o olhar novamente para fora da cidade e do próprio país, o próprio texto ressalta com ironia que “imóveis não singravam ondas de lusas pedras”. A contrariedade pesa sobre o desejo do sujeito poético, espelhando-o agora nas “proas frustradas de horizontes e azuis”. Há um movimento de retração no poema, atrelado a um amargor que densifica o tom ácido com o qual a poeta olha a história da cidade13 13 Para Otoni Mesquita (2005, p. 226), “não se pode ignorar que a concretização desta obra exigiu uma transformação do espaço, provocando uma mudança do seu entorno, cujos efeitos repercutiam pela cidade. A construção deste monumento é um marco não somente arquitetônico na história da cidade, mas também social, pois o seu uso pela sociedade local provocou consideráveis mudanças de hábitos na população”. A história do Teatro Amazonas e, consequentemente, de toda a arquitetura ao redor dele corrobora as relações que o governo do Estado tinha com artistas europeus, principalmente italianos, antes mesmo do século XX (MESQUITA, 2005, p. 226). . Observado do ponto de vista contemporâneo, o monumento histórico torna-se indício de uma sociedade negativamente nostálgica. Ela ainda insiste no apego à “vocação de foz”, ou seja, à disposição natural a ser lugar de chegada e de espera que beira à passividade. Com efeito, à segunda linha de força - das “âncoras” - concerne um mal-estar. E dele se extrai a certeza de que a memória artística não edifica um lugar para abrigo, pois o bronze daquela escultura tem seu valor de durabilidade negativado, transformado no símbolo maior da estagnação.

Com base na comparação dos modos como os sujeitos poéticos interpretam a cidade, recuperam-se algumas diferenças entre os dois poetas. O significado da nostalgia em Luiz Bacellar assume seu sentido mais comum. Trata-se do “anseio por uma época anterior mais simples e inocente” (NATALI, 2006NATALI, Marcos Piason. A política da nostalgia: um estudo das formas do passado. São Paulo: Nankin, 2006., p. 45). Por sua vez, não há encantamento em Astrid Cabral. Sua perspectiva severamente crítica a respeito de sua cidade escrita indica um ponto de vista moderno, segundo o qual a fidelidade ao passado se torna um problema, pois o nostálgico é “consumido por uma paralisia que o impelia a rejeitar qualquer novidade” (NATALI, 2006NATALI, Marcos Piason. A política da nostalgia: um estudo das formas do passado. São Paulo: Nankin, 2006., p. 34). Essa diferença antepara o quadro que se aqui esboça. Sociedades menores estreitam seus laços mais firmemente sob a égide da memória compartilhada, a qual demanda participação coletiva de forma coesa. Quando a expansão urbana determina novas configurações e conexões para aquelas sociedades, elas tendem a retrair-se para conservar seu próprio passado ou a aderir a novos comportamentos. Essa é a balança na qual estão os poetas em análise.

Outro caso também merece atenção. Se ambos partem da mesma imagem poética (a embarcação) e se a viagem, a que ela se refere, funciona como operador dinâmico que permite conhecer a cidade de cada autor, o leitor pode concordar que as cidades literárias não são idênticas. A direção para qual a memória de cada poeta aponta é o passado. Entretanto, não apenas a maneira como o encaram não é similar, como também o passado de cada livro não parece ser o mesmo. Os poetas constroem cidades literárias que corresponderiam a diferentes momentos da história. Embora não se possa determinar datas com precisão, reconhece-se na cidade de Luiz Bacellar um momento no qual ela é pouco desenvolvida; por sua vez, Astrid Cabral apresenta um ritmo urbano cuja marcha se distancia da ideia de pequena localidade. A segunda cidade escrita apoia-se em significados produzidos fora dela, explicitando relações que estariam em segundo plano, mas que afetariam sua dinâmica interna. Pedaços do mundo exterior são disseminados em seus espaços. E é por meio deles que se esboçam relações globais situadas na esfera local.

Toda essa dinâmica evoca a virtualidade própria a sociedades que começaram a se transformar em razão da presença da mídia e da tecnologia. Nelas, as relações distanciadas, que não dependiam da presença ou de contatos físicos, começaram a ser tecidas. Esse cunho fantasmagórico, cuja atuação determinava o compasso de certas transformações urbanas, abarcou gradualmente o século XX. Embora se saiba que esse processo dependeu das direções para as quais apontavam as dinâmicas de capitalização - o que não significa que criou sociedades homogeneizadas -, a análise de Anthony Giddens sobre esse quadro histórico serve de alavanca para pensar a modificação da cidade literária entre os autores.

O lugar se tornou fantasmagórico porque as estruturas através das quais ele se constitui não são mais organizadas localmente. O local e o global, em outras palavras, tornaram-se inextricavelmente entrelaçados. Sentimentos de ligação íntima ou identificação com lugares ainda persistem. Mas eles mesmos estão desencaixados: não expressam apenas práticas e envolvimentos localmente baseados, mas se encontram também salpicados de influências muito mais distantes. Até a menor das lojas da vizinhança, por exemplo, pode muito bem obter suas mercadorias de todas as partes do mundo. A comunidade local não é um ambiente saturado de significados familiares, tidos como garantidos, mas em boa parte uma expressão localmente situada de relações distanciadas. E todos os que vivem nos diferentes locais das sociedades modernas estão cônscios disto. (GIDDENS, 1991GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 1991., p. 98).

A nova organização estabelece mudanças positivas e negativas, ao redor das quais há debates que escapam a este ensaio. É importante, porém, comentar que ela modificou as partes do mundo que conseguiu atingir. A presença de conexões com distâncias anteriormente impensáveis reorganizou sociedades no século XX a partir da circulação de produtos e pessoas. Isso interferiu em comportamentos coletivos quando se referiu ao acesso à informação ou a recursos.

À luz disso, depreende-se que as duas linhas de força de “Ensaiando partidas” desenvolvem dialeticamente o entrelaçamento entre local e global. De um lado, a escritora enfoca a própria cultura; de outro, a presença fantasmagórica que incide sobre ela. Tal dinamismo impossibilita a separação dessas instâncias, o que demonstra que desde Ponto de cruz a poeta não tinha a intenção de enfeixar sua poesia no interior da região amazônica. A força dessa proposta reside no modo crítico como filtra essa dialética e apresenta-a em sua cidade escrita.

Além da esfera formada pela tecnologia e pela arte, Astrid Cabral tematiza influências cinematográficas e impactos socioeconômicos em “Visgo da terra”. “Elegia derramada”, outro texto dedicado a Manaus, é o poema em que aquelas noções de proximidade e distância estão mais latentes. O verso advém como fluxo que possui uma trajetória interna: inicia nos cinemas da cidade, passeia por ruas, praças, objetos, meios de comunicação e transporte, enveredando, ainda, por questões econômicas até chegar à imagem final do Rio Negro, enfeixando sua “Manaus de águas passadas”.

Sua elegia é formada por uma única estrofe, dividida em nove blocos de sentido e várias dimensões. Encabeçados sempre pelo nome da cidade, os conjuntos contêm períodos ora mais curtos ora mais longos, de modo que sejam produzidos encaixes sintáticos internamente e visuais entre si. É como se a estrutura do poema simulasse uma reprodução fílmica em uma tela, ficando ao encargo do leitor apenas acompanhar esse conglomerado de imagens como um espectador. Diante dos seus olhos passam “cacimbas” e as águas de um igarapé. Saindo desse plano meramente geográfico, percorrem-se os sons de “bondes dlém-dlém por ruas de pedra” e os cheiros de “borracha”, “bogaris”, “andiroba” e “pau-rosa”, por exemplo, até chegar às “cestas de vime” dos vendedores de mercado (CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 87). Diferentemente da lentidão em Luiz Bacellar, existe maior dinamismo na elegia de Astrid Cabral. A presença de onomatopeias e sinestesias compõe estratos dessa cidade escrita, em uma enumeração quase caótica de blocos de significação. Seus versos, porém, não deixam de conservar o estilo sintático-descritivo. Apresentar a vida agitada dessa cidade é um modo de caracterizá-la e diferenciá-la. Das vendas de alimentos ao movimento dos automóveis, a cidade está atrelada a teias de uma rede invisível, cujos fios apontam para fora dela.

Manaus de matinês que sabem a flertes e chicletes,

Chaplin, bangue-bangues, Gordo e Magro, astros e brilhar

nas telas dos cines Politeama, Guarany, Avenida e Eden.

Noturnas madrugadas de sinos, galos e lerdas estrelas,

altura de lua morosa, sobras de chuva pelas sarjetas.

No púlpito da Matriz o padre possesso vocifera contra

comunistas e protestantes e joga as chamas do inferno

para apagar os irreverentes bocejos nos bancos da igreja.

(CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 87).

O texto é escrito com estilo rápido, afeito a flashes cinematográficos, arrolando personagens e ações aos nomes de quatro cinemas conhecidos em Manaus até a década de 196014 14 Ainda de acordo com José Vicente de Souza Aguiar (2002, p. 132), “os cinemas foram os únicos meios de diversão da visualização dos atos em tela, porque a televisão chegou aqui [em Manaus] somente em 1969”. . A referência a esses lugares insere uma camada histórica sobre a cidade literária com remissão a filmes internacionais que chegavam à época. Além disso, quando o olhar da poeta muda de direção e avança sobre a praça da Igreja da Matriz, oferece outro sinal do tempo, remetendo à política polarizada, formada por conservadores e comunistas em “comícios de loucos rivais/ políticos: pessedistas, pessepistas, petebistas, udenistas” (CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 88). A dialética local-global reaparece no poema com a presença da sétima arte, ao lado do impacto político nacional matizado em disputas locais.

Se no bloco anterior o olhar do sujeito poético passeava pelos filmes estrangeiros até as ruas, na última parte selecionada ocorre o contrário. O caminho é percorrido de dentro para fora, dos “flutuantes” até os fedores “tisnados de Europa” e “gringa maresia”, e aponta para a relação entre desenvolvimento combinado e desigual. O campo lexical contrastante entre “férreas pontes” e “hesitantes pinguelas”, além de “guindastes abastecendo a cidade” e “esnobes fomes”, põe uma questão ampla relativa a uma modernidade apoiada em relações de desenvolvimento combinado e desigual. Nesse momento, Astrid Cabral mostra sua perspectiva crítica sobre as figuras humanas que formam sua cidade escrita. As qualificações são centrais para a compreensão da crítica social que a poeta aplica sobre esse mundo marcado pela fome, pela malária e pela pobreza.

Manaus de banhos e agrestes piqueniques em picadas e igarapés,

passeios em férreas pontes e improvisadas hesitantes pinguelas,

flutuantes que são favelas em baixo-relevo no painel dos rios,

pardas praias em que aportam catraias de relutantes peixes,

cais de diligentes incansáveis guindastes abastecendo a cidade

de esnobes fomes de batata inglesa, manteiga da Holanda,

rubros queijos do Reino, vinhos da França, linhos da Irlanda

e mais mil cargas de sonhos e fugas estocadas nos anchos bojos

de vapores tisnados de Europa, vigias fedendo a gringa maresia,

âncoras nas mesmas águas de mendigas canoas e nativos gaiolas

abarrotados de gente carimbada de impaludismo e miséria.

(CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979., p. 88).

Afinada à exibição cinematográfica do mundo moderno, a cidade poética de Astrid Cabral é simultaneamente repleta de circunstâncias que impactam a vida social. Seus problemas urbanos são dispostos em série: infraestruturas de ferro ladeadas por pedaços de madeira; moradias precárias; e pequenos barcos para pesca. Tais elementos divergem absurdamente do comércio importador de produtos estrangeiros. Emerge a população, reforçando a distinção entre lugar e pessoas “fedendo a gringa maresia”, a “gente carimbada de impaludismo e miséria”, as mesmas com “mil cargas de sonhos e fugas”. Atrelado a isso, a desigualdade gerada no âmbito do capital manifesta-se como consumo de bens de luxo, enquanto os pobres não têm lugar nessa cidade, reduzindo-se a “mendigas canoas e nativos gaiolas”, elucidando embarcações próprias ao norte do Brasil. Tal conglomerado concorre para o mesmo ponto nodal às margens do Rio Negro. O porto é o lugar de encontro entre a riqueza de produtos europeus e a pobreza dos habitantes locais. Nele, todos se misturam, de modo que haja uma inversão de valores quando da apresentação desse mundo maculado pelas marcas europeias. As figuras humanas, por sua vez, também não recebem a mesma valoração que as mercadorias. O sujeito poético andarilho aplica uma ironia mordaz sobre aquelas pessoas ao retratar o tipo de fome de quem aporta no Amazonas. Com efeito, Astrid Cabral denuncia a condição de viajantes que não passam de refugiados, além da chegada dos que são marcados pela malária e pelas baixas condições de vida.

É fato que o título dado pela autora inspira uma atenção ao passado. Se a elegia é um poema tradicionalmente triste e lutuoso, no qual se faz uma lamentação e se canta uma perda, derramá-la torna-se a ação pela qual a poeta deixa vazar todo o sentimento que possui pelo espaço urbano. A acepção popular do que não possui mais remediação, porém, confere outro tom ao texto. As observações da poeta são corrosivas e denunciam claramente os problemas socioeconômicos de uma cidade no interior da Amazônia. Consequentemente, essa cidade escrita apresenta o compasso desigual das relações do capital em uma sociedade moderna e brasileira em desenvolvimento.

A diferença mais marcante entre os observadores das cidades literárias concerne ao foco. Em Frauta de barro (BACELLAR, 2011BACELLAR, Luiz. Frauta de barro. 9. ed. Manaus: Editora Valer, 2011.), há o específico, o localizado, onde a identificação com o lugar ainda existe; em Ponto de cruz (CABRAL, 1979CABRAL, Astrid. Ponto de cruz. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979.), as conexões globais interferem na dinâmica urbana, seja no plano artístico, seja no campo propriamente econômico. Não seria exagero relacionar ao primeiro caso as ruas de Jorge Luis Borges (1996, p. 17)BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Tomo I. Buenos Aires: Emecé Editores, 1996., que “Son para el solitario una promesa/ porque millares de almas singulares las pueblan”, conforme os versos de “Las calles”15 15 “São para o solitário uma promessa/ porque milhares de almas singulares as povoam” (BORGES, 1999, p. 8). . O redimensionamento para o ponto de vista do subúrbio e os traços sombrios daquelas ruas encontram eco nos becos e nas ruas em Frauta de barro. A afinidade entre os poetas reside no olhar voltado ao subúrbio e não aos locais centrais das respectivas cidades, esses marcados pela arquitetura europeia. Em estudo primoroso sobre o caso argentino, Beatriz Sarlo indica:

As orillas, o subúrbio, são espaços efetivamente existentes na topografia real da cidade e, ao mesmo tempo, só podem ingressar na literatura quando pensados como espaços culturais, quando se lhes impõe uma forma a partir de qualidades não só estéticas, mas também ideológicas. Realiza-se, então, um movimento triplo: reconhecer uma referência urbana, vinculá-la a valores, construí-la como referência literária. Nessas operações não se compromete apenas a visão “realista” do subúrbio, mas também a perspectiva de onde ele é visto; há ainda uma opção temporal em relação ao cenário construído, que define se o subúrbio será escrito no tempo presente ou no passado: se será o espaço da nostalgia ou da experiência contemporânea à enunciação dos textos. (SARLO, 2010SARLO, Beatriz. Modernidade periférica: Buenos Aires 1920 e 1930. Tradução Júlio Pimentel Pinto. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 327).

Ora, tais considerações se aproximam da poesia de Luiz Bacellar quando se referem à modificação da perspectiva para o ambiente popular do subúrbio (caso expressivo de “Romanceiro suburbano”). O foco não é o esplendor da arte europeia, que tem no Teatro Amazonas seu símbolo mais robusto. Pelo contrário, é a voz do povo, as coisas desse mesmo povo, permeado de causos que costumeiramente são postos à margem do fazer artístico. Uma diferença, porém, não deve ser esquecida. A cidade de Luiz Bacellar não guarda um retrato da Manaus histórica. Ela é reinvenção que filtra os causos populares e marginais.

Por sua vez, o olhar severo sobre o estrangeiro em Astrid Cabral denuncia uma Manaus escrita feita de farrapos, renovando o que foi sinalizado pelo célebre verso de “Inspiração” em Paulicéia desvairada - “Galicismo a berrar nos desertos da América” (ANDRADE, 1987ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1987., p. 83). Em estudo sobre a poesia de Mário de Andrade, Celia Pedrosa (2011PEDROSA, Celia. Ensaios sobre poesia e contemporaneidade. Niterói: Editora da UFF, 2011., p. 56) informa que a linguagem “institui um sujeito em constante deslocamento por um espaço caleidoscopicamente mutante, retomando, assim, de modo mais radical, a relação entre os temas da viagem e da liberdade que, desde o pré-romantismo, vai caracterizar a literatura moderna”. Com essas palavras, o trabalho crítico sugere que, para avaliar os passos do andarilho, é preciso observar como ele constrói o espaço pelo qual caminha. Luiz Bacellar estaria mais próximo do vagar drummondiano, enquanto Astrid Cabral, da agilidade marioandradina, mesmo que sua cidade não se mostre por uma lente caleidoscópica. Essa segunda forma de olhar a paisagem sugere os efeitos do crescimento urbano desenfreado sobre um sujeito poético que estaciona o pensamento diante do rio Tietê. Situação similar encontra-se nessa meditação sobre a “Manaus de águas passadas”.

Ambos os amazonenses se põem na contramão da ideia feroz de progresso. O aproveitamento crítico dessas questões expressa perspectivas sobre cidades inscritas em tempos distintos, os quais refuncionalizam a tópica do poeta que canta a cidade no interior de cada livro. O que está em evidência para esses autores é a possibilidade de seus sujeitos poéticos percorrerem as transformações pelas quais seu próprio espaço passou (uma redescoberta de “suas próprias terras”, talvez?). Para tanto, canibalizam traços comuns a certa tradição, torcendo-a e subsumindo-a no interior da matriz que compõe suas obras.

Ao fim, a oposição entre as duas poéticas procura mostrar o processo de mudança na criação literária ao norte do Brasil. Tomado pela tópica em causa, nota-se a reconfiguração do urbano atrelada a diferentes projetos poéticos.

  • Este texto é oriundo de estudos que contaram com fomento concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp - Processo n. 2018/07075-0, bolsa de doutorado no país). Trechos do artigo fazem parte da tese apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (MOURA, 2022MOURA, Fabio Fadul de. De máscaras errantes a poéticas andarilhas: a reinvenção da viagem em Luiz Bacellar e Astrid Cabral. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2022.).
  • 2
    Para Berardinelli (2007, p. 145)BERARDINELLI, Alfonso. Cidades visíveis na poesia moderna. In: BERARDINELLI, Alfonso. Da poesia à prosa. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 143-173., no sistema Baudelaire, “subsiste o promeneur”, caminhante, cuja “solidão necessita banhar-se na multidão para perceber a si mesma e, assim, em lugar da mãe Natureza, temos a mãe Cidade, uma mãe prostituta, cuja beleza é sinistra e fria, a beleza de uma viúva desconhecida, cujo Eros carregado de promessas narcóticas só pode reluzir numa rua apinhada e barulhenta”, o que faz da cidade literária de Baudelaire “o lugar da melancolia, da perda contínua, da passagem”, pois a simultaneidade de seus traços carrega, de um lado, seu caráter realista e, de outro, seu caráter espectral. No primeiro caso, encontra-se o privilégio da visão panorâmica, a descrição detalhada do real; no segundo, o encontro, o choque com o real, responsável pela “inapreensão” do efêmero.
  • 3
    No sistema Whitman, “a modernidade e seu órgão social e técnico, a cidade, são um desenvolvimento da Natureza e a coroação de sua obra. A filantropia de Whitman é ilimitada. O bardo da Democracia adora a multidão, multiplica o seu eu por mil, acolhe cada um em si mesmo. O banho na multidão faz dele um titã imenso, uma subjetividade polimórfica” (BERARDINELLI, 2007BERARDINELLI, Alfonso. Cidades visíveis na poesia moderna. In: BERARDINELLI, Alfonso. Da poesia à prosa. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 143-173., p. 147). Por tais motivos, Berardinelli acredita que Whitman dissolve a realidade da cidade em realidade planetária e cósmica, louva o inumerável como substância unitária comum e incorpora a cidade no eu.
  • 4
    “As ruas de Buenos Aires/ já são minhas entranhas./ Não as ávidas ruas,/ incômodas de turba e de agitação,/ mas as ruas entediadas do bairro,/ quase invisíveis de tão habituais,/ enternecidas de penumbra e de ocaso” (BORGES, 1999BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Volume I. Tradução Glauco Mattoso e Jorge Schwartz. São Paulo: Editora Globo, 1999., p. 8).
  • 5
    Berardinelli (2007, p. 173)BERARDINELLI, Alfonso. Cidades visíveis na poesia moderna. In: BERARDINELLI, Alfonso. Da poesia à prosa. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 143-173. é econômico ao apresentar o caso borgiano, limitando-se a dizer que “já então se percebe (pela melancolia e nostalgia meta-histórica do poeta) que um mundo havia terminado”, o que o leva a concluir: “As periferias de que fala Borges são eternas como ideias platônicas”. Com efeito, revela que tais ruas são conservadas como ideia, portanto, como cifras do inacessível. É possível abstrair dessa leitura a memória como via pela qual o poeta acessa o mundo que não existe mais. Da disjunção entre o que as periferias borgianas são e o que elas foram, nasce a Buenos Aires escrita.
  • 6
    “Recife/ Não a Veneza americana/ Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais/ Não o Recife dos Mascates/ Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois -/ Recife das revoluções libertárias/ Mas o Recife sem história nem literatura/ Recife sem mais nada/ Recife da minha infância” (BANDEIRA, 1967BANDEIRA, Manuel. Obra completa. 2. ed. São Paulo: José Aguilar, 1967., p. 253).
  • 7
    Em “Balada do Bairro do Céu”, por exemplo, o observador-participante mostra no causo um produto cômico, soma da criação vocabular e do enredo. Allison Leão e Luana Aguiar Moreira (2020LEÃO, Allison; MOREIRA, Luana Aguiar. Processo de criação e gênese imaterial da poesia de Luiz Bacellar. Manuscrítica: Revista de Crítica Genética, n. 42, 2020, p. 209-218. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/manuscritica/article/view/178322. Acesso em: 24 jun. 2021.
    https://www.revistas.usp.br/manuscritica...
    , p. 215) indicam que o poeta é “um perspicaz observador da cultura e seus fenômenos, demonstra ter uma visão cômico-popular de mundo, de onde [vem] o traço irônico condutor da narrativa que paira sobre a cultura de um povoado”. Daí advém a inversão irônica imputada sobre o ato de violência no bairro cujo nome alude ao mundo celeste judaico-cristão. O poeta introduz na discursividade do espaço celestial aquilo que a corrompe; as figuras que lhes seriam sagradas são igualmente deturpadas quando ganham um corpo passível de ser machucado.
  • 8
    Em entrevista, Astrid Cabral localiza historicamente sua cidade nesse período (SELJAN, 2015SELJAN, Zora. Astrid Cabral e a força de uma poesia. In: CABRAL, Astrid. Sobre escritos: rastros de leituras. Manaus: Edua, 2015, p. 401-406.).
  • 9
    Trata-se de poema imediatamente anterior ao que se encontra acima.
  • 10
    O afinamento com as modernidades estéticas brasileira e estrangeira é perceptível em outros poemas, os quais evidenciam os autores-referência distribuídos pela obra. Por meio deles, o autor demonstra diálogos com o que está fora da cidade Manaus, no entanto, esse gesto corresponde a uma viagem estético-literária.
  • 11
    A respeito dos aparelhos de rádio nesse poema de Astrid Cabral, Carlos Guedelha (2014, p. 46)GUEDELHA, Carlos Antônio Magalhães. Manaus de águas passadas: a recriação poética de Manaus em Visgo da terra, de Astrid Cabral. Minas Gerais: VirtualBooks, 2014. apontou que “ocorre uma metonimização da realidade, sugerindo-se um mundo maior partido em pedaços, fragmentado, invadindo o ambiente da sala, onde o constante circular de parentes era indício de uma família numerosa”. O traço reforça a ideia de composição dos hábitos desse mundo poético, assim como suas inter-relações com o que é exterior.
  • 12
    José Vicente de Souza Aguiar (2002, p. 133 e 146)AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60. Manaus: Editora Valer, 2002. registra que o governo federal instalou o sistema de radiodifusão na cidade Manaus em 1970, de modo que, até aquele momento, as emissoras locais apenas captavam sinais de rádios estrangeiras (BBC de Londres, Voz da América, Rádio de Havana, Rádio Central de Moscou, Rádio Pequim, por exemplo).
  • 13
    Para Otoni Mesquita (2005, p. 226)MESQUITA, Otoni. La belle vitini: o mito do progresso na refundação da cidade de Manaus (1890-1900). 2005. 439 f. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005., “não se pode ignorar que a concretização desta obra exigiu uma transformação do espaço, provocando uma mudança do seu entorno, cujos efeitos repercutiam pela cidade. A construção deste monumento é um marco não somente arquitetônico na história da cidade, mas também social, pois o seu uso pela sociedade local provocou consideráveis mudanças de hábitos na população”. A história do Teatro Amazonas e, consequentemente, de toda a arquitetura ao redor dele corrobora as relações que o governo do Estado tinha com artistas europeus, principalmente italianos, antes mesmo do século XX (MESQUITA, 2005MESQUITA, Otoni. La belle vitini: o mito do progresso na refundação da cidade de Manaus (1890-1900). 2005. 439 f. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005., p. 226).
  • 14
    Ainda de acordo com José Vicente de Souza Aguiar (2002, p. 132)AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60. Manaus: Editora Valer, 2002., “os cinemas foram os únicos meios de diversão da visualização dos atos em tela, porque a televisão chegou aqui [em Manaus] somente em 1969”.
  • 15
    “São para o solitário uma promessa/ porque milhares de almas singulares as povoam” (BORGES, 1999BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Volume I. Tradução Glauco Mattoso e Jorge Schwartz. São Paulo: Editora Globo, 1999., p. 8).

Referências

  • AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60. Manaus: Editora Valer, 2002.
  • ANDRADE, Carlos Drummond de. Obras completas Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.
  • ANDRADE, Mário de. Poesias completas Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1987.
  • BACELLAR, Luiz. Frauta de barro 9. ed. Manaus: Editora Valer, 2011.
  • BANDEIRA, Manuel. Obra completa 2. ed. São Paulo: José Aguilar, 1967.
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  • BERARDINELLI, Alfonso. Cidades visíveis na poesia moderna. In: BERARDINELLI, Alfonso. Da poesia à prosa São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 143-173.
  • BORGES, Jorge Luis. Obras completas Tomo I. Buenos Aires: Emecé Editores, 1996.
  • BORGES, Jorge Luis. Obras completas Volume I. Tradução Glauco Mattoso e Jorge Schwartz. São Paulo: Editora Globo, 1999.
  • CABRAL, Astrid. Ponto de cruz Rio de Janeiro: Cátedra, 1979.
  • CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo São Paulo: FFLCH, 2007.
  • CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro 10. ed. São Paulo: Ediouro Publicações, 2005.
  • FROTA, Lélia Coelho. Prefácio. In: CABRAL, Astrid. Ponto de cruz Rio de Janeiro: Cátedra, 1979, p. 9-12.
  • GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade Tradução Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 1991.
  • GUEDELHA, Carlos Antônio Magalhães. Manaus de águas passadas: a recriação poética de Manaus em Visgo da terra, de Astrid Cabral. Minas Gerais: VirtualBooks, 2014.
  • LEÃO, Allison; MOREIRA, Luana Aguiar. Processo de criação e gênese imaterial da poesia de Luiz Bacellar. Manuscrítica: Revista de Crítica Genética, n. 42, 2020, p. 209-218. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/manuscritica/article/view/178322 Acesso em: 24 jun. 2021.
    » https://www.revistas.usp.br/manuscritica/article/view/178322
  • MESQUITA, Otoni. La belle vitini: o mito do progresso na refundação da cidade de Manaus (1890-1900). 2005. 439 f. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005.
  • MOURA, Fabio Fadul de. De máscaras errantes a poéticas andarilhas: a reinvenção da viagem em Luiz Bacellar e Astrid Cabral. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2022.
  • NATALI, Marcos Piason. A política da nostalgia: um estudo das formas do passado. São Paulo: Nankin, 2006.
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  • SARLO, Beatriz. A cidade vista: mercadorias e cultura urbana. Tradução Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
  • SARLO, Beatriz. A magia moderna: comunicação à distância. In: SARLO, Beatriz. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. Tradução Rubia Prates Goldoni e Sérgio Molina. São Paulo: Edusp, 2005, p. 271-287.
  • SARLO, Beatriz. Modernidade periférica: Buenos Aires 1920 e 1930. Tradução Júlio Pimentel Pinto. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
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  • VALLADARES, Clarival Prado. Restauração e recuperação do Teatro Amazonas Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 1974.
  • WHITMAN, Walt. Folhas de relva Tradução Geir Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Aceito
    23 Jun 2023
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