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Um passo à frente para a pesquisa brasileira em pediatria

EDITORIAIS

Um passo à frente para a pesquisa brasileira em pediatria

Harvey Marcovitch

FRCP, FRCPCH. Syndication editor, BMJ Publishing Group, London, UK

A pesquisa brasileira em pediatria parece saudável, ou, pelo menos, sua capacidade de conseguir ser publicada está melhorando. Dois relatórios otimistas escritos por Blank et al. contrastam com o pessimismo expressado em meu país de origem, o Reino Unido. No ano passado, o Jornal de Pediatria divulgou que a indexação no SciELO levou a um aumento de submissões de autores locais ao jornal, enquanto que a indexação no MEDLINE resultou, adicionalmente, em mais submissões de trabalhos de autores estrangeiros1. Este mês ficamos sabendo que houve um aumento de cinco vezes no número de artigos brasileiros sobre pediatria citados no MEDLINE de 1990 a 20042.

Há alguns anos, o Archives of Disease in Childhood publicou um comentário anônimo de um respeitado e experiente pesquisador no qual ele afirmava: "Vemos que a pesquisa clínica pediátrica no Reino Unido está ameaçada. No fim, isto poderá afetar a qualidade e a natureza do material submetido para publicação"3. Esse prognóstico sombrio pode ter se tornado realidade, como foi verificado em um levantamento feito nos 24 departamentos de pediatria das universidades do país, que demonstrou um declínio no número de pessoal acadêmico. Metade dos departamentos consideraram que o Programa de Avaliação de Pesquisa (Research Assessment Exercise - RAE) do Conselho para o Financiamento da Educação Superior da Inglaterra (Higher Education Funding Council for England) tinha contribuído para esse declínio4.

Blank et al. afirmam que, no Brasil, a publicação em revistas indexadas é um dos critérios importantes usados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para a classificação dos cursos de graduação. Não estariam guardando uma bomba-relógio semelhante para as universidades brasileiras?

Uma das razões para o aparente paradoxo de que o uso de uma medida de qualidade pode levar a uma qualidade pior é a natureza do fator de impacto (FI), o qual é usado por organizações e órgãos governamentais financiadores de pesquisa para classificar a produção científica. Os dois artigos publicados no Jornal de Pediatria chamam a atenção para a inadequação da contagem de citações. Editores hábeis (ou espertos) de muitos países desenvolveram formas de subverter o cálculo do FI de suas revistas por meio da manipulação de contribuições, encontrando formas de diminuir o denominador da equação de cálculo do FI, ou incentivando a autocitação de artigos recentes. Exemplos incluem a publicação de vários editoriais e cartas que citam artigos publicados recentemente na revista e a mudança da designação de artigos de pesquisa curtos, publicando-os como cartas5,6.

Quando Eugene Garfield criou o FI, seu objetivo era achar uma forma confiável e reproduzível de classificar periódicos. O fator não foi criado para medir o valor de artigos individuais ou avaliar a qualidade de uma equipe de pesquisa; entretanto, ele tem sido usado dessas duas maneiras no mundo todo. Acredito que isso corrompa, em vez de melhorar, o modelo de comunicação ao qual deveríamos aspirar. O objetivo de qualquer cientista ou médico é, sem dúvida, chamar a atenção de seus pares e colegas para seu trabalho, de forma a receber um retorno proveitoso. Idealmente, isso deveria tomar a forma de debate da validade dos resultados, sugestões de outras pesquisas a serem feitas para elucidar o problema, ou mesmo a integração dos resultados em suas próprias investigações. De forma menos altruísta, mas talvez mais realista, publicar em periódicos de alto impacto também aumenta a reputação do autor, melhora seu currículo, ajuda em suas eventuais promoções e aumenta sua renda.

Mas há um custo. Um acadêmico experiente da área de obstetrícia me contou que sua universidade exige que qualquer artigo escrito por ele seja primeiro enviado para o New England Journal of Medicine ou para o Lancet, mesmo quando ele sabe que as chances de aceitação são mínimas, de modo que o que acontece é que o processo de comunicação só se torna mais lento. Só após ter sido rejeitado é que seu artigo recebe permissão para escorregar discretamente abaixo na rampa do impacto. O chefe de departamento de pós-graduação de uma instituição no Reino Unido se referiu à revista nacional da especialidade de seu departamento como uma revista "Mickey Mouse": ele estava feliz por seus colegas pesquisadores serem leitores, mas não autores. Quando eu era editor do Archives of Disease in Childhood, ficava intrigado com a falta de submissões de trabalhos de pneumologistas pediátricos do Reino Unido, até que me dei conta de que eles preferiam enviar seus artigos para o Thorax, uma revista com impacto mais alto, também publicada pelo BMJ Publishing Group. Eu achava que suas pesquisas deveriam ser lidas por pediatras em vez de pneumologistas de adultos, mas as exigências do RAE os obrigavam a buscar um FI mais alto, sem levar em consideração quem depois leria seus trabalhos.

O que essa abordagem ignora é o fato de que trabalhos publicados em periódicos de alto FI nem sempre conseguem uma alta taxa de citação. Isso se deve especialmente à dominação dos Estados Unidos na área de publicações acadêmicas, com um reconhecido viés favorecendo a citação de trabalhos norte-americanos. Interesses de outros países podem ser prejudicados por causa disso. Por exemplo, em 1989-1993, levando em consideração as revistas em que eram publicados, artigos médicos da Turquia tinham uma taxa esperada de citação de 1,3 (em relação à média mundial). A taxa efetiva foi de apenas 0,37.

Os editores, é claro, têm respostas para isso. A mais óbvia é trabalhar duro para aumentar o FI de suas revistas. Menos óbvio é engolir seu orgulho e publicar excertos curtos ou comentários sobre trabalhos importantes publicados em outras revistas. Os pesquisadores ganham pontos para a CAPES (ou RAE) enquanto o modelo essencial de comunicação de passar a mensagem para aqueles que têm que lê-la é satisfeito. Podem, também, indicar outros índices úteis, tais como a taxa de acessos (hit rate) a seus artigos publicados on-line, ou o total de citações e a meia-vida dos artigos, índices obtidos da Thomson Scientific por meio do serviço por assinatura Web of Science. Alguns editores têm sugerido que suas revistas, e conseqüentemente a pesquisa que elas contêm, deveriam ser julgadas por sua influência. Mas como julgar influência? Alguns exemplos retirados do BMJ: um declínio imediato e sustentado no uso de albumina a 4,5% e 20% em unidades de tratamento intensivo após a publicação de uma revisão sistemática crítica; uma redução de aproximadamente 40% no número de prescrições após a publicação, na primeira página de um jornal diário popular, de dados de um trabalho sugerindo que a minociclina não deveria ser a droga de escolha no tratamento da acne; e as quedas nos valores das ações das companhias farmacêuticas após a publicação de resultados desfavoráveis8.

É claro que, antes de reclamar da ditadura do FI, deve-se construir as fundações de uma comunidade de pesquisa saudável. Se isso significa lutar para ter publicações em revistas internacionais, então os editores das revistas nacionais têm que aceitar o inevitável, ou seja, que podem perder a melhor pesquisa de seu país para outros países, da mesma forma que revistas generalistas competem com revistas especializadas. Afinal de contas, isso não deve impedi-los de fazer suas revistas interessantes e agradáveis, ao mesmo tempo em que incentivam a diligência e o talento, especialmente entre pesquisadores jovens.

Nesse aspecto, o Brasil está se saindo bem. A Figura 1 do artigo escrito por Blank et al. em 2005 mostra um aumento significativo nas submissões ao Jornal de Pediatria desde sua inclusão no SciELO e no MEDLINE e um importante salto no número de submissões por autores estrangeiros em conseqüência de sua inclusão no MEDLINE. A queda concomitante na taxa de aceitação pode ser desanimadora para alguns autores, especialmente jovens médicos que submetem relatos de caso, mas isso representa uma melhora na qualidade. Ao mesmo tempo, em 15 anos, houve um aumento absoluto de 404% no número de artigos brasileiros sobre pediatria citados no MEDLINE (comparado a um aumento de 61% no número de todos os artigos nessa categoria)2.

Blank et al. mencionam a falta de publicações em periódicos de alto impacto, mas esses periódicos são notoriamente difíceis de alcançar. Poucos trabalhos originais são publicados nas revistas internacionais mais importantes, e os que conseguem ultrapassar as barreiras editoriais e da revisão por pares tendem a ser estudos randomizados baseados em evidências bem desenhados e generosamente financiados, ou metanálises e revisões sistemáticas. Estudos observacionais, dados transversais e séries de casos não recebem atenção.

Os autores brasileiros aparecem bem, entretanto, em alguns jornais internacionais com um FI intermediário. Por exemplo, de janeiro de 2001 a fevereiro de 2006, o BMJ aceitou 8 de 87 trabalhos brasileiros. Pode não parecer muito, mas a taxa de aceitação da revista para trabalhos originais é de apenas aproximadamente 7%. Os trabalhos dos EUA e do Reino Unido têm taxas de aceitação mais altas (12,5% e 16,1%, respectivamente), mas muitos são editoriais, comentários ou outros trabalhos encomendados, que têm intrinsecamente menos chances de ser rejeitados. Restringindo-se à área de pediatria, nos últimos 5 anos, houve 42 submissões de trabalhos brasileiros para o Archives of Disease in Childhood, quatro das quais foram aceitas; um número abaixo da taxa geral de aceitação de artigos originais, que é de aproximadamente 20%. Esses números, gerados pelo sistema de acompanhamento eletrônico de originais da revista, não me permitem julgar se isso é resultado de má qualidade, viés editorial, preconceito de revisores ou percepção da falta de relevância do assunto para leitores predominantemente europeus e australianos. Os autores rejeitados, entretanto, devem ter em mente dois fatos: o processo editorial contém muitos passos arbitrários. E a vida é injusta mesmo.

Referências

1. Blank D, Buchweitz C, Procianoy RS. Impact of SciELO and MEDLINE indexing on submissions to Jornal de Pediatria. J Pediatr (Rio J). 2005;81:431-4.

2. Blank D, Rosa LO, Gurgel RQ, Goldani MZ. Brazilian knowledge production in the field of child and adolescent health. J Pediatr (Rio J). 2006;82:97-102.

3. Anonymous. UK pediatric clinical research under threat. Arch Dis Child. 1997;76:1-3.

4. Levene M, Olver R. A survey of clinical academic staffing in paediatrics and child health in the UK. Arch Dis Child. 2005;90:450-3.

5. Seglen PO. Why the impact factor of journals should not be used for evaluating research. BMJ. 1997;314:497.

6. Van Dienst PJ, Holzel H, Burnett D, Crodker J. Impactitis: new cures for an old disease. J Clin Pathol. 2001;54:817-9.

7. Braun T, Glanzel W, Grupp H. The scientometric weight of 50 nations in 27 science areas 1989-93. Part II. Life Sciences. Scientometrics. 1996;34:207-37.

8. Abbasi K. From impact factor to influence, a PowerPoint presentation. http://bmj.bmjjournals.com/talks/journal_impact_and_influence/index_files/frame.htm.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2006
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